Exibindo o prémio ganho em Sun City O importante foi ter estado entre os nomeados Ele é o músico moçambicano do momento. Vive na Cidade do Cabo, África do Sul, há dez anos, tempo que se foi definindo como artista. Toca saxofone, que aprendeu ainda criança, na Escola Nacional de Música, e com o professor Orlando da Conceição, em Maputo. Aperfeiçoou depois nos grupos por que passou: Ghorwane, Nondje... e foi ao Cabo porque queria aprender mais, deixando para trás o pequeno mundo que, infelizmente, ainda é Moçambique. Moreira Chonguiça, o artista de quem falamos, é hoje um senhor da música, muito por força do que faz quando vai aos palcos e do seu disco de estreia, “The Journey”. Este álbum, em que mistura o seu gosto pelo jazz e as suas influências na música, desde os ritmos tradicionais moçambicanos e internacionais. Moreira está, nos dias que correm, bem perto do céu, pois acaba de ver a sua criatividade reconhecida ao ser distinguido com o prémio para melhor produtor na edição deste ano dos “South African Music Awards” (SAMA), entregues recentemente. Nas linhas que se seguem, revisitamos com este jovem artista, de 30 anos, a sua carreira que já leva uma longevidade aceitável. Fala dos seus horizontes e, claro, da satisfação pelo prémio e pelo momento que atravessa. Diz ele, sobre o SAMA, um dos maiores prémios musicais em países africanos (apenas abaixo dos KORA, os African Music Awards), que... Maputo, Quarta-Feira, 2 de Maio de 2007:: Notícias - Os SAMA têm a importância de reconhecer e/ou projectar o artista. No seu caso, que logo no primeiro trabalho teve três nomeações, que significado teve vencer uma delas, a referente a melhor produtor (em parceria com Mark Fransman)?Muito especial, porque estou a trilhar o meu caminho sem pensar em prémios. Penso, isso sim, em crescer, em fazer mais do que faço no momento. Essa é que é a minha filosofia e a minha ambição passa por chegar mais longe do que estou agora. Em relação aos SAMA, que são prémios muito ambicionados na África do Sul, posso dizer que me sinto bastante honrado. Foi excitante em Sun City (a 14 de Abril) ver o título do meu disco ser anunciado para vencer uma categoria... - ... uma de três, pois também foi nomeado para as categorias de melhor novo artista (novo a gravar) e melhor álbum de jazz... - Mesmo assim! Quando tive a notícia das nomeações fiquei radiante, porque é sempre bom sermos nomeados para esta espécie de Grammy por cá. Penso que ter sido nomeado no meio de grandes nomes que normalmente fazem as listas de nomeações desses prémios foi por si uma vitória para mim. As minhas expectativas nunca tinham sido vir a ser nomeado, mas sim crescer, crescer, crescer. Portanto, ganhar foi o adicionar uma alegria a outra alegria que já tinha, que era, como disse, estar entre os nomeados. - A sua produtora é nova e o mais vistoso trabalho que trouxe à música é precisamente o seu disco, “The Journey”, do seu “Moreira Project Volume 1”. Porque é que escolheu criar uma produtora ao invés de gravar por uma das várias e multinacionais já estabelecidas? - O mais importante na música, para o artista, é que ele faça as coisas como ele quer, como ele pensa, para que o público também perceba como é que o artista pensa e trabalha. O mais importante ao ter uma produtora é para mim viável em todos os pontos de vista. Queremos fazer as coisas da maneira como achamos que é melhor, de modo a que o público se aperceba o que é que nós, jovens reunidos numa equipa dinâmica, com visão, anda e andará a fazer. As editoras e produtoras que já existem têm a sua maneira de trabalhar e nós a mesma, o importante é que com a presença ou ausência das produtoras pequenas ou multinacionais a música exista e cresça. E eu sou apologista do crescimento da música porque estou na música para a música. - Que retrospectiva faz hoje da sua carreira, a começar pela sua saída de Moçambique para estudar no Cabo? - Quando cheguei à África do Sul houve pessoas que disseram “Moreira, não entre por aqui, vai por ali, penso que deves proceder assim não daquela maneira”, que são os moçambicanos que estavam lá há mais tempo. Muito em particular, a primeira pessoa foi o Jimmy (Dludlu), que me introduziu ao resto de todos os compatriotas que