CONTROLE MICROBIOLÓGICOPREVENÇÃO DE PERDAS E DA FLOCULAÇÃO Profª Dra. Dejanira de Franceschi de Angelis Porf. Dr. Edilson José Guerra PRINCIPIO: o conhecimento das causas que conduzem aos problemas é que poderá proporcionar soluções viáveis. Na industria sucroalcooleira as perdas em uma safra são provenientes de diferentes áreas, que nem sempre estão sobre o controle humano, tais como: •Área agrícola: depende do clima; •Área industrial: depende da engenharia das máquinas e do designer do processo instalado; •Área operacional: deve estar coordenada com todas as demais. completamente Portanto, o conhecimento integrado de todos os setores deve existir dentro do limite de cada um. Com certeza, o controle terá condições de ser exercido com mais facilidade quando a referência é a PRODUÇÃO DE ÁLCOOL Ainda: A produção de açúcar e álcool com eficiência está vinculada aos acontecimentos de todo o complexo que envolve uma usina produtora de açúcar e álcool, assim como de uma destilaria autônoma. Em qualquer dos processos industriais seja usina ou destilaria os microrganismos estão presentes. Para o controle dos microrganismos é necessário conhecê-los, pois podem pertencer a diferentes domínios : • Bactérias • Eucariotos: destacando-se aqui as leveduras Cada grupo requer formas específicas de manutenção, crescimento e controle. • BACTÉRIAS – PROCARIOTOS • Seres primitivos As formas predominantes na indústria sucroalcooleira são: Esféricas = cocos Alongadas = bastonetes As bactérias heterotróficas são as mais freqüentes nas usinas. As bactérias para se desenvolverem na indústria utilizam os componentes do caldo de cana para suprir suas necessidades. Nestas condições podem causar grandes prejuizos: • Diminuem o rendimento geral: açúcar e álcool; • Produzem ácidos orgânicos (ácido láctico); • Produzem gomas (dextrana); • Interferem com a atividade da levedura ao: - diminuir a viabilidade e brotamento; - causar a floculação. ORIGEM DAS BACTÉRIAS NO PROCESSO O solo é o grande reservatório de microrganismos e atingem a indústria por vários caminhos: • Terra aderida à cana; • Poeira trazida pelo vento; • Água de lavagem; • Assepcia inadequada do caminho do caldo permitindo a formação de biofilmes Embora as indústrias hoje são bem cuidadas, e possuem bons controles, ainda assim, os processos não são assépticos. Isto deixa os processos vulneráveis à contaminações por bactérias e leveduras. Numa seqüencia bem geral os processos resumem-se no seguinte esquema PRINCIPAIS ETAPAS DO PROCESSO FERMENTATIVO Colheita da cana Transporte para a indústria Lavagem da cana Trituração e moagem Purificação do caldo (peneiramento) Aquecimento/ Sulfitação /Calagem Decantação e filtração Resfriamento em trocadores de calor Melaço Mel ou água Preparo do mosto Fermento Fermentação Tratamento Centrifugação pé de cuba Creme ou leite de levedura ÁLCOOL Vinho Destilação Vinhaça • Todos os pontos requerem vigilância constante quanto á presença de bactérias no clado e nas máquinas e tubulações. Mediante o controle dos diferentes pontos há possibilidade de rastreamento das contaminações. O controle pode ser feito mediante: • Microscopia - (mais difícil); • Cultivo de bactérias – em placas ou chips; • Método de óxido-redução (relativo) • Análise de metabólitos- ex.