A CARTOGRAFIA HISTÓRICA COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE

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A CARTOGRAFIA HISTÓRICA COMO INSTRUMENTO DE
ANÁLISE DAS FUNCIONALIDADES NAS ÁREAS DE SÃO
CRISTÓVÃO E MARACANÃ
The Historical Cartography as an analysis tool of the functionalities of São
Cristóvão e Maracanã
Amanda Biondino Sardella¹
¹Universidade Federal do Rio de Janeiro
Departamento de Geografia
[email protected]
Kairo Santos da Silva²
²Universidade Federal do Rio de Janeiro
Departamento de Geografia
[email protected]
Pamela Marcia Ferreira Dionisio3
3
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Departamento de Geografia
[email protected]
Paulo Márcio Leal de Menezes4
4
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Departamento de Geografia
[email protected]
RESUMO
A paisagem é um aspecto importante de uma cidade, que está sempre em movimento e mudança. O
presente trabalho busca levantar as funcionalidades dos bairros de São Cristóvão e Maracanã, situados na
cidade do Rio de Janeiro. Por ser uma área de estudo com um amplo e complexo processo histórico de
ocupação e desenvolvimento, é importante apresentar as mudanças espaciais ocorridas que podem ser
vistas nos mapas históricos para um melhor entendimento da dinâmica da cidade do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Cartografia Histórica, Funcionalidade, Área Central e Área Periférica.
ABSTRACT
The landscape is an important appearance of a city, which is always in movement and modifications. This
work intends to look up the functionalities of the neighborhoods of São Cristóvão and Maracanã, placed
in Rio de Janeiro. By having an area of study with a broad historical process of occupation and
development, it’s important for the study show the spatial changes that have occurred that have been seen
in the historical maps, for a better understanding of the spatial dynamics of Rio de Janeiro.
Keywords: Historical Cartography, Functionality, Central Area and Peripheral Area.
1.INTRODUÇÃO
O bairro de São Cristóvão foi uma região valorizada durante a ocupação da Família Real e, ao
longo da segunda metade do século XIX passou por um novo período de expansão. A criação do bonde e
do trem foram os principais fatores que criaram uma nova distribuição espacial na cidade. No período de
freguesias na cidade do Rio de Janeiro, São Cristóvão era uma delas, com características que reforçavam
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sua importância: era bastante povoada, possuía um comércio regular e uma indústria bastante
desenvolvida, de tecidos, vidros, entre outros tipos de produção. Possuía o reservatório de São Cristóvão,
que era responsável por grande parte do abastecimento da cidade. Naquela época, o local era considerado
“um ponto digno de ser visitado” (SANTOS, 1965), tanto por sua arquitetura, como por seu aspecto
ambiental. Ademais, o uso do solo no bairro passou por modificações, sendo inicialmente comercial,
depois se transformando em industrial e, posteriormente, voltou a ser uma área de interesse de moradias e
empresas pela nova modernização do porto do Rio de Janeiro.
Há uma mudança substancial no que tange a ocupação, sobretudo a partir de meados do século
XVIII:
“As classes “nobres” tomam a direção dos bairros servidos por bondes
(em especial aqueles da Zona sul). Por outro lado, para o subúrbio passam a se
deslocar os usos “sujos” e as classes menos privilegiadas.”(ABREU, 1997).
O maracanã, outro bairro elencado para este estudo, encontrava-se na freguesia do Engenho
Nôvo, que tinha características de desenvolvimento bastante fortes, como a presença de indústrias bem
montadas, presença de várias fábricas por todo o seu território. Possuía uma grande gama de linhas
férreas, facilitando a locomoção pelo bairro. Constituía-se numa área que tinha como funções a
edificação, resultando em moradias, o Prado Fluminense Jockey Club criado em 1868, o Derby Club,
criado em 1885, que era palco do esporte elitizado Turfe, sendo habitado principalmente por uma classe
elitizada da cidade. Essa freguesia tinha boa iluminação pública, rede de esgoto, água encanada, presença
de boas construções nas melhores ruas. Desta forma, apresentava uma funcionalidade voltada para o
lazer, esporte e moradia (SANTOS, 1965). A sua identidade foi caracterizada fundamentalmente pelo Rio
Maracanã e, apesar de sua importância, o bairro só teve sua criação oficializada em Julho de 1981 pela
Secretaria Municipal de Urbanismo.
