BRUNO HENRIQUE SOARES DE OLIVEIRA CIDADE IDEAL VERSUS CIDADE REAL UMA PROBLEMÁTICA DA ARQUITETURA RENASCENTISTA Artigo apresentado como trabalho de aproveitamento a disciplina de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo I à Professora Doutora Cynthia Nojimoto, responsável pela disciplina ministrada no curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro “Victório Cardassi”. BEBEDOURO 2014 INTRODUÇÃO A arquitetura renascentista abrange uma vasta produção em quantidade e diversidade. Toda essa dimensão admirável provém da relação entre de dois fatores fundamentais: o período histórico em questão e a disseminação desta nova prática arquitetônica em quase todo o território italiano, após os primórdios na Toscana e o apogeu na Roma Papal. Tal cronologia e regionalização associadas tiveram como resultado o pluralismo de soluções e repertórios utilizados. Os fatores urbanísticos que, nos séculos XV e XVI, determinaram a transformação da cidade medieval e concorreram para definir uma nova estrutura e configuração do espaço urbano, além de uma nova concepção dos valores históricos e políticos da cidade. (ARGAN, 1.999, p.55) Em síntese, o Renascimento pode ser destacado como um grande experimento de racionalização da vida humana. Para construir a sua sorte e o destino da humanidade, os homens daquela época fixaram normas de conduta e regulamentaram cada aspecto da vida prática. Essa necessidade de impor uma racionalização à vida individual e coletiva atingiu à arquitetura renascentista. As cidades medievais haviam se desenvolvido de maneira desorganizada, porém essa estruturação foi substituída pelas iniciativas de monárquicos desejosos de ampliar seu poder e de instaurar a ordem. Por meio da formação da cultura humanista, uma percepção nova dos principais valores da natureza e da história, surgiu uma ciência ou teoria referente à concepção das cidades denominada urbanística. E não se deve afirmar em mera coincidência, o fato de tais transformações urbanísticas brotarem em cidades italianas estruturalmente “decadentes”. Florença e Roma abrigavam uma comunidade burguesa ativa pronta para receber transformações importantes a fim de atingirem o ápice de “cidades ideais”. Em meio a este cenário, destaca-se o nome de Filippo Brunelleschi (1.377 – 1.446) e o surgimento de uma nova maneira de trabalho, elevando o trabalho do arquiteto a um rigor cultural e intelectual, e fundando “uma arquitetura baseada na razão humana e no prestígio dos modelos antigos, capaz de organizar e controlar todos os espaços necessários à vida do homem, mas baseada em formas simples e repetidas (...)” (BENÉVOLO, 1.997, p. 403). Assim, visa no presente texto destacar a importância de novos elementos inseridos em uma arquitetura em desenvolvimento e suas significativas transformações para a ciência em questão. O PROJETO E A PERSPECTIVA APLICADOS EM BUSCA DE UMA CIDADE IDEAL A nova arquitetura renascentista propõe a utilização de duas premissas fundamentais. A primeira se refere à utilização de figuras geométricas relacionadas à matemática; já a segunda, aborda a reutilização das tradicionais ordens clássicas gregas e romanas. Este novo conceito procurava estabelecer um contraste entre as arquiteturas medievais e a arquitetura clássica, a fim de reafirmar o conceito de beleza como expressão da verdade. Para isso, vale ressaltar o importante papel dos tratados de Vitrúvio que, incorporados a novos elementos e comentários, deu origem a novos tratados que, neste período, procurava relacionar a Antiguidade e transmití-la na Era do Humanismo. Destacam-se os textos de Leon Battista Alberti (1.452) e Giácomo Barozzi da Vignola (1.562). Além de tais textos importantes, destaca-se a transformação que ocorreu com a figura do arquiteto. Se no período medieval este era um artesão que projetava e trabalhava nas construções, com o advento do Renascimento, Brunelleschi estabelece importantes inovações no campo arquitetônico. Há, a partir deste período, uma distinção entre arquitetos e operários. Os primeiros estão relacionados com o desenho do projeto, enquanto o outro grupo fica a cargo da execução do mesmo. Na confecção dos projetos, elementos proporcionais, métricos e físicos tornaram-se fundamentais para dar “forma” à obra; sendo que tais caracteres tinham uma identidade típica da Antiguidade Clássica, ou seja, foram retirados dos modelos antigos. Assim, surge nas cortes italianas