ácido láctico (cuidado com as formas D e L do ácido láctico). O laboratórista atento vai verificar a presença das bactérias e mediante isolamento em cultura pura. A partir destas culturas pode-se fazer os testes de indução da floculação, mesmo que não tenha ocorrido no processo: é a PREVENÇÃO Quanto mais conhecimento sobre a (s) bactérias das culturas puras, melhor serão as ações sobre o seu controle e a sua eliminação. Assim é importante conhecer: ¾Resistência a diferentes temperaturas; ¾Temperatura máxima e mínima de crescimento; ¾Esporulação; ¾Sensibilidade ao etanol; ¾Sensibilidade ao pH ¾Produção de metabólitos ácidos; ¾Produção de goma; ¾Consumo de álcool. Deixar tudo registrado e se possivel documentar com fotos, esquemas, diagramas, figuras. Isto vai facilitar quando o problema surgir em outras ocasiões. Asim, não haverá dúvidas e comparações são sempre úteis. • Abordaremos o controle preventivo da floculação, pois após ocorrer o fenômeno, os gastos para retomar o processo à normalidade são grandes [ isto é PREJUIZO] Os mecanismos de floculação são diversos: •indução por bactérias; •causas químicas; (fatores reversíveis) •Fator genético (irreversível) -O procedimento que será descrito foi utilizado por GUERRA (1995) em uma unidade industrial, onde ocorria persistente floculação safra após safra. Os estudos iniciaram-se antes de surgir o problema, pois previa-se a futura ocorrência. Ponto de coleta escolhido: entre dorna 1 e 2 (processo de fermentação contínua), média do Brix era 5º e 8,5º alcoólico, pH 4,3 AÇÕES A SEREM PROVIDENCIADAS 1. Exame microscópico constante do fermento, pois as bactérias podem estar na dorna desde o início e os flocos (5 ou 6 células aglomeradas) ainda não apareceram de forma característica. Mesmo que seja apenas um floco, o problema já é severo e as medidas a serem tomadas são imediatas. 2 - Isolamento da bactéria e da levedura. Bactéria pode induzir a floculação. Levedura pode ter fator genético, químico e bacteriano. O isolamento da levedura deve ser feito quando o fermento chega na usina e deve ser guardado em tubos para ser a referência. 3 - Cultivar constantemente as bactérias e a levedura do processo. Ficar atento ao aparecimento de biotipos diferentes. Isolar em cultura pura ambas (bactérias e leveduras), mantê-las em estoque para comparações. Documentar fotograficamente sempre. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Cultivar a levedura em cultura pura em CSN, 15º Brix em Erlenmeyer de 250mL, podendo-se seguir o seguinte protocolo: -Preparo do inóculo com levedura Levedura Cultivo de proceso em cultura pura Meio CSN 15ºBrix INÓCULO com levedura - Preparo do inóculo com bactéria CSN + Purificação Ciclohexamida CSN 8ºBrix CSN Inóculo com bactéria Protocolo experimental de indução da floculação Inóculos Volume Bactérias Pool (mL) 1 2 3 4 1+2 + 3 + 4 mL de inóculo 20 20 20 20 20 20 levedura mL de inóculo 10 10 10 10 2,5 +2,5 + 2,5 bactéria +2,5 mL H2O 10 10 esterilizada CSN 15º Brix 70 70 70 70 70 70 Floculação Legenda: (-)negativa (+)fraca (++)média (+++)intensa Período de incubação e leitura: Deixa-se crescer 24 horas e depois verifica-se a intensidade da floculação. Pode ser em proveta (visual) ou em colorímetro. Procura-se para o controle das bactérias que induziram a floculação suas características principais: - morfologia: cocos ou bastonetes -Teste de Gram : (+) ou (-) -Sensibilidade: antibiograma para seleção do biocida/ antibiótico. -Teste CMI = CIM = MIC: determina a concentração inibitória mínima ao qual a bactéria é mais sensível. Pode acontecer de uma bactéria ser