Para que se possam compreender as modificações espaciais e funcionais dos dois bairros
elencados, foi elaborada uma discussão teórica, onde foram levados em consideração os conceitos-chave
que facilitam o entendimento dessas mudanças. Os conceitos utilizados inicialmente foram de lugar
central e área periférica, que funcionam interligados entre si, uma vez que, ao existir um, existirá o outro
(TANAKA, 2006). Quando falamos de lugar central, levamos em consideração a função de centralidade
que o mesmo exerce, sendo nesse caso, a concentração e irradiação de fluxos, além dos bens e serviços
ofertados. Quando falamos em área periférica, levamos em consideração o fato de ser um local que não
recebe investimentos e passa a ser ocupado por classes mais baixas (ABREU, 1997).
Ao falarmos em funcionalidade dos bairros aqui estudados, é importante evidenciar as formas de
utilização do espaço. Para isso, é necessário que se faça uma análise geográfica do espaço, levando em
conta a sua forma, função, estrutura, processos que sofre e sua totalidade. É necessário que o espaço tenha
uma estrutura organizada por formas e funções, onde:
“(...) a forma é os aspecto visível, exterior de um conjunto de objetos:
as formas espaciais; função é a atividade desempenhada pelo objeto criado. (...)
As formas e as funções variam no tempo e assumem as características de cada
grupo social.” (SANTOS, 1978)
Após o levantamento bibliográfico dos principais conceitos a serem estudados para um melhor
entendimento das mudanças espaciais ocorridas, chegamos aos mapas históricos, que nos possibilitam
compreender melhor as relações existentes, sejam elas espaciais, sociais, entre outras. Os mapas
históricos são um aliado importante para o estudo, uma vez que permitem que se faça uma análise
detalhada do recorte estudado. Aliar os mapas históricos às novas tecnologias nos permite conseguir
representar as mudanças das maneiras mais claras possíveis.
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2.METODOLOGIA
Após fazer uma revisão bibliográfica da área de estudo, levantar os conceitos de função, periferia
e centralidade, foi feita a escolha dos mapas que obedeciam ao recorte espacial estudado. Através do
software ArcGIS, delimitou-se as principais características físicas presentes no mapa que exerciam função
nos bairros dentro dos mapas históricos. Posterior a isso, foram feitas comparações de funcionalidade que
puderam ser observadas nos mapas e as mesmas puderam ser associadas ao processo de ocupação da área.
Como principais elementos da área elencada, foram evidenciados no mapa a Quinta da Boa
Vista, o Morro do Telégrafo, o Prado Fluminense Jockey Club e o Derby Club, a partir do mapa de 1875.
Através de um fluxograma, é possível um melhor entendimento do andamento da metodologia:
Revisão Bibliográfica sobre a área de estudo
Estudo dos conceitos-chave da pesquisa
Escolha dos mapas que obedeçam ao recorte espacial estudado
Observação das materialidades existentes nos mapas
Software ArcGIS
Levantamento e comparação das funcionalidades observadas no mapa
Criação de um shape
de polígono para
delimitar a área de
interesse.
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Associação com o processo de ocupação da área
Utilização de imagem de satélite através do Google Earth
3.RESULTADOS
São Cristóvão, após a chegada da Família Real, teve uma revitalização significativa. A Família
Real ocupava a Quinta da Boa Vista como moradia, o que fez com que o bairro se transformasse em um
“arrebalde aristocrático” do Rio de Janeiro, uma vez que os funcionários mais altos e os fidalgos
buscaram se instalar ali. A cidade vinha crescendo, oferecendo oportunidades, e o bairro passou também a
ser ocupado por uma massa que chegava em busca dessas oportunidades. O bairro, por estar próximo ao
centro, sofreu grandes modificações de intervenções urbanísticas e sanitárias por meio do prefeito Pereira
Passos, apesar de já usufruir de uma estrutura de transporte e abastecimento de água. São Cristóvão
passou por transformações principalmente no seu uso do solo, que deixou de ser residencial e passou a ser
industrial, resultando na modernização do porto. Essa modernização resultou em aterramentos, demolição
de armazéns, entre outros fatores. Com isso, a oportunidade de emprego crescia e as pessoas viam em São
Cristóvão um ótimo lugar para trabalhar e foram ocupando aos poucos, entre operários e desabrigados, as
encostas dos morros.
