BREVE ANÁLISE DA COMPANHIA DE JESUS1 E SUAS RELAÇÕES CAPITALISTAS NO PERÍODO COLONIAL (1549 – 1759), INSERIDOS NO CONTEXTO DA ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DO CAPITAL. Silvino Aréco¹ David Victor-Emmanuel Tauro² Universidade Federal de Mato Grosso do Sul ¹ Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS. ² Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS. Muitas obras foram produzidas tendo com objeto a Companhia de Jesus e suas relações econômicas, educacionais e catequéticas, no período aqui delimitado, este intervalo de tempo é demarcado por dois fatos históricos extremamente significativos: a chegada dos primeiros jesuítas no Brasil (1549), e a expulsão dos inacianos2das possessões luso-espanhola (1759). É, também, vasta a literatura sobre esse tema nos diversos campos do conhecimento, filosófico, pedagógico, sociológico e histórico – muitos desses trabalhos partem de um referencial teóricometodológico que buscam traçar as relações da Companhia de Jesus com a instituição do capitalismo. Para uma melhor distinção epistemológica, nós separamos essas obras em dois grupos distintos: o primeiro grupo concebe essa relação (Companhia de Jesus e Capitalismo Comercial) como essencialmente harmoniosa e que a tendência dessa relação foi á integração cultural dos europeus e dos silvícolas, como afirma Leite (1937, p. 21), a vida dos índios, quando chegaram os portugueses ao Brasil, estava na escala inferior da civilização. Não é possível subir a um grau superior sem necessidades correspondentes. As atividades econômicas eram efetivadas nos estreitos limites da subsistência, os papéis da educação e da catequese, tinham por objetivo levar o índio à civilização, assim explicitado por Leite (1937, p. 22) que para sair de uma vida quase vegetativa e ascender aos estádios superiores da civilização, era preciso criar o hábito do trabalho. 1 Em quinze de agosto de 1534, pouco depois da invasão luso-espanhola na América Latina, Inácio de Loyola, de origem espanhola, fundava em Paris uma nova instituição religiosa denominada: Companhia de Jesus, sendo reconhecida como Ordem Religiosa pelo Vaticano em 1539. Ver mais sobre esse assunto: leite, Pe. Serafim. Características do primeiro ensino popular no Brasil (15491759). In: _______. Novas Páginas de História do Brasil. 2 Neste texto as palavras “jesuítas” tanto como “inaciano” e seus derivados estão usadas para referir à Ordem Religiosa Católica, a Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de Loyola. 2 E introduziram-se as culturas européias. Fernão Cardim deixou-nos primorosas discussões das plantas indígenas e portuguesas das cercas dos jesuítas, donde irradiavam para as outras. Ao lado das culturas, os pastios.. As fazendas de gado eram modelares. Delas abasteciam os colégios, professores, alunos e missionários, - e também os inúmeros trabalhadores, escravos livres, que viviam à sombra dos colégios e dos padres. Estas obras partem de um referencial teórico idealista, positivista, analisam a relação econômica e catequética de forma naturalizada, harmoniosa, e descreve a história colonial de forma linear com fases de desenvolvimento. Muitas dessas obras amenizam o aspecto econômico, focalizando sua atenção principalmente na ação catequética e educativa e, conseqüentemente, no conflito entre inacianos e colonos, e somente nos estreitos limites da discussão da força de trabalho, tomando como referencia o universo das aldeias e das missões jesuítas, na maioria das vezes partindo de uma visão eurocêntrica, teológica e metafísica3, fundamentados na escolástica e na doutrina católica, apostólica, romana. O segundo grupo de autores concebe essas relações (Companhia de Jesus, economia, catequese e educação) como essencialmente marcadas pela contradição, entre grupos de classes antagônicas que se relacionam a base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material. O recurso que possibilita a distinção entre esses dois grupos de autores que tem como objeto a Companhia de Jesus e suas relações econômicas, educativas e catequéticas é a epistemologia. O conhecimento, de acordo com Lefebvre (1983) é um fato, desde a vida mais imediata e mais simples; nós conhecemos objetos, seres vivos, seres humanos, escrevem sobre eles; por exemplo, o Padre Serafim Leite4 tem uma extensa obra que conta à história da Companhia de Jesus e isso constitui conhecimento. É possível – e mesmo indispensável – examinar e discutir os meios de aumentar esse conhecimento, de aperfeiçoá-la, de acelerar seu desenvolvimento: mais o conhecimento em si deve ser inquestionável. 3 Esses metafísicos põem o conhecimento como algo acabado (numa idéia misteriosa, num Deus) antes de ter começado a análise. Põem o conhecimento antes daquilo que é conhecimento, o espírito antes da natureza, o pensamento absoluto (divino) antes do pensamento humano e da experiência humana. Invertem a ordem real: põe o carro adiante dos bois e empreendem a análise do conhecimento de cabeça para baixo. Ver em: Lefebvre, Henri. Lógica formal/lógica dialética. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983 (p. 49-88). 4 Vide bibliografia in fine. 3 Em termos filosóficos, o sujeito – o pensamento o homem que conhece – e o objeto (os seres conhecidos) agem e reage ininterruptamente um sobre o outro; o sujeito do conhecimento age sobre o objeto, explora-o, experimenta-o, ele resiste ou cede á ação do sujeito, revela-se; o sujeito o conhece aprende a conhecê-lo. O sujeito e o objeto estão em perpétua inteiração entre dois elementos opostos e, não obstante, partes de um todo, como numa discussão ou num diálogo; diremos, por definição, que se trata de uma inteiração dialética. A nossa análise das relações econômicas, educativas e missionárias dos inacianos partirá deste princípio gnosiológico da dialética. Partindo deste principio as principais característica deste conhecimento, é que este é prático. Antes de elevarse ao nível teórico todo o conhecimento começa pela experiência prática. Tão somente a prática das realidades