Povo Rico - Macroambiente

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ÍNDICE
APRESENT AÇÃO 3
INTRODUÇÃO 4
PARTE I: UM PROGRAMA DE METAS DE PRODUÇÃO
E CONTROLE DA INFLAÇÃO 7
1. PO N T O S PR I NC I P A IS DO P RO GR A M A
7
2. PR I NC Í PI O S P A R A UM A P O L ÍT IC A E C O NÔ M I C A BR A S ILE IR A
10
3. UM A PRO PO S T A D E P O L ÍT I C A E C O N Ô M I C A D E T R A N SI Ç ÃO
14
4. UM A PO L ÍT I C A E C O NÔ M I C A P A R A U M BR A S IL RI CO
18
PARTE II: O DIAGNÓSTICO DA ECONOMIA BRASIL EIRA 21
1. A o r i ge m d o s p ro b le m a s e co nô m ic os b r a s i le i ro s
22
2. Co mo os b a nco s e mp r es t am e m u lt i pl i c am o d in h e ir o
23
3. A s p e ss o a s p r oc ur a m f lux o s e n ão e st oq u es
26
4. Co mo o B a nc o C e n tr a l f a b ri c a d i nh e i ro
28
5. Co mo o g ov e rn o t i r a d i nh e i ro d a p op u l aç ão
32
6. O go ve r no t o m a d i nh e i ro em p re st a d o, m a s n ão c o nf i sc a
35
7. A a rt e d e e nx ug a r ge l o
38
8. A p o l ít ic a m o ne t ár i a s ó e s tr a g a
39
9. O fe rm e nt o d o d i n he i r o
42
10 . A p o l ít ic a m o ne t ár i a s oz i nh a n ão co n tr ol a a i nf l aç ã o
45
11 . A j us te f is c a l: f a ls a so l uç ã o e pr e j uí z os p a r a to do s
45
12 . A em i ss ã o camuflada de d in h e ir o
47
13 . A os i n im ig o s, a le i : A L ei d e R es p on s a bi l i d ad e F i sc a l
48
14 . O s c a p it a is e sp ec u l at iv o s e a dí v id a ex t er n a
49
15 . Po rq u e o di n he i r o do s ju r os n ã o i nf l ac i on a
50
16 . O po de r de em it i r di n h ei r o
51
17 . U m B a nc o C e nt r a l (m a i s) i nd e pe n de nt e?
52
18 . O en r i qu ec i me nt o do s d o no s d a d ív i d a p úb l ic a
54
19 . Po rq u e e nt e rr a r a po l ít ic a ec on ôm i c a at u a l
54
GLOSSÁRIO 56
A RESPEITO DO AUTOR 78
CURITIBA, 2002
Registrado na Biblioteca Nacional/EDA 551/02 - PR
1
POVO RICO, PAÍS RICO
Este é um livro que transmite alguns conhecimentos
técnicos mas, acima de tudo, é um livro
eminentemente político, porque não é a economia ela
mesma que traça os destinos de uma nação, mas sim a
política que ali se pratica.
2
POVO RICO, PAÍS RICO
INTRODUÇÃO
A produção de um país, assim como os preços vigentes, são variáveis
definidas por dois fenômenos de natureza diferente: 1) a interação entre as
pessoas que oferecem e as pessoas que procuram produtos e serviços, cujos
comportamentos dependem dos costumes e de condições objetivas, psicológicas
e históricas; e 2) forças extra-econômicas que podem alterar as posições tanto
da oferta quanto, principalmente, da procura dos produtos nacionais.
Uma vez determinados a produção e os preços, ficam por conseqüência
também determinados os níveis de todas as demais variáveis do sistema
econômico, porque tudo o que acontece na economia decorre da produção obtida
e do preço praticado. Assim, dados o preço e a produção estabelecem-se os
níveis de emprego, renda, lucro, investimento, salário, consumo, arrecadação de
impostos, etc, e também os indicadores sociais do país, como a qualidade do
atendimento hospitalar, o grau de escolaridade, a distribuição de renda, o acesso
à promoção social, etc. Mais ainda, dependendo de como evoluem estas forças
extra-econômicas, ficarão determinados o ritmo de crescimento da produção, do
emprego, da riqueza do povo e, portanto, o futuro do país.
Isto significa dizer que é o mercado, regido pela lei da oferta e da procura,
que determina o estado geral da economia, mas há forças que controlam a oferta
e a procura. É improcedente a idéia de que o mercado é o mocinho ou o vilão
que, agindo por conta própria, pode conduzir a sociedade a um mundo de riqueza
ou ao estado de miséria. O mercado sozinho não se auto-regula, ele é conduzido
por forças extra-econômicas externas e internas. Dentre estas, certamente as
mais interessantes são aquelas associadas à política econômica, em especial a
orientação do governo quanto à política de investimento social e à política
cambial.
Este livro explica como a economia funciona, mas o objetivo principal é
mostrar como a política econômica dirige a economia, podendo leva-la a um
mundo de riqueza ou a um estado de miséria. A política econômica que se pratica
num país reflete a inter-relação das suas forças políticas e, por isso, pode ser
usada para favorecer uma parte da sociedade organizada em detrimento de
outras. Algum favorecimento sempre há de haver. O que se ressalta aqui é que a
riqueza de alguns poucos não precisa ser alcançada através da miséria de muitos.
Neste sentido, o trabalho retoma o sonho de “A Riqueza das Nações”, onde Adam
3
Smith argumenta que a riqueza não está na acumulação pessoal de ouro, mas
sim na produção de bens e serviços por toda a sociedade.
Nos tempos modernos a acumulação ocorre na forma de títulos da dívida
pública, ao mesmo tempo em que o incentivo à produção continua não sendo
prioritário. Esta acumulação de riqueza pessoal na forma de títulos é uma das
conseqüências da perseguição cega de um outro sonho, o de controlar a inflação
através da política monetária de fazer dívida pública. Entretanto, o endividamento
é desequilibrante, pois aquele que toma emprestado assume o compromisso de
pagar juros e assim desequilibra o seu fluxo futuro de despesas e de resultados
financeiros. Da mesma forma, o governo que toma dinheiro emprestado
desequilibra suas contas, gera déficits crônicos e não consegue evitar que a
dívida continue sempre crescendo, até explodir numa crise. É por isto que o
controle da inflação através da dívida pública é também um sonho.
Sonho por sonho, é preferível perseguir eternamente o sonho do pleno
emprego. Enquanto não se atinge este sonho, todos melhoram suas vidas e
ninguém é empurrado para a miséria. Os esforços feitos pelo governo e pela
população para conduzir a sociedade ao pleno emprego não prejudicam ninguém
e nem o objetivo em si mesmo. Contudo, o discurso da esquerda aproximou-se
do discurso da direita, ao aceitar o predomínio absoluto da política monetária de
controlar os preços fazendo dívida, assim desprezando a política de investimento
social para criar empregos. Enquanto se luta contra o moinho de vento da
inflação, alguns ficam ricos e outros são empurrados para a miséria.
A fixação obstinada no controle de preços a qualquer custo tem causado um
elevado e crescente desemprego, ao mesmo tempo em que crescem de maneira
explosiva tanto a dívida pública interna quanto a dívida externa do Brasil. Estas
duas tendências têm desembocado de tempos em tempos em crises, e as crises
são cada vez mais graves. Em 2002 o Brasil chegou a uma nova situação de
crise. Por que as crises continuam ocorrendo? Por que se insiste em não aprender
com a crise anterior e manter-se a mesma política econômica?
As opções são apenas duas e bastante claras. O governo ou decide praticar
uma política de investimento social e assim criar empregos para o trabalhador, ou
continua praticando política monetária de modo a viabilizar a acumulação de
riqueza pessoal na forma de títulos da dívida pública. Este livro vota na primeira
alternativa, mesmo porque as pesquisas indicam que a população aceita que haja
uma certa inflação, desde que se tenha emprego para quem precisa trabalhar.
Nesta linha, os monetaristas seriam levados a aceitar uma taxa mínima de juros
da ordem de 2% a 3% ao ano, e sem liquidez. Mas, em compensação, viveriam
sem riscos, sem calotes, sem sustos, sem exuberância irracional, sem ganância
infecciosa, etc, e continuariam acumulando riqueza em forma e termos reais, isto
é, sem inflacionar o valor dos seus ativos financeiros.
4
Este é também o caminho para que o Brasil faça parte ativa na economia
mundial e cumpra suas obrigações para com o Fundo Monetário Internacional e
os outros organismos multilaterais. Ao FMI cumpre zelar pela estabilidade da taxa
de câmbio, o que só pode ser obtido com produção e exportação, e nunca
tomando empréstimos sistematicamente no mercado financeiro internacional. A
estabilidade do câmbio exige a estabilidade da moeda, para o que se requer,
mais uma vez, produção elevada, e não endividamento público explosivo.
Por esta razão, um programa de metas de produção e controle da inflação
atende às regras escritas pelo FMI e poderá, portanto, contar com o seu apoio.
Este programa preenche os requisitos internacionais para que o Brasil seja de
fato uma nação membro do FMI, e não apenas mais um país dependente de seus
empréstimos e seguidor de sua cartilha de austeridade. Para tanto, o Brasil
precisa de um período de adaptação, de uma fase de transição. Cumprida esta
fase, o Brasil estará em condições de crescer e, um dia, fazer parte do clube dos
países desenvolvidos, relacionando-se em termos de igualdade com todos eles.
O texto foi dividido em duas grandes partes. A primeira apresenta uma
proposta de política econômica para o desenvolvimento do Brasil, enquanto que a
segunda traz um diagnóstico da economia brasileira, baseado num enfoque
original e realista da teoria econômica. A primeira parte é política, e a segunda
tem vocação técnica. A primeira parte descreve a política econômica a ser
implementada num país que tem como objetivo permanente caminhar em direção
ao pleno emprego, e a segunda mostra tecnicamente porque a política monetária
é incapaz de controlar a inflação.
A Parte II do livro é uma contribuição à teoria econômica na forma de um
“Tratado da Moeda”, resumido e de fácil compreensão. Aqui se desvendam os
mistérios da criação de moeda, o que conduz naturalmente a uma crítica dos
princípios da linha monetarista da economia, ainda hoje predominante no meio
acadêmico e fora dele. O rigor da política econômica monetarista tem sido
identificado como a causa de desemprego e do baixo crescimento do país. As
soluções discutidas passam pelo abrandamento da política monetária, aceitandose uma dose maior de inflação em troca de mais emprego e mais produção. Este
texto mostra que o problema não está no “rigor”, mas sim na natureza mesma da
linha monetarista. A solução não está, portanto, no “abrandamento”, mas sim na
busca ordenada de mais produção e emprego, o que por si mesmo garante o
controle da inflação. O diagnóstico leva assim a uma nova visão da teoria
econômica, ou antes, a uma versão moderna da conhecida proposta de Keynes
de uma teoria econômica real.
5
POVO RICO, PAÍS RICO
PARTE I: UM PROGRAMA DE METAS DE PRODUÇÃO
E CONTROLE DA INFLAÇÃO
1. PONTOS PRINCIPAIS
Para haver crescimento da produção, há que haver expansão das vendas. Para
expandir as vendas, precisa-se sempre de mais consumidores com renda para
gastar. Este é o paradigma que leva ao PROGRAMA DE METAS DE PRODUÇÃO E
CONTROLE DA INFLAÇÃO.
O pleno emprego pode ser um sonho mas, na busca constante deste sonho,
todos melhoram suas vidas e ninguém é prejudicado. O controle da inflação
também é um sonho mas, na perseguição obstinada deste sonho, o desemprego
tem crescido e o país parou de progredir.
O paradigma seguido pela política econômica que conduziu o país à atual
situação de desemprego e desalento é o do controle da inflação a qualquer custo,
pois este controle condenou milhões de famílias brasileiras à miséria.
O governo que faz política monetária para controlar a inflação gasta muito
dinheiro com juros, desequilibra suas contas, gera déficits crônicos e não
consegue evitar que a dívida continue sempre crescendo. Pior, a política
monetária é tecnicamente incapaz de controlar a inflação e, por isso, em oito
anos do Plano Real os preços subiram em média 14% ao ano.
O que precisa ser feito é o contrário do que vem sendo feito. Como a origem
dos graves problemas econômicos do Brasil é o endividamento, o que precisa ser
feito é eliminar o endividamento, mas sem ajuste fiscal.
O mercado não é o mocinho ou o vilão que conduzem a sociedade ao estado
da perfeição ou a afasta dele. O mercado sozinho não se auto-regula, ele é
conduzido por forças extra-econômicas externas e internas, dentre as quais está
a política econômica, em especial as políticas de investimento social e cambial.
Não é a economia ela mesma que traça os destinos da nação, mas a política
que se pratica nesta nação. A sociedade organizada dirige o governo, mas não
deve esperar por um Estado assistencialista, muito menos um Estado que, para
proteger uns, leva muitos outros à miséria.
A demanda precede a decisão de produzir. O aumento da oferta de emprego
para uma população que cresce só ocorre se a demanda estiver sempre em
crescimento. Para isto os caminhos são 1) política de investimento social para
comprar mais produtos nacionais, e 2) política cambial para vender mais para o
exterior, para importar menos e para produzir mais para a exportação.
6
A experiência internacional mostra que os caminhos seguidos pelos países
hoje industrializados foram a política de investimento social e a política cambial.
A prática de uma política de investimento social de apoio à produção nacional
aumenta a riqueza da nação que, assim, pode também importar mais, sem déficit
externo.
A proposta do livro é que a política de investimento social será usada para
expandir a demanda, sem assistencialismo, de modo a assegurar que o produto
criado pelo trabalho do povo brasileiro terá mercado. Este investimento do
governo trará retorno social na forma de mais renda para a população. Assim, a
receita de impostos aumentará e, com uma certa defasagem, o déficit do governo
será eliminado.
O Banco Central pode financiar com moeda primária nova o déficit temporário
do governo com os investimentos sociais, assim garantindo a expansão primária
da demanda. Enquanto isto, os bancos criam moeda para financiar a expansão da
produção que se segue ao aumento da demanda. Chega de emitir moeda
primária nova para pagar juros.
A inflação é um fenômeno natural que acompanha o crescimento do país. A
inflação só é eliminada quando se impede o país de crescer. Para que o Brasil não
pare de crescer a inflação não pode ser eliminada, mas deve, isto sim, ser
controlada. Entretanto, o controle da inflação não pode ser feito com o aumento
de gastos com juros da dívida pública, como a teoria prevê e a prática comprova.
A inflação só pode ser controlada limitando-se a expansão dos investimentos
sociais ao quanto a produção pode responder ao crescimento da demanda. A
inflação associada à política de investimento social, que será inferior à média do
Plano Real, será controlada através do orçamento do governo, tanto em seu valor
absoluto quanto remanejando gastos quando necessário.
A proposta é a da não-intervenção tanto no mercado financeiro quanto no
mercado cambial, a proposta é a de deixar de proteger e subsidiar tanto o capital
financeiro quanto a indústria estrangeira que exporta para nós, permitindo que as
forças do mercado fixem a taxa de juros e a taxa de câmbio. O mercado cambial,
funcionando livremente, colocará um limite prático à inevitável inflação associada
ao desejado aumento da produção destinada à exportação.
A primeira fase do programa econômico proposto dedica-se a uma correção de
rumos. Nesta fase a taxa de juros será reduzida até se tornar a mais baixa do
mercado, até que o governo consiga não tomar mais nada emprestado, até que
emprestar para o governo seja um mau negócio. O capital financeiro terá tempo
para procurar outra aplicação. Os títulos do Tesouro Nacional serão procurados
pelas seguradoras e outros aplicadores institucionais, e estes recursos poderão
formar um fundo a ser utilizado para financiar investimentos a baixo custo para a
sociedade.
7
A maior parte da dívida pública, que hoje é igual a dinheiro que rende juros,
será resgatada em dinheiro no seu vencimento, da mesma forma como é feito
hoje em dia. A diferença é que não se fará mais dívida oferecendo taxas de juros
elevadas. A diferença é que o governo não irá mais remunerar o dinheiro
disfarçado de título da dívida pública. O dinheiro que ficar com o mercado é
capital financeiro que o governo não mais tomará emprestado à toa.
O dinheiro dado em troca de títulos da dívida pública é capital financeiro que
não se gasta em consumo. Por isso, o dinheiro dos juros da dívida, que sempre
acelera a inflação associada à expansão da demanda, não cria inflação. o dinheiro
dos juros da dívida pública não causa inflação, apenas turbina a elevação de
preços associada ao crescimento da produção. Haverá, isto sim, uma alta de
preços dos ativos financeiros até que o valor nominal do seu estoque seja
compatível com o estoque de moeda e esteja em harmonia com a nova e
reduzida taxa de juros. A partir daí, a melhor alternativa de aplicação do capital
financeiro será a produção.
Durante a fase de correção, poderá haver saída de capitais externos, mas isto
tornou-se inevitável por conta do endividamento externo crônico causado pelo
Plano Real. O exercício de estimativa, feito com a situação de maio de 2002,
indica que a desvalorização nominal da moeda nacional na fase de correção
poderá chegar a 75%, com o dólar se situando na faixa de R$ 4,20 a R$ 4,40. A
expansão do PIB poderá ser de 7%. Neste caso, a alta esperada de preços é da
ordem de 20%, mas trata-se de uma alta passageira e não de uma inflação
permanente de 20% ao ano. O aumento estimado das exportações é de 25%, ou
17 bilhões de dólares. A redução projetada das importações é de 10%, ou 7
bilhões de dólares. Com isso, o déficit da conta corrente do Brasil com o exterior
poderá ser eliminado, mantendo-se assim o pagamento dos juros da dívida
externa sem a necessidade de moratória.
Esta fase de correção de rumos será uma situação parecida com a crise de
1999 e com todas as crises causadas pela prática da política monetária. A crise
do Plano Real esperada para 2002/2003 poderia não ser adiada com novos
empréstimos do FMI, mas sim transformada em fase de correção de rumos. Uma
nova ordem poderia ser construída sobre a crise da ordem anterior. Crises
sempre são oportunidades para se encontrar novas soluções e novos caminhos.
Esta proposta não contradiz os princípios de austeridade do Fundo Monetário
Internacional, pois o déficit público será reduzido a níveis insignificantes e o
déficit externo será eliminado. Assim, será assegurada a estabilidade relativa da
moeda e da taxa de câmbio, e os compromissos do Brasil com o FMI serão
cumpridos. A ONU, o FMI, os outros organismos multilaterais e os países
desenvolvidos, tendo em conta os princípios que publicamente defendem,
apoiarão um programa brasileiro de metas de produção e controle da inflação.
8
Seguindo esta proposta, a nova ordem econômica poderá então ser baseada,
como estabelece a norma constitucional do Brasil, na soberania nacional, na livre
iniciativa e na livre concorrência.