a figura do arquiteto moderno. Além de Brunelleschi e Alberti, destacam-se Donato Bramante (1.444 – 1.514), Andrea Palladio (1.508 – 1.580), Giulio Romano (1.492 – 1.546) e Michelangelo (1.475 – 1.564). E com eles a forma urbis torna-se real mediante as (re)construções das cidades, iniciando o princípio de criação artística como a obra de um autor. O projeto de arquitetura será o instrumento que tenta unir idealização e realização, ao mesmo tempo em que as separa claramente em duas fases diferenciadas. O mestre de obras-artesão toma decisões sobre a estrutura que realiza à medida que vai trabalhando; o arquiteto-artista primeiro realiza uma abstração completa: uma planta. E nessa planta – nesse projeto entendido como conjunto de anotações, cálculos e, sobretudo, desenhos feitos para ideia de como deve ser uma obra – já se encontra embrionariamente a arquitetura que será em breve desenvolvida nas distintas fases do processo de projeto: a idealização, a composição ou o desenho e a execução ou construção, com um importante papel do arquiteto em cada uma delas. (PEREIRA, 2.010, p.140) Como maneira de representação, primeiramente, a arquitetura renascentista centralizase na técnica da maquete. A melhor maneira de representar o projeto e o principal instrumento do arquiteto do século XV até o século XIX. Todavia, são os desenhos que funcionam como ponte entre o projeto e realização. Destaca-se neste período o desenho científico e a perspectiva arquitetônica. Já que a maneira de projetar no período renascentista tem como base a perspectiva, ou seja, a representação gráfica em uma superfície plana de objetos em três dimensões da mesma forma em que são vistos. Logo, a simetria, a axialidade, a proporção e a centralidade são elementos fundamentais na elaboração dos projetos como método de organização espacial em que se verifica uma transferência real do visual a uma representação geométrica. Unidos a tais valores, os arquitetos humanistas empregavam em seus projetos elementos clássicos de construção e decoração, como já foi citado anteriormente. Porém, surgiu um novo método construtivo no qual as formas arquitetônicas da Antiguidade aparecem livremente, criando assim, novos modelos de beleza e harmonia. Os arquitetos do Renascimento beberam nas fontes clássicas romanas diretamente, já que tinham as construções do apogeu de Roma a seu alcance. Baseados em medições, desenhos e reconstruções desses modelos ideais, surgiu à cidade ideal. O pensamento utópico estava prontamente ligado a estruturação de uma sociedade perfeita e, para tal objetivo, tornou-se fundamental a concepção de um espaço urbano ideal. Esta utopia procurava criar uma cidade cristã e platônica, como reflexo de uma ordem cósmica em harmonia. Os arquitetos renascentistas propunham uma cidade de forma circular e regular, cuja planta possuía um círculo ou octógono murado, visando os problemas relacionados ao desenvolvimento urbano. Há uma distinção entre as ruas principais e vias secundárias, e um crescimento do número de edifícios de caráter representativo, seguindo sempre critérios racionais e geométricos. Com a intenção de aperfeiçoar as velhas cidades, surgem propostas de alternativas ou alterações funcionais, impulsionadas por diversos fatores culturais. O fator político-militar afeta a cidade renascentista com suas muralhas, relacionando num mesmo contexto traços fortes e delicados. As portas das cidades são reforçadas pelas tropas dos exércitos que se acercam em seus muros. As torres são eliminadas, já que se tornaram alvo fácil de artilharias e “vemos emergir as partes salientes da arquitetura delicada do centro urbano: a cidade, em seu conjunto, assemelha-se a um cofre blindado repleto de objetos preciosos” (ARGAN, 1.999, p. 62-3). Em suma, o que se percebe ao longo dos séculos XV e XVI são “remodelações” das cidades italianas medievais ou alterações importantes e fundamentais em obras inacabadas, como a construção da cúpula da catedral de Santa Maria del Fiore por Brunelleschi, em Florença, marco inicial do Renascimento Arquitetônico. Cidades importantes como Pienza, Urbino e Ferrara passaram por inúmeras transformações a fim de se atingir a utopia proposta pela arquitetura. Praças, edifícios secundários, bairros novos, palácios, enfim, vários elementos novos são adicionados à arquitetura medieval já existente em prol do equilíbrio, harmonia e acima de tudo, da organização urbana