Rev Panam Infectol 2015;17(2):83-89 ARTIGO ORIGINAL /ARTÍCULO ORIGINAL Tuberculose: formas clínicas e características epidemiológicas da população internada nos sanatórios de Campos do Jordão Tuberculosis: clinical forms and epidemiological characteristics of the population admitted in sanatoria of Campos do Jordão Aline Cortat Coca1 Marisa Marins1 Raquel Franchin Ferraz2 Fernando Augusto Alves da Costa3 Rev Panam Infectol. 2015;17(2):83-89 ISSN 1679-7140 ISSN 1807-3352 on line http: www.revistaapi.com Recebido em 15/10/2015 Aprovado em 2/12/2015 Os autores declaram não haver conflito de interesses. Acadêmicos do 12º semestre do Curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi- São Paulo, SP, Brasil. 2 Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP-EPM, São Paulo, SP, Brasil. 3 Médico cardiologista, Diretor da Clínica Paulista de Doenças Cardiovasculares, doutor em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, Brasil. 1 RESUMO A tuberculose é uma doença infecciosa de evolução crônica, que compromete principalmente os pulmões. A Organização Mundial da Saúde estima que até o ano de 2020, um bilhão de pessoas sejam infectadas, 200 milhões adoeçam e 35 milhões possam morrer, com mais de oito milhões de casos novos a três milhões de mortes decorrentes da doença por ano. Objetivo: o objetivo deste estudo foi identificar a taxa de falência do esquema I de tratamento da tuberculose e os fatores contribuintes. Método: foram analisados os prontuários de 50 pacientes do sexo masculino hospitalizados por recidiva de tuberculose, que representou uma parcela de 19,45% das 257 internações no período de dois anos anteriores à coleta de dados. A maioria eram moradores de rua e as queixas mais frequentes foram tosse produtiva , dispneia, perda de peso e febre, com associação de ao menos entre duas delas. Todos realizaram ao menos um tratamento e somente oito completaram ao menos um tratamento. Resultados: foram coletados prontuários de 50 pacientes do sexo masculino hospitalizados por recidiva de tuberculose com idade média de 42,36 (+ 12) anos. Esse valor representa uma parcela de 19,45% das 257 internações ocorridas no período de janeiro de 2013 a janeiro de 2015. Os pacientes com tuberculose multirresistente (10 casos) representaram 3,9% das internações do período. Conclusão: a tuberculose continua sendo uma doença presente e frequente em nosso meio, estando relacionada à falta de aderência ao esquema terapêutico, atingindo principalmente aqueles com baixa renda, ainda traz exposição de pessoas saudáveis pela facilidade na transmissão. O modo de vida em comunidades tipo albergues, alojamentos com compartilhamento de sanitários, bebedouros e camas, constitui fator de risco para disseminação da doença. Palavras Chave: Tuberculose; Recidiva; Tuberculose multirresistente a múltiplos medicamentos 83 Coca AC et al. • Tuberculose: formas clínicas e características epidemiológicas da população internada nos sanatórios de Campos do Jordão http: www.revistaapi.com ABSTRACT Tuberculosis is an infectious disease of chronic disease, which mainly affects the lungs. The World Health Organization estimates that by the year 2020, one billion people are infected, 200 million and 35 million get sick you may die, with more than eight million new cases and three million deaths from the disease annually. Objective: the study aimed to identify the I scheme failure rate of tuberculosis treatment and contributing factors. Method: the medical records of 50 male patients hospitalized for relapse of tuberculosis were analyzed, representing a share of 19.45% of the 257 admissions within 2 years prior to data collection, most were homeless, the most frequent complaints They were productive cough, dyspnea, weight loss and fever, with association of at least two of them. All patients underwent at least one treatment and only 8 completed at least one treatment. Conclusion: thus, it is concluded that tuberculosis remains a present and frequent disease in our country, related to lack of adherence to the treatment regimen, affecting mainly those with low income, also brings exposure of healthy people for ease of transmission. The way of life in communities like hostels, toilets Sharing accommodation, drinking fountains and