As mudanças no bairro do Maracanã começam a acontecer a partir da metade do século XIX. No
caso do Maracanã as mudanças foram menos significativas no que tange as mudanças espaciais, pois o
bairro não sofreu aterramentos, por exemplo. Mas ao longo dos anos é possível perceber que algumas
mudanças espaciais específicas aconteceram, como a demolição do Derby Club, que inicialmente tinha a
ideia de abrigar no terreno um hospital da Universidade do Brasil que nunca foi feito. Com o bairro em
ascensão, classes mais baixas buscaram moradia no bairro, e viram no terreno abandonado a possibilidade
de realizá-la. Nasceu ali a favela do Esqueleto, que tinha como principal característica a sua
horizontalidade. Essa favela foi posteriormente demolida, devido a um plano de desfavelização do bairro,
já que o mesmo tinha uma função esportiva bastante importante para a cidade. Em 1950, foi construído no
espaço que ocupava o Derby Club e também a favela do esqueleto, o Estádio de Futebol Jornalista Mário
Filho, popularmente conhecido como Maracanã.
São Cristóvão vem em constante processo de mudança, já que atualmente ele novamente passa a
ser objeto de revitalização por ser um bairro muito importante tanto no aspecto histórico quanto no
geográfico, além de estar localizado em uma área importante para o Rio de Janeiro, que é o porto, tem em
sua história a honra de ter sido o bairro escolhido para a Família Real se instalar. Por esses e outros
motivos, a prefeitura do Rio de Janeiro está investindo em uma revitalização urbana do bairro, fazendo
com que ele volte, principalmente, a ter função residencial.
Por outro lado, o bairro do Maracanã teve suas mudanças estagnadas a partir da construção do
Estádio de Futebol Jornalista Mário Filho, inclusive no que tange ao tipo de população que o ocupa, a de
classe média, e em alguns casos, classe média alta.
Na figura 1, pode-se perceber a presença de três dos principais elementos elencados dentro do
estudo: o Morro do telégrafo, o Prado Fluminense e a Quinta da Boa vista. É bastante perceptível o
“buraco” vazio na área onde se localizava o Derby Club, e onde hoje encontra-se o Estádio de Futebol do
Maracanã. Isso evidencia que a construção espacial do bairro ainda vinha se formando, aos poucos. Vale
frisar, novamente, que a figura não possibilita que observemos as mudanças estruturais no que tange a
edificação e nem às mudanças sociais ocorridas em ambos os bairros.
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Figura 1: Planta da cidade do Rio de Janeiro, 1875. Fonte: Arquivo Histórico Nacional
Na figura 2, já tem-se uma estruturação espacial diferenciada da anterior, com a representação da
hipsometria de maneira mais clara no morro do Telégrafo e uma escala que melhora a visualização dos
elementos presentes. É possível perceber a presença do Derby Club, que foi um dos elementos mais
importantes do bairro do Maracanã, além da manutenção dos outros três elementos fundamentais que
representam espacialmente o bairro, vistos na figura anterior. Outro ponto importante de se levantar é a
construção do cais, que já vem sendo representada nessa figura, onde era, anteriormente, a praia de São
Cristóvão. Através dessa observação, já é visível uma nova funcionalidade no bairro de São Cristóvão:
zona portuária.
Figura 2: Planta da Cidade do Rio de Janeiro, 1915. Fonte: Arquivo Histórico Nacional
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Na figura 3, pode-se perceber que o Prado Fluminense não se encontra mais presente, dando lugar a um
projeto de arruamentos, que será investigado nos próximos passos da pesquisa. A princípio, a criação
desses arruamentos evidenciam e reforçam bastante a função residencial do bairro do Maracanã. Além
disso, há a manutenção do Derby Club, a Quinta da Boa Vista e do Morro do telégrafo.
Figura 3: Planta da Cidade do Rio de Janeiro, 1928. Fonte: Arquivo Histórico Nacional
Na figura 4, podemos perceber a manutenção da Quinta da Boa Vista, importante aspecto espacial e
social do bairro de São Cristóvão. Através da imagem de satélite, é visível a ocupação humana do morro
do Telégrafo, e a presença do Estádio Jornalista Mário Filho no mesmo recorte espacial onde se
Figura 4: Imagem por satélite dos bairros, 2006. Fonte: Google Earth.