9
2. PRINCÍPIOS PARA UMA POLÍTICA ECONÔMICA BRASILEIRA
Apesar de alguns notáveis avanços nas últimas décadas, o Brasil apresenta
vários problemas econômicos e sociais de elevada gravidade. Dentre estes
problemas, alguns são particularmente chocantes, como o desemprego de mais
de doze milhões de brasileiros, os baixos salários, o custo Brasil, a miséria, o
despreparo do cidadão para lutar por sua vida no mercado de trabalho, o
desalento. Ao mesmo tempo, despontam os indicadores financeiros negativos,
como a taxa de juros campeã do mundo, a dívida externa explosiva, a dívida
interna galopante, os gastos com juros sempre aumentando, a carga tributária
crescente e os direitos adquiridos cancelados para viabilizar cortes de
investimentos sociais.
Este quadro fica ainda mais grave quando se observa que a perspectiva de
melhora acontece apenas nas telas da televisão e não no Brasil de verdade. Muito
pelo contrário, a história recente do país mostra que a tendência é de piora de
todos estes indicadores. Se nada for feito de positivo, continuará crescendo o
número de brasileiros desempregados, caindo a massa salarial, reduzindo a renda
do consumidor de produtos nacionais e, conseqüentemente, a produção das
empresas instaladas no Brasil continuará patinando, e o próprio Brasil seguirá
sempre exibindo recordes de indicadores sociais negativos.
O paradigma seguido pela política econômica que conduziu o país a esta
situação de desemprego e desesperança é o do controle da inflação a qualquer
custo, ainda que para isto se condene milhões de famílias brasileiras à miséria.
Este é o paradigma da economia monetária, da economia virtual, da economia
que desrespeita o mundo real. É necessário mudar de paradigma. É possível
mudar de paradigma. É possível mudar o Brasil fazendo cumprir a ordem
econômica emanada da Constituição, que tem por fim assegurar a todos
existência digna, baseada no princípio da busca do pleno emprego. Para haver
mais emprego, há que haver mais produção. Para haver crescimento da
produção, há que haver expansão das vendas. Para expandir as vendas,
PRECISA-SE SEMPRE DE MAIS CONSUMIDORES COM RENDA PARA
GASTAR. Este é o paradigma da economia real.
O novo paradigma é estimular a demanda para que a produção e o emprego
estejam sempre em crescimento. O princípio básico desta proposta de uma
economia real diz que é a oferta que ajusta-se à demanda, num mundo em que a
economia é regida pela Lei da Oferta e da Procura. Este é o novo paradigma, que
leva ao delineamento deste PROGRAMA DE METAS DE PRODUÇÃO E
CONTROLE DA INFLAÇÃO. Dentro deste programa, a política econômica
orienta-se por metas de expansão da produção. Estas metas são sempre as
maiores possíveis, estando limitadas apenas pelo potencial de crescimento dado
pela capacidade instalada da indústria e pela infra-estrutura da economia.
Respeitados estes limites físicos para as metas, o aumento induzido da demanda
10
leva ao aumento do emprego e da renda do trabalhador, enquanto que a inflação
mantém-se em percentuais modestos, certamente menores do que se teve no
Brasil do Plano Real.
A demanda precede a decisão de produzir. As empresas só produzem a
quantidade que acreditam que vão vender, com lucro. As empresas não aplicam
dinheiro na produção e depois ficam esperando para ver se os compradores
aparecem. Dada a renda do comprador, ou seja, dada a força da demanda, os
produtores, agindo às vezes em comum acordo e às vezes em acirrada
concorrência, buscam a melhor combinação de preço e quantidade para suas
vendas. Se a produção não está na quantidade máxima possível é porque a
demanda existente não é capaz de absorver toda esta produção. A demanda
atual é menor do que a necessária para que as empresas produzam mais. A
demanda existente garante a produção atual, mas também impõe um limite a
esta produção, restringe o emprego e não estimula o investimento na expansão
da capacidade produtiva. O aumento da oferta de emprego para uma população
que cresce exige, portanto, que a demanda esteja sempre e antecipadamente em
crescimento.
Assim, para vender mais, para produzir mais, para que aumente a oferta de
empregos, é necessário uma de duas coisas: ou que o comprador tenha mais
renda, ou que apareçam novos compradores com renda para gastar. Para vender
aos mesmos compradores de sempre, com a mesma renda de sempre, seria
necessário reduzir os preços. Em conseqüência, os lucros cairiam e a produção
excedente seria inviável em termos econômicos. Deixado a si próprio o mercado
não garante o emprego de todos que querem trabalhar. Portanto, em princípio as
saídas são 1) convencer o governo a comprar mais, ou a criar renda para os
consumidores comprarem mais dos produtores nacionais e 2) vender mais para o
exterior, isto é, o país deve exportar mais e importar menos. Também neste
segundo caso é indispensável o apoio e a participação do governo. A política
econômica brasileira será de fato brasileira se tiver como objetivo permanente
criar demanda, interna e externa, para os produtos do Brasil.
Na prática, é de se esperar que seja a empresa, que conhece melhor os seus
problemas de demanda, que tome a iniciativa de buscar o apoio do governo.
Cabe à sociedade organizada dirigir o governo, e não o contrário. Mas, as pessoas
não devem esperar por um Estado assistencialista, pois a sociedade deve
produzir os recursos que ela mesma consome. Do mesmo modo, as empresas
não devem esperar por um Estado protetor, como aquele que se pauta por
proteger e garantir a remuneração do capital financeiro. São estes os princípios
que orientam esta proposta.
Segundo estes princípios, o governo usa a política de investimentos sociais
para estimular o aumento da procura de produtos brasileiros, o que causa um
certo déficit nas contas do governo e, em conseqüência, há emissão primária de
moeda. O governo pode, através do Banco Central, emitir moeda e gastar ele
11
mesmo, ou então transferir a renda criada para uma parte da população poder
comprar mais no próprio país. A emissão de moeda é indispensável, pois é assim
que o governo cria a renda nova que é necessária para ampliar a demanda
agregada. Assim, o aumento da demanda conduz ao crescimento da produção e,
com uma certa defasagem, a receita de impostos aumenta e o déficit é eliminado.
Esta política de investimento social leva a um constante aumento da oferta
de empregos aos brasileiros, mas também acontece uma alta dos preços. Para
que esta elevação de preços seja mantida em níveis modestos, inferiores à
inflação que hoje se observa, basta que se controle o orçamento do governo.
Aliás, atualmente o orçamento já é controlado, mas com o objetivo único de criar
uma poupança para pagar os juros da dívida feita em nome do público. O novo
objetivo de controlar o orçamento, tanto em seu valor absoluto quanto
remanejando gastos quando necessário, é evitar que a expansão da demanda
seja excessiva. Em termos puramente monetários, assim agindo limita-se a
emissão primária de moeda àquele montante necessário para girar a produção
aumentada.
Para financiar o déficit causado por estes gastos com investimentos sociais, o
governo poderia, do ponto de vista teórico, criar mais impostos. Mas, assim
agindo, o governo estaria apenas transferindo renda de umas pessoas para
outras, sem alterar a renda total da população. O governo também poderia, ainda
do ponto de vista puramente teórico, tomar dinheiro emprestado para cobrir este
déficit, ou seja, fazer uma dívida junto aos bancos. Neste caso, os bancos, ao
emprestar para o governo parte dos depósitos de seus clientes, estariam
emitindo moeda e, portanto, criando a renda nova que é necessária para de fato
expandir a demanda agregada. A emissão de moeda não seria evitada pois, ao
invés do governo fabricar dinheiro, quem o faria são os bancos. Ao invés do
governo fabricar dinheiro, ele estaria pedindo para alguém fazer isto. Como uma
dívida implica em pagar juros, ao invés do governo fabricar dinheiro de graça, ele
estaria pagando para alguém fazer isto.
A experiência internacional mostra que o caminho seguido pelos países que
hoje estão industrializados foi o da política de investimento social. De fato,
observa-se na prática que a participação do investimento social no PIB dos países
desenvolvidos cresceu fortemente, passando de uma média de 10% para 45%
durante todo o século XX1. A prática de uma política de investimento social de
apoio à produção nacional aumenta a riqueza da nação que, assim, pode também
importar mais, usando o seu próprio dinheiro e não tomando emprestado do FMI
e dos banqueiros internacionais.
Com relação à política de comércio exterior, o princípio da política econômica
proposta é o da não-intervenção no mercado cambial. Não haveria, portanto,
1
Tanzi, V. & Schuknecht, L. “Public Spending in the 20th Century: A Global Perspective”.
Cambridge University Press, 2001, pp. 6-7.
12
estímulo à entrada de capitais especulativos. Não se aumentaria artificialmente a
taxa de juros para atrair capitais externos. É claro que estes capitais são sempre
bem-vindos, quando destinados a aumentar a capacidade de produção e as
exportações do Brasil, e não simplesmente para ser remunerado com juros
arrancados do brasileiro, junto com a destruição do seu emprego. A lei autorizaria
o governo a usar a política cambial para estimular o aumento das exportações de
produtos brasileiros. A lei não imporia a taxa de câmbio e nem permitiria que ela
fosse utilizada para incentivar importações.
É claro que o aumento da produção brasileira para exportação seria
acompanhado de uma alta de preços. Contudo, o próprio mercado cambial, ao
naturalmente valorizar a moeda nacional em decorrência da exportação maior,
coloca um limite prático a esta fonte de inflação. Em contrapartida, em caso de
superávit na conta corrente com o exterior, o Banco Central seria obrigado a
emitir moeda primária para comprar as divisas do exportador, mas não emitiria
títulos da dívida pública para enxugar a liquidez assim criada.
Em outros termos, para que haja mais renda é necessário que o Banco
Central cumpra a sua função básica de emitir e colocar dinheiro em circulação na
economia, sempre que houver um crescimento da demanda de produtos
nacionais, e apenas neste caso. A renda nova que se precisa para aumentar a
demanda e o emprego só pode se tornar realidade com a emissão primária de
moeda por parte do Banco Central. Por sua vez, os bancos comerciais criariam
mais moeda secundariamente porque a economia estaria crescendo. O Banco
Central financia com moeda nova a expansão primária da demanda agregada,
enquanto que os bancos financiam a expansão da produção que se segue ao
aumento da demanda.
Estes princípios não são novos na literatura econômica. Pelo contrário, a
teoria que fundamenta esta proposta está na “ponta moderna”, ainda e sempre
aberta, de uma linha que, de origem desconhecida, passa por muitos outros
nomes menores, e liga Adam Smith2 a Alfred Marshall3 e John Maynard Keynes4.
A Adam Smith deve-se a postura moral de defender a noção de que é o trabalho
a fonte verdadeira da riqueza. Deve-se a Marshall a consolidação da Lei da Oferta
e da Procura como a “Idéia Fundamental” que explica o funcionamento da
economia. Associando as contribuições, Keynes propõe a teoria da demanda
efetiva como mecanismo para criar emprego. Para Keynes é a demanda que
“puxa” o mercado e, portanto, o emprego. Como, deixadas a si sós, a oferta e a
demanda se equilibram em um nível qualquer de produção e emprego, é
necessário um choque exógeno para puxar a demanda. O que se adiciona agora,
2
Smith, A., "The Wealth of Nations". The Modern Library, New York, 1776, edição de
1937.
3
Marshall, A., "Principles of Economics", MacMillan, 8ªedição, 1890, impressão de 1986,
e “Industry and Trade”, Augustus M. Kelley, 1919, impressão de 1970.
4
Keynes, J. M. "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda". MacMillan, 1936,
edição brasileira da Editora Atlas, 1982.
13
e que antes estava apenas implícito, é que este acréscimo exógeno de demanda
só existirá se for acompanhado da emissão de dinheiro novo5.
Esta proposta está de acordo com os princípios gerais da atividade econômica
brasileira, estabelecidos no Art. 170 da Constituição da República Federativa do
Brasil. A ordem econômica nacional, fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados, dentre outros, os princípios da soberania
nacional, da livre concorrência e da busca do pleno emprego.
3. UMA PROPOSTA DE POLÍTICA ECONÔMICA DE TRANSIÇÃO
Uma vez estabelecido o diagnóstico da economia brasileira, apresentado na
segunda parte deste livro, a receita para se recolocar o Brasil no caminho do
desenvolvimento parece simples. De modo geral, o que precisa ser feito é o
contrário do que vem sendo feito. Como a origem dos graves problemas
econômicos do Brasil é o endividamento, o que precisa ser feito é eliminar o
endividamento, o que precisa ser feito é deixar de praticar política monetária
para controlar a inflação. A inflação é um fenômeno natural que não se elimina,
controla-se. Mas não se controla inflação fazendo dívida e obrigando a população
a pagar juros. A inflação se controla, e sem custo social, através do orçamento do
governo.
A primeira fase do programa econômico proposto seria, portanto, uma etapa
de correção de rumos. O objetivo principal desta fase é reduzir a taxa de juros de
forma que, num prazo de um ano ou dois, a taxa oferecida pelo governo seja a
mais baixa do mercado. A idéia é ir baixando a taxa de juros dos títulos do
governo e, por conseqüência, a taxa de juros do mercado, até que o governo
consiga não tomar mais nada emprestado, até que emprestar para o governo
seja um mau negócio. A partir desse momento, o dinheiro do contribuinte não
mais seria usado para fazer bons negócios para quem quer que seja. O capital
financeiro teria um bom tempo para procurar outra aplicação, sem pânico. Os
títulos do Tesouro Nacional seriam procurados apenas pelas seguradoras e outros
aplicadores institucionais, e os recursos assim criados poderiam formar um fundo
de recursos, a baixo custo para a sociedade, a serem utilizados no financiamento
de projetos de investimentos.
5
Neste aspecto, a proposta guarda uma certa semelhança com a sugestão de Milton
Friedman, encontrável em qualquer bom livro de economia monetária. Segundo
Friedman, a política monetária deveria seguir a regra de aumentar o estoque de moeda
em X% ao ano, assim permitindo o crescimento do valor da produção nacional. A
diferença está em que, para Friedman, a emissão de moeda se faz através da recompra
de títulos da dívida do governo em poder do público. Contudo, para recomprar, o governo
teria de ter vendido antes, isto é, teria de ter feito dívida. Desta forma, na proposição de
Friedman e dos monetaristas, o governo cria moeda só para devolver o que antes tirou e
para pagar juros. Esta moeda criada para pagar juros é capital financeiro, mas não está
ligada à expansão da economia, pois o fato isolado de ter mais capital financeiro não
induz o gasto do capitalista em bens de investimento e muito menos de consumo.
14
Neste período, a maior parte da dívida pública seria resgatada da mesma
forma como é feito hoje em dia, ou seja, em dinheiro. A diferença está em que
não se renovaria dívida e não se faria mais dívida oferecendo taxas de juros
elevadas. O dinheiro que fica com o mercado é capital financeiro que busca a
aplicação financeira e não o consumo. Quem hoje recebe juros da dívida pública é
capitalista financeiro que não gasta este dinheiro em consumo e menos ainda em
investimento. Por isso, o dinheiro do resgate da dívida não expande a demanda
e, portanto, não causa inflação. O dinheiro dos juros da dívida não é inflacionário,
como aliás nunca foi. O que este dinheiro dos juros da dívida pode fazer, e já fez
no passado, é acelerar a eventual inflação causada pela política de investimento
público, mas não pode cria-la.
Por outro lado, não mais sendo interessante aplicar em títulos públicos,
haveria um aumento da demanda de outros ativos financeiros, como os imóveis
de luxo e os comerciais. Mais importante, a bolsa sobe e, mais importante ainda,
também o valor dos ativos reais das empresas. Haveria uma alta de preços dos
ativos financeiros até que o valor nominal do seu estoque se tornasse compatível
com o estoque de moeda. Como não mais se emitiria moeda nova para pagar
juros, o estoque de moeda fora da produção não cresceria e, a partir de um certo
momento, os preços dos ativos reais e financeiros ficariam estáveis num novo
patamar, mais elevado e, por isso mesmo, em harmonia com a nova e reduzida
taxa de juros.
É claro que aqueles que hoje são beneficiados pela renda dos juros seriam
prejudicados por esta nova política econômica e, evidentemente, seriam os
primeiros a apresentar muitos argumentos contra. Diriam que há uma crise no
país, quando na verdade a crise é com a renda deles. Preveriam o caos e,
ironicamente, falariam em miséria do povo. Entretanto, assim que os capitalistas
financeiros percebessem que o programa é permanente, e muitos deles,
nacionais e estrangeiros, certamente o perceberiam com rapidez, o capital
passaria a ser aplicado na produção. Inteligente quem investir primeiro.
Nesta fase de correção um efeito inevitável seria a saída de capitais externos,
além da revolta e das previsões catastróficas dos capitalistas financeiros
desamparados, propagadas por uma parte da imprensa. A queda da taxa de
juros, mais a revolta dos sem-amparo, seriam acompanhadas de uma alta
expressiva da taxa de câmbio. A história seria parecida com aquela de janeiro de
1999, porém com um final feliz, sem mais empréstimos do FMI para favorecer
aqueles que emprestam para o Brasil e prejudicam o emprego dos brasileiros.
Os capitais são livres para sair, inclusive amortizando parte da dívida externa
brasileira. Assim, seguindo esta proposta, o fluxo de saída de dólares seria
compensado em parte pela redução da atual remessa de dólares por conta de
amortizações, dividendos e juros de curto prazo. Do lado interno, a emissão de
moeda seria amenizada pela queda das reservas em dólares do Banco Central. No
15
detalhe, os portadores de títulos da dívida pública corrigidos pelo câmbio seriam
beneficiados por um aporte maior de reais.
Mas, não será por não mais ganharem dinheiro fácil que esses capitalistas
internacionais ficariam afastados do Brasil. A remuneração oferecida pelo resto do
mundo é modesta e, além disso, a redução da taxa de juros e da liquidez pode
ser compensada pelo menor risco-Brasil. Já que o lucro fácil da especulação teria
sido eliminado, a longo prazo os capitais externos poderiam ser investidos de fato
na produção, com menor risco. Caberia ao Banco Central cuidar para que este
fluxo de ingresso de capitais não valorizasse o real artificialmente. A política
cambial passaria a ser a de comprar dólares, para impedir a sua queda, sempre
que houvesse eminência de déficit em conta corrente com o exterior.
Estima-se que a desvalorização nominal da moeda nacional, nesta fase de
correção, pode chegar até a 75%, em relação a maio de 2002, com o dólar se
situando na faixa de R$ 4,20 a R$ 4,40. Diga-se de passagem que, se não
houvesse a fase de transição, seria provável que, durante um certo período, os
capitalistas financeiros fugissem em pânico para o dólar, aumentando sua
demanda e, conseqüentemente, desvalorizando o real. Contudo, o valor maior do
dólar estimularia ainda mais as exportações, o que aumentaria a disponibilidade
de dólares à venda e colocaria um limite natural à desvalorização, estimado em
75%.