beds, is a risk factor for spread of the disease. Key words: Tuberculosis, Recurrence; Tuberculosis multidrug-resistant INTRODUÇÃO A tuberculose é uma doença infecciosa de evolução crônica, que compromete principalmente os pulmões, sendo o agente etiológico o Mycobacterium tuberculosis. A Organização Mundial da Saúde estima que até o ano de 2020, um bilhão de pessoas sejam infectadas, 200 milhões adoeçam e 35 milhões venham a óbitor, com mais de oito milhões de casos novos a três milhões de mortes decorrentes da doença por ano. Diferentemente do que se imaginou nas décadas de 1960 e 1970, de que com a conquista de uma potente quimioterapia a doença tenderia a um efetivo controle, a tuberculose recrudesceu em todo o mundo. Este recrudescimento foi facilitado por suas relações com a pandemia do HIV, pela ampliação da miséria das populações desfavorecidas em contraste com o aumento da longevidade nas mais desenvolvidas – todos rebaixadores da imunidade; contribuem também para isso os movimentos migratórios, a progressiva diminuição dos investimentos no setor 84 de saúde e a deterioração dos serviços de assistência pública. Nos dias atuais, a tuberculose permanece como a maior causa de morbidade e mortalidade entre as doenças infectocontagiosas no mundo. A identificação da gravidade da situação no cenário internacional levou a Organização Mundial de Saúde (OMS), em março de 1993, declarar a tuberculose como emergência global. A diferença entre as diversas regiões do mundo são aberrantes. Enquanto 21% dos infectados (382.000.000) são contabilizados nos países avançados, 79% (1.328.000.000) o são nos em desenvolvimento e pobres(1). Segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2010 foram diagnosticados e notificados 6,2 milhões de casos de tuberculose no mundo, sendo 5,4 milhões de casos novos, equivalentes a 65% dos casos estimados para o mesmo ano. A Índia e a China representam 40% dos casos notificados e o Brasil está entre os 22 países que concentram 82% dos casos de tuberculose no mundo. A tuberculose tem relação direta com a miséria e com a exclusão social. No Brasil, ela é uma doença que afeta, principalmente, as periferias urbanas ou aglomerados urbanos denominados de favelas e, geralmente, está associada às más condições de moradia e de alimentação, à falta de saneamento básico, ao abuso de álcool, tabaco e de outras drogas. A incidência da doença é maior entre os presos do que entre a população em geral devido a facilidade da transmissão, que ocorre por meio de partículas de secreção pulmonar desidratada constituída por bacilos. Em 2010, a população privada de liberdade representou 0,2% da população do país, porém contribuiu com 6,0% dos casos novos de tuberculose notificados no SINAN naquele ano. As penitenciárias facilitam a ocorrência e transmissão da tuberculose(1-2). O diagnóstico de tuberculose, além da avaliação clínica, deverá estar fundamentado nos métodos: bacteriológico, cultura, exame radiológico, prova tuberculínica, histopatológico. A baciloscopia direta do escarro é o método fundamental porque permite descobrir as fontes mais importantes de infecção (os casos bacilíferos). Recomenda-se para o diagnóstico da tuberculose a coleta de duas amostras de escarro: uma, por ocasião da primeira consulta, e outra independentemente do resultado da primeira, na manhã do dia seguinte, ao despertar. Se for necessária uma terceira amostra, aproveita-se para coletá-la no momento da entrega da segunda. A cultura para microbiologia é indicada para os suspeitos da tuberculose pulmonar persistentemente Rev Panam Infectol 2015;17(2):83-89 negativos ao exame direto e para o diagnóstico de formas extrapulmonares como meningoencefálica, renal, pleural, óssea ou ganglionar, também está indicada nos casos de suspeita de resistência bacteriana às drogas, seguida do teste de sensibilidade. O exame radiológico é auxiliar no diagnóstico da tuberculose, justificando-se sua utilização nos casos suspeitos. Nesses pacientes, o exame radiológico permite a seleção de portadores de imagens sugestivas de tuberculose ou de outra patologia, sendo indispensável submete-los a exame bacteriológico para se fazer um diagnóstico correto, já que não é aceitável, exceto em crianças, o diagnóstico de tuberculose