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encontrava o Derby Club, evidenciando a função de lazer do bairro do Maracanã, mesmo nos dias atuais.
Quanto aos outros elementos de ambos os bairros, através da imagem de satélite será mais fácil de
trabalhá-los e evidenciá-los. Além disso, esse fator facilitará na investigação sobre os arruamentos,
criação de novos elementos que representem os bairros, entre outros fatores.
4.DISCUSSÕES E CONCLUSÕES
É importante levar em consideração que as mudanças que o bairro de são Cristóvão vem
sofrendo não ficam muito evidenciadas nos mapas, muitas vezes por serem mudanças sociais, de
habitação. As visíveis são a construção do cais na praia de São Cristóvão, mas toda a parte de demolição
de armazéns e novas ocupações não puderam ser vistas, pode ser visto claramente a permanência da
Quinta da Boa Vista, mantendo sua importância nos três mapas apresentados e também na imagem por
satélite através do Google Earth. Por outro lado, no bairro do Maracanã as mudanças aconteceram em
menor escala no que tange a parte social, mas na parte estrutural do bairro foi possível ver nos mapas
históricos quando ainda não havia o Derby Club, quando ele passou a existir, quando o Prado Fluminense
foi extinto, dando lugar a arruamentos, entre outros fatores.
A cartografia histórica tem uma grande importância no que tange aos estudos históricogeográficos, pois permite que se evidenciem mudanças espaciais ao longo dos anos. Os mapas históricos
nos permitem reconstruir paisagens e compreender relações existentes. Além disso, podemos ver, através
deles, respostas a questões que possam surgir no estudo. Porém, em alguns casos, mapas históricos não
conseguem nos mostrar tudo que é de interesse, uma vez que as limitações do passado dificultavam a
produção dos mapas e até a conservação dos mesmos. Desta forma é importante que a análise dos mapas
seja realizada em conjunto com documentos históricos escritos da época, bem como com outras fontes
bibliográficas.
É possível concluir que a cidade do Rio de Janeiro, como um todo, veio sofrendo modificações
ao longo dos séculos. Por muito tempo ela possuiu apenas um centro e, atualmente, pode ser considerada
policêntrica, ou seja, inúmeros bairros assumem a função central de determinada região, como é o caso de
São Cristóvão, seguindo assim a própria lógica de reestruturação urbana mundial.
Os passos futuros da pesquisa é georreferenciar os mapas históricos para que se torne possível
sobrepô-los a imagens de satélite e mapas atuais. Essa sobreposição possibilitará uma visualização mais
fácil das principais modificações espaciais que ocorreram ao longo do tempo.
As principais dificuldades da realização da pesquisa, como dito anteriormente, é encontrar todas
as modificações, principalmente no bairro de São Cristóvão, através dos mapas, por serem modificações
muitas vezes sociais e de moradia. Além disso, para georreferenciar mapas históricos, é necessário, na
maioria das vezes, que eles estejam em uma boa qualidade de conservação e digitalização.
5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Maurício de. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 3ª edição. Rio de Janeiro: IPLANRIO,
1997.
ABREU, Mauricio de. Rio de Janeiro: formas, movimentos, representações: estudos da geografia
histórica carioca. Rio de Janeiro: Da Fonseca Comunicação, 2005.
CORREA, R. L. 1989. O espaço urbano. São Paulo: Atica.
DA ROSA, Ferreira. Rio de Janeiro: Notícia histórica e descritiva da capital do Brasil. Edição do
Anuário do Brasil. Rio de Janeiro, 1924.
FARIA, T.P. Configuração do espaço urbano da cidade de Campos dos Goytacazes, após 1950:
novas centralidades, velhas estruturas. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26
março
de
2005
–
Universidade
de
São
Paulo.
Disponível
em
http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Geografiasocioeconomica/Geografiaespacial/1
0.pdf <acessado em 29 de agosto de 2013>.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1978.
SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: O Cruzeiro S.A., 1965.
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TANAKA, Giselle Megumi Martino. Periferia: conceito, práticas e discursos; práticas sociais e
processos urbanos na metrópole de São Paulo. São Paulo, 2006. Dissertação (Mestrado – área de
concentração: Habitat) – FAUUSP. Orientador: Paulo César Xavier Pereira
TUAN, Y. E. 1980. Topofilia. São Paulo: DIFEL.
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