objetivas, o segundo aspecto é que o conhecimento humano é social, pois é na vida societária, que descobrimos outros seres semelhantes a nós, eles agem sobre nós, nós agimos sobre eles e com eles. O terceiro aspecto a ser considerado, é que o conhecimento humano tem um caráter histórico. Todo o conhecimento foi adquirido e conquistado, por toda a humanidade, porém em um determinado momento histórico foi monopolizado por uma classe: e ganhou o “status” de ciência, neste aspecto Dangeville (1973, p. 10) esclarece: à medida que a divisão de trabalho se desenvolve, o saber a arte e a cultura separamse dos produtores, passam para as superestruturas5 e são monopolizados pelas classes dominantes. O recurso que possibilita a distinção epistemológica é a teoria numa acepção definida, cujo conteúdo em absoluto guarda qualquer conotação metafísica, ao contrário das noções vulgarizadas no mundo acadêmico, torna-se imperativo a explicitação da postura que norteia essa análise. Sob essa perspectiva, a teoria cientifica mais desenvolvida de nossos dias já está suficientemente constituída, na medida em que ocorreu o pleno amadurecimento da sociedade capitalista, após a revolução industrial. A teoria nesta análise, tem o sentido explicitado por ALVES (1984, p. 16). A teoria a nível do pensamento, nada mais é do que um reflexo que expressa o grau de consciência do homem em relação ao desenvolvimento material. Necessariamente assim sendo a constituição da teoria derivou a análise rigorosa das nações 5 As superestruturas são o produto da base econômica, que as classes privilegiadas se apropriam do trabalho do proletariado e domina a super estrutura. As idéias dominantes em uma sociedade são, com efeito, produzidas pelo tipo de propriedade dos meios de produção que nela domina. 4 capitalistas mais desenvolvidas, cuja evolução, pelo próprio fato de serem as mais desenvolvidas, explícita de forma mais elaborada as determinações do modo de produção. Ocorre que essas determinações têm caráter geral, pois o capitalismo impregnou todo o universo através do domínio de algo formidável que ele próprio criou: o mercado mundial. A nossa análise será iluminada a partir da teoria elaborada por Karl Marx, partindo do método e da interpretação do capitalismo: o materialismo histórico e dialético, tendo como fonte o livro: Para critica da economia política. O objeto dessa apreciação terá como foco as categorias constitutivas da teoria marxista, e em decorrência de abordagem eleita as categorias: totalidade, historicidade, mercadoria, trabalho, capital, estado, ideologia, revestem-se de uma importância central neste trabalho, porém, elas não são exclusivas, mas ao serem enfatizadas possibilitará a explicitação de aspectos importantes da distinção teórico metodológico dado ao objeto. A categoria “totalidade” é central em nossa análise no sentido evidenciado por ALVES (2001), por identificar-se com a própria sociedade capitalista, e no estudo histórico das relações econômicas da Companhia de Jesus, há a necessidade premente do entendimento de organização social dos homens. A compreensão da totalidade em pensamento é a condição preponderante para que o homem compreenda, não só a si mesmo, mas todas as atividades e os seus resultados. Para a acepção aqui conferida, Kosik (1976, p. 36) explicita o sentido categorial da totalidade: A dialética da totalidade concreta não é um método que pretenda ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferecer um quadro “total” da realidade, na infinidade dos seus aspectos e propriedades; é uma teoria da realidade e do conhecimento que dela se tem como realidade. A totalidade concreta não é um método para captar e exaurir todos os aspectos, caracteres, propriedades, relações e processos da realidade, é a teoria da realidade como totalidade concreta. Se a realidade é entendida como concreticidade, como um todo que possui sua própria estrutura (e que, portanto, não é caótico), que se desenvolve (e, portanto não é imutável nem dado uma vez por todas), que vai se criando (e, que, portanto, não é um todo perfeito e acabado no seu conjunto e não é mutável apenas em suas partes isoladas, na maneira de ordená-las), de semelhante concepção da realidade decorrem certas conclusões metodológicas que se convertem em orientação heurística e princípio epistemológico para estudo, compreensão, ilustração, avaliação de certas seções tematizadas da realidade, quer se trate da física ou da ciência literária, da biologia, 5 ou da política econômica, de problemas teóricos da matemática ou da questão prática relativas à organização da vida humana e da situação social. Esta citação ficou um pouco extensa, porém era necessária a elucidação conferida por Kosik (1976) evidenciando a totalidade concreta e o seu signo, portanto: um processo indivisível – cujo movimento é o da destruição da pseudoconcreticidade – o que isto significa? Isto é, a destruição da fetichista e aparente objetividade do fenômeno e o conhecimento de sua autêntica objetividade e o conhecimento histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do humano em geral, e enfim o conhecimento objetivo do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar que ocupa no seio do corpo social. Neste sentido Marx (1978, p. 117) traz a seguinte contribuição: [...] a totalidade concreta, como totalidade de pensamento, como um concreto do pensamento, é de fato produto do pensar, do conceber, não é de modo nenhum produto do conceito que pensa separado e acima da intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas em conceitos. O todo tal como aparece no cérebro, como um todo do pensamento, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que difere do modo artístico, religioso e prático mental de se apropriar dele. Para Marx neste processo o sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomia fora do cérebro, isto é, na medida em que cérebro não se comporta se não especulativamente, teoricamente. Por isso de acordo com Marx (1978, p. 117) no método teórico, neste caso [da economia política], o sujeito (a sociedade), deve figurar sempre na representação como pressuposição. A totalidade neste aspecto pode ser entendida, grosso modo, com a formação social6 capitalista. E quando teve início esta formação social? Para responder a este questionamento a categoria historicidade reveste-se de um papel central, nesta análise, pois o capitalismo como sistema econômico, político e social – Hoje hegemônico – surgiu muito lentamente, num período de vários séculos, primeiro na Europa Ocidental e, depois, em todo o mundo. À medida que surgiam as pessoas 6 A unidade dialética da base e da superestrutura forma o conteúdo do conceito marxista de formação social. 