pulmonar sem investigação causal pela baciloscopia de escarro. A prova tuberculínica auxilia no diagnóstico da tuberculose e, isoladamente, indica apenas infecção e não é suficiente para o diagnóstico da doença. A leitura da prova tuberculínica é realizada 72 a 92 horas após a aplicação, medindo-se, com régua milimetrada, o maior diâmetro transverso da área de endurecimento palpável. Algumas circunstâncias podem interferir no resultado das provas tuberculínicas, como, por exemplo: portadores de doenças imunodepressoras, situações com imunodepressão transitória. Histopatológico é um método empregado principalmente na investigação das formas extrapulmonares. A lesão apresenta-se como um granuloma, geralmente com necrose de caseificação e infiltrado histiocitário de células multinucleadas. Como esta apresentação ocorre em outras doenças, o achado de BAAR (Bacilo Álcool-Ácido Resistente) na lesão é fundamental para auxiliar o diagnóstico de tuberculose. A tuberculose é uma doença grave, porém curável em praticamente 100% dos casos novos, desde que obedecidos os princípios da moderna quimioterapia. A associação medicamentosa adequada, as doses corretas e o uso por tempo suficiente, com supervisão da tomada dos medicamentos, são os meios para evitar a persistência do bacilo e o desenvolvimento de resistência às drogas, assegurando, assim, a cura do paciente. Compete aos serviços de saúde prover os meios necessários para garantir que todo indivíduo com diagnóstico de tuberculose venha a ser, sem atraso, adequadamente tratado. O tratamento será desenvolvido sob regime ambulatorial, supervisionado, com pelo menos três observações semanais da tomada dos medicamentos nos primeiros dois meses e uma observação por semana até o seu final. A supervisão poderá ser realizada de forma direta na unidade, no local de trabalho e na residência do paciente por meio de agente sanitário ou agente comunitário de saúde. A unidade de saúde pode identificar líderes comunitários ou responsáveis familiares que auxiliem na supervisão do tratamento. Os pacientes que não se curam após o tratamento com os esquemas padronizados pelo Ministério da Saúde (MS), correspondem ao grupo de doentes classificados no Consenso Brasileiro de Tuberculose, em 1997, como portadores de tuberculose multirresistentes (TBMR). Estes pacientes e seus familiares serão atendidos por equipe multiprofissional especializada, em Centros de Referencias que cumpram as normas de biossegurança e sejam credenciados para este fim, pelas coordenadorias municipais e estaduais de tuberculose. Lá receberão, gratuitamente, o esquema medicamentoso alternativo disponibilizado pelo Ministério da Saúde, composto por uma combinação das seguintes drogas, de acordo com o resultado do teste de sensibilidade: amicacina, ofloxacina, terizidona, etambutol e clofazimina(3). Em 2005, uma avaliação da OMS17 englobando os 22 países que mais concentram casos de tuberculose no mundo indicava que a taxa de cura da doença no Brasil (81%) era a nona pior entre todos os países analisados. A cobertura populacional dos serviços de saúde que aplicam o tratamento supervisionado (68%) era a segunda pior, melhor somente que a Nigéria (65%). Embora este índice venha apresentando melhoras nos últimos anos, o Brasil, à época, não havia atingido as metas internacionais previstas para o controle da tuberculose(3). Dessa maneira, esse estudo visa apontar os principais motivos de não adesão ao tratamento bem como sugerir melhorias na orientação ao paciente sobre obtenção do medicamento, tomada em períodos adequados e riscos de contágio para sociedade. O objetivo deste trabalhol foi identificar a taxa de falência do esquema I de tratamento de tuberculose e fatores que contribuem para a falha no Hospital São Camilo na cidade de Campos do Jordão. Além disso, avaliou-se a incidência de tuberculose multirresistente em pacientes tratados como falha do esquema I, fatores que contribuem para tal incidência e principais fatores associados ao mau tratamento de tuberculose para auxiliar em estratégias de orientação ao paciente sobre importância do tratamento e prevenção. MÉTODOS Neste estudo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi, foram utilizados prontuários de pacientes em acompanhamento no Hospital