À taxa de câmbio de R$ 4,20 a R$ 4,40, as quantidades ofertada e
demandada de dólares estariam em equilíbrio, ou seja, o saldo da conta corrente
com o exterior seria zero. Com isso, seria eliminado o atraso cambial brasileiro,
atraso este que tem feito do Brasil um dos líderes no campeonato mundial do
endividamento externo. Isto provocaria uma alta de preços a curto prazo da
ordem de 20%, tanto por conta da expansão da demanda de produtos de
exportação quanto em decorrência do aumento dos custos dos insumos
importados. Isto não significa que a inflação passaria a ser de 20% ao ano, mas
apenas que os preços teriam uma alta de 20% até que o dólar se estabilizasse e
parasse de pressionar os preços internos. Esta seria então uma inflação
meramente corretiva e ocasional.
Mais importante é o efeito positivo da desvalorização de 75% do real, que
causaria, tudo o mais constante, um aumento de 25% nas exportações de
mercadorias e serviços, ou cerca de 17 bilhões de dólares. A conseqüente
expansão do PIB seria da ordem de 7% em um ano. É provável que o uso da
capacidade ociosa atual ajudasse a alcançar este resultado. Mais ainda, colabora
para o aumento estimado do PIB a redução da dívida pública e o fim dos cortes
dos investimentos sociais. A crítica por conta de uma inflação de 20%, e pela
fuga de capitais especulativos de curto prazo, seria então anulada pelo
crescimento de 7% e pelo posterior ingresso de capitais externos para, agora de
fato, investir na produção real.
16
A desvalorização cambial causaria a queda nas importações de mercadorias e
serviços de consumo final e o aumento do custo da produção nacional devido ao
encarecimento dos componentes importados, das máquinas, dos equipamentos e
dos serviços de assistência técnica. Estima-se que a redução de importações seria
da ordem de 10%, ou seja, aproximadamente 7 bilhões de dólares. A expansão
da demanda agregada, por outro lado, poderia ser um estímulo à substituição dos
importados pela produção nacional. Pode-se esperar que, de início, esta
substituição apresente alguns problemas, atrasos e perda relativa de padrões de
medida e de qualidade.
Certamente algumas críticas seriam feitas, especialmente por aqueles que,
estando entre os 1% mais ricos do país, acostumaram-se a um estilo de vida
não-brasileiro. Ilustrando, alguns brasileiros do sul certamente diriam que é um
absurdo a passagem aérea São Paulo-Nova York passar a ser mais cara do que a
passagem São Paulo-Fortaleza. Mas, certamente muitos brasileiros do nordeste
seriam beneficiados por esta política econômica, a qual aumentaria a produção e
criaria mais emprego no Brasil como um todo.
Em resumo, nesta fase de correção da trajetória da economia brasileira
recomenda-se uma política de liberalização. Trata-se de uma contraposição ao
intervencionismo que hoje caracteriza os mercados financeiro e cambial. A
proposta é deixar de proteger e subsidiar o capital financeiro e permitir que as
forças do mercado fixem a taxa de juros. Do lado externo, a proposta é eliminar
o subsídio ao importador e à indústria estrangeira, permitindo que as forças de
mercado estabeleçam a taxa de câmbio.
De início os economistas reagirão com incredulidade e ceticismo, indo até a
total rejeição. Entretanto, após a leitura do diagnóstico da Parte II do livro,
perceberão que não se trata de uma experiência, mas sim de uma lógica
econômica rigorosa. O diagnóstico aponta os vários problemas associados à
tentativa de fazer política monetária, demonstrando que ela é incapaz de
controlar preços. Na verdade, quem controla preços são a política de
investimento social e a política cambial. A política monetária só paga juros,
praticando uma política de distribuição de renda que é regressiva ao máximo.
Uma espécie de Robin Hood às avessas. De fato, para ser beneficiado por esta
política de distribuição de renda, a pessoa deve já dispor de dinheiro suficiente
para comprar títulos da dívida pública. Estes títulos são um tipo de bônus de
guerra do Tesouro Nacional, emitidos para financiar a sua inútil batalha contra a
inflação, e só recebem dinheiro do governo aqueles poucos que detêm os bônus.
Esta proposta parece contradizer os princípios da cartilha de austeridade do
Fundo Monetário Internacional, mas isto é só aparente. À época em que este livro
era preparado a crise externa brasileira era iminente, e a moratória externa era
esperada para breve. De fato, durante 2002 a inevitabilidade da “reestruturação”
da dívida externa, um eufemismo para a moratória, foi se tornando cada vez
mais evidente. Sabia-se, ou pelo menos alguns mais esclarecidos sabiam, que a
17
crise externa era uma conseqüência da tentativa de contrariar a lógica e praticar
uma política cambial de déficit constante e endividamento crescente. Esta política
só poderia ter jogado o Brasil no colo dos investidores externos que, como
sempre, exigem o apoio logístico do FMI para manter suas aplicações no país.
Se a crise cambial brasileira ocorreria de qualquer sorte, é claro que ela não
seria conseqüência da eventual implantação de uma política nos moldes desta
aqui delineada. Visto deste ângulo, o início da fase de transição do Brasil para
uma nova política econômica poderia coincidir com uma crise da ordem
econômica anterior, podendo assim vir a ser uma solução, e não um problema.
Também não há porque esperar que os Estados Unidos e o FMI se oponham a
esta política de desenvolvimento do Brasil, desde que o país cumpra suas
obrigações assumidas com o exterior. Para isto, não é preciso pedir mais dólares
emprestados, a condição necessária é produzir e exportar, a condição necessária
é buscar novos parceiros comerciais para o Brasil.
O FMI foi criado para zelar pela estabilidade financeira internacional e pelo
combate à desvalorização cambial como instrumento de competição no comércio
internacional. Este quadro interessa a todos os países, inclusive o Brasil. Os
países do clube dos industrializados pautam-se por estes princípios, mas estes
países obtêm estabilidade financeira e cambial com produção e exportação, e não
tomando dinheiro emprestado. Por isso, o FMI, os outros organismos multilaterais
e os países desenvolvidos só poderão, à vista dos princípios que defendem,
apoiar um programa brasileiro de metas de produção e controle da inflação.
Segundo esta proposta, a nova ordem econômica poderá ser então, como
estabelece a norma constitucional do Brasil, baseada na soberania nacional, na
livre iniciativa e na livre concorrência. Deixa-se assim de usar dinheiro público
para beneficiar aqueles a quem a história já deu o privilégio de serem ricos e que
o futuro dará ainda mais riquezas. Mas, esta liberdade não significa descaso do
governo para com suas responsabilidades, inclusive aquela de impedir que a
inflação seja explosiva. O governo dispõe e disporá sempre, de acordo com esta
proposta, dos instrumentos de controle orçamentário para combater distorções e
excessos de curto prazo.
4. UMA POLÍTICA ECONÔMIC A PARA UM BRASIL RICO
Garantindo os direitos à livre iniciativa e à concorrência, e pautando-se
sempre pela soberania do que é nacional, a proposta é que a nova política
econômica do Brasil use a política de investimento social na busca do pleno
emprego. Desobrigado de pagar juros, e impedido de elevar a taxa de juros
acima do mercado, o gasto do governo poderá voltar a ser de natureza real e
social. A política de investimento social para expandir a demanda agregada é, na
teoria e na prática, o principal instrumento para promover o emprego e o
desenvolvimento do país. Este foi e continua sendo o caminho trilhado pelos
18
países industrializados que, além disso, sempre se esforçaram para aumentar
suas exportações e sempre protegeram suas indústrias contra as importações.
Sabe-se que a expansão dos investimentos sociais conduz a um
deslocamento da demanda agregada de tal forma que há um crescimento da
produção e do emprego. Ao mesmo tempo, contudo, há sempre e
inevitavelmente um aumento dos preços. Se o país está crescendo sempre,
haverá também uma certa taxa permanente de inflação. Num horizonte mais
longo, contudo, o crescimento da demanda agregada e da concorrência induzem
investimentos em tecnologia de produção, transporte e estocagem, o que torna a
oferta agregada mais elástica e reduz a taxa de inflação. Esta é a razão pela qual
a inflação é menor nos países industrializados.
Na vida real, será preciso testar continuamente o limite de expansão dos
investimentos sociais, por duas razões. A primeira é que a resposta da produção
ao crescimento da demanda agregada leva tempo. A segunda é o fato de que a
taxa de crescimento do volume produzido é limitada pela capacidade de produção
existente e pelo tempo de maturação dos novos investimentos. Assim, se for feita
uma expansão dos investimentos sociais acima desta capacidade de resposta da
produção, ocorreria uma inflação “pura”. Neste caso, os preços aumentariam em
excesso, sem que tivesse havido um correspondente aumento da produção e do
emprego. Na prática, contudo, não se conhece hoje qual seria o limite de
crescimento da demanda agregada.
Suponha-se, por enquanto, que esta taxa potencial de crescimento do PIB
real seja de 5% ao ano. Esta taxa significaria inicialmente cerca de 60 bilhões de
reais, em valores de 2002, de aumento anual da riqueza nacional. Com os dados
disponíveis, estima-se que para obter este acréscimo de valor do PIB real seria
necessária uma expansão permanente dos investimentos sociais de 33 bilhões de
reais ao ano, tudo o mais constante. Este valor é da ordem de grandeza dos
cortes de investimentos sociais feitos, ao amparo da Lei de Responsabilidade
Fiscal, para pagar juros da dívida pública mobiliária, e corresponde a cerca de
metade dos juros pagos pelo Tesouro Nacional em 2001.
Assim, uma taxa de crescimento da ordem de 5% ao ano do PIB real pode
ser obtida, usando-se apenas a política de investimento social, com um aumento
de cerca de 10% no total do gasto do governo. Estima-se que, se nada mais se
altera, a expansão do PIB real em 5% ao ano está associada a uma inflação
também da ordem de 5% ao ano, esperando-se que, a longo prazo, haja uma
queda na inflação.
Dado o aumento dos preços de venda, o crescimento do PIB nominal será tal
que a arrecadação tributária, com uma certa defasagem, crescerá em valor
suficiente para compensar aquele aumento inicial dos investimentos sociais. Com
isso, a emissão de moeda ficaria restrita ao período da defasagem, e seria
absorvida pela necessidade de um maior estoque de moeda para girar uma
19
economia expandida. A longo prazo, a redução do desemprego leva a um
aumento do salário médio dos trabalhadores, em níveis acima da inflação, ou
seja, uma alta real. Ao mesmo tempo, seria possível estabelecer metas de
patamares cada vez maiores para o salário mínimo real e para a redução da
carga tributária.
20
POVO RICO, PAÍS RICO
PARTE II: O DIAGNÓSTICO DA ECONOMIA BRASILEIRA
O marco inicial dos problemas da economia brasileira é a política econômica
adotada, a qual tem por único objetivo controlar a inflação. Os economistas
convenceram as pessoas de que a fonte de todos os males da economia e da
sociedade é a inflação, que assumiu a forma mítica de um dragão faminto difícil
de ser vencido. Apesar dos estragos que provoca nas rendas e nos costumes das
pessoas, encontra-se simultaneamente a noção de que a inflação é um fenômeno
isolado, sem ligação com a economia da vida real. Portanto, se a inflação fosse
eliminada, todos só teriam a ganhar. Assim, prevalece a idéia dos economistas, e
a falsa esperança do povo, de que o combate à inflação não prejudica o emprego
e trará, um dia, a felicidade geral da nação.
A despeito das convicções populares e científicas, não há, na teoria que
sustenta esta política econômica, uma identificação clara de qual seja a causa da
inflação. Alguns teóricos argumentam que há inflação hoje porque houve inflação
ontem. Mas estes não explicam a inflação de ontem. Outros dizem que a inflação
é culpa das empresas, que aumentam os preços com o objetivo de explorar ainda
mais o consumidor. Mas estes não explicam como o consumidor pode pagar a
mais sem ter tido aumento de renda. Outros ainda preferem dizer que a inflação
é um fenômeno complexo que tem muitas causas e que, portanto, tudo que se
pode fazer é encontrar uma forma de combate-la sem ter um diagnóstico
completo do quadro que se observa. Até parece que, depois de séculos de
desenvolvimento teórico, de estudos de casos em laboratório, de coletas de
dados e de pesquisas, a ciência econômica ainda não conseguiu identificar e
medir as causas da inflação.
Aliás, a inflação é um fenômeno natural, é um dos dois efeitos básicos da
expansão da demanda, ou seja, da renda das pessoas e do país. O outro efeito do
aumento da renda é o crescimento da produção e do emprego. Teoricamente, é
impossível aumentar a produção sem que os preços também aumentem. Apesar
deste desencontro científico, é quase um consenso entre os economistas da linha
monetarista que a inflação pode sempre ser combatida, talvez até a sua total
eliminação, quaisquer que sejam as suas causas e a sua natureza, e sem prejuízo
para a produção e o emprego. É um caso clássico no qual uma junta de
especialistas afirma que um certo fenômeno é patológico e, embora não tenham
um diagnóstico compreensivo da doença, acreditam ter o remédio certo para
tratar do paciente. Mais ainda, acreditam eles que a inflação é uma manifestação
da moeda, ou melhor, do excesso de dinheiro nas mãos das pessoas. Para eles,
21
portanto, qualquer que seja a natureza da inflação, ela é uma doença e o seu
remédio encontra-se na política monetária.
1. A origem dos problemas econômicos brasileiros.
Quase todas as pessoas que acreditam na inflação como fenômeno a ser
combatido concordam que o instrumento para esta luta é a política monetária.
Até há pouco tempo atrás, a estratégia deste combate era a de retirar moeda de
circulação e, para isso, o Banco Central deveria tomar dinheiro emprestado da
população, assim fazendo uma dívida pública. A idéia teórica é que, tendo
emprestado dinheiro para o governo, as pessoas e as empresas teriam menos
dinheiro para gastar e, assim, a inflação estaria sob controle. Esta idéia foi
abandonada porque, mesmo fazendo dívida e mais dívida, na maioria das vezes o
governo perdia a batalha para a inflação.
Nos tempos modernos, a estratégia é a de aumentar a taxa de juros para
inibir o consumo das famílias e o investimento das empresas. Contudo, não há
teoria, nos livros da ciência econômica, que explique como o consumo reage a
um aumento da taxa de juros. Também no mundo real as evidências encontradas
negam esta reação do comprador. O que é mais importante para o consumidor é
ter renda para pagar suas prestações, quaisquer que sejam os juros embutidos.
Se a taxa de juros sobe, o vendedor pode aumentar o número de prestações,
assim impedindo que aumente o valor mensal que o consumidor paga.
De modo idêntico, na vida prática não há evidência de que, tudo o mais
constante, o investimento reaja a um aumento da taxa de juros, apesar dos
pressupostos da teoria. A idéia prevalecente é que a empresa investe movida
pelo lucro e pela confiança de que pode vender o produto, a um preço que cubra
os custos de produção, inclusive os juros. Se a taxa de juros aumenta e,
portanto, aumenta o custo do produto por causa dos juros, mas é possível
repassar este aumento de custo para o preço do produto, as empresas continuam
investindo e continuam produzindo. Se o custo de produção aumenta, mas o
consumidor tem renda para pagar um preço maior, as empresas investem. Visto
de outro ângulo, se a taxa de juros é baixíssima, mas não há demanda para o
produto, as empresas não investem.
O aumento da taxa de juros, causado pela demanda de capital financeiro por
parte do governo, levaria a uma redução na quantidade demandada de capital
financeiro por parte das empresas e das pessoas. Mas, dadas as características
do mercado financeiro6, esta redução resultaria ser pequena. Por isso, e por todas
as razões já expostas e ainda por vir, um programa de metas de inflação, como o
6
Em termos técnicos, a oferta é muito elástica, quase horizontal e, por isso, a demanda
do governo geralmente causa uma aumento pequeno da taxa de juros. Por outro lado,
como a demanda por parte do setor privado é rígida, a quantidade demandada de capital
financeiro por este setor cai pouco.
22
que foi implantado no Brasil, não tem a menor chance de ser bem sucedido
naquilo que publicamente ele se propõe obter.
Os proponentes da guerra monetária contra a inflação parecem agir como se
esta teoria fosse o centro do universo. A teoria estaria sempre certa, as pessoas
é que cometem erros de expectativa ou de falta de confiança na ação clarividente
dos responsáveis pela política econômica. A obsessão pela política econômica de
controle de preços predomina no Brasil há alguns séculos. Na década de 1980 o
problema tornou-se ainda mais crítico, tendo sido implantados alguns planos
heterodoxos em substituição aos inúteis planos ortodoxos de antes. É curioso
observar como, apesar de todos os fracassos conhecidos, ainda insiste-se num
diagnóstico incorreto, posto que incompleto, e na mesma medicação de sempre.
Embora não seja recomendável implantar uma política econômica sem estar
seguro da teoria que a justifica, esta prática de aplicar o remédio sem certeza da
sua necessidade, e sem comprovação de que ele funciona, espalhou-se pelo
mundo. Assim, decidiu-se impor à população brasileira a moderna retórica do
programa de metas de inflação7, cujo único instrumento é a taxa de juros. Ocorre
que, para aumentar a taxa de juros, o governo deve fazer dívida pública. Ou seja,
a política monetária não mudou, só muda a roupagem, pois sempre se afirma que
o caminho é fazer dívida pública. De fato, para se aumentar a taxa de juros é
indispensável aumentar a demanda de capital financeiro. Para isso, o governo
toma dinheiro emprestado e deixa este dinheiro parado na sua conta corrente,
isto é, não o aplica em nada produtivo. Isto significa que, para que o moderno
programa de metas de inflação funcionasse seria necessário, como sempre, tirar
dinheiro de circulação o que, então, faria com que a taxa de juros aumentasse. O
pressuposto teórico básico da teoria monetária diz que, para retirar moeda de
circulação, o Banco Central deve tomar dinheiro emprestado.
2. Como os bancos emprestam e multiplicam o dinheiro.
Antigamente, a fonte dos recursos que os bancos emprestavam ao governo
ou às empresas era os depósitos à vista. Hoje em dia estes depósitos foram
transformados em fundos de aplicação de curto prazo. Estes fundos são, na
verdade, como que depósitos à vista, pois o cliente pode retirar o seu dinheiro do
banco à hora que quiser. Na prática, as contas à vista passaram a funcionar
apenas como um ponto de passagem. O cliente deposita na sua conta corrente e
depois manda o banco transferir para os fundos. Quando o cliente manda o banco
resgatar parte do fundo de aplicação, o que o banco faz é depositar o dinheiro na
conta corrente do cliente e este tira o dinheiro desta conta.
7
A base técnica deste programa pode ser encontrada no site do Banco Central do Brasil
(www.bcb.gov.br, depois “Publicações”, depois “Publicações Econômico-Financeiras”,
depois “Trabalhos para Discussão”), no texto com o sugestivo nome de “Implementing
Inflation Targeting in Brazil”, Working Paper Series, nº 1, July 2000.