já lá estavam e aos outros músicos profissionais de lá. Penso que aproveitei bem os conselhos de pessoas como esta. Saí daqui, do Ghorwane, para um mundo em que tinha que contar comigo mesmo, a diferença é de dia para noite. Lá encontrei o Jimmy e ele me dizia cuidado com isto, cuidado com aquilo, e por isso tenho que lhe agradecer, pois eu ouvi, medi, balancei os seus conselhos, tirei o máximo de proveito deles e, graças a Deus, conheci vários grandes artistas e praticamente me inseri no vasto mundo da música em que estou hoje. Contribuir para a música moçambicana e africana - Quando saiu a ambição era a de se tornar num músico de grandes palcos. Está realizado quanto a isso?- Fundamentalmente queria estudar. Estudar aquilo que sonhei como projecto de vida. E para isso tinha que traçar a minha primeira meta: acabar o curso a tempo, pois tinha se não o fizesse não teria dinheiro para continuar com os estudos. O meu pai não poderia estar a pagar para eu estudar para além do tempo normal do curso. Sobre as minhas ambições, se estou realizado ou não, eu considero-me ainda muito jovem, um jovem que saiu de Moçambique no momento certo, para um lugar certo onde encontrei as pessoas certas para o que queria fazer, para o que estou a fazer. Agradeço os meus pais, os meus amigos e todas as pessoas que encontrei doutro lado (no Cabo). Maputo, Quarta-Feira, 2 de Maio de 2007:: Notícias - A sua escola o que foi, que contributo dará à música moçambicana a partir do que adquiriu na África do Sul? - Quero contribuir não só para a música moçambicana, mas para a música em geral. Trabalho em jazz e nós, tanto em Moçambique como no continente, temos sons que podem entrar para este estilo. Estudei jazz quando fiz a licenciatura (fez os estudos até ao mestrado) e penso que tenho bases suficientes para trabalhar neste estilo. Mas também vou documentar música, que foi a minha especialidade no mestrado. Porque o que acontece com a música em África e na África Austral. Nesta nossa zona, tirando a África do Sul, que é uma excepção porque lá música está muito bem documentada, não temos isso. Moçambique, Angola, Botswana, Zimbabwe, Malawi, etc., não temos muito documentado sobre os nossos artistas. Se eu quiser quaisquer informações sobre a música moçambicana dos anos 40 tenho-a muito pouca. Terei dados apenas em fontes orais, o que apesar de não ser mau não é suficiente nem satisfatório. É necessário documentar a nossa música e eu vou fazer isso. Eu estou a estudar musicologia também para isso e gostaria que muitos se interessasse por projectos como este. - Chegou à África do Sul há uma década e praticamente já está lá implantado. O que foi determinante para essa integração?- O que posso dizer é o seguinte: abrirem-te as portas e darem-te as bases não é tudo. Há que saber o que fazer com essas bases. Acho que o que é determinante nisso é a personalidade das pessoas. O profissionalismo é fundamental. Saber o que queremos também é fundamental. - E o que é que tu queria? - Eu de tudo fiz para ser profissional. E queria também trabalhar para ser reconhecido. Por exemplo saber que ia tocar com (já falecido) Sipho Gumede (com quem já trabalhou algumas vezes nos seus primeiros tempos na Cidade do Cabo) e depois do espectáculo ele voltar para casa e conversar com outros músicos que vão para Cape Town e precisarem de um saxofonista para lhes acompanhar e ele dizer “há o Moreira”. Porque é que ele disse e vai dizer Moreira? Não apenas porque toca bem, mas porque tem boa atitude, chega a tempo aos ensaios, faz o trabalho de casa, aprendendo as músicas como deve ser e não tem atitudes de superstar. Penso que este é o meu perfil, dou tudo para que seja e gostaria que os outros assim procedam, os que não têm esta postura. - É um conselho que dá aos outros colegas de arte ou é uma crítica, já que diz faltar um bocado disso a muitos? - Não penso que seja nenhuma forma de crítica ou de conselho. Parto do princípio de que cada um de nós deve estar consciente do que faz. É uma maneira que encontro para descrever o que seria ideal para qualquer músico, qualquer artista, qualquer profissional. Se um músico é profissional e toda a estrutura que o envolve também for profissional, então muita coisa