São Camilo na cidade de Campos do Jordão, referência em tratamento de 85 Coca AC et al. • Tuberculose: formas clínicas e características epidemiológicas da população internada nos sanatórios de Campos do Jordão http: www.revistaapi.com tuberculose no estado de São Paulo. Após avaliação dos critérios de inclusão e exclusão, os dados foram anotados em tabela específica para o estudo e armazenados para posterior análise estatística. Amostra: foi contabilizado o número total de internações por tuberculose no Hospital São Camilo desde janeiro de 2013 a janeiro de 2015 e o número de internações por recidiva de tuberculose. Das internações por recidiva, foram selecionados aleatoriamente os prontuários de 50 pacientes hospitalizados de janeiro de 2013 a janeiro de 2015, representando 19,45% das 257 internações ocorridas. A amostra foi composta por pacientes com idade superior a 18 anos, portadores de tuberculose ativa com tratamento prévio superior a 30 dias em período inferior a cinco anos após o primeiro esquema terapêutico com ao menos duas hospitalizações para tratamento dos sintomas da doença. Não foram considerados aqueles prontuários sem informações completas sobre a regularidade no uso de medicamentos antituberculínicos. As informações coletadas foram: idade, raça, duração dos sintomas, extensão da doença (locais de acometimento), coabitação com um doente de tuberculose, contatos com pessoas diagnosticadas com tuberculose, cavitação à radiografia de tórax, uso irregular dos medicamentos, negativação tardia do escarro, presença de diabetes, alcoolismo, doses dos fármacos e sorologia anti-HIV. Como desfecho observou-se cura ou falência do tratamento por reincidência através de cultura positiva de escarro para tuberculose, presença de tuberculose multirresistente ao final do tratamento ou manutenção de resultado fortemente positivo até o 4º mês de tratamento. Estudo estatístico: A analise do estudo foi feita utilizando programa estatístico SPSS versão 20. As variáveis foram expressas em média e desvio padrão para variáveis contínuas e contabilizadas como percentagem (variáveis categóricas). Todos os testes foram bi-caudados. Testes de normalidade foram usados baseados no método de Kolmogorov-Smirnov. Variáveis categóricas foram analisadas pelo método de chi² e se necessário foi utilizada a correção de Fisher. Variáveis contínuas foram avaliadas pelo teste T de Student. O nível de significância adotado foi p<0.05. RESULTADOS Foram coletados prontuários de 50 pacientes do sexo masculino hospitalizados por recidiva de tuberculose com idade média de 42,36 (+ 12) anos. 86 Esse valor representa uma parcela de 19,45% das 257 internações ocorridas no período de janeiro de 2013 a janeiro de 2015. Os pacientes com tuberculose multirresistente (10 casos) representaram 3,9% das internações do período. Caracterização da amostra A amostra foi avaliada quanto às suas características sociais (Tabela 1). Tabela 1: Caracterização da amostra quanto ao perfil social N (%) Estado civil Solteiro 38 (76) Casado 6 (12) Divorciado 4 (8) Não informado 2 (4) Residência Casa própria 14 (28) Casa de familiares 2 (4) Pensão 1 (2) Albergue público 1 (1) Morador de rua 22 (44) Escolaridade Analfabetos Ensino fundamental Ensino médio 2 (4) 16 (32) 0 (0) Ensino superior 1 (2) Não informado 33 (66) Sem renda 32 (64) Renda variável 13 (26) Aposentadoria 4 (8) Pensão do governo 1 (2) Renda Ocupação Desempregado 32 (64) Emprego informal 13 (26) Aposentado / Pensionista 4 (8) Pensionista 1 (2) Percebe-se que a população estudada era composta por pacientes solteiros, de baixo grau de escolaridade (1º grau incompleto) ou até mesmo sem lembrar o quanto estudaram, sem renda ou com renda variável pela ausência de vínculo empregatício (aqueles com renda possuem benefícios estatais somente, como bolsas e aposentadoria) sendo que a maioria não possui emprego ou realiza trabalhos esporádicos informais. Rev Panam Infectol 2015;17(2):83-89 (2%) e casa de familiares (4%). Trata-se de parcela da população abaixo da linha de pobreza, com acesso limitado a informações e recursos de saúde, bem como à moradia e adequadas condições de higiene (Figura 1). A maioria dos pacientes estudados não possuía moradia (44%) ou, quando possuíam, tratava-se de participantes