23
Por outro lado, ao emprestar dinheiro para os seus clientes, o sistema
bancário multiplica estes fundos, como acontece com os depósitos à vista. A
razão para isso é que o cliente que tomou emprestado recebe um crédito em sua
conta e, em seguida, gasta o dinheiro em seus projetos de produção ou de
comércio, pagando com cheques. Estes cheques geram novos depósitos em
outros bancos do sistema, o que aumenta a disponibilidade de dinheiro nestes
bancos para fazerem novos empréstimos, e assim sucessivamente. Há então um
efeito multiplicador dos depósitos bancários que pode gerar um volume de moeda
no sistema que é várias vezes maior do que o depósito original. Este volume de
dinheiro, ou este “estoque de moeda”, depende da demanda de financiamento
por conta dos projetos de produção ou de comércio dos clientes dos bancos.
Quanto mais os clientes procuram empréstimos para investir em produção ou
comércio, mais se gasta, mais se emitem cheques, mais depósitos são feitos e
mais dinheiro poderá ser multiplicado pelos bancos.
No cotidiano da vida, o dinheiro tem o mesmo sentido que moeda e é a
contrapartida do valor das coisas. Um certo produto, ou uma peça de arte, ou o
show de um artista, valem o que valem porque podem ser trocados por uma
certa quantia em dinheiro. A moeda é também a unidade de conta, isto é, o valor
é a única maneira pela qual se podem somar e comparar coisas diferentes, como
por exemplo o custo e o faturamento das empresas. Assim, para se saber a renda
de uma certa comunidade somam-se os ganhos de todo mundo que lá vive,
sejam eles ganhos de salário, de aluguel, de juros ou de lucros.
Podem-se distinguir duas categorias econômicas de uso para o dinheiro. Em
primeiro lugar, as pessoas e empresas mantêm dinheiro reservado para os gastos
do dia-a-dia, ou seja, como meio de troca, ou ainda como precaução contra uma
ameaça dos bancos fecharem as portas. O estoque de moeda destinado a esta
finalidade depende de vários fatores, como os hábitos das pessoas, a confiança
nos cheques, a inflação, a taxa de juros, o nível de renda, etc. Em geral este
estoque é muito pequeno quando comparado com o volume de dinheiro na
categoria de capital financeiro.
O movimento de dinheiro na forma de capital financeiro, assim como a
produção e a compra de qualquer mercadoria, depende da lei da oferta e da
procura. O capital financeiro é procurado pelas pessoas e pelas empresas, ou com
a finalidade de aplicar na produção ou comércio, ou então para poder antecipar a
compra de um certo produto. Por outro lado, o capital financeiro tem dois
ofertantes, o Banco Central e os bancos comerciais. Ou melhor, há duas formas
de se criar e ofertar moeda, há duas formas de se “produzir”, ou de “fabricar”
dinheiro. A primeira forma, chamada de exógena, é a emissão “primária” de
dinheiro por parte do Banco Central, tratada mais adiante.
A multiplicação de depósitos por parte dos bancos é a segunda forma de se
criar moeda. Esta é uma oferta “secundária” porque na verdade os bancos não
podem de fato fabricar moeda, o que eles podem fazer é apenas multiplicar a
24
moeda que seus clientes depositam. Esta oferta de moeda é chamada de
endógena porque depende dos pedidos de empréstimos das pessoas e empresas
aos bancos, e estes pedidos dependem de como está a economia. Se a economia
vai bem a renda das pessoas aumenta e elas podem solicitar mais empréstimos
para consumir mais. Se a economia vai bem assim, as empresas investem mais
na produção e no comércio e, portanto, demandam mais capital financeiro nos
bancos. Se a economia vai mal, os empréstimos se reduzem e o volume de
moeda criada pelos bancos diminui.
O valor, ou o “tamanho” do multiplicador bancário depende, ou melhor, é o
inverso, das reservas de moeda. Há três tipos de reservas: 1) os depósitos
compulsórios que os bancos comerciais têm que fazer no Banco Central; 2) o
dinheiro que os bancos comerciais têm em caixa; e 3) o dinheiro que as pessoas
têm nos bolsos e as empresas guardam nos cofres para os gastos do dia-a-dia,
ou então por precaução. Assim, o Banco Central limita o valor do multiplicador
bancário, ou obrigando os bancos comerciais a aumentarem as reservas de caixa,
ou aumentando os depósitos compulsórios8.
Existe, portanto, um certo estoque “potencial” de moeda, que corresponde à
aplicação plena do multiplicador no seu valor máximo permitido pelo Banco
Central. Existe também um estoque “aparente” de moeda, conceituado pelo
volume total dos depósitos à vista mais o dinheiro que as pessoas têm nos bolsos
e as empresas têm nos cofres. Em termos técnicos, este estoque aparente é
chamado de M1. Ao mesmo tempo, existe um certo estoque “efetivo”, que é
formado da moeda aparente mais os depósitos remunerados dos fundos de
aplicação de curto prazo. Por outro lado, o volume de dinheiro que de fato circula
não é nenhum destes, mas sim aquele que é necessário para viabilizar as
transações que ocorrem na economia, ou seja, o volume de compras e vendas
durante, digamos, um ano. Como o nível de atividade econômica varia, a procura
por moeda também varia, mesmo que o estoque de dinheiro, potencial, aparente
ou efetivo, seja o mesmo de sempre.
Pode-se medir o volume de moeda que circulou na economia num certo
período, por exemplo num mês, através dos cheques pagos e dos saques em
dinheiro nas contas e nas cadernetas de poupança. A todo instante há dinheiro
circulando, mas há também dinheiro parado nas contas, nos fundos, nas
cadernetas, nos caixas, nos bolsos, nos colchões e nos cofres. Em outras
palavras, não se sabe quanto do estoque total de dinheiro está de fato sendo
utilizado neste momento. Por estas razões, é difícil encontrar consenso quando se
tenta definir e medir moeda quando ela é vista como estoque. A moeda relevante
para a economia, na teoria e na prática, é aquela que circula, e não a que está
parada. A moeda circula em volume que interessa às pessoas e empresas. Não é
o estoque existente que impõe o ritmo de circulação da moeda. Da mesma forma,
8
Este texto não trata do multiplicador como instrumento de política monetária, por
considerar que, no contexto, ele é um instrumento irrelevante.
25
não é o número de pessoas existentes que determina quantas pessoas estão
empregadas.
Visto de outro ângulo, pode-se definir a velocidade com que o dinheiro circula
dividindo-se o valor total das vendas pelo estoque de dinheiro efetivo que existe.
Como o nível de atividade econômica varia, a velocidade de circulação da moeda
também é variável. Imagine-se, para ilustrar o caso extremo, que a maior parte
do capital financeiro das pessoas e das empresas é dinheiro próprio, isto é, elas
não tomam dinheiro emprestado no banco quando as vendas crescem. Neste
caso, é fácil perceber que o estoque de moeda pode permanecer inalterado
enquanto varia o valor da produção. O que variaria seria apenas a velocidade de
circulação.
Também ocorre uma situação extrema quando o dinheiro é “pouco”, ou seja,
é insuficiente para as transações efetuadas na economia do país. A solução
encontrada pela criatividade natural das pessoas é fazer troca direta, escambo,
ou então utilizar outros ativos como dinheiro de troca, digamos os cheques e os
tíquetes-refeição, ou ainda criar um sistema bancário paralelo. Aliás, quem
inventou os bancos e multiplicou o dinheiro não foi o governo mas sim o setor
privado. Em outra situação, quando a atividade econômica é baixa, o estoque
efetivo de moeda é “muito grande”. Neste caso, um certo volume deste estoque
efetivo de dinheiro fica parado nos bancos e, portanto, o estoque de dinheiro
potencial não é utilizado integralmente. Todo este excedente de dinheiro seria
não remunerado, seria um simples depósito à vista.
Isto significa também que algumas pessoas que têm dinheiro para emprestar
podem considerar que a taxa de juros de mercado é “insatisfatória”, do mesmo
modo que uma empresa pode achar que o lucro na sua atividade é “muito baixo”
e mudar de ramo de negócio. Assim, estas pessoas não aplicam o dinheiro e,
portanto, parte do capital financeiro pode ficar ocioso, parado nos bancos ou em
qualquer outro lugar. Por outro lado, pode até acontecer que uma certa pessoa,
com dinheiro disponível, gostaria de emprestar à taxa vigente. Contudo, se os
tomadores de empréstimo precisam menos dinheiro do que o volume disponível à
taxa de juros de mercado, então nem todas as pessoas conseguem manter seu
dinheiro aplicado o tempo todo. Da mesma forma, não são todas as pessoas que
conseguem estar empregadas o tempo todo.
3. As pessoas procuram fluxos e não estoques.
Uma analogia pode ser feita com outros mercados, por exemplo, o de imóveis
para locação. Numa certa cidade, e durante um certo período de tempo, a oferta
de imóveis não é dada pelo estoque total de imóveis lá existente. Nestes casos
em que o produto tem esta característica de estoque, a oferta torna-se muito
elástica. Por isso, a oferta pode ser melhor descrita pelo preço, ou seja, pelo
aluguel que prevalece no mercado. A este nível de aluguel o número de imóveis
disponíveis para alugar em geral é “muito grande”, quando comparado com a
26
necessidade de imóveis por parte das pessoas e das empresas. Assim,
dependendo da demanda, uma parte dos imóveis disponíveis é alugada num
certo período, enquanto uma outra parte permanece desocupada, permanece
“estocada”. Este estoque também se explica pela fato de que algumas pessoas
que têm imóveis para alugar consideram que é “insatisfatório” o aluguel de
mercado. Por isso, elas não oferecem os imóveis, ficando estes fechados, ociosos,
ou mal utilizados. Nem todos os imóveis desocupados permanecem assim o
tempo todo, mas existirão sempre imóveis desocupados.
Pode acontecer que uma pessoa, com imóvel disponível, gostaria de alugar
para receber o aluguel de mercado. Contudo, se as pessoas e empresas precisam
menos imóveis do que o volume disponível ao aluguel de mercado, então nem
todas as pessoas conseguirão alugar os seus imóveis, ou pelo menos não o
tempo todo. Também pode acontecer que uma certa pessoa gostaria de locar seu
imóvel por um aluguel ainda menor do que o vigente. Entretanto, se as pessoas e
empresas precisam menos imóveis do que a quantidade potencial assim formada,
estes imóveis não serão ocupados. Estes imóveis excedentes serão excluídos do
mercado por vários critérios, como o tempo de uso, a falta de infra-estrutura na
região, a cor das paredes, se é apartamento ou casa, etc.
Um outro exemplo é o do mercado de trabalho. Numa certa região e época, a
oferta de trabalho não é dada pelo número de pessoas lá existente. Nestes casos
em que o produto tem esta característica de estoque, a oferta torna-se muito
elástica. Por isso, a oferta pode ser melhor descrita pelo preço, ou seja, pelo
salário que prevalece no mercado. A este nível de salário o número de pessoas
disponíveis para trabalhar em geral é “muito grande”, quando comparado com a
necessidade de trabalhadores por parte das empresas. Assim, dependendo da
demanda, uma parte das pessoas disponíveis encontra emprego durante um
certo período, enquanto uma outra parte permanece desocupada, permanece
“estocada”. Este estoque de trabalhadores também se explica pela fato de que
algumas pessoas consideram que é “insatisfatório” o salário de mercado. Por isso,
elas entram em desalento e deixam de procurar emprego, ficando então ociosas,
ou fazendo biscates. Nem todas as pessoas desocupadas permanecem assim o
tempo todo, mas existirão sempre pessoas desocupadas.
Pode acontecer que uma pessoa, com tempo disponível, gostaria de trabalhar
para receber o salário de mercado, ou até menos. Contudo, se as empresas
precisam menos trabalhadores do que o número de pessoas disponíveis ao salário
de mercado, então nem todas as pessoas conseguirão encontrar emprego, ou
pelo menos não o tempo todo. Estas pessoas excedentes serão excluídas do
mercado por vários critérios, como a idade, a falta de experiência, a cor da pele,
o sexo, etc.
Uma das características em comum entre estes três fatores, o dinheiro, o
imóvel e o trabalho, é que se trata de estoques. O mesmo pode-se dizer da
capacidade de produção da indústria, formada de máquinas e equipamentos,
27
além dos prédios, e da infra-estrutura da economia, suas estradas, portos,
aeroportos, rede de água, fontes de energia, etc. Porém, o que as empresas e
pessoas precisam e demandam não é o estoque em si mesmo, mas o serviço que
ele presta. As pessoas não querem um imóvel para estoca-lo sem uso, a idéia é
usar o imóvel, para morar ou para trabalhar. As empresas não demandam
trabalhadores, mas sim o serviço que eles fazem dentro das empresas,
produzindo alguma coisa que será vendida com lucro. As pessoas e empresas não
demandam dinheiro para ficar admirando, mas sim para gastar na compra de
bens de consumo, durável ou não, e de bens de investimento que serão utilizados
para produzir e ter lucro. O que interessa às pessoas e empresas é o fluxo de
dinheiro para ser gasto no fluxo de compras.
Na ciência econômica, a demanda refere-se a um fluxo e não a um estoque.
Contudo, na prática, não dá para alugar uma casa apenas naqueles momentos
em que de fato ela está sendo ocupada. Por isso, é necessário fazer um contrato
de aluguel por um certo período. Na prática, não é possível colocar pessoas para
trabalhar apenas durante o tempo necessário para produzir. Por esta razão, é
necessário fazer um contrato de trabalho por um certo período. Na prática, não é
possível tomar dinheiro emprestado apenas durante o tempo absolutamente
necessário para financiar a produção. Portanto, é necessário fazer um contrato de
empréstimo por um certo período.
O contrato legal é uma imposição da vida prática. Estes contratos não
significam que pessoas e empresas estão demandando estoques, a elas só
interessam os fluxos dos serviços prestados pelos imóveis, pelo trabalho e pelo
capital financeiro. Mais importante, o fato de existir um certo número de imóveis
numa certa cidade não significa que todos eles estão sempre disponíveis para
venda ou aluguel. Por outro lado, não há política econômica que justifique
remunerar os proprietários dos imóveis que permanecem ociosos. Da mesma
forma, o fato da população em condições de trabalhar ser de 100 milhões de
pessoas não significa que há sempre 100 milhões de trabalhadores empregados.
Por outro lado, também não há política econômica que justifique remunerar os
trabalhadores que permanecem ociosos. Na mesma linha, o fato do estoque de
moeda ser de 60% do PIB não significa que toda esta moeda está sendo sempre
usada para trocar por mercadorias e serviços. Por outro lado, aqui é diferente,
pois há uma política econômica que justifica remunerar o capital financeiro que
permanece ocioso.
4. Como o Banco Central fabrica dinheiro.
Os bancos criam dinheiro a partir de “depósitos originais”, ou iniciais, feitos
pelos seus clientes. Os bancos não criam moeda a partir do nada, eles apenas
multiplicam os depósitos originais, tendo para isto um limite máximo que é
definido e pode ser modificado pelo Banco Central. E de onde vêm estes
“depósitos originais”? Eles vêm do Banco Central, que é o órgão do governo
28
encarregado pela Constituição de fabricar moeda, com exclusividade. A moeda é
criada pelo Banco Central e multiplicada pelos bancos comerciais. O Banco
Central emite a moeda primária e os bancos comerciais emitem a moeda
secundária. Como a emissão de moeda por parte do Banco Central não depende
da demanda de empréstimos das pessoas e das empresas, ou seja, é
independente do estado geral da economia, ela é definida como exógena. Nos
tempos modernos, é esta moeda primária que os bancos multiplicam para criar o
estoque efetivo, o estoque aparente e o estoque potencial de dinheiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que cabe ao
Congresso Nacional dispor sobre os limites de emissão de moeda. Na prática,
contudo, a moeda à qual a lei se refere é apenas o dinheiro fabricado pela Casa
da Moeda, ou seja, as moedinhas metálicas e as notas em papel que a maioria
das pessoas carregam no bolso e as empresas guardam nos cofres. No ano de
2001, para ilustrar, o Congresso Nacional autorizou a emissão de 5 bilhões de
reais. A norma constitucional não abrange a moderna moeda eletrônica criada
pelo Banco Central, e nem a moeda secundária, aquela que resulta da
multiplicação de moeda feita pelos bancos. Comparando, no ano de 2001 foram
emitidos 62 bilhões de reais, por conta do gasto com juros da dívida pública, sem
autorização do Congresso Nacional. Na realidade, não há controle nem limites
para a emissão de moeda primária feita pelo Banco Central.
Longe vai o dia em que o dinheiro tinha principalmente a forma de moeda
metálica ou então notas de papel que traziam a frase: “Se pagará ao portador
desta a quantia de 5 cruzeiros”. Naquele tempo o dinheiro tinha lastro em ouro
ou em moeda estrangeira. Rapidamente o dinheiro passou a ter apenas curso
forçado mas, ao mesmo tempo, ganhou a confiança da população como meio de
pagamento, embora em certas épocas fosse desvalorizado muito rapidamente.
Esta confiança foi transferida para os computadores modernos, de sorte que hoje
em dia a maior parte do dinheiro, ou quase todo ele, é criado eletronicamente,
aparecendo para as pessoas e as empresas na forma de um saldo no extrato
bancário.
Ora, para haver saldo é necessário que tenha havido depósito e é assim que
o Banco Central cria moeda, ou seja, fazendo um depósito eletrônico na conta de
um banco comercial, e todo banco comercial tem que ter conta corrente no Banco
Central. Por sua vez, o banco comercial deposita eletronicamente o dinheiro na
conta de seus clientes. Se ninguém pedir um extrato da sua conta impresso em
papel, toda a movimentação fica registrada apenas na memória dos
computadores. Quando as pessoas e as empresas começam a sentir falta de
moedas metálicas e notas de papel, os bancos então as pedem ao Banco Central
que, aí então, encomenda as notas e moedas à Casa da Moeda. Depois, o Banco
Central entrega as notas e moedas e debita a conta dos bancos que as pediram.
Mas, por que o Banco Central deposita na conta dos bancos comerciais, assim
criando moeda primária? Só há três possibilidades, salvo eventuais calamidades.
29
As regras existentes permitem e obrigam o Banco Central a emitir moeda
primária por duas razões reais e objetivas e, por omissão, permitem que haja
emissão de moeda por uma terceira razão, que é pagar juros. A primeira razão
para se emitir moeda é quando o governo tem um déficit causado por sua política
de investimentos sociais. Quando o governo gasta, por exemplo, construindo
estradas e portos, o Tesouro Nacional emite um cheque para pagar as obras, e
quem paga o cheque é o Banco Central, que é onde o Tesouro Nacional tem
conta. O Banco Central pode pagar o cheque independente do governo ter saldo
positivo em sua conta corrente ou não. Se não tiver, o Banco Central estará, ao
pagar o cheque o Tesouro Nacional, emitindo moeda. Nesta situação, o Tesouro
Nacional terá um déficit, e o Banco Central é forçado a criar moeda no montante
deste déficit. O Banco Central não decide nada, apenas reage passivamente a
uma iniciativa do governo de fazer investimento social, ele apenas cumpre a
decisão do governo de expandir a demanda agregada e assim aumentar a
produção e o emprego.