ficará bem. A nossa atitude para a vida é fundamental. Moreira Project é o que pretendo como músico - Como é que se define como artista, depois da formação e da experiência adquirida ao longo destes anos? - É tão simples como isto: quando saí daqui não sabia muito de música africana. Se sabia de alguma coisa, foi graças à minha família, amigos. Estava dentro e “straight ahead” jazz e nada mais. É verdade que já me tinha envolvido com artistas como o Kawai (Kapa Dêch), Stewart, Salimo, Ghorwane, todos no Desportivo, onde aprendi e tive alguma influência da música ligeira moçambicana. Quando saí daqui, foi para aprender. E aprendi muito inclusive coisas que pensava que sabia. Depois de tudo isso, de me perguntar, várias vezes, cheguei à conclusão de que faço música. Não faço jazz, não faço funky nem R&B. Sou moçambicano e tudo o que faço, independentemente das influências que transporto dentro de mim, penso que é correcto dizer que faço música moçambicana. Se faço jazz, funky, hip-hop, é jazz moçambicano, funky moçambicano, hip-hop moçambicano. Entre aspas faço world music. Se ha rap e hip-hop brasileiro... Maputo, Quarta-Feira, 2 de Maio de 2007:: Notícias - Está a trabalhar com a sua banda, o Moreira Project, com que gravou “The Journey”. Como é que nasceu e o que é esta banda?- Nas minhas bandas anteriores, que já trouxe nas diferentes vezes que vim cá tocar, tocava “hundred per cent” jazz clássico. Depois, numa outra fase, quando comecei a tocar alguns temas originais, que foi o “Moreira and Celebration”, com pessoas como Silvester Mazinyane, que foi uma segunda fase. O Moreira Project é, digamos, a actual fase da minha vida artística. É aquilo que eu pretendo comigo como músico, que é a mistura de várias formas de música que aprendi ou que esteja envolvido e que aprendo e me envolvo todos os dias. Quero fazer fusão, quero fazer world music. - Este Moreira Project é apenas um projecto ou é a sua banda definitiva? - É um projecto que vem para ficar. Sei que as pessoas dirão “os projectos acabam...”. não sei se comigo será assim. Mas eu quero que fique. É project até eu me ir embora um dia.- Que comparação é que faz entre o seguinte: trabalhar profissionalmente como músico na África do Sul e aqui, onde a realidade é outra e que conheces bem. - É difícil fazer essa comparação. Só há que olhar para parâmetros simples como a estruturação das nossas indústrias musicais. Na África do Sul ela está muito bem estruturada. A legislação, a própria Constituição do país protege o músico. E os músicos em si estão organizados. Em Moçambique, direi que por falta disso ainda é difícil alguém viver de música. Não sei se alguém aqui consegue facilmente pagar a renda de casa e a escola do filho apenas dos ganhos obtidos na música. Sejamos honestos, aqui estamos ainda muito longe do ideal, longe mesmo do que seria a periferia de uma razoável organização da indústria musical. É um bocado desonesto comparar a África do Sul e Moçambique nesse aspecto. A única comparação que posso fazer é a nível de talento. Tenho a certeza e digo uma coisa: nós estamos em cima dos sul-africanos em termos de música, em termos de talento. Já viste a quantidade de músicos que nós temos lá, a quantidade de moçambicanos que toca com e nas bandas sul-africanas. Estamos a tocar música muito avançada. Imagina agora se estivéssemos devidamente organizados! É pena estarmos no estágio em que nos encontrámos, o que para uma solução não depende apenas dos músicos, mas também das pessoas que fazem a legislação, etc.- Conhecendo bem as realidades moçambicana e sul-africana, o que acha que Moçambique pode aproveitar para ter uma boa indústria musical?- É muito simples! Os sul-africanos já aproveitam dos moçambicanos, em termos de talento, e nós temos que aproveitar o que eles também têm de bom. Intercâmbios regulares, que penso serem muito bem possíveis porque temos vantagens mútuas como a proximidade territorial, penso que podem ser muito bons. Temos que começar a trazer esses produtores e empresários da música para podermos crescer com eles. Trazer gente que entenda bem da gestão dos direitos do autor e outras coisas. É claro que para isso é necessário algum investimento. Que se invista, então. GIL FILIPE