de programas habitacionais do governo, moradias irregulares e precárias (favelas) (28%), os demais casos foram compostos de pacientes com cadastro em albergues da prefeitura (1%), pensões Figura 1: Perfil de renda e moradia dos pacientes estudados Hábitos e Doenças Associadas: os pacientes foram divididos de acordo com seus hábitos e doenças concomitantes que favorecem a contaminação e desenvolvimento da tuberculose (Tabela 2). Tabela 2: Hábitos e doenças associadas Sim (%) Não (%) Não informado (%) Tabagismo 31 18 1 0,27 Etilismo 38 11 1 0,045 Uso de drogas ilícitas 31 18 1 0,94 Outras doenças associadas 15 35 0 0,002 Contaminação por HIV 19 21 4 0,48 Observa-se que a população estudada consumia, em sua maioria, bebidas alcoólicas, cigarros e drogas ilícitas. Além disso, 19 eram soropositivos e 15 possuíam outras doenças que comprometem as defesas imunológicas, fatores que propiciam a contaminação pelo bacilo causador da tuberculose. Ainda que diversos fatores se encontrem presentes, somente o etilismo e a ocorrência de outras doenças com comprometimento imunológico foram apontados P como fatores de correlação com maior número de tratamentos prévios e, consequentemente, com recidiva da doença. Manifestação e tratamento de tuberculose: os pacientes procuraram atendimento com queixas mais frequentes de tosse produtiva (43), dispneia (23), perda de peso (32) e febre (10), sendo que essas queixas não eram isoladas e havia ao menos associação entre duas delas. Tabela 3: Sintomas de tuberculose com maior prevalência Ausente Presente P Tosse produtiva 7 (14%) 43(86%) <0.001 Dispneia 27(54%) 23(46%) 0.57 Perda de peso 18(36%) 32(64%) 0.048 Febre 34(68%) 16(32%) 0.001 87 Coca AC et al. • Tuberculose: formas clínicas e características epidemiológicas da população internada nos sanatórios de Campos do Jordão http: www.revistaapi.com Os sintomas e sinais mais prevalentes neste grupo que levaram os pacientes a procurarem serviço médico foram: tosse produtiva, febre e perda de peso, respectivamente. Todos esses pacientes foram submetidos a exames diagnósticos consistidos em cultura de escarro, baciloscopia e raio-X de tórax para comprovação do diagnóstico de tuberculose e o grau de comprometimento pulmonar. Foram observados 45 casos de contaminação com infecção de caverna pulmonar. Além disso, 46 pacientes apresentavam a forma pulmonar, um apresentou a forma miliar, um caso diagnosticado de neurotuberculose, uma forma disseminada e um ganglionar. Correlacionou-se a existência de cultura com comprovação da contaminação pelo Bacilo e o término do tratamento e observou-se que 82,9% desses pacientes não completaram o tratamento indicado, apontando a falha na aderência como fator de multirresistência (Tabela 4). Tabela 4: correlação entre cultura com comprovação da contaminação pelo Bacilo e o término do tratamento Não sim Cultura Tratamento completo Não Sim N (%) N (%) 0 (0) 42 (82,9) 1 (100) 7 (17,1) Quando questionados sobre o tratamento anterior, somente 8 completaram o esquema terapêutico prescrito, 16 não completaram dois meses de tratamento, 17 pacientes completaram entre dois e 3,5 meses de tratamento e um paciente completou Total P 1 (100) 49 (100) 0.037 até seis meses de tratamento (Tabela 5). Esses pacientes realizaram ao menos um tratamento incompleto, fato que pode contribuir para recidiva da doença e para o surgimento de cepas de bacilos resistentes ao tratamento disponível atualmente. Tabela 5: História de tratamento e local de manifestação de acordo com tratamentos prévios de tuberculose Tratamentos prévios (N) 1 (11) 2 (22) 3 (12) 4 (3) 5 (2) Presença de caverna pulmonar (N) 10 21 10 2 2 Tuberculose extrapulmonar (N) 3 1 1 1 0 Tratamento prévio completo (N) 4 1 1 1 1 Tempo de tratamento na última infecção (média em meses) 2 3 2,5 1,8 2 DISCUSSÃO Foram analisados prontuários de 50 pacientes, representando 19,45% das 257 internações ocorridas no período de janeiro de 2013 a janeiro de 2015, sendo que os pacientes com tuberculose multirresistente (10 casos) representaram 3,9% das internações do período. Quanto às características sociais, observou-se que os homens eram solteiros, sem escolaridade ou com estudos precários, não possuíam renda ou possuíam empregos informais com renda variável, contudo