É natural que o governo promova a expansão da demanda agregada fazendo
política de investimento social, o que significa que o Banco Central é obrigado a
emitir moeda para cobrir o déficit do governo. Assim, crescem simultaneamente a
demanda, a produção, mas também aumentam os preços e o volume de moeda
em circulação. Ou seja, tanto o estoque de moeda quanto os preços crescem
juntos, tendo como causa comum o déficit do governo associado à expansão da
demanda. Preços e moeda sobem juntos, um não é a causa do outro. Este
processo leva à existência, na teoria e na prática, de uma relação positiva entre
estoque de moeda e inflação. A emissão de moeda não é a causa da inflação, o
que se passa é que as duas coisas acontecem ao mesmo tempo porque têm uma
causa em comum. A teoria monetarista, entretanto, adotou a premissa de que a
emissão de moeda causa inflação, embora ela não saiba explicar a lei econômica
que levaria a esta causalidade9.
O Banco Central, por sua vez, não precisa tirar dinheiro de lugar algum para
cobrir o déficit do governo, nem tampouco encomendar notas e moedas metálicas
na Casa da Moeda. Ele simplesmente credita a conta do banco que apresentou o
cheque e debita a conta do Tesouro Nacional. E como o Tesouro cobre o déficit
então criado? A melhor alternativa seria o Tesouro emitir um título e entrega-lo
ao Banco Central que, então, colocaria este título em seu ativo. Juntando as
operações, ao final o Banco Central teria aumentado o seu ativo com o título do
Tesouro Nacional, ao mesmo tempo que, ao mesmo valor, aumentaria o seu
passivo ao emitir moeda para honrar o cheque do Tesouro Nacional. No ativo do
Banco Central estaria um título representativo do aumento real da infra-estrutura
produtiva nacional, que permitiria aumentar a produção e o emprego dos
9 A única proposição teórica neste contexto é a chamada Teoria Quantitativa da Moeda,
por sua vez baseada na equação de trocas. Trata-se, todavia, de uma simples identidade
contábil entre o valor das vendas, ou seja, o faturamento das empresas, e o mesmo
valor, em dinheiro.
30
brasileiros e, do lado do passivo, estaria a moeda que permite a circulação da
riqueza assim aumentada. Esta emissão de moeda vem sendo combatida pelos
defensores da política da dívida e dos juros, sob o argumento de que é ela a
causa da inflação.
A segunda razão para o Banco Central criar moeda primária está associada à
política cambial. Quando o exportador de produtos brasileiros vende no exterior,
obtendo mais dólares do que o país gasta nas importações, há uma entrada
líquida de dólares, há um superávit em conta corrente com o exterior. O Banco
Central, sendo então obrigado a comprar estes dólares em excesso, emite reais
para pagar o exportador. O Banco Central coloca estes dólares em seu ativo e os
reais emitidos, em valor equivalente, são colocados em seu passivo. No ativo do
Banco Central estariam então os dólares derivados e representativos de um
aumento real da produção e do emprego dos brasileiros e, do lado do passivo,
estaria a moeda que permite a circulação da riqueza assim aumentada. Também
nesta situação o Banco Central é forçado a criar moeda, ele não decide nada,
apenas reage passivamente a uma iniciativa e oportunidade dos exportadores
brasileiros em produzir mais e vender mais no exterior. Esta emissão de moeda
vem sendo combatida pelos defensores da política da dívida e dos juros, sob o
argumento de que ela provoca inflação.
Em resumo, o que obriga o Banco Central a emitir moeda é o lado real da
economia. Ou, pelo menos, deveria ser a expansão da economia, promovida pela
política de investimentos sociais ou pelas exportações, que obrigaria o Banco
Central a emitir dinheiro. Este dinheiro extra é o que seria necessário para girar
uma economia maior. Quem pode decidir expandir a demanda agregada e,
portanto, o quanto de moeda vai ser emitida, é a política de investimentos sociais
ou a exportação, nunca o Banco Central. Nesta história o Banco Central é
passivo. Depois de assim impulsionada a demanda dos produtos nacionais pelos
gastos do governo em investimentos sociais e pela exportação, caberia aos
bancos comerciais financiar a expansão da produção. É claro que assim haveria
uma certa inflação mas, em contrapartida, haveria mais produção.
Todavia, esta emissão de moeda vem sendo combatida pelos defensores da
política da dívida e dos juros, sob o argumento de que ela provoca inflação. Surge
assim a terceira razão para o Banco Central emitir moeda. Esta terceira via é
aquela que o Banco Central criou e reservou para si mesmo, qual seja, a prática
da política monetária. Sob este manto, o Banco Central pode fabricar dinheiro
para salvar bancos da falência, acobertar desvios e fraudes em nome da
estabilidade do sistema bancário ou, principalmente, pagar juros da dívida pública
construída por razões de política monetária. Ao contrário da política de
investimentos sociais e da política cambial, neste caso é o Banco Central que
toma a iniciativa de fabricar dinheiro. Mas, para isto, é necessário antes de tudo
fazer uma dívida, para depois pagar os juros e outras contas derivadas. Se não
houvesse a dívida, o Banco Central não poderia nunca tomar a iniciativa de
31
fabricar dinheiro. Esta emissão de moeda não é combatida pelos defensores da
política da dívida e dos juros.
Estima-se que em 2001 o gasto do governo federal com juros, em
decorrência da dívida mobiliária, foi da ordem de 100 bilhões de reais10. Este é o
montante de moeda que o Banco Central tomou a iniciativa de emitir naquele
ano, em decorrência, ironicamente, de seu objetivo de controlar a inflação. Tratase de uma criação e transferência de moeda nos moldes de uma programa de
socorro à população carente, já que não há contrapartida dos assistidos pelo
programa. Entretanto, o critério de distribuição é elitista, pois para participar do
processo e receber dinheiro é necessário já ter dinheiro antes. Quem tem capital
financeiro e confiou no governo foi premiado com esta distribuição de moeda sem
ter contribuído em nada para o desenvolvimento do Brasil.
5. Como o governo tira dinheiro da população.
Historicamente, a expansão da oferta de moeda tem sido expressiva, como
indicado pela emissão de dinheiro para pagar juros, e só não é maior porque as
políticas cambial e de investimentos sociais foram freqüentemente acionadas para
retirar moeda de circulação. Esta é a tônica adotada, por exemplo, do Plano Real.
Do lado dos gastos do governo, eliminaram-se os déficits que, através do
controle orçamentário, poderiam evitar as fases de recessão e promover o
desenvolvimento econômico do Brasil. Pratica-se, assim, uma política antiinvestimento, chamada de ajuste fiscal, que consiste em cortes de gastos e no
simultâneo aumento da arrecadação de impostos. O dinheiro então arrecadado e
não gasto aumenta o saldo da conta do Tesouro Nacional no Banco Central.
Esta é uma moeda que sai fora de circulação, pois as regras monetárias
impedem que este saldo do governo seja aplicado em qualquer finalidade, real ou
financeira. Este dinheiro, retirado da sociedade através dos impostos sobre a
atividade econômica, fica parado, não é gasto em coisa alguma, não retorna para
a sociedade. Este congelamento do saldo do governo corresponde a uma redução
da renda do país, causando assim uma queda da demanda e um freio na
atividade econômica. Este dinheiro do ajuste fiscal é usado apenas para pagar
uma parte menor do gasto com juros da dívida pública. Nesta condição, é
evidente que se o governo só tem superávits, não há criação de moeda por conta
dos investimentos sociais, mas sim retirada de moeda de circulação. Em 2001,
por exemplo, foram retirados 44 bilhões de reais da economia através deste
caminho.
Do lado cambial também não houve, àquela época, criação de moeda, mas
sim retirada de moeda de circulação. A política monetária provocou um crônico
déficit com o exterior, por duas razões. Primeiro, a taxa de câmbio foi sustentada
10
Trata-se do gasto total bruto. O gasto líquido do governo federal é menor, pois ele
contabiliza a receita com os juros pagos pelos estados por conta da dívida deles para com
a União. A população paga, é claro, o total dos juros, que foi de 106 bilhões naquele ano.
32
pela entrada de capitais externos atraídos por taxas elevadas de juros. Estes
capitais são, naturalmente, emprestados e não doados ao país, e o conseqüente
endividamento externo gerou uma importante remessa de dólares para o exterior
para pagar juros. A este gasto extra com juros externos somou-se a remessa de
renda, na forma de dividendos, royalties, patentes, leasing, etc, itens nos quais o
Brasil é tradicionalmente deficitário. Em segundo lugar, a taxa de câmbio antiBrasil funcionou como incentivo às importações e um freio às exportação,
gerando até mesmo déficits comerciais. Na soma das remessas, o que houve foi
um crônico déficit em transações com o exterior.
Com isso, ao invés de se emitir moeda nacional para trocar pelos dólares
obtidos pelos exportadores e assim promover o desenvolvimento do país, o que
se fez com a política de comércio exterior foi retirar moeda de circulação. De fato,
como muitos residentes no Brasil gastaram mais dólares em importação e
remessa de renda do que os exportadores conseguiram arrecadar, o Banco
Central mais vendeu dólares do que comprou. Em outros termos, o Banco Central
mais recebeu reais do que gastou. Assim, o Banco Central retirou reais de
circulação, ele destruiu moeda por este caminho. Estima-se que, no ano de 2001,
por exemplo, foram retirados da economia cerca de 56 bilhões de reais por conta
do déficit em conta corrente com o exterior. Somando-se as duas histórias, no
ano de 2001 foram retirados 100 bilhões de reais do lado real economia, através
das políticas anti-investimento e anti-exportações.
Portanto, não é a política monetária que, na teoria e na prática, tira moeda
de circulação, mas sim as políticas cambial e de investimentos sociais feitas às
avessas. O que de fato tira moeda de circulação é a operação inversa da política
de investimento social e da política de comércio exterior. Para tirar moeda do
sistema é necessário ou que o governo tenha um superávit, por exemplo fazendo
ajuste fiscal, ou que o país gaste mais dólares do que ele recebe, por exemplo
tendo um déficit em conta corrente com o exterior. Por isso, nenhum país se
desenvolve se há queda no volume de moeda em circulação, nenhum país cresce
enxugando liquidez. A redução do estoque de dinheiro só é compatível com a
retração da atividade produtiva, seja pela falta de investimento social, seja pelo
desincentivo às exportações. Em conclusão, o instrumento teórico de controle da
inflação é a recessão econômica, e não a política monetária.
É esta estratégia que, de fato, foi adotada no Plano Real, embora se
verbalizasse um discurso monetarista. O ajuste fiscal, isto é, aumentar os
impostos e cortar todos os gastos, exceto os juros, é sempre insatisfatório para
pagar todo o juro criado pela política monetária, mas retira dinheiro de
circulação, pois a arrecadação de impostos acaba assim sendo maior do que os
gastos do governo. Do lado externo a história se repete. A política cambial do
governo é tal que o Brasil remete mais dólares para o exterior do que recebe, ou
seja, gasta mais do que ganha. Com isso, o Banco Central liquidamente vende
dólares e, portanto, recolhe reais. Somando-se então a política de investimentos
33
e a conta corrente da política cambial, o que se observa é que no Brasil há uma
tendência a se destruir a moeda que circula no lado real da economia e, portanto,
destruir a própria economia real. O que foi feito, então, foi colocar as políticas
cambial e de investimento social a serviço da política monetária.
Em contrapartida, há emissão de moeda no lado puramente monetário e
improdutivo da economia. De fato, a entrada de capitais externos para financiar o
déficit em transações correntes provoca uma emissão “compensatória” de reais.
O Banco Central compra então estes dólares que entram na forma de capitais e,
para isto, ele emite reais. Assim, no caso de haver uma entrada de capitais
externos maior do que o déficit em transações correntes com o exterior, na
resultante dos dois movimentos haverá criação de moeda. Destrói-se moeda
pagando juros da dívida externa e incentivando a importação de produtos que
tiram o emprego de brasileiros, e depois cria-se moeda incentivando a entrada de
capitais, assim fazendo dívida externa. No ano de 2001, por exemplo, o superávit
dos capitais compensou o déficit corrente e resultou numa emissão de cerca de 8
bilhões de reais.
Resumindo, estima-se que em 2001 foram retirados 100 bilhões do lado real
economia. Por outro lado, o Banco Central ampliou a base monetária, ou seja, a
oferta primária de dinheiro, em 6 bilhões de reais. Conclui-se assim que, na sua
tentativa de tirar moeda de circulação, a política monetária foi responsável pela
criação, pela fabricação, de cerca de 106 bilhões de reais. Subtraindo-se os 8
bilhões devidos à entrada de capitais externos, deduz-se que aproximadamente
98 bilhões foram emitidos, foram fabricados, pelo Banco Central com a finalidade
de pagar juros ou de socorrer bancos em dificuldades. O que se fez, então, foi
usar as políticas cambial e de investimento social para retirar de circulação a
moeda emitida para o pagamento de juros da dívida pública. O que se fez foi
colocar as políticas cambial e de investimento social a serviço da política
monetária
O problema não para por aí, pois a emissão de moeda feita pelo Banco
Central para comprar o excesso de dólares dos capitalistas externos é seguida de
uma colocação de títulos da dívida pública no mercado financeiro, ou seja, de
novos empréstimos do governo. Aliás, o mesmo acontece com relação ao déficit
do governo resultante do pagamento de juros. O Banco Central faz estes novos
empréstimos como uma tentativa de retirar de circulação a moeda que ele acaba
de emitir, seja para pagar juros da dívida pública, seja para comprar os dólares
especulativos.
A alegação para os novos empréstimos é sempre a de que é preciso tirar
moeda de circulação ou, o que significa a mesma coisa, que é necessário enxugar
a liquidez do mercado. O princípio básico da teoria monetarista diz que, se isto
não for feito, haverá inflação. Este princípio não tem fundamento, como mostrado
mais adiante. Todavia, ainda que tivesse, é a retirada de moeda do lado real da
economia que enxuga liquidez, e não o empréstimo obtido pelo governo junto aos
34
bancos. Ao tomar emprestado o governo não confisca o dinheiro da sociedade,
não toma o dinheiro das pessoas, não impede que as pessoas gastem o dinheiro
que elas têm.
6. O governo toma dinheiro emprestado, mas não confisca.
Segundo a teoria monetária, a inflação é causada pelo excesso de moeda na
economia. Portanto, retirando-se moeda de circulação eliminar-se-ia, ou ao
menos controlar-se-ia, a inflação. O principal instrumento adotado pela política
monetária para retirar dinheiro de circulação é a emissão e colocação no mercado
financeiro de títulos da dívida pública. A teoria monetária afirma que, fazendo
dívida pública, retira-se moeda de circulação. Isto não acontece. O fato do
governo fazer dívida em nome do público em geral, tomando dinheiro
emprestado de alguns capitalistas financeiros em particular, não significa que o
volume de dinheiro atualmente em circulação será reduzido.
Esta pretendida redução do estoque de moeda à disposição do público não
ocorre porque, quando um banco comercial empresta o dinheiro de seus clientes
depositantes para outros clientes tomadores de empréstimos, o dinheiro dos
depositantes não desaparece, nem mesmo temporariamente. Ao emprestar, o
banco comercial não some com o dinheiro dos depositantes. Estes serão sempre
os donos de seus depósitos, não importa quem seja o cliente que tomou
emprestado do banco. Por isso, quando o governo, que é um cliente especial dos
bancos comerciais, toma dinheiro emprestado, ainda que seu objetivo seja
apenas o de retirar este dinheiro de circulação, ele não confisca o dinheiro dos
clientes depositantes, não se apropria dos saldos dos clientes nos bancos. Ele,
governo, apenas faz um empréstimo.
O que explica porque o empréstimo do governo não consegue enxugar
liquidez é o princípio teórico de que o Banco Central emite moeda primária e
retira moeda secundária, emite moeda exógena e retira a endógena. Ao pagar
juros11, o Banco Central emite moeda primária, na forma de um depósito na
conta corrente de um banco comercial. Em termos técnicos, este depósito
aumenta a base monetária, isto é, o estoque de moeda primária. Por sua vez, o
banco comercial deposita o dinheiro assim recebido na conta do seu cliente, que
seria então um capitalista financeiro, ou no seu próprio caixa.
De qualquer sorte, trata-se de um depósito original, quer se olhe o depósito
do Banco Central no banco comercial, quer se olhe o depósito do cliente no banco
comercial, quer se olhe o caixa do banco. Este depósito original poderá ser
multiplicado pelo sistema bancário, de acordo com a demanda de empréstimos.
Quando então o Banco Central pede dinheiro emprestado oferecendo títulos da
11
Esta emissão primária poderia, teoricamente, ser feita para pagar os gastos do governo
com os investimentos sociais ou para comprar dólares dos exportadores. Contudo, nos
tempos áureos da política monetária, a emissão de moeda é feita apenas para pagar juros
e socorrer bancos e outras instituições financeiras.
35
dívida pública em garantia, o banco comercial, como sempre, cria moeda
secundária para emprestar-lhe. O Banco Central toma emprestado, portanto,
apenas uma parcela do volume de dinheiro que pode ter sido criado com a moeda
que ele fabricou e colocou em circulação ao pagar juros.
Numa situação extrema, na qual não houvesse demanda de empréstimos por
parte das pessoas e das empresas, o dinheiro que os bancos receberam de juros
da dívida pública não seria multiplicado. Mas seria este dinheiro que estaria
disponível nos bancos para emprestar para o governo. Aliás, se as pessoas e as
empresas não querem dinheiro emprestado, a única coisa que os bancos podem
fazer com ele é emprestar para o governo. Nesta operação o multiplicador seria
unitário.
Esta história pode ser contada ainda de um outro modo. Ao pagar uma conta
através de um crédito a um banco comercial, o Banco Central acha que emitiu
dinheiro “demais”. Por isso, imaginando que o dinheiro emitido vai apenas causar
inflação e não gerar empregos para os brasileiros, o Banco Central oferece ao
banco comercial uma aplicação para este dinheiro. Nesta situação, ele estaria
agindo quase que como um banco qualquer que oferece serviços a seus clientes.
Esta aplicação é um fundo formado exclusivamente com títulos do Tesouro
Nacional, chamado digamos de “Fundo TN”, cuja rentabilidade, liquidez e
confiança são, em tempos normais, bastante atrativas. O Banco Central adota,
neste caso, a falsa premissa de que, se o banco comercial aplica no Fundo TN, ele
não empresta para mais ninguém e, portanto, este dinheiro não será gasto e não
causará inflação.