6 buscavam compreendê-lo, nesta análise a categoria historicidade tem o sentido explicitado por IANNI (1990) como sendo a transitoriedade do capitalismo, dependente do desenvolvimento dos antagonismos e da luta de classes7. Em relação à importância da categoria historicidade Kosik (1976, p. 131) faz o seguinte esclarecimento: A História é História apenas enquanto abrange, juntamente com a historização segundo o condicionamento, também a historicidade do real: porque ela abrange tanto a historicidade condicionada que passa e cai no passado e não retorna, quanto à historicidade funcionante, a criação daquilo que se cria e se produz. Sem por isso deixar de ser uma existência histórica e sem abandonar a espera da história, o homem (no sentido de virtualidade do real) se encontra acima de toda ação e circunstância histórica e pode, portanto estabelecer um critério para sua avaliação. Na obra de Marx8, o capitalismo é levado a pensar a si mesmo, de maneira global e como modo fundamental antagônica de desenvolvimento histórico, nesta direção queremos evidenciar, que o avanço das forças produtivas, tem resultado sempre crescente das formações sociais produzirem excedentes sociais cada vez maiores. Por outro lado estas formações sociais tem sido contraditórias, a maioria das pessoas trabalha exaustivamente para sustentar e perpetuar o modo de produção, bem como o excedente social, enquanto uma pequena minoria se apropria desta excedente e o controla. A sociedade burguesa de acordo com Marx (1978) é a organização histórica mais desenvolvida, mais diferenciada da produção, é a partir deste princípio, que efetivaremos a nosso exame das relações econômicas, educativas e missionárias da Companhia de Jesus, no período aqui delimitado, neste sentido Marx (1978, p. 120) esclarece: As categorias que exprimem suas relações, a compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação e nas relações de produção de todas as formas de sociedade já desapropriadas, sobre cujas ruínas e elementos se acham edificadas, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, levam de arrastão desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado que toma assim toda a sua significação, etc. A anatomia humana e a chave da anatomia do macaco. (grifo nosso). 7 A luta de classes reflete a contradição fundamental que existe nas relações de produção entre exploradores e explorados. 8 Vide bibliografia in fine. 7 Ao fazer essa analogia da filologia animal, Marx queria afirmar que para conhecer a forma inferior, você deve conhecer a forma superior, e neste aspecto, a economia burguesa fornece a chave da economia da antiguidade, e da própria transição da economia feudal para o capitalismo – período que é objeto de nosso trabalho. Porém esta análise não será realizada a partir do método dos economistas burgueses que fazem desaparecer todas as dificuldades históricas e vêem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pois de acordo com Marx (1978, p. 120), pode-se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a renda da terra mas não se deve identificá-los. E ao resgatar a historicidade do modo de produção capitalista, evidenciamos que este é caracterizado por quatro conjuntos de esquemas institucionais e comportamentais: produção de mercadorias, orientado pelo mercado; propriedade privada dos meios de produção; um grande segmento da população que não pode existir, a não ser que venda a sua força de trabalho no mercado; e os comportamentos individualistas, aquisitivos, maximizador, da maioria dos indivíduos dentro do sistema econômico. É a partir da produção da mercadoria que vamos empreender nossa análise das relações econômicas da Companhia de Jesus. Pois, no capitalismo, o valor dos produtos do trabalho humano, de acordo com Marx (2003) é dado por duas razões distintas. Primeiro tais produtos tem características físicas particulares em virtude das quais tornam utilizáveis e satisfazem as necessidades humanas. Quando uma mercadoria9 é avaliada por seu uso e satisfação de nossas necessidades diz que ela tem valor de uso. Todo produto do trabalho humano tem valor de uso, em todas as sociedades. No capitalismo, os produtos, têm valor de uso porque podem ser vendidos, no mercado, em troca de dinheiro. Este dinheiro é desejado, porque pode ser trocado por produtos que tem valor de uso desejado. Na medida em que os produtos têm valor, porque pode ser trocados por moedas, diz-se que eles têm valor de troca. 9 De acordo com Marx para criar mercadoria, é mister não só produzir valor de uso, mas produzi-lo para outros, dar origem a valor-de-uso-social. 