havia aqueles com benefícios estatais como bolsas e aposentadoria. Assim, trata-se de parcela da população abaixo da linha de pobreza, com acesso limitado a informações e recursos de saúde, bem como à moradia e adequadas condições de higiene. A amostra foi composta majoritariamente por moradores de rua (44%), que consumiam em sua maioria bebidas alcoólicas, cigarros e drogas ilícitas, contudo somente o etilismo foi apontado como fator 88 de correlação com maior número de tratamentos prévios e, consequentemente, com recidiva da doença, juntamente com a ocorrência de doenças que comprometem as defesas imunológicas. O sintoma mais prevalente foi tosse produtiva, 82,9% desses pacientes não completaram o tratamento indicado e todos os estudados realizaram ao menos um tratamento incompleto. Dessa forma conclui-se que a falta de aderência é o principal fator de recidiva da tuberculose. Este trabalho, ao destacar os principais fatores de risco dos indivíduos que contraíram a doença, nos reflete a situação social em que eles estão inseridos. Em grande maioria são indivíduos que não constituíram família ou não conseguiram manter uma vida conjugal saudável, assim perdendo a base familiar. São na grande maioria moradores de rua, e uma grande parcela convive nos mesmos albergues, dividindo assim o mesmo ambiente e formando Rev Panam Infectol 2015;17(2):83-89 aglomerados habitacionais o que propicia também disseminações de doenças infecto contagiosas. Os banheiros e os bebedouros são comunitários, as camas não são individuas e sim aleatórias e consequentemente temos situações favoráveis para esta disseminação. Por outro lado, pessoas saudáveis que convivem diariamente com pacientes portadores da tuberculose também ficam expostas à doença, convivendo em locais públicos, portanto tornam-se comunicantes potenciais. Cumpre salientar que o nível de escolaridade foi relevante para este grupo que possui baixa formação, fato presente em 100% dos participantes e, portanto, desconhecem programas de prevenção, ou seja, o individuo doente desconhece a transmissão da sua doença. Ações para esclarecimento da doença para o portador seriam muito bem-vindas. A escolaridade é um fator importantíssimo e ações para incluir mais crianças nas escolas é fundamental, bem como incluir de forma lúdica o conhecimento da doença e seus cuidados. Ressaltamos o problema social causado pelas drogas, fator determinante para a proliferação das doenças sexualmente transmissíveis e doenças oportunistas, no caso a tuberculose estudada, onde 50% dos participantes eram usuários de drogas ilícitas. Estamos, portanto, diante de um grave problema social onde necessitamos entender a condição de dependência química, a condição de exclusão social, da pobreza e muitas vezes por ações que não combatem de forma efetiva estas condições, favorecendo o enfraquecimento ao combate da tuberculose. REFERÊNCIAS 1. Veronesi-Focaccia. Tratado de infectologia; 2010; 4 ed; cap. 68: 1263-1267. 2. Secretaria de vigilância em saúde – Ministério de Saúde. Boletim epidemiológico. Especial tuberculose; v. 43; Março de 2012. 3. Tuberculose. Guia de vigilância epidemiológica. II Consenso brasileiro de Tuberculose. Diretrizes Brasileiras para Tuberculose 2004. Jornal brasileiro de pneumologia 30(Supl 1) – Junho de 2004. S59 – S69. 4. Barreira D; Grangeiro A; Avaliaçao das estratégias de controle da tuberculose no Brasil; Rev de saúde pública 2007; 41 (Supl.1): 4-8. CONCLUSÃO A tuberculose continua sendo uma doença presente e frequente em nosso meio atingindo, principalmente, aqueles com baixa renda, baixa escolaridade e consumidores de drogas ilícitas. Ainda traz exposição de pessoas saudáveis agente causador pela facilidade na transmissão. O modo de vida em comunidades tipo albergues, alojamentos com compartilhamento de sanitários, bebedouros e camas, constitui fator de risco para disseminação da doença. AGRADECIMENTOS Aos colegas do Hospital São Camilo na cidade de Campos do Jordão, pela ajuda na coleta das informações, sem a qual o estudo não seria possível. Ao orientador pelos ensinamentos e paciência para a conclusão do estudo. Correspondência: Aline Cortat Coca Praça Amadeu Amaral 47 conjunto 12A, Bela Vista, São Paulo/SP Brasil CEP01327-010 E-mail: [email protected] 89