Na ótica do Banco Central, quando o banco comercial aceita a oferta e aplica
no Fundo TN, o banco comercial é debitado de um valor igual ao que ele foi
creditado anteriormente. Em termos técnicos, a base monetária teria aumentado
inicialmente, mas agora seria contraída e, na soma dos lançamentos, não teria
variado. Ocorre, todavia, que o dinheiro que o banco comercial recebe, assim
como o dinheiro que ele aplica no Fundo TN, não é dele, mas sim de seus
clientes. Para que a emissão de moeda, feita quando o Banco Central creditou o
banco comercial no resgate do Fundo TN, fosse compensada por uma destruição
de moeda, sendo esta destruição feita quando o Banco Central debita o banco
comercial por conta de uma aplicação no Fundo TN de igual valor, seria
necessário que o dinheiro fosse do banco comercial, e não de seus clientes.
Em outros termos, para que o Banco Central destruísse moeda por este
caminho, não deveriam existir os bancos comerciais. Todo mundo depositaria no
Banco Central diretamente, isto é, as empresas e as pessoas teriam conta só no
Banco Central. Ou então, os bancos agiriam como agências do Banco Central num
sistema centralizado e estatizado. Só nesta situação é que o Banco Central
poderia tentar destruir moeda emitindo títulos da dívida pública. Assim agindo, o
governo estaria fazendo um confisco, um empréstimo compulsório em estilo
parecido ao Plano Collor. Todavia, este empréstimo compulsório deveria ser feito
36
com títulos não remunerados. Estes títulos não representariam dívida e, portanto,
seriam uma espécie de Certificado de Depósito.
Ora, um título não remunerado é moeda e, portanto, estes certificados de
depósito seriam usados como dinheiro, ou melhor, eles seriam dinheiro. Ou seja,
o confisco nada confiscaria, apenas mudaria a moeda, ou antes, criaria uma nova
moeda. Por outro lado, se os títulos assim emitidos fossem remunerados, o Banco
Central criaria moeda para pagar os juros, uma situação pior que a anterior. Para
que de fato se retirasse moeda da economia seria necessário bloquear parte das
contas bancárias das pessoas e empresas e não emitir nenhum documento
representativo dos valores bloqueados e muito menos pagar juros no eventual
desbloqueio das contas. Este seria um verdadeiro e definitivo confisco, no estilo
ensaiado pelo corralito argentino.
Em termos técnicos, a existência do Fundo TN faz com que o M1 não seja o
estoque total de dinheiro, seja ele potencial, aparente, efetivo ou em circulação
de fato. Do mesmo modo, a base monetária tradicional não é o estoque total do
dinheiro primário. Na mesma vertente, a “base monetária relevante” deve incluir
uma parte dos títulos da dívida pública. Na realidade, qualquer título emitido pelo
governo, remunerado ou não, e comprado pelo público de forma voluntária ou
compulsória, é moeda. Por isso, o Banco Central criou em 1994 o “conceito
ampliado de base monetária”. Como era de se esperar, o quadro estatístico da
evolução da base ampliada mostrava claramente que este estoque de moeda
cresce em conseqüência do gasto com juros. Por este motivo, a publicação deste
quadro foi suspensa a partir de junho 1996. Esta informação sobre o gasto com
juros como a causa básica da criação de moeda deixou de existir, mas o gasto
com juros continuou.
Uma noção de estoque “relevante” de dinheiro deveria, portanto, incluir uma
parte dos títulos da dívida pública, daí a razão pela qual existem outras medidas
da moeda, o M2, o M3, etc. Nenhuma destas medidas, contudo, indica o quanto
de fato está sendo utilizado para fazer a produção circular. O quanto de moeda é
utilizado independe da existência de um certo estoque de moeda12. Mantidos os
hábitos das pessoas e das empresas com relação ao uso do dinheiro, o volume de
moeda empregada decorre da demanda de capital financeiro pelo setor privado,
ou seja, depende do nível da produção e do preço dos bens e serviços da
economia. A diferença entre o que existe e o que é utilizado de dinheiro é o
estoque ocioso de moeda. Se o estoque aumentar, não por conta de um novo
investimento social ou do crescimento das exportações líquidas, mas sim do
pagamento de juros da dívida pública, nem a produção e nem o preço
aumentarão.
12
Da mesma forma que o número de imóveis alugados não é igual ao número de imóveis
existentes e nem o número de pessoas empregadas é igual à população disponível para
trabalhar.
37
Por outro lado, o dinheiro é a contrapartida da produção, de sorte que,
medindo-se o seu fluxo através dos saques nas contas do sistema financeiro,
mede-se também o valor bruto da produção. O importante, tanto para a teoria
econômica quanto para a vida real, é o fluxo de capital financeiro e não o estoque
de dinheiro. Assim, o que acontece é que a medida deste estoque “relevante”
torna-se irrelevante tanto para a teoria quanto para a vida real. Para que a
economia funcione em boa ordem, basta que o estoque de dinheiro seja
suficiente para que as vendas aconteçam mas, se não o for, as pessoas
certamente criarão outra moeda além daquela colocada à disposição pelo
governo. Por isso, se o Banco Central conseguisse tirar dinheiro de circulação
através de empréstimos, este seria um fato irrelevante para a economia real,
exceto é claro pelos juros que lhe serão cobrados no futuro.
7. A arte de enxugar gelo.
Suponha que uma empresa “exótica” decida emprestar bastante dos bancos e
deixar o dinheiro no cofre, ou então numa bem protegida redoma de vidro no hall
de entrada, sem aplicar em nada. Neste caso, as reservas de moeda aumentam,
o multiplicador bancário fica reduzido e o volume potencial de moeda criado pelos
bancos comerciais se reduz. Evidentemente, nenhuma empresa faz isto. Mas o
governo faz. Não é por isso, entretanto, que o governo brasileiro seria visto como
exótico.
De fato, o governo não aplica em coisa alguma o dinheiro que toma
emprestado dos bancos, ele simplesmente deixa o dinheiro parado no Banco
Central. Este dinheiro não volta para o sistema bancário imediatamente, e sim só
no vencimento do empréstimo. Com isso, o efeito multiplicador dos depósitos
bancários fica reduzido, mas não deixa de existir, e nem tampouco o dinheiro dos
depositantes desaparece. Como, no Brasil dos últimos anos, o vencimento dos
empréstimos feitos pelo governo ocorre todas as semanas, além do Banco
Central garantir liquidez diariamente, esta redução do efeito multiplicador pode
até ser desprezível. Aliás, como o estoque de dinheiro necessário para girar a
economia é muito menor do que o estoque potencial, o fato é que, na prática, o
multiplicador efetivo está muito abaixo do limite teórico máximo.
Mais ainda, este procedimento do governo não impede, por si mesmo, que os
bancos continuem criando moeda para emprestar a seus clientes, desde que
estes ainda queiram tomar emprestado. Dito de outra forma, os bancos
comerciais criam moeda quando os clientes pedem dinheiro, e os clientes só
pedem empréstimos quando a aplicação do dinheiro na produção ou no comércio
for rentável. Os clientes só pedem novos empréstimos quando decidem investir
em projetos rentáveis de produção ou de comércio, ou seja, quando a demanda
cresce. Se a demanda de todos os produtos do país parar de crescer, as
empresas deixarão de investir e, portanto, o volume de empréstimos dos bancos
estacionará. Enquanto fatos exógenos, como a política de investimentos sociais
38
do governo ou as exportações, estiverem puxando a demanda para cima, os
bancos comerciais poderão criar moeda sem limites.
Portanto, os bancos comerciais criam moeda quando o governo pede a eles
dinheiro emprestado. Então, se o governo não pedir emprestado o dinheiro que
está lá depositado, os bancos não criarão moeda para atender a este pedido. A
moeda que o governo tira de circulação é aquela que os bancos criam para ele.
Se ele não pedir emprestado, os bancos não criarão dinheiro. Pode parecer
exótico, mas o fato é que o Banco Central retira de circulação apenas o dinheiro
que ele pediu para os bancos comerciais criarem para ele. Se o Banco Central não
pedir dinheiro emprestado para tirar de circulação, os bancos não criarão esta
moeda pedida e a liquidez continuará a mesma de sempre. A liquidez não muda,
com ou sem esta política monetária.
8. A política monetária só estraga.
O Banco Central só conseguiria de fato tirar dinheiro de circulação através de
empréstimos quando todo o estoque potencial de moeda estivesse sendo utilizado
pelas pessoas e empresas. Ou seja, a política monetária só atuaria na situação
limite em que não houvesse capital financeiro ocioso. Para tanto, o governo
ofereceria uma taxa de juros maior do que a de mercado, e os bancos deixariam
de emprestar dinheiro ao setor produtivo para emprestar ao governo. A partir
desta situação, poderiam ocorrer dois movimentos.
Em primeiro lugar, a demanda da economia poderia ter parado de crescer, ou
seja, a economia poderia estar estagnada e não ter movimento algum. Neste
caso, contudo, não poderia estar havendo um perigo de inflação e, então, para
que fazer política monetária? Se, assim mesmo, o governo de fato tira dinheiro
de circulação, a produção e o comércio deixam de criar parte da riqueza da
nação, enquanto que o governo não faz nada com o dinheiro emprestado. A
política monetária criaria deflação, recessão econômica e desemprego. Os
beneficiários desta política seriam os bancos e seus clientes capitalistas
financeiros, que receberiam uma renda maior em decorrência da taxa de juros
maior.
Em segundo lugar, a economia poderia estar apresentando uma tendência de
crescimento. Neste caso, as exportações poderiam estar crescendo ou o governo
teria expandido os investimentos sociais. A demanda de bens finais estaria então
crescendo, ou seja, haveria um crescimento da produção e do emprego, e alguma
inflação. Simultaneamente, um certo volume de moeda nova, necessário para
girar uma economia maior, estaria sendo criado. Se, ao mesmo tempo, a política
monetária tira parte desta moeda nova de circulação, este crescimento da
demanda é abortado, pelo menos em parte. Assim, o objetivo de evitar inflação
talvez fosse atingido, mas a política monetária estaria impedindo o pleno
aumento da produção e do emprego. Mais uma vez, os beneficiários desta política
39
seriam os bancos e seus clientes capitalistas financeiros, que receberiam uma
renda maior em decorrência da taxa de juros maior.
A única situação na qual a política monetária talvez pudesse “funcionar”, no
sentido de atingir o seu objetivo de evitar a inflação, seria quando todo o capital
financeiro estivesse sendo utilizado pelas pessoas e empresas, e houvesse uma
expansão da demanda de bens finais. Além disso, para que esta política
monetária não causasse ociosidade na indústria e nem desemprego, seria
necessário que as fábricas estivessem operando a plena capacidade e que todas
as pessoas estivessem empregadas. Mais ainda, seria indispensável que todas as
empresas vendessem toda a produção, sem fazer estoques, ao preço que o
consumidor estivesse disposto a pagar. Esta situação hipotética é definida em
economia como sendo o “pleno emprego”13.
Assim, uma das condições necessárias para se pensar política monetária é o
pleno emprego. Aliás, este é “o” pressuposto que justifica a prática da política
monetária. Mas, no mundo imaginário do pleno emprego, todo capital financeiro
estaria aplicado no lado real da economia, ou seja, não haveria especulação
financeira, não haveria estoque ocioso de moeda. Portanto, não haveria então
dívida pública, o que significa dizer que não existiria este tipo de política
monetária14. Teoricamente, a política monetária via endividamento do governo só
poderia ser implantada quando a economia estivesse no seu nível máximo de
produção, ou seja, no estado de pleno emprego dos fatores de produção. Mas,
uma vez implementada, a política monetária causaria ociosidade do capital
financeiro e na economia, isto é, tiraria a economia do pleno emprego. Além
disso, a economia seria desequilibrada pelo posterior gasto com juros. Isto
significa dizer que a política monetária é teoricamente insustentável, mesmo na
hipótese do pleno emprego.
Na teoria monetarista, a explicação para a necessidade de retirar moeda de
circulação vem do fato de que, estando a economia em pleno emprego, o
governo comete um erro e emite moeda15. Nos modelos da teoria monetarista, a
emissão de moeda ocorre quando o Banco Central compra um título da dívida
pública que estava em poder do mercado. Não se pergunta por que é que este
título estava no mercado, não se leva em conta que estava lá porque o governo
anteriormente vendeu títulos. Ora, se antes havia títulos da dívida pública no
mercado, é porque havia então ociosidade de capital financeiro e, por definição, a
economia não estava em pleno emprego. Ironicamente, a razão pela qual a
13
Tecnicamente, a oferta agregada seria vertical, o mesmo acontecendo com a curva de
Phillips.
14
Os monetaristas, contudo, consideram que este requisito teórico para que a política
monetária “funcione”, no sentido de combater a inflação, não é relevante. Ocorre aqui a
“perplexidade de Fischer”. Os monetaristas são forçados a declarar que sabem desta
restrição, mas adicionam a confiança infundada de que ela não é relevante, porque a
alternativa é dizer que não sabem.
15
Para a teoria monetarista, não importa a razão pela qual a moeda foi emitida.
40
economia não estaria no pleno emprego é porque lá se praticava política
monetária.
Contudo, no mundo real, é quando faz um investimento social extra que o
governo causa emissão de moeda nova. Neste caso, se é inevitável o gasto com
um novo investimento social é porque, por alguma razão, ele é mais essencial
que os outros, tornando-se então prioritário. O efeito inflacionário deste gasto
extra, que poderia ultrapassar a capacidade de resposta do setor produtivo e
causar uma inflação pura, poderia ser eliminado com um corte compensatório em
outro gasto, menos prioritário. Ou seja, poderia ser feito uma espécie de “ajuste
fiscal”, mantendo-se a política de expansão da produção de acordo com a meta
planejada. No agregado, esta medida não teria custo para a sociedade, mas
algumas pessoas seriam prejudicadas pelo corte de um investimento antes
planejado, enquanto outras seriam beneficiadas pelo investimento novo, até
então imprevisto.
Todavia, os monetaristas alegam que este ajuste fiscal é difícil e demorado,
inclusive por supostamente depender de autorização do congresso nacional.
Justificam assim, por razões de eficiência de curto prazo, a tentativa de retirar de
circulação, através da política monetária de fazer empréstimos, aquela moeda
emitida por conta do gasto do governo com investimento social. Segundo a teoria
monetarista, esta é “a” causa da inflação, qual seja, a emissão de moeda para
pagar o gasto excessivo do governo com investimentos sociais. Em seguida, os
monetaristas generalizam a associação entre estoque de moeda e inflação,
concentrando-se, até com um certo fanatismo, na idéia de que se há inflação é
porque houve emissão de moeda. Basta-lhes, então, um passo para chegar ao
exagero de pretenderem combater a inflação, mesmo quando sabidamente a
causa é o aumento de custos, fazendo dívida pública.
Mais tarde, será inevitável a emissão de moeda para o pagamento dos juros
desta dívida. Contudo, nesta teoria, como a economia está em pleno emprego, a
produção não crescerá e o setor produtivo não aumentará sua demanda de
capital financeiro. Por isso, a moeda emitida pelo pagamento de juros não será
multiplicada pelo sistema bancário e não causará inflação. É por este motivo que
o Banco Central é cegamente levado a confiar em que, ao rolar a dívida, qualquer
que seja o tamanho desta dívida depois de se pagarem os juros, ele manterá esta
moeda fora de circulação, assim eliminando a inflação.
Este caminho conduz ainda a um outro paradoxo, na medida em que o gasto
com juros acaba por levar a uma outra espécie de ajuste fiscal, o ajuste fiscal
monetarista. Neste caso, o objetivo do ajuste é cortar investimentos sociais para
pagar os juros criados pela política monetária. O paradoxo está em que agora os
monetaristas querem e acham que o ajuste fiscal deve e pode ser feito
rapidamente ou, pelo menos, mais rapidamente do que se pagam os juros.
41
No mundo real, ou seja, fora desta situação hipotética, aliás teoricamente
insustentável, a política monetária necessariamente causa recessão ou, ao
menos, impede o país de crescer. A única maneira efetiva de se controlar a
inflação através da política monetária seria, mantendo a situação de pleno
emprego, a de tirar qualquer razão para que o setor privado quisesse demandar
recursos financeiros para investir na produção. Em outros termos, seria
necessário que, antes de fazer política monetária, se fizesse uma política antidemanda, uma luta contra o crescimento das vendas. O irônico é que, tendo feito
esta política de evitar que a demanda crescesse, não mais seria teoricamente
aplicável e nem praticamente necessário fazer política monetária.
9. O fermento do dinheiro.
Os bancos comerciais são obrigados a ter conta no Banco Central e, tanto
quanto seus clientes, eles também têm duas contas: uma à vista, que faz parte
da base monetária, e outra na forma de um fundo de curto prazo administrado
pelo Banco Central - o Fundo TN. O Banco Central remunera este seu fundo uma
vez por semana, quando faz um resgate de títulos do governo e simultaneamente
toma mais dinheiro emprestado. Neste momento do resgate o Banco Central
paga os juros da dívida, que estão embutidos no valor do título da dívida sendo
resgatado. Assim, os bancos são semanalmente remunerados pela sua aplicação
no Fundo TN e, na semana seguinte, remuneram os seus clientes diariamente.
Os clientes dos bancos comerciais, embora possam, não sacam o total do
dinheiro deles dos fundos todos os dias. Como qualquer estoque de dinheiro
disponível, o saldo dos fundos não é usado integralmente todos os dias, mas
apenas uma certa parte dele. Na sua maior parte o dinheiro continua aplicado lá,
pois quando um cliente saca é para gastar ou porque já gastou, ou seja, alguém
recebe dinheiro e aplica no mesmo fundo ou em um fundo de um outro banco
comercial. O dinheiro circula passando de uma conta para outra dentro de um
mesmo banco, ou de uns bancos para outros, mas o saldo total não reduz por
causa dos saques. Os bancos trocam entre si os títulos do Tesouro Nacional, mas
o saldo do sistema bancário junto ao Banco Central varia muito pouco.
Da mesma forma, os bancos comerciais não sacam todo o dinheiro que têm
no Fundo TN, ou melhor, sacam e reaplicam imediatamente, mantendo um saldo
médio relativamente elevado quando comparado com os saques. As pessoas e
empresas aplicam e reaplicam o dinheiro deles nos fundos de curto prazo à hora
que querem e sacam no momento que bem entendem. Isto se chama “liberdade
de mercado”. Já para os bancos comerciais o prazo é de uma semana. Eles só
podem aplicar ou reaplicar no Banco Central, e são obrigados a sacar, apenas
uma vez por semana. Isto se chama “rolagem da dívida”. Quando os bancos
comerciais resgatam suas aplicações e reaplicam o principal e os lucros
novamente no Fundo TN que o Banco Central lhes oferece, o Banco Central diz
que está fazendo uma rolagem da dívida pública. Não se trata, contudo, de uma
42
rolagem no sentido tradicional do termo. O que acontece é que o Banco Central
paga o título vencido em dinheiro e vende um outro, também a dinheiro. O Banco
Central emite dinheiro e, depois de entregar este dinheiro a um banco comercial
seu cliente, pede dinheiro emprestado de novo a este mesmo ou a um outro seu
cliente.