8 Estas duas categorias econômicas simples, valor de uso, e valor de troca, nos possibilitam entender, um pouco, as relações econômicas da Companhia de Jesus, pois, de acordo com ALDEN (1970, P. 35) Os jesuítas utilizavam seus bens de vários modos. Em suas fazendas cultivavam ampla variedade de lavouras indígenas e européias. Entre aquelas, as mais importantes eram a mandioca, arroz, algodão e tabaco, entre as últimas estavam diversos tipos de legumes, frutas citrícas e trigo. A produção destinava-se principalmente ao sustento dos padres e seus pupilos, mas os excedentes eram vendidos a pessoas estranhas a ordem. O mercado primário para a lavoura mais lucrativa dos Jesuítas, a cana-deaçúcar, era naturalmente o reino. Os produtos do trabalho humano têm valor de troca somente nos modos de produção caracterizada pela produção de mercadorias10, em essência, o capitalismo é um sistema de mercantilização universal e de produção de mais valor11. Ele mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas. Ao mesmo tempo, pois, mercantiliza a força de trabalho, a energia humana que produz o valor. Por isso transforma as próprias pessoas em mercadorias tornando-as adjetivas de sua força de trabalho, como esclarece Marx (1946, p. 1015) Desde o primeiro instante, são duas características que distinguem o modo capitalista de produção. Primeira: ele produz os seus produtos como mercadorias. O fato de que produz mercadorias não distingue de outros modos de produção; o que o distingue é a circunstância o caráter dominante e determinante de seus produtos. Isto implica, antes de tudo, o fato de que o operário somente aparece como vendedor de mercadorias, ou seja, como trabalhador livre. A segunda é a produção de mais-valia, como a finalidade direta e o móvel determinante da produção. O capital produz essencialmente capital e isto na medida em que ele produz mais-valia. O mais valor e a mercadoria, pois, não podem ser compreendida em si, mas como produtos das relações de produção que produzem o capitalismo. 10 De acordo com Marx, a mercadoria apareceu-nos, inicialmente, como duas coisas: valor-de-uso e valor-de-troca. Mais tarde Marx descobriu que o trabalho também possui esse duplo caráter: quando se expressa como valor, não possui mais as mesmas características que lhe pertencem como gerador de valores-de-uso. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2003. (p. 62-63). 11 Antes de vender as mercadorias no mercado e obter o lucro, é preciso produzi-las; mas é o trabalho, e só o trabalho, que pode criar o valor. 9 Na análise dialética, as relações surgem como realmente são, isto é, como sistemas de relações antagônicas. Nisto funda o caráter essencial do regime: os seus componentes mais característicos o mais valor e a mercadoria, seja o operário e o capitalista, produzem-se, desde o princípio antagonicamente. Como evidenciamos anteriormente o modo de produção capitalista, iniciou-se lentamente, no período aqui analisado (1549-1759), tempo este denominado de mercantilismo, as forças produtivas não estavam em um estágio avançado, o momento evidenciado é do nascimento do capital, e ele emerge do despojo, da violência, da expropriação de terras e da pilhagem colonial. Neste processo de acumulação primitiva do capital não havia uma uniformidade na formação social, enquanto em algumas regiões havia os trabalhos livres, assalariados, e em outras regiões prevalecia o trabalho servil, em outra o trabalho escravo. Neste sentido havia as particularidade e as singularidades, porém estavam inseridos numa universalidade, que era a gênese da sociedade capitalista em sua fase mercantilista, neste sentido Huberman (1986, p. 161) afirma: comércio conquista, pirataria, saque e exploração – essas são as formas, portanto, pelas quais o capital necessário para iniciar a produção capitalista foi resumido. E Marx (2003) completa [...] se o dinheiro vem ao mundo como uma mancha congênita de sangue numa das faces, o capital vem pingando da cabeça aos pés, de todos os poros, sangue e lama. A produção econômica jesuítica era a expressão dessa universalidade (o caráter diversificado da produção de mercadorias). Neste sentido Quevedo (200, p. 11) explicita a particularidade da produção inaciana na América Latina, mais precisamente no cone-sul desta região, onde o modelo adotado era a do índio reduzido (missões): [...] neste modelo havia dois elementos: a) propriedade coletiva de todos meios de produção (Tupambaé), na qual se desenvolviam as atividades agro-pecuaristas para garantir a auto-suficiência e a produção de excedentes para a economia colonial espanhola; b) propriedade particular dos meios de produção (o Amambaé), onde se praticava a atividade por meio do trabalho livre e familiar para a auto-suficiência da família missionária. 10 Estas formas de organização econômica12 implicavam relações de trabalho simultaneamente livres e coletivos, naturalmente sobre a direção dos padres, e neste contexto de acordo com Quevedo (200, p. 11) procurou especializar e força de trabalho, com isso provocando o surgimento de trabalhadores em outros ramos de atividades: tecelagem, carpintaria, olaria, curtição de couro, criação de animais e agricultura. Na avaliação de Quevedo (2000, p. 11) foi um conjunto complexo de elementos o responsável pelo êxito sócio-econômico missionário do final do século XVII até a segunda metade do século XVIII, nesta contextura histórica a mercadoria estava constituindo-se no caráter dominante e determinante, do modo de produção capitalista. Para que a produção exista, é preciso que a sociedade tenha mercado desenvolvido, no qual os produtos possam ser livremente comprados ou vendidos em troca de moeda. Existe produção de mercadorias, quando os produtos são fabricados pelos produtores sem qualquer interesse pessoal imediato em seu valorde-uso, mais, sim, em seu valor de troca, neste aspecto a produção econômica da Companhia de Jesus inseria seus produtos em um mercado global. Neste sentido BOXER (1969, P. 75-76) exemplifica a criação do mercado mundial: Durante a última década do século XVI, o monopólio português do comércio marítimo japonês e o monopólio jesuíta das missões no Japão, fundado por São Francisco Xavier em 1549, foram igualmente ameaçado pelo aparecimento dos comerciantes e frades missionários espanhóis vindos das Filipinas. Estes rivais ibéricos provocaram considerável inveja e preocupação aos portugueses, mas as suas atividades, finalmente, não reduziram grandemente os lucros do comércio de Macau-Nagasáqui. A produção e o comércio de mercadorias eram feitos em escala mundial, e em cada região ganhava uma configuração particular, no nordeste e sudeste brasileiro, a produção jesuítica era diversificada, porém a força-de-trabalho era a escrava, neste aspecto ALDEN (1970, p. 35), nos informa: 12 Máxime Haubert nos traz informações importantes sobre a produção econômica das reduções jesuíticas e, através de farta documentação da época, esclarece-nos que, quando os jesuítas foram expulsos, em 1768, os rebanhos das reduções contavam com mais de um milhão de bovinos, trezentos mil carneiros e cem mil cavalos. Evidentemente, relações de produção e criação de gado dessa ordem não poderiam ser feudais. HAUBERT, M. Índios e jesuítas no tempo das missões. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. (p. 15). 11 Embora tivesse começado a cultivar a cana logo depois de terem chegado ao Brasil, os jesuítas só adquiriram seu primeiro bangüê em 1604, quando se construiu o engenho Camamu na Bahia em local escolhido pelo padre Fernão Cardim. ALDEN (1970) explicita que esse engenho foi destruído pelos holandeses em 1640, mais os jesuítas continuaram a adquirir outros bangüês, por doação (como no famoso caso Sergipe do Conde) ou por compra (por exemplo, o engenho Pitanga, também na Bahia), até que cada um dos colégios mais importantes pudesse retirar parte de sua renda de uma ou mais plantações de cana. Ainda de acordo com ALDEN13 os jesuítas tinham ao todo dezessete canaviais, cada um equipado com um ou mais engenhos ao tempo de sua expulsão. Essas instalações compreendiam não só moendas e outros maquinismos relacionados com o fabrico de açúcar, mas também destilarias de aguardente, forjas, tanoarias, olarias e oficinas de tecelagem, e, em alguns casos, estaleiros aptos para construir embarcações que, quanto a tamanho, iam desde as canoas amazônicas até as sumacas de navegações marítima. Além das lavouras de subsistência e dos canaviais, cada colégio possuía muitas fazendas de criação que produziam leite e gado para corte; afora cavalos, porcos, ovelhas, cabras e aves de quintal. Ao tempo do confisco havia, por exemplo, 16.580 cabeças de gado na fazenda do colégio ao norte do Rio de Janeiro, um total avaliado em 32.000 cabeças distribuídas por trinta criatórios no Piauí, e mais 100.000 reses nos sete estabelecimentos na ilha de Marajó14. As propriedades exploradas pelos próprios jesuítas eram geridas por um ou mais padres que supervisionavam o trabalho dos negros escravos, como acontecia nas lavouras de cana, ou dos índios, como nas fazendas de criação do Amazonas. ALDEN (1970, p. 36) afirma que dentre as instituições, a Companhia de Jesus era provavelmente a maior proprietária de escravos existentes em uma só fazenda em toda a América Colonial15. 13 ALDEN, D. Aspecto Econômicos da Expulsão dos Jesuítas do Brasil: Notícia preliminar. In: Conflito e Continuidade na Sociedade Brasileira. Tradução José Laurêncio de Mello. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. (p. 31-79) 14 Dauril Alden retira essas informações de : Serafim Leite. Suma Histórica da Companhia de Jesus no Brasil... 1549-1760. (Lisboa, 1965.) 15 Alden (1970, p. 68) retira informações: “Treslado do autto de inventário da real fazenda de Santa Cruz e bens que nela se acharem...”, 6 de maio de 1768, A. J. Melo Morais Filho, ed. crt., Archivo do 12 De acordo com Alden os jesuítas também davam em arrendamento e de aluguel pastagens e terras de cultivo, embora a renda que recebiam de tais propriedades fosse bem menor do que a auferida dos prédios urbanos16. O maior conjunto de imóveis urbanos dos jesuítas localizava-se na cidade de Salvador (Bahia), onde a época da expulsão (1759-1760) possuía 186 casas no valor de 162. 125 000 réis, que produziam uma renda anual de 10.918 160 réis17. Uma relação preparada duas décadas antes revela que na cidade do Rio de Janeiro, onde a ordem tinha o seu segundo conjunto de prédios urbanos (setenta), recebia ela 5.824.280 réis de aluguel anual. Contrastando com isso, no mesmo ano os dois colégios de São Paulo possuíam apenas seis propriedades urbanas que lhe davam uma renda anual de 980.000 réis18. Outro inventário de 1740 mostra que os dois colégios de Pernambuco possuíam quarenta prédios urbanos dados em arrendamento que produziam uma receita de 751.000 réis. De acordo com os cálculos do Padre Leite (1939, p. 137), as propriedades urbanas da Companhia em Salvador e Recife eram suas mais lucrativas fontes de renda na época do confisco. Ainda de acordo com ALDEN (1970, p. 36-37) quando foram expulsos, os jesuítas era indiscutivelmente a ordem religiosa mais rica do Brasil. Além das doações régias e particulares e dos ganhos provenientes da exploração direta e da locação de imóveis rurais e urbanos, os inacianos emprestavam dinheiro a juros, e de vendas das chamadas especiarias amazônica, que abrangiam cacau, cravo, pimenta, canela, salsaparrilha, matérias corantes e até manteiga de tartaruga. Fizemos este breve inventário dos negócios jesuíticos evidenciando, que esta produção não tinha só valor-se-uso, mais fundamentalmente, valor-de-troca. Neste sentido a tese apresentada pelos teóricos e historiadores da Companhia de Jesus que destacam que a produção econômica seria utilizava Districto Federal: revista de documentos para a história da cidade do Rio de Janeiro. O inventário incompleto de Santa Cruz sugere que o total de escravos naquela fazenda em 1759 talvez chegasse a 1600 ou 1700. 16 ALDEN retira essas informações do inventário (op. cit). Cálculos baseados no inventário intitulado “Termo das declarações e avaliações que fizeram os avaliadores do conselho e mestres de obras da cidade [Salvador], de 26 de março de 1760”. AHU. Docs, nº 4952. O inventário compreende não só as propriedades urbanas com as habitações nelas incorporadas como também um cais pertencente à ordem (avaliado em 3.600.000 réis). ALDEN (1970, p. 69). 