sensível a um produto e outra ser resistente, mas ambas estão circulando no processo. Neste caso, associar os produtos aos quais ambas são sensíveis para eliminar as espécies de bactérias que induzem a floculação ou produzem outros distúrbios ex: produção de ácido láctico. Quando se trata de uma população mista (ex.vinho) pode-se aplicar um microbiocida de amplo espectro para eliminar a maior parte das bactérias. Para documentar a floculação pode-se usar um colorímetro ou apenas o visual. Com colorímetro pode-se usar λ 540-600. Microrganismos Tempo Levedura de Min. 1 2 3 processo 0 0,749 0,750 0,730 0,740 Pool 1+2+3 0,740 20 0,720 0,730 0,710 0,720 0,700 40 0,710 0,691 0,670 0,650 0,610 50 0,700 0,540 0,490 0,510 0,400 60 0,700 0,500 0,450 0,450 0,300 Maior densidade ótica mais intensa é a floculação. Quando a avaliação é visual pode-se usar as linhas de Wickerhan para auxiliar. Estas linhas poderão auxiliar nas anotações. Para documentar a floculação visualmente pode-se optar por um protocolo simples. Tempo Levedura Levedura de selvagem Min. processo 0 - Microrganismos Pool 1 2 3 1+2+3 - - - - 30 - - + ++ - ++ 60 - ++ +++ +++ - +++ É importante fazer tubos em triplicatas. O processo visual é mais impírico mas pode ser um recurso eficiente. Para que a floculação ocorra é importante considerar o n° de bactérias em relação ao n° de células de levedura. Nesta situação pode-se optar por um protocolo, como por exemplo. Volumes mL de S.cerevisiae mL de salina 1 2 9 9 Número de tubos 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 1 1 1 Bactéria 1 9,3x108 (mL) 1 1 1 Bactéria 2 9,5x107(mL) 1 1 1 Bactéria 3 9,5x106 (mL) Floculação Tempo (min.) 1 1 Controle <3 <3 = 60 1 Como verificar as características das bactérias indutoras da floculação. Ex: verificação quanto ao crescimento em diferentes temperaturas após 24 horas de inoculação da cultura pura. Temp. °C Bactéria 1 Número de tubos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 36 40 45 50 + + + + + + + + + - - Bactéria 2 + + + + + + - - - - - - Bactéria 3 Levedura + - + - - - - - - - + + + + + + + - +++ crescimento normal --- crescimento ausente Choque térmico na cultura Cultivar a bactéria em CSN 9° Brix durante 24 h a 36°C. A seguir colocar os tubos a 100°C durante 3 min. Resfriar. A seguir colocá-los para desenvolverem o crescimento das bactérias em diferentes temperaturas. NÚMERO DE TUBOS T ºC de crescimento 1 23 4 5 6 7 8 9 50 60 70 10 11 12 13 14 15 80 90 Crescimento Bactéria 1 + + + + + + + + + + + + + + + Crescimento Bactéria 2 + + + + + + + + + - - - - - - Crescimento Bactéria 3 + + + - - - - - - - - - - - - +++ crescimento normal --- crescimento ausente Crescimento das bactérias indutoras da floculação frente a diferentes pH, cultivadas em meio CSN durante 24 horas a 36°C NÚMERO DE TUBOS pH 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 2,5 3,0 4,0 6,0 7,0 Crescimento Bactéria 1 - - - + + + + + + + + + - - - Crescimento Bactéria 2 - - - - - - + + + + + + - - - Crescimento Bactéria 3 - - - - - - + + + + + + + + - +++ crescimento normal --- crescimento ausente ++- crescimento reduzido Procedimento de verificação da variação do pH das bactérias cultivadas em meio CSN durante 24 horas a 36°C Culturas de Bactérias Bactéria 1 Tempo de cultivo 0 1 2 4 4,0 4, 4,0 3, 0 9 Bactéria 2 4,0 4, 3,9 3, 0 9 Bactéria 3 4,0 4, 4,3 4, 3 1 6 8 10 …24 Variação do pH 3,7 3,8 3,4 3,4 0,6 3,7 3,7 3,4 3,2 0,8 4,0 3,9 3,8 3,4 