O dinheiro que circula na economia pode então ter duas formas, uma como
depósito à vista e outra como fundo financeiro, além das notas que as pessoas e
as empresas mantêm no bolso e no cofre. Do mesmo modo, o dinheiro que os
bancos comerciais têm no Banco Central está dividido em duas formas: o
depósito à vista e o depósito no Fundo TN de curto prazo. A diferença entre um
tipo de dinheiro e o outro é que um é remunerado e o outro não, mas ambos
estão disponíveis a qualquer momento, ambos têm 100% de liquidez. Como estes
fundos são remunerados, os saldos dos bancos e das pessoas físicas e jurídicas
vão crescendo continuamente, à medida em que o Banco Central paga, com
recursos do Tesouro Nacional ou com moeda sem lastro, os juros do seu Fundo
TN de curto prazo.
Assim, existe um dinheiro remunerado que circula ao lado do dinheiro
tradicional, que não é remunerado. Há um dinheiro normal e um outro que é
fermentado, e o fermento é o juro pago pelo Tesouro Nacional pelos títulos da
dívida feita em nome do público. E de onde vêem estes recursos do Tesouro
Nacional para pagar juros? Segundo os defensores da política monetária, deveria
vir dos impostos e da economia feita quando se cortam os gastos do governo
com serviços essenciais para a população, como a saúde, a segurança, a
educação, as estradas, etc.
Entretanto, o gasto com juros é maior, muito maior, do que a poupança feita
com o aumento dos impostos e o corte de gastos com serviços públicos que são
essenciais para o povo. Ou seja, o governo tem um déficit ao pagar estes juros, o
que o leva a tomar ainda mais dinheiro emprestado e, para isso, ele emite ainda
mais títulos da dívida pública. Tendo assim obtido mais dinheiro para gastar, ele
paga, sempre em dinheiro, os títulos anteriores que estão vencendo. Neste
momento do vencimento dos títulos, que ocorre uma vez por semana, o governo
toma dinheiro emprestado de algumas pessoas, cria mais dinheiro e dá todo este
dinheiro a outras pessoas. Duas considerações cabem aqui.
Primeiro, os maiores clientes dos bancos comerciais que têm dinheiro nos
fundos de curto prazo são os capitalistas financeiros. Este dinheiro é, para eles,
apenas capital financeiro e não dinheiro para gastar no supermercado. Assim, se
o governo não tomar emprestado o dinheiro que os clientes dos bancos
comerciais depositam nos fundos, este dinheiro não vai ser gasto comprando
coisas. Este dinheiro só serve para aplicar no mercado financeiro. Nenhum
capitalista vai gastar seu dinheiro em bens de consumo se o governo não o tomar
emprestado. Por isso, o dinheiro que o governo deixar de tomar emprestado não
estará associado a um aumento de demanda e nem à inflação.
43
Segundo, a política monetária faz com que esteja sempre crescendo o
estoque relevante de moeda, aquele estoque que inclui a moeda remunerada, a
moeda fermentada pelos juros pagos pelo governo. Definindo-se este estoque
pelo conceito do Banco Central de base monetária ampliada, calcula-se que a
moeda relevante era de cerca de 10% do PIB nos anos 1995/96, tendo chegado a
quase 50% do PIB em 2002. Se 10% do PIB era suficiente para girar a produção
e ainda aplicar financeiramente, há pelo menos 40% do PIB de moeda sobrando,
isto é, não necessária do lado real da economia.
Este dinheiro todo busca então ser remunerado no mercado financeiro. Como
a oferta de ativos financeiros não cresce proporcionalmente, o que tem ocorrido é
uma inflação de ativos, e uma crescente instabilidade dos mercados. É neste
contexto, especialmente, que os bancos são favorecidos com a existência do
Fundo TN, pois assim o capital financeiro de que dispõem fica ocioso mas é
remunerado, e o mercado então ganha “estabilidade”, ganha a “confiança” do
investidor. Na prática, o Fundo TN funciona como um seguro desemprego que
beneficia o capital financeiro, e o custo deste fundo é pago pelo trabalhador. Com
isso, diminui a renda do trabalhador, reduz-se a demanda agregada, somem os
clientes das empresa nacionais e cai a produção nacional e o emprego dos
brasileiros.
À medida em que a dívida se torna “muito grande”, fala-se do risco do
governo não pagar a dívida, não resgatar os seus títulos, não honrar os
contratos. Mas, a dívida sempre foi e sempre será paga em dinheiro, e dinheiro o
governo pode emitir. Aliás, é exatamente isto que ele sempre faz - emitir moeda
para resgatar títulos da dívida. Depois, ou ao mesmo tempo, ele toma
emprestado de novo. Na visão dos agentes do mercado financeiro, todavia, o
governo não emite porque ele é bem comportado e sabe que não pode emitir
dinheiro, nem mesmo para pagar a dívida. Parece que todos acreditam que o
Banco Central não fabrica dinheiro quando resgata os títulos do governo, ou seja,
que o governo paga os juros sem criar moeda. Imagina-se que o governo não
faça isto porque, se emitisse moeda, estaria causando uma grande inflação e
provocando o caos na economia. Os agentes do mercado financeiro agem como
se não soubessem, ou então não levam em conta, que o governo sempre emite
para resgatar títulos, e que o capitalista não gasta e nunca gastou este dinheiro
expandindo a demanda e inflacionando os preços.
10. A política monetária sozinha não controla a in flação.
Isto tudo acontece quando o governo decide pedir empréstimo aos bancos
para tentar retirar moeda de circulação e aumentar a taxa de juros. A história
seria diferente se o governo tomasse emprestado para gastar, por exemplo,
construindo escolas e hospitais. Nestes casos, o dinheiro seria criado pelos
bancos da mesma forma e com o mesmo efeito multiplicador que ocorre quando
se trata de um cliente privado. Aliás, não seria por tomar dinheiro emprestado
44
que o governo impediria os bancos de continuarem emprestando para outros
clientes. Enquanto a economia estiver crescendo, enquanto o sistema bancário
puder continuar exercendo sua função básica de financiar a expansão da
produção, a criação de moeda não terá limites. Isto significa que, se a demanda
dos produtos da indústria estiver crescendo, estará crescendo também a
demanda de capital financeiro para aplicar na produção e no comércio. Nesta
situação, os preços também estarão aumentando, ou seja, haverá inflação.
Em conclusão, esta política monetária de fazer dívida tomando dinheiro
emprestado para tirar de circulação não é um mecanismo de controle da inflação.
A única maneira efetiva de se controlar a inflação seria, a partir de uma situação
de pleno emprego, a de tirar qualquer razão para que o setor privado quisesse
demandar recursos financeiros para investir na produção. Para isso seria
necessário que o consumidor não tivesse mais dinheiro para gastar, seria
necessário confiscar a renda das pessoas, seria necessário impedir que a
demanda crescesse, seria necessário parar o país. Mais uma vez, o que controla a
inflação é a recessão e não a política monetária. Esta é, aliás, a proposta do Plano
Real - colocar um freio no crescimento do Brasil, usando para isto a retórica do
paradigma de controle da inflação.
11. Ajuste fiscal: falsa solução e prejuízos para todos.
Ainda que inútil, a política monetária não é neutra e nem indolor. Na
realidade, ela tem vários efeitos negativos, sendo o primeiro deles o pagamento
de juros. Aliás, pode ser surpreendente, mas o fato é que os modelos teóricos
que justificam o endividamento público, por exemplo o programa de metas de
inflação do Plano Real, não levam em conta o conseqüente gasto com juros.
Aparentemente, estes modelos teóricos partem do princípio de que o resto do
governo automaticamente fará o ajuste fiscal, ou seja, uma poupança, cortando
outros gastos e aumentando a receita de impostos, em montante suficiente para
pagar o juro gerado pelo aumento da dívida pública. Ou então pressupõe-se que
o resto da sociedade vai tomar a iniciativa de colaborar para o pagamento dos
juros, por exemplo aumentando voluntariamente os impostos pagos ao governo,
devolvendo parte da aposentadoria, contratando empresas para fazer os serviços
sociais que o governo se recusa a executar, deixando de ir aos hospitais públicos,
deixando de freqüentar as escolas públicas, pagando diretamente os policiais,
etc.
De fato, a proposta dos formuladores do paradigma do combate à inflação
através da política monetária é a de que o governo faça o ajuste fiscal para pagar
os juros. Notam-se dois instantes nesta proposta. A primeira cena passa-se no
Banco Central, onde predominam as idéias monetaristas. É lá que é arquitetado o
modelo teórico desta política monetária que não inclui o gasto com juros. Tratase pois de uma teoria monetária que nada tem a ver com as contas do governo a
serem pagas pelo Tesouro Nacional. Não tendo, portanto, problemas com juros, o
45
modelo é “ótimo” porque mostra a solução da inflação devendo, por isso, ser
adotado.
A segunda cena acontece no Tesouro Nacional, onde deveriam predominar as
idéias desenvolvimentistas. É lá que os monetaristas vão apresentar um outro
teorema, aquele que “prova” que a política de investimentos sociais só pode ser
praticada depois de pagar os juros da dívida. Por isso, o ajuste fiscal é a
prioridade absoluta no orçamento do Tesouro Nacional. Neste caso, a dívida
pública passa, estranhamente, a ser vista como tendo origem, hoje ou no
passado remoto, apenas nos gastos com investimentos sociais, e não no
pagamento de juros. Trata-se agora de uma teoria na qual a dívida é um dado,
uma imposição ao Tesouro Nacional, que nada pode fazer para ser alterar. Não é
por isso, entretanto, que o governo brasileiro seria visto como exótico.
O ajuste fiscal compõe-se de quatro medidas básicas:
cortar gastos com a prestação de serviços públicos como a saúde, a
educação, a segurança, etc;
1.
privatizar serviços que o governo antes prestava à população, como por
exemplo a manutenção das estradas. A sociedade continua pagando impostos
e agora é obrigada a pagar de novo pelo serviço que antes já estava pago;
2.
3.
aumentar as alíquotas dos impostos antigos e criar impostos novos;
4.
privatizar os ativos da sociedade.
Existe, com relação à privatização de serviços, um processo interessante.
Nota-se que foi, e continua sendo, seguida uma estratégia de deterioração do
serviço público. Com esta queda de qualidade do serviço, as pessoas são
induzidas a buscar o serviço oferecido por empresas privadas. Este fenômeno foi
observado no caso da privatização das estradas, quando, depois de deixar que as
rodovias chegassem ao ponto de calamidade, “justificou-se” a concessão de
exploração do serviço. A população passou a pagar pedágio sem ter seus
impostos reduzidos. E achou “bom”, porque assim conseguiu ter estradas. Esta
estratégia parece clara também nos casos da assistência médica e da educação.
O contínuo corte de investimentos nestas áreas tem feito as famílias buscarem os
planos de saúde e as escolas privadas, deixando de freqüentar os hospitais do
governo e as escolas públicas.
Observe-se, contudo, que os dados disponíveis mostram que o gasto com os
juros da dívida pública interna superam, há mais de vinte anos, a capacidade de
pagamento do Tesouro Nacional. Neste período, o poder executivo esgotou a sua
capacidade de criar poupança fazendo cortes nos gastos do governo com
investimentos e aumentando os impostos pagos pela população, mas os recursos
ainda eram poucos para se pagar tanto juro. Por isso, na década de 1990 o
executivo foi obrigado a encaminhar ao Congresso Nacional algumas propostas de
“reformas constitucionais”. Ainda que tocando em alguns problemas estruturais
46
reais, o objetivo destas reformas pretendidas pelo governo é apenas o de ampliar
o ajuste fiscal exigido pela área monetária.
Os fundamentos teóricos que levam à proposição do ajuste fiscal como
solução para o descontrole dos gastos com juros são pouco resistentes a uma
análise criteriosa. Em primeiro lugar, as contas que se fazem são em relação ao
PIB, como se fosse todo o país a praticar o corte de gastos. Na verdade é o
orçamento da União o responsável maior pela geração do ajuste fiscal, e ele
corresponde a cerca de 13% do PIB. Feitas as contas em relação à receita
tributária do governo federal, a impossibilidade física do ajuste salta aos olhos,
pois o ajuste fiscal requerido alcançou, em média, 50% do total de impostos
arrecadados nos últimos vinte anos. Em meados de 2002 o ajuste fiscal teórico
seria de 9% do PIB, ou seja, aproximadamente 70% da receita da União, líquida
das transferências para os estados e municípios.
Outro problema é que a teoria monetária desconsidera o fato de que o ajuste
fiscal é recessivo. O ajuste fiscal corresponde a um “imposto agiotagem”, pago
pela população na forma de impostos para os quais não recebe serviço algum, e
ainda perde o emprego. A conseqüente queda do PIB leva a uma redução da
receita tributária, um verdadeiro tiro no próprio pé, de sorte que o ajuste nunca
seria de fato atingido. Matematicamente, trata-se de uma tendência explosiva.
Em conseqüência da política monetária de fazer dívida para lutar contra o moinho
de vento da inflação, a emissão de moeda para pagar juros é teórica e
matematicamente inevitável. Em seguida, ou simultaneamente, novos títulos da
dívida pública serão emitidos, novos gastos com juros são feitos, novas dívidas,
novos juros ... Afinal, por quem os juros dobram?
12. A emissão camuflada de dinheiro.
Estes novos títulos que foram emitidos para pagar juros irão também fazer
parte do Fundo TN, aumentando assim o patrimônio do Banco Central em títulos
negociáveis do Tesouro Nacional. No momento do resgate semanal de parte
destes títulos, o Banco Central deveria usar, neste resgate, parte do saldo da
conta do Tesouro Nacional, ao menos para pagar os juros. Contudo, como o
governo não tem recursos para pagar o total destes juros, na sua maior parte
eles são pagos com a criação de moeda nova. Assim, tendo começado a fazer
dívida para retirar moeda de circulação, o que se observa é que, ao fim de um
ciclo do processo, o que o Banco Central está fazendo é colocar ainda mais
moeda em circulação. Em outras palavras: ao dizer que vai fazer dívida para
retirar dinheiro de circulação o que de fato o Banco Central faz é emitir ainda
mais dinheiro.
Mais uma ironia nesta história é que esta emissão de moeda não tem a
autorização legal do Congresso Nacional, conforme prevê a Constituição da
República Federativa do Brasil. Por isso, o Banco Central, ainda que o
pretendesse, não poderia dizer que está de fato fabricando dinheiro. É imperativo
47
disfarçar a operação de emissão de moeda sob o nome de “rolagem da dívida”,
porém disfarçar não muda a realidade. Esta moeda é camuflada nos fundos de
curto prazo e remunerada pelo Banco Central, mas o fato visível é que a dívida
pública aumenta progressivamente e, um dia, o calote torna-se inevitável. A
menos que se mude esta história, o Banco Central continuará criando moeda para
pagar os juros e assim os detentores da dívida de hoje terão cada vez mais
dinheiro para emprestar para o governo e ganhar ainda mais juros em cima.
13. Aos inimigos, a lei: A Lei de Responsabilidade Fiscal.
Foi após a “crise” da desvalorização do real em 1999, aliás muito benéfica
para as exportações e para o emprego dos brasileiros, que o Plano Real decidiu
assumir uma nova fase, as metas de inflação. Nada mudou na essência, mas
apenas na aparência. O programa de metas de inflação tem seu amparo legal na
LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal. A partir desta lei, qualquer outro programa
de política econômica seria ilegal.
A LRF tem por objetivo obrigar os governos federal, estadual e municipal a
estabelecerem metas de poupança. Ou seja, não se trata de fazer um orçamento
de receitas e gastos, mas sim de fixar despesas, exceto a de juros, abaixo das
receitas previstas de forma a gerar superávits, chamados de “metas fiscais”. A
destinação deste superávit é pagar parte dos juros da dívida pública. Se, por
acaso ou “necessidade”, a autoridade monetária aumentar o gasto com juros, o
governo deve rever as metas fiscais e providenciar cortes equivalentes de gastos,
inclusive exonerando servidores públicos.
A LRF estabelece que a receita dos impostos deve ser usada prioritariamente
para pagar juros. Segundo esta lei, o pagamento de juros é “obrigação
constitucional”, mas os gastos com investimentos sociais não o são. Segundo a
LRF, não é obrigação constitucional do governo construir e manter escolas,
hospitais, estradas, assegurar a justiça entre os homens, criar empregos, manter
a segurança da nação, etc.
Ao aprovar a LRF o Congresso Nacional passou um cheque em branco aos
encarregados da política monetária. Por outro lado, não há qualquer dispositivo
de eventual proteção ao trabalhador. O país deve acima de tudo pagar juros de
uma dívida que ele não tem controle. Acima de tudo deve pagar juros. E tudo que
a população brasileira pode aspirar é o que sobrar depois de pagar juros.
14. Os capitais especulativos e a dívida externa.
A política de fazer dívida pública interna para elevar a taxa de juros também
é utilizada para facilitar a entrada no Brasil de capitais financeiros “externos”.
Atraídos por estas taxas de juros, muitas pessoas, chamadas impropriamente de
“investidores”, dentre elas vários brasileiros com fontes duvidosas de recursos,
decidem trazer dólares para o Brasil, troca-los por reais, e aplicar no mercado
48
financeiro nacional. Os reais são aplicados principalmente em ações nas bolsas de
valores ou em fundos de renda fixa, sendo que boa parte destes são lastreados
em títulos da dívida pública interna. O governo garante o pagamento dos juros,
mesmo que a economia vá à falência, mesmo que o brasileiro fique
desempregado. Isto significa que estes dólares são na verdade emprestados
para, e não investidos, no Brasil. Por isso, os administradores destes recursos em
dólares são aplicadores e não investidores.
No momento de ir embora estes aplicadores precisam trocar os reais pelos
seus dólares e, obviamente, querem receber mais dólares do que trouxeram. É
por isso que o governo se compromete a manter o real estável, compromisso
este que, todavia, só pode ficar na promessa. Um dos mecanismos deste
compromisso é o incentivo à entrada de dólares sob qualquer argumento. Por
exemplo, estimula-se a tomada de empréstimos em dólar para financiar as
exportações brasileiras. Ocorre, entretanto, que este recurso se destina a pagar o
custo da matéria prima brasileira, o salário do trabalhador brasileiro, o imposto
do governo brasileiro, a embalagem brasileira, o transporte até o porto brasileiro,
etc. Se tudo isto é pago em reais, por que emprestar dólares? Por que não há
linha de financiamento em reais?
Piorando, estes dólares assim entrados no país são convertidos em reais pelo
Banco Central que, para isso, emite moeda. Por que então o Banco Central não
emite logo os reais e financia os exportadores? Uma possível razão seria a
garantia. Talvez os exportadores e os seus bancos só tenham um bom cadastro
para tomar dólares emprestados lá fora, mas não tenham cadastro suficiente
para tomar reais emprestados no Banco Central. Talvez não seja nada disto,
talvez o objetivo desta estratégia da política econômica brasileira seja a entrada
de dólares a qualquer custo. De todo modo, estes dólares são comprados pelo
Banco Central e oportunamente vendidos no mercado de câmbio, na justa
medida para manter o dólar o mais barato e estável possível.