18 ALDEN retira essas informações do inventário (op. cit) 17 13 apenas para a subsistência e que esta produção era feita isoladamente, somente nos estreitos limites dos colégios – não se sustenta, é mais uma “ficção das robinsonadas”, evidenciada por MARX (1978, p. 103). Indivíduos produzindo em sociedade, portanto a produção dos indivíduos determinada socialmente, é por certo o ponto de partida. O caçador e o pescador, indivíduos isolados, do que partem Smith e Ricardo, pertencem a pobres ficções das robinsonadas do século XVIII. Estas não expressam de modo algum – como se afigura aos historiadores da civilização -, uma simples reação contra os excessos e um retorno mal compreendido a uma vida natural. A gênese do mercado mundial ocorre neste contexto histórico, porque o produto só se torna produto efetivo no consumo: por exemplo, a erva-mate19 produzidas pelos índios guaranis converte-se efetivamente em erva-mate quando é usada; se a erva-mate não fosse utilizada não é, de fato uma erva-mate efetiva, por isso mesmo o produto diversamente do simples objeto natural, não se confirma como produto, não se torna produto, senão no consumo. Ao dissolver o produto lhe dá o seu retoque final, de acordo com MARX (1978, p. 105) o produto não é apenas a produção enquanto atividade codificada, mas [também] enquanto objeto para o sujeito em atividade. Neste sentido de acordo com MARX (1978) o consumo cria a necessidade de uma nova produção, ou seja, o fundamento que se move internamente a produção, e que é a sua pressuposição. O consumo cria o impulso da produção, cria também o objeto que atua na produção como determinante da finalidade. Se, é claro que a produção oferece objeto do consumo põe idealmente o objeto na produção, como imagem interior, como necessidade, como impulso e como fim. O consumo cria os objetos da produção de uma forma ainda subjetiva. Sem necessidade não há produção. Mas o consumo reproduz a necessidade. Uma das mercadorias mais consumidas neste contexto histórico foi a força–de–trabalho escrava, como evidenciamos anteriormente, os jesuítas possuia no Brasil, grandes propriedades rurais, desenvolvendo atividades açucareira. A força de trabalho nos engenhos era escravo sem ela este modelo, produtivo não vingaria, 19 O historiador Magnus Mörner (1968, p. 150) nos informa que na década de 1670 as missões produziram e exportaram 40.000 arrobas anuais de erva-mate, e na década posterior a exportação chegou a 60.000 arrobas anuais, sendo a população de Tucumam e Rio da Plata os maiores consumidores (entre 20 e 30 mil arrobas). (Neste sentido Marx (1978, p. 109) tinha razão quando afirmava: “A produção é, pois imediatamente produção”) 14 não auferira a lucratividade desejada, sendo que a compra e a venda de escravos fazem parte das práticas necessárias para a produção. A utilização da força-de-trabalho escrava leva alguns autores a caracterizar esse contexto histórico no Brasil como: feudal e escravocrata, pois a essência do capitalismo é o trabalho-livre, neste aspecto do desenvolvimento das forças produtivas MARX (1978. P) esclarece: Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entra em contradição com as relações de produção existente ou, o que nada mais é do que sua expressão jurídica com as relações de propriedade dentro das quais até então tinha movido. De formas de desenvolvimentos das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Este é o período de transição do feudalismo para o capitalismo, é um contexto de luta – entre as forças conservadoras e as forças revolucionárias – e a companhia de Jesus trazia em seu bojo, essas contradições, e no aspecto econômico apresentava essa configuração multifacetada expressa na utilização da força-de-trabalho escrava no Brasil, (negros e índios), nas reduções jesuíticas do Paraguai mesclava a força-de-trabalho servil e livre, com propriedades privadas e coletivas. MARX (1978.p.130) Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvidas, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. O que é importante salientar é que o capitalismo se institui no mundo inteiro se subsumindo a outras formas de relações de trabalho, como a escravidão nos Estados Unidos, ou formas servis nas Índias Ocidentais e Orientais. Outra categoria central para a compreensão da instituição do capitalismo e conseqüentemente reconstituir as múltiplas teias que determinam as relações, econômicas, catequéticas20 e educativas da companhia de Jesus, é a categoria: Estado. 20 A igreja católica foi durante a Idade Média, o maior proprietário de terras. Bispos e abades ocupavam posições semelhantes à de condes e duques na hierarquia feudal. Esta foi também a época em que o ensino religioso ministrado pela igreja teve uma forte e profunda influência em toda a 15 Para empreendermos esta análise, há a necessidade de recuarmos um pouco no tempo, antes do ano 1.000, a Europa era essencialmente constituída de feudos, vilas e algumas poucas cidades pequenas, além de alguns poucos centros comerciais, no Mediterrâneo, por volta de 1.300, já havia cidades grandes e prósperas que conduziu ao crescimento da especialização rural-urbana. Outro importante resultado da especialização crescente foi o desenvolvimento do comércio interegional e de longa distância. O desenvolvimento do comércio foi sustentado pelo desenvolvimento econômico da Europa. O crescimento da produtividade agrícola significou que o excedente de alimentos e manufaturados tornou-se disponíveis tanto para os mercados locais como para o mercado internacional (produção, circulação e consumo). O desenvolvimento no campo da energia e do transporte tornou-se possível e lucrativo concentrar indivíduos nas cidades, produzir em grande escala e vender os bens produzidos nos mercados mais amplos de longe distância. Assim, esses desenvolvimentos básicos na agricultura e na indústria foram pré-requisitos necessários para a disseminação do comércio, o que por sua vez estimulou ainda mais a expansão urbana e encorajou a indústria. Com o desenvolvimento das forças produtivas e com a expansão do comércio, acirraram-se as contradições de classes, e no contexto desses conflitos entre frações da nobreza e do clero, o comércio se tornou uma força desestabilizante e corrosiva. O comércio lentamente ajudou na dissolução do feudalismo. A produção, o comércio e o consumo, lentamente, corroeram as bases do modo de produção feudal, estabelecendo as bases da acumulação primitiva e os