espacial. E é neste momento que a esplendorosa arquitetura de Roma ressurgirá como fênix para se tornar uma das principais cidades do mundo moderno. Até meados do século XV, Roma era um pequeno centro abandonado e enfraquecido pela ausência de poder papal. Em 1.453, Nicolau V (1.447 – 1.455), por meio de um programa de governo papal, estabelece a reconstrução do antigo império e todas as suas benfeitorias: monumentos, ruas, pontes, estradas, aquedutos. Para tal fim, tornou-se essencial o abastecimento hídrico de bairros afastados e abertura de grandes ruas urbanas. Porém, tais objetivos somente são alcançados no final do século XV que tem como destaque importante o nome do arquiteto Donato Bramante, cujo novo programa propunha uma remodelação clássica da cidade em ruínas e a projeção de novos monumentos seguindo as mesmas medidas gigantescas dos monumentos antigos, na chamada agora “Roma cristã”. (...) o novo São Pedro, que é um enorme templo de Planta Central, coroado por uma cúpula grandiosa como o Panteão; o novo Palácio Vaticano; o pátio em patamares para ligar o Palácio Vaticano com a Vila do Belvedere, de mais de 300 metros de comprimento e organizado como um único ambiente em perspectiva. O tecido humilde e emaranhado da cidade medieval é cortado sem hesitações para dar lugar a novas ruas retilíneas e a novos edifícios regulares (...) (BENÉVOLO, 1.997, p. 446) Após grandes acontecimentos políticos, culturais e religiosos ao longo do século XVI, Roma estabiliza-se como a “cidade museu” da cultura europeia. Todavia, não uma Roma Antiga, e sim, uma Roma moderna que trazia consigo as ruínas do passado e o mito de uma Cidade Eterna emoldurada pelo poder espiritual da Igreja. CONCLUSÃO O novo método de projeção estabelecido pelos arquitetos renascentistas, na prática, não produz transformações de grandes proporções no que se refere ao espaço urbano. Depois da metade do século XIV, devido à expansão demográfica e forte colonização do continente europeu, não havia a necessidade de se criar novas cidades ou de se aumentar demasiadamente as que já existiam. Sem uma estabilidade política, os arquitetos do Renascimento conseguem realizar a arquitetura ideal apenas em alguns edifícios isolados. A concepção urbanística do Renascimento não é a que se expressa na teoria da cidade ideal, mas a que se manifesta na transformação real das cidades antigas, mediante uma interpretação profunda da história e da vida da comunidade. A experiência histórica do Renascimento italiano não teve repercussões imediatas na Europa: as grandes cidades europeias, nos séculos XV e XVI, desenvolveram-se desordenamente, sob a pressão de necessidades demográficas e econômicas ou, em alguns casos, da especulação nascente sobre as áreas de edificação. (ARGAN, 1.999, p.79) Portanto, há uma intervenção num espaço urbano já formado pela arquitetura medieval e que é modificado parcialmente a fim de completar as construções inacabadas do século XIV. Assim, enquanto desenhos e esboços criam cidades ideais geométricas propondo características revolucionárias aos novos espaços, a vida seguiu-se desenvolvendo nos velhos espaços medievais. Porém, merece ressalvas, que a forma urbis aplicada à construção da cidade ideal, encontrou nas cidades hispano-americanas sua melhor representação. A América, um paraíso de terras virgens, gerou a possibilidade da utopia. Dessa forma, muitas das ideias renascentistas de urbanismo não passaram de utopia na Europa e teve seu campo de realização real na colonização da América espanhola. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAN, G. C. Clássico e Anticlássico: o Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. São Paulo: Companhia das Letras, 1.999. p.55-140. BENÉVOLO, L. História da cidade. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1997. p.401-468. BERIEL, C. E. O. Cidades utópicas do Renascimento. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S000967252004000200021&script=sci_arttext> Acessado em 15 de nov. de 2.014. LUCCAS, L. H. H. Distribuição na arquitetura do renascimento italiano. Sobre arranjos, compartimentação e circulação interior na casa renascentista. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n.129.03, Vitruvius, fev.2011. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.129/3748>. PEREIRA, J. R. A. Introdução à história da arquitetura: Das origens ao século XXI. Porto Alegre: Bookman, 2010. p.131-154.