0,9 Verificação da acidez (mg NaOH/100 ml) do meio de cultivo para verificar a capacidade de produção de ácido pelas bactérias cultivadas em meio CSN durante 24 horas a 36°C Acidez (mg NaOH/100mL) Meio de cultura 0 2 6 10 24 Variação da acidez Bactéria 1 3,06 3,99 4,84 7,1 7,90 9,07 6,01 Bactéria 2 3,06 3,75 4,89 6,86 10,49 10,49 7,43 Bactéria 3 3,06 3,60 3,93 5,57 7,80 9,95 6,84 S.cerevisiae 3,06 3,10 3,80 4,1 4,50 4,80 1,14 Culturas Verificação do decaimento dos graus Brix, teor alcóolico, acidez e porcentagem do fermento com a levedura de processo contaminada experimentalmente com as bactérias 1; 2 e 3 cultivadas em meio CSN 16,6 ° Brix, 24 horas a 36°C (t i li t ) MÉDIA DOS º BRIX Tempo (horas) S. cerevisiae Culturas de bactérias 1 2 3 0 13,3 14,1 14,2 14,1 15 8,4 9,3 8,7 9,7 20 5,0 6,5 7,3 7,5 24 3,7 4,8 4,8 5,5 1,29 3,44 3,12 3,8 % alcool 8,2 7,17 7,36 7,23 % V fermento 5,0 4,8 2,9 2,5 Acidez mg NaOH/100mL Pode-se verificar ainda a produção de glicerol. Avaliação comparativa nas primeiras 15 horas de fermentação dos efeitos exercidos pelas bactérias 1; 2 e 3 e o pool (1+2+3) sobre a fermentação alcóolica. Cultura com 15 horas de fermentação S. Culturas de bactérias cerevisiae 1 2 3 1+2+3 % viabilidade 99,7 92,2 90,5 88,3 86,7 % brotamento 18,0 4,6 1,6 5,4 7,3 % de brotos mortos 98,5 61,7 51,4 68,1 61,4 1,4 x 108 7,9 x 107 8,4 x 107 8,5 x 107 6,2 x 107 - 1,9 x 108 1,7 x 108 3,8 x 108 2,6 x 108 Nº celulas de leveduras/mL UFC/mL bactérias Avaliação comparativa dos dados das culturas Cultura com 15 h de fermentação Levedura e cultura de bactérias 1 2 3 1+2+3 % da diminuição da viabilidade 7,5 9,2 11,5 13,0 % diminuição do brotamento 74,4 91,2 70,0 59,4 %diminuição viabilidade do brotamento 37,4 47,8 30,9 37,7 % diminuição levedura 43,6 40,0 39,3 55,7 Como controlar as bactérias? Teste de antibiograma. Cultivar as bactérias em meio CSN liquido por 24 h a 30°C, a seguir colocar 0,1mL da cultura na superfície de uma placa contendo CSN sólido. Esparramar com espátula de Drigalsky ou swab. Embeber discos virgens de celulose com os antibióticos/biocidas e colocar na superfície da placa. Incubar na posição invertida durante 24 h, 36°C e medir o halo de inibição em mm. Agente antimicrobiano Culturas Bactéria 1 Kamoran Sanicol Quaternario de amônio 25 25 30 Bactéria 2 25 30 35 Bactéria 3 25 30 - - - - S. cerevisiae (-) ausência de inibição Este quadro é apenas hipotético. Avaliação da sensibilidade a diferentes concentrações de antimicrobianos. Teste de Concentração Mínima Inibitória (CMI) em meio de CSN 9º Brix com verde de bromo cresol, cultivado durante 24 horas a 36 ºC. Penicilina V Potássica [ ] ppm Culturas Bactéria 1 0,5 +++ 1,0 +++ 2,0 +++ 3,0 +++ 4,0 --- Bactéria 2 +++ +-- --- --- --- Bactéria 3 +++ +++ +++ +++ +++ Pool(1+2+3) +++ +++ +++ +++ +++ +++ crescimento normal +--- crescimento mínimo +-- crescimento diminuto --- ausência de crescimento Nestas condições é necessário testar outros antimicrobianos, e a eficiência das associações. Enquanto houver uma linhagem resistente o problema não se resolve. Hoje existe no mercado antibacterianos de “largo espectro” que atuam sobre muitas espécies de bactérias. Contudo a aplicação correta destes produtos deve sempre ser acompanhada de antibiograma e de CMI. Assim pode-se controlar as contaminações e floculação. “ Lembre-se: microbiologia representa 98% de transpiração 2% de inspiração” Obrigada pela atenção [email protected]