fundamentos institucionais do novo modo de produção: o capitalismo. Que emerge da produção21, acelerando o consumo e expandindo a circulação (comércio) particularmente o de longa distância, o que levou ao estabelecimento de cidades industriais e comerciais para servir ao movimento do capital. Vale a pena ressaltar que este movimento comercial a longa distância já ocorria em menor escala em muitas partes da Europa. Europa Ocidental. Ver mais em: HUNT. E. K. História do Pensamento Econômico. tradução José R. B. Azevedo, 7 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1981 (p. 15-50) 21 No século XI ocorre a substituição do sistema de plantio de dois campos para o sistema de três campos – neste sistema, a terra arável era dividida em três partes. No outono, no primeiro campo, se cultiva centeio ou trigo. Plantava-se aveia ou ervilha na primavera, no segundo campo, deixando o terceiro campo em repouso, aumentando a produção de alimentos, gerando excedentes. Ver em HUNT (1981 op. cit). 16 Neste contexto histórico já existiam sistemas complexos de cambio, compensação e facilidades crediticías. Desenvolveram-se nessas cidades22, centros comerciais, e instrumentos modernos, como cartas de crédito, novos sistemas de leis foram criados – ao contrário do sistema paternalista de execução de dividas baseadas nos costumes e na tradição vigentes no feudo -, a lei tornou-se a base das modernas leis capitalistas dos contratos, títulos negociáveis, representação comercial e execução em hasta pública. No sistema feudal, o produtor (o mestre artesão) era também vendedor – entretanto, as indústrias que apareciam nas novas cidades eram basicamente de exportação, onde o produtor estava distante do comprador final. Os artesões vendiam seus produtos aos comerciantes que por sua vez, os transportavam e revendiam, outra diferença importante era a de que o artesão feudal era também um fazendeiro, de modo geral – o novo artesão das cidades desistiu da terra para dedicar-se inteiramente ao trabalho com o qual ele podia obter uma renda monetária que podia ser usada para satisfazer outras necessidades. Este emergente e novo modo de produção23, circulação e consumo e conseqüentemente a produção de novas necessidades, foi como um ácido que corroeu lentamente as estruturas feudais. Ao estabelecer esta nova estrutura, neste movimento dialético emerge as necessidades superestruturais, que se manifesta e se expressa nos fundamentos institucionais necessários para gerir esta nova força: o capital. Uma das primeiras instituições produzidas pelo “Deus capital” foi – o Estado Moderno -, e o primeiro a constituir-se foi na Península Ibérica. Esta região formou, plasmou esse constituiu sobre o império da guerra – despertou na história na luta contra o domínio romano, foi teatro das investidas de Aníbal, viveu a ocupação germânica, contestado vitoriosamente pelos mouros. 22 Com o desenvolvimento na agricultura e no transporte, ocorreram duas mudanças importantes. Primeiro, tornaram se possível um rápido crescimento da população. As melhores estimativas mostram que a população da Europa dobrou entre os anos de 1.000 e 1.300. Segundo houve um rápido aumento de concentração urbana, estreitamente ligada ao aumento da população. Ver em HUNT (1981, op. cit) 23 De acordo com MARX (1978, p. 110): “O objeto de arte, tal como qualquer outro produto, cria um público capaz de compreender a arte e de apreciar a beleza. Portanto, a produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”. Este (novo modo de produção que emerge neste contexto, ao produzir mercadorias, também produz novas necessidades) 17 Duas civilizações uma do ocidente remoto, outra do oriente próximo – pelejaram rudemente dentro de suas fronteiras pela hegemonia da Europa. Das ruínas do Império Visigótico, disciplinado e enriquecido pela cultura dos vencidos, dilacerados em pequenos reinos, gerou-se um mundo novo e ardente que transmitiu sua fisionomia aos tempos modernos. Do longo predomínio da espada, marcado de cicatrizes, nasceu, em direção as praias Atlântico e Reino de Portugal, filho da revolução de independência e da conquista. Neste sentido FAORO (1991, p. 9) traz a seguinte contribuição: Dos fins do século XI ao XIII, as batalhas empreendidas, sustentadas ao mesmo tempo contra sarracenos e o espanhol garantiram a existência do condado convertidos em reino tenazmente. A amálgama dos dois fragmentos – o leonês e o sarraceno ambos conquistado com esforço e temeridade criaram a nova monarquia, arrancada, pedaço a pedaço do caos. A crise de 1383/1385, de onde nascerá uma nova dinastia, a de Avis, dará a fisionomia definitiva aos elementos dispersos vagos, em crescimento. Na Revolução de Avis, cuja dinastia se manterá por quase dois séculos no poder (13851580) consolidará o Estado Moderno Português e conseqüentemente fixar as bases do capitalismo em sua fase mercantil, em relação à constituição do primeiro Estado Moderno, FAORO (1991, p. 21) destaca a causa que provocou a revolução de Avis: A atividade comercial24 e marítima que resultou a modalidade de povoamento da costa e a exploração do mar e que representa elemento decisivo que define o gênero da vida nacional portuguesa, baseado na pesca, na salinação e nos produtos comerciáveis da terra. Graças ao desenvolvimento do tráfico oceânico os mercadores portugueses puderam desde cedo estreitar relações com FlANDES. Entre o comércio medieval, de trocas costeiras, e o comércio moderno, com as longas, há o aparecimento da burguesia desvinculada da terra, capaz de financiar a mercancia25. Há, sobretudo, o aparecimento de um órgão centralizador, dirigente que conduz as operações comerciais, como empresa sua: o príncipe. O Estado Moderno emerge dessa necessidade histórica do capital, o mercantilismo, a mercadoria precisava se realizar, neste contexto histórico em Portugal – nenhuma exploração industrial estava isenta do controle do príncipe 24 De acordo com BOXER (1969, P. P. 33) as viagens dos portugueses no oceano Atlântico parecem ter começado por volta de 1419, quatro anos depois da conquista de Celta aos Mouros. 