Dólar barato significa aumento das importações e queda das exportações, de
modo que o Brasil tem um crônico déficit em conta corrente com o exterior.
Seguindo a recomendação do FMI, este déficit é financiado com mais entrada de
capitais, ou seja, cada vez mais dívida externa. A dívida externa implica em
remessa de juros em dólares, o que significa mais déficit e, portanto, mais dívida
externa e mais remessas, etc. A cada ano que passa a possibilidade, ou a
inevitabilidade, da moratória externa se torna mais palpável. A crise externa,
quando ocorrer, não será por culpa do governo da época, mas sim uma
conseqüência da política cambial brasileira. Por outro lado, o dólar estável serve
para induzir confiança no “investidor” externo. Sabendo que o governo garante a
reconversão dos reais em dólares para sair do Brasil, o aplicador “externo” estará
disposto a continuar trazendo dólares para o país.
Estes recursos financeiros não são aplicados em investimento na produção,
no máximo compram fábricas já existentes, desnacionalizando o capital e
49
aumentando a remessa de dólares para o exterior na forma de dividendos.
Conhecedores do mercado internacional e portadores de bom crédito no exterior,
estas empresas desnacionalizadas também são utilizadas como ponte para a
entrada de mais capital especulativo para explorar a generosa taxa de juros
brasileira. Não se encontra relação positiva alguma entre a entrada de capitais
externos, o investimento e o crescimento do Brasil. Pelo contrário, se alguma
relação há, é no sentido negativo.
De fato, pode-se demonstrar que a entrada de capitais externos, ou seja, a
entrada de poupança externa, reduz a poupança nacional. Mais ainda, o Banco
Central do Brasil aplica suas reservas em dólares em certos fundos financeiros
internacionais. Nada impede que estes fundos emprestem dólares para algumas
empresas instaladas no Brasil, estes mesmos dólares que o Brasil lá depositou,
criando assim uma espiral de vento.
Qual é então a utilidade de pedir emprestada a poupança externa, ou seja, da
entrada de capitais externos? Para o Brasil, nenhuma. Os capitais externos são
dólares e dólares são gastos no exterior e não no Brasil. Cada dólar emprestado
significa mais importação e menos produção nacional. Cada dólar emprestado é
um estímulo à indústria ... lá fora. O Brasil, um país rico por excelência, não
precisa pedir dólares emprestados para importar. O Brasil pode exportar e assim
faturar muitos dólares para importar o que necessita de matéria prima e energia.
Como o fazem outros países desenvolvidos. O Brasil é um grande mercado e,
para vender aqui, os outros países concordarão que é preciso importar produtos
brasileiros. Este seria um negócio da China. Para que isto ocorra é necessário que
a política econômica brasileira não jogue contra. O Brasil é uma nação soberana
e, sem enfrentamentos, pode seguir sua própria política econômica de
desenvolvimento. Nenhum outro país tem condição de exigir ou impor que o
Brasil siga uma rota de dependência externa.
15. Porque o dinheiro dos juros não inflaciona.
Diferentemente do dinheiro emitido em decorrência da política de
investimentos e da conta corrente com o exterior, a moeda fabricada para pagar
juros nada tem a ver com o lado real da economia. Esta moeda, que tem origem
na política monetária, não está associada diretamente à expansão de gastos, por
parte de brasileiros ou de estrangeiros, com bens de consumo ou de investimento
produzidos no Brasil. Por isso, ela não causa inflação. Trata-se de um dinheiro
que é somado à renda pessoal disponível bruta dos capitalistas, mas é destinado
apenas para aumentar a poupança e será aplicado de novo em títulos da dívida
pública.
Mas esta moeda poderia acelerar a inflação, como aconteceu por exemplo no
período do Governo Sarney. Naquela época praticou-se uma política econômica
que promoveu o crescimento da demanda agregada e, em decorrência da maior
demanda, teria havido não só o aumento da produção e do emprego, mas
50
também uma inflação modesta. Todavia, ao invés de pagar o déficit com a
emissão de moeda, praticou-se também uma política monetária de financiamento
do déficit com dívida. Mas, como havia já o déficit decorrente dos gastos em
investimentos sociais, não havia recursos financeiros para se pagar os juros desta
dívida.
A conseqüência desta combinação de déficits foi uma emissão expressiva de
moeda para pagar juros, concedendo-se uma elevada remuneração nominal ao
capital financeiro das empresas industriais e comerciais. As empresas, no
processo de concorrência entre si, utilizavam então este rendimento financeiro
para alavancar a produção, sancionando assim o aumento nominal de custos que
ocorria simultaneamente. A política de investimento público fazia a demanda e o
país crescerem e inflacionava. A política monetária turbinava a inflação de
demanda.
Portanto, a condição necessária para que a moeda emitida pela política
monetária não turbine a inflação é que não haja inflação. Para isto, ou seja, para
pretender que é a política monetária que está funcionando, a política econômica
precisa impedir que haja expansão da demanda agregada, ou seja, ela precisa
parar o país. Dito de outro modo, se não houver emissão de moeda por parte da
política monetária, a inflação também não será turbinada, e não será preciso
parar o país.
16. O poder de emitir dinheiro.
A essência do poder político é o privilégio de emitir dinheiro para fazer
política de expansão da demanda agregada. Nos tempos modernos, entretanto,
este poder foi transferido ao círculo monetário, cabendo ao orçamento de
investimentos um papel subordinado à política monetária. Passou a ser usual
dizer que se o governo tem déficit é porque ele não cortou suficientemente os
gastos com as estradas, os hospitais, os aposentados, a segurança, etc. A
autoridade monetária tem o privilégio de gastar e de tomar a iniciativa de emitir
moeda para pagar os seus gastos com juros. À autoridade orçamentária cabe
pagar a conta.
A Constituição da República Federativa do Brasil estabeleceu que é obrigação
e privilégio do Banco Central fabricar dinheiro, mas abdicou do controle desta
função e do seu potencial favorecimento, voluntário ou não. Mais ainda, a
Constituição proíbe o Banco Central de financiar o Tesouro Nacional. A intenção
do legislador pode ter sido a de impedir abusos por parte do poder executivo.
Proibiu-se o executivo de fabricar dinheiro diretamente, mas quem fiscaliza o
Banco Central?
Na prática esta proibição não funciona, pois o Banco Central pode adquirir os
títulos da dívida pública que estão em poder do mercado. Aliás, o modo como
funciona a política monetária exige que o Banco Central compre estes títulos para
51
cumprir sua função de conceder liquidez ao sistema financeiro. Com isto, o Banco
Central está financiando o Tesouro Nacional de modo indireto. Isto significa que o
Congresso Nacional não impede o Banco Central de financiar o Tesouro Nacional,
o que não seria problema. Mas o Congresso Nacional também não impede o
Banco Central de fabricar dinheiro fora de seu controle, e isto sim é problema.
17. Um Banco Central (mais) independente?
O Banco Central dispõe de um elevado grau de independência do poder
executivo para administrar a política monetária. Mesmo assim, há aqueles que
advogam uma independência ainda maior, propondo que seus diretores sejam
não demissíveis pela Autoridade Fiscal. Estes diretores estariam acima da lei em
muitos casos e não seriam obrigados a prestar conta de seus atos quando na
legítima defesa dos princípios da política monetária, como por exemplo gastar
dinheiro com juros. Poderia parecer excesso de idealismo, mas o fato é que isto
se passa com o Banco Central Europeu, cujos diretores estão fora do alcance dos
governos dos países-membros e são protegidos pelo privilégio do segredo em
muitos dos seus atos, mesmo quando estes atos podem favorecer alguns amigos
e diretores com bilhões de euros.
Em meio a isto tudo coloca-se a tese equivocada de que o governo não pode
emitir moeda. Segundo a Constituição, quem deve emitir moeda é o Banco
Central, mas nunca para financiar o governo. Como um manto diáfano, o Banco
Central pode emprestar para o público e, por sua vez, o público pode emprestar
para o Tesouro Nacional. O Banco Central pode emitir moeda e entregar ao
público para que ele empreste ao governo, mas não pode entregar esta moeda
diretamente ao governo. Se algum banqueiro está sem dinheiro para emprestar
ao governo e assim receber o pagamento de juros, o Banco Central pode
emprestar para ele. Assim o banqueiro passa a ter dinheiro para emprestar para
o governo e receber os juros. O Banco Central não pode financiar o governo
diretamente, mas indiretamente pode.
No espírito da Carta Magna, a emissão de moeda é tratada como se fosse
coisa de domínio privado. Imita-se assim o viés implantado nos Estados Unidos,
onde o Banco Central é propriedade privada. Todavia, como o Banco Central do
Brasil está autorizado a fazer dívida, em nome da população, no montante e ao
custo que bem lhe aprouver, ele está também autorizado a emitir moeda, no
montante que assim desejar. O Banco Central do Brasil pode emitir moeda sem
dar satisfação ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário. E ainda pretende ser
independente, o que asseguraria imunidade civil e penal aos seus diretores
quando do gasto dos tributos arrancados à sociedade. Esta independência
também obrigaria legalmente o Tesouro Nacional a providenciar recursos para o
pagamento dos juros da dívida pública, dívida esta que teria então sido feita ao
arrepio de qualquer controle por parte da sociedade organizada.
52
Trata-se neste caso de um favorecimento, da concessão a alguém do
privilégio de ser o fornecedor único e exclusivo de alguma coisa para o governo.
A política monetária leva ao extremo este favorecimento ao estabelecer que o
governo, sendo a fonte natural da emissão de moeda, não deve faze-lo e que, em
caso de necessidade de dinheiro, o governo deve procurar os capitalistas
financeiros privados. A Constituição da República Federativa do Brasil proíbe o
Tesouro Nacional de financiar-se no Banco Central, de forma que o poder
executivo deveria viver daquilo que arrecada em impostos, ou procurar os
capitalistas financeiros. Até parece que as pessoas não percebem que o Banco
Central emite moeda para pagar os juros da dívida pública, e depois toma esta
moeda emprestada de novo e começa a ciranda de novo.
Aliás, adquiriu já status de reflexo condicionado a premissa de que qualquer
déficit do governo é sinônimo de “necessidade de financiamento do setor público
(NFSP)”. Até parece que as pessoas acreditam que, assim agindo, o governo
evita totalmente a emissão de moeda, apesar de ter feito uma dívida. Neste caso,
as pessoas imaginam que a dívida e seus respectivos juros jamais serão pagos.
Na vida real, entretanto, a dívida e seus juros serão pagos, e em dinheiro
fabricado pelo Banco Central. Pior, o fato de tomar emprestado quando tem
déficit não significa que não há criação de moeda, que não há fabricação de
dinheiro. Na vida real, o dinheiro que o governo toma emprestado foi criado pelos
bancos – a moeda endógena. No momento do empréstimo o Banco Central deixa
de emitir moeda primária, mas os bancos comerciais emitem secundária para
emprestar para o governo.
Este processo também significa que o Banco Central pode fabricar dinheiro
para pagar juros, mas não pode emitir moeda para cobrir gastos deficitários do
Tesouro Nacional. Por esta razão, tanto o Tesouro Nacional quanto o Banco
Central tomam moeda emprestada. Segundo o reflexo condicionado da NFSP, é a
iniciativa privada que cria moeda para o Banco Central, do mesmo jeito que os
bancos criam moeda ao emprestar para o setor privado investir na produção ou
financiar o comércio. É como se alguém tivesse o privilégio de ser o fornecedor
único, para o governo, de alguma coisa que é próprio do governo produzir, como
a vigilância das fronteiras, a justiça entre os homens, a segurança estratégica das
minas e das águas, etc. A essência do poder político é o privilégio de emitir
dinheiro, abdicar deste privilégio é abdicar do poder. O Congresso Nacional pode
controlar este poder, ou esta delegação de poder, colocando sob seu controle a
emissão de moeda primária.
18. O enriquecimento dos donos da dívida pública.
A política monetária é inútil em relação ao fim a que se propõe. Contudo, sua
prática implica na transferência de recursos financeiros a uma certa parcela da
população, camuflada no processo de “rolagem da dívida”. A riqueza assim criada
pelo pagamento de juros é, em parte, virtual e ilusória, pois ocorre uma inflação
53
dos preços dos ativos. O volume de moeda emitido por conta dos juros da dívida
é muito grande. Por outro lado, como esta política provoca recessão econômica, a
poupança assim formada não é destinada ao investimento na produção. Assim,
este fluxo de dinheiro novo é canalizado para o mesmo mercado financeiro de
sempre, inflacionando e causando instabilidade e crises ocasionais. Quem tem
sua riqueza na forma de títulos do governo de vez em quando perde o sono.
Porém, ao mesmo tempo esta riqueza é real, pois os capitalistas financeiros
ficam mais ricos do que os capitalistas industriais, aqueles que dão emprego. O
aumento da taxa de juros promovido pela política monetária significa uma
redução do valor dos ativos. Assim, o capital puramente financeiro pode comprar
os ativos produtivos, que estarão desvalorizados. O mesmo se aplica ao capital
financeiro estrangeiro, que acaba por comprar fábricas no Brasil, assim gerando
uma saída de dólares na forma de dividendos e de juros pagos a novos
empréstimos internacionais inúteis para o país.
Além disso, a política monetária de criar dinheiro sob o argumento de que é
preciso pagar juros causa uma tal concentração de poder financeiro que há um
volume expressivo de recursos para serem usados no financiamento de
campanhas eleitorais daqueles que estejam dispostos a trabalhar para manter
esta situação. Aliás, qualquer forma de concentração de riqueza concede a
algumas famílias um certo poder de influenciar as decisões do governo em seu
favor. Melhor seria, entretanto, se não fosse necessário provocar a miséria do
povo e do país para viabilizar este poder de influência.
19. Porque enterrar a política econômica atual.
Dada a prevalência da política monetária, a emissão de títulos e de moeda é
inevitável, e não uma opção. Esta constatação tem conseqüências muito sérias. A
primeira delas é a de que não mais existe uma política econômica autônoma e
independente. O Plano Real prometeu o crescimento econômico durante oito
anos. Contudo, sempre praticando política monetária de controle da inflação e
repressão da atividade econômica, quantos anos mais pediriam? O que vem
sendo feito no Plano Real é um conjunto de medidas recessivas, como cortar
gastos do governo, manter o dólar barato, não reajustar o salário mínimo apesar
da promessa eleitoral, etc.
É o pagamento de juros que, sozinho, determina as decisões de política
econômica - esta não tem um mínimo grau de liberdade. O próprio Presidente da
República não tem nada a fazer - o mais que a autoridade monetária incumbe ao
Presidente é dar as más notícias à sociedade com relação a aumentos de
impostos, cortes de serviços essenciais, reduções de benefícios, congelamento de
salários, empréstimos do FMI, etc. Permanecendo esta política, o Presidente da
República continuará sem ter nada para fazer, a não ser viajar pelo mundo.
54
A recessão está aí para quem quiser vê-la, o que impede que o país seja um
polo de atração de investimentos, reduzindo-o a um paraíso das aplicações
especulativas de curto prazo. A lição que se aprende é que a queda dos
investimentos não é uma seqüela da inflação, mas sim das tentativas de acabar
com ela. A inflação sempre esteve presente na história econômica brasileira, e os
investimentos também, até 1980. A partir de então passou a prevalecer a política
monetarista, de forma que a inflação continua existindo, mas o investimento
parou de crescer. Há mais de vinte anos o investimento no Brasil não deslancha,
só patina. Desde 1979 prevalece a política econômica de controle de preços, com
todos os fracassos já conhecidos. Por que inventar uma doença que não existe?
Por que atacar moinhos de vento? Por que insistir em um diagnóstico equivocado
e, pior, aplicar um remédio que já provou que não dá certo?
Ou o Brasil elimina de vez a cultura monetarista de fazer dívida, ou a dívida
mantém o Brasil na esteira da história e na periferia da economia mundial. Este
diagnóstico mostra que é possível parar de reduzir o investimento e o emprego
para combater a inflação, é possível deixar de tratar como doença uma
característica natural da economia. O Brasil não precisa de moinhos de vento. A
política econômica soberana pode se dedicar a estimular de forma permanente a
demanda de produtos nacionais, assim incentivando o investimento, aumentando
a produção e criando empregos para os brasileiros. O único meio realista de se
controlar a inflação é o aumento da produção.
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GLOSSÁRIO
A Riqueza das Nações, de Adam Smith, é considerado como o primeiro
livro de teoria econômica. Foi publicado em 1776, depois de vinte anos de
preparação. Os livros anteriores tratavam de certos aspectos, mas sem uma
visão geral do universo econômico. Dentre os conceitos criados por Adam Smith,
certamente o da “mão invisível” foi o mais popularizado. Como sempre acontece
nesta área do conhecimento, muitos economistas fizeram interpretações
equivocadas das idéias de Adam Smith. Duas em particular estão entre as mais
famosas. A primeira é a de que a mão invisível levaria ao pleno emprego, quando
de fato ela só providencia o encontro entre a oferta e a demanda, em qualquer
nível de produção e preço, e a segunda é a de que o valor das mercadorias é
igual ao trabalho utilizado na produção.
Ajuste fiscal é um conjunto de medidas que tem por objetivo obrigar os três
níveis de governo - federal, estadual e municipal - a criarem uma poupança, a
qual será destinada ao pagamento dos juros da dívida pública. O gasto com
juros, de acordo com os economistas criadores do conceito de ajuste fiscal, é
considerado indispensável e mais importante do que qualquer outro item de
gasto do governo. O ajuste fiscal compõe-se de quatro medidas básicas:
1.
aumentar as alíquotas dos impostos antigos e criar impostos novos;
cortar gastos com a prestação de serviços públicos essenciais como a
saúde, a educação, a segurança, o combate à miséria, etc;
2.
privatizar serviços que o governo antes prestava à população, como por
exemplo a manutenção das estradas. A sociedade continua pagando impostos
e agora é obrigada a pagar pelo serviço antes gratuito;
3.
privatizar os ativos da sociedade, ou seja, vender empresas públicas
mesmo que elas sejam rentáveis como a Telebrás, a Vale do Rio Doce, etc.
4.
Ver LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal.
Arrecadação tributária é a receita ou a renda do governo obtida com os
impostos pagos pelas pessoas e pelas empresas.
Ativos financeiros são papéis, ou títulos, ou recibos representativos de
alguma aplicação de dinheiro, não diretamente em ativos reais. O comprador do
ativo financeiro empresta o dinheiro, ou seja, faz uma poupança. Do outro lado, o
vendedor do ativo financeiro toma o dinheiro emprestado, mas nem sempre faz
um investimento na produção ou na comercialização. Estes papéis podem estar
ligados a algumas mercadorias como o ouro, mas aqueles que compram estes
papéis não têm a intenção de usar a mercadoria, mas apenas o desejo de ganhar
na compra e venda do papel em si mesmo. Por exemplo, num certo momento
você pode comprar dólar porque percebe que o Banco Central não tem mais
condição de sustentar o atraso cambial e que, portanto, o dólar