25 Grifo nosso. 18 (Estado), que naturalmente controlava de imediato setores lucrativos, e concedia o privilégio de exploração a burguesia nascente, presa desde o berço, as rédeas douradas da Coroa. A outorga de atividades dispersa e tímidas, ganham relevo com as grandes viagens, com os reis senhores dos mares e das rotas abertas na África, Ásia e América. Assim, FAORO (1991, p. 21) esclarece o Estado tornar-se uma empresa do príncipe que intervém em tudo, empresário audacioso, exposto a muitos riscos por amor a riqueza e a glória, empresa de paz, empresa de guerra. Estão lançadas as bases do capitalismo de Estado, politicamente condicionado, que florescia ideologicamente26 no mercantilismo, neste aspecto a instituição de um órgão centralizador objetivava institucionalizar a mecânica, neste processo a força motriz era a mercadoria, e o desígnio final era a sua realização. O Brasil emerge neste contexto, como propriedade privada27, do Estado Moderno português, neste sentido a categoria-Estado, reveste-se de uma importância central para desvendar as relações econômicas, religiosas e educacionais dos jesuítas. O emprego do poder do Estado para estimular o desenvolvimento do capitalismo, tem sua gênese na fase de acumulação primitiva. Mas que é verdadeiramente o Estado? MARX (1983, p. 98) esclarece: [...] o Estado é a forma sob a qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os seus interesses comuns, na qual condense toda a sociedade civil de uma época, segue-se disso que todas as instituições comuns têm como mediador o estado e adquirem, através, uma forma política. Daí a ilusão de que a lei se baseia e, além disso, na vontade separada de sua base real, na vontade livre. E, da mesma maneira, por sua vez, se reduz o direito à lei. Queremos evidenciar que o Estado Moderno emerge de uma necessidade histórica do capital, neste sentido ele não surge da “vontade de todos”, assim como as leis não emergem por um desejo metafísico, que “paira sobre nossas 26 De acordo com BOXER (1969, p. 92), os jesuítas introduziram a primeira impressora de tipos móveis. No Japão e na Índia, além de terem imprimido em Nagasáqui (em 1599) um resumo japonês do Guia dos Pecadores, do dominicano Luis de Granada. 27 “A ameaça crescente da possível fixação dos franceses neste território da América do Sul, que tinha sido atribuído a Coroa portuguesa pelo tratado de Tordesilhas (1494), induziu mais tarde D. João III a promover a colonização do Brasil”. BOXER (1969, p. 97). 19 cabeças”, e Estado e as leis são frutos da luta de classes, dentro desta formação, que se fundamenta, desde a sua a gênese, na propriedade privada dos meios de produção, assim explicitado por MARX (1969 p. 25): O Estado anula, a seu modo, as diferenças de nascimento, de estado social, de cultura e de ocupação, ao declarar o nascimento, o Estado social, a cultura e a ocupação do homem como diferenças não políticas; ao proclamar todo membro do povo, sem atender a estas diferenças, participante da soberania popular em base de igualdade, ao abordar todos os elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado. Contudo, o Estado deixa que a propriedade privada, a cultura e a ocupação atuem a seu modo, isto é, como propriedade privada, como cultura e com ocupação, e façam valer a sua natureza especial. No sentido básico, desde a sua gênese, o Estado Moderno é penhor das condições das relações sociais, do modo de produção e o protetor da distribuição desigual da propriedade que este sistema enseja. Em nosso entendimento – Estado e formação social capitalista – não são politicamente distintos (como insiste em querer nos fazer acreditar); o Estado (seja o moderno ou contemporâneo) é a expressão da estrutura da sociedade, mas o Estado não é a expressão harmônica e abstrata. Ao contrario, já se constitui, como um produto de contradições políticas. E é nesta contradição que se funda o poder estatal, evidenciada por MARX (1963, p. 222) que o Estado se funda na contradição entre o público e a vida privada, entre o interesse geral e o particular. Desde os primeiros momentos do capitalismo, a burguesia ascendente tende a usar todo o poder do Estado para acelerar a reprodução do capital e, ao mesmo tempo, destruir ou incorporar os remanescentes do feudalismo, na época da acumulação originaria, o poder estatal surge vinculado à burguesia. CONCLUSÃO Neste sentido para compreender as relações, econômicas, catequéticas e educativas da Campanha de Jesus (1549-1759), há a necessidade de estudar as imbricações ou os desdobramentos sociais, políticos e econômicos das forças produtivas e das relações de produção, em seu desenvolvimento especificamente 20 capitalista. O conjunto do processo de produção de mais-valor, e de reprodução ampliada do capital ou de mercantilização universal das relações, pessoas e coisas somente pode ser compreendida se a análise apreende também o Estado, como uma dimensão essencial do capitalismo. A teoria da luta de classes seria uma simples abstração, se as relações e o antagonismo de classes não implicassem no Estado capitalista como expressão e condição dessas mesmas relações de antagonismo. Quando se refere às estruturas jurídicas, políticas e religiosas, que expressam as relações sociais de produção, está se referindo à “superestrutura” da sociedade ao poder estatal. Todas as contradições fundamentais do capitalismo envolvem o Estado, como expressão nuclear da sociedade. Em síntese a nossa análise das relações econômicas, catequéticas e educacionais da Companhia de Jesus só pode ser compreendida a partir da compreensão dialética do Estado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALDEN, D. Aspectos Econômicos da Expulsão dos Jesuítas do Brasil: notícia preliminar. In: Conflito e Continuidade na Sociedade Brasileira. Tradução de José Laurêncio de Mello. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1970. ALVES, G. L. Educação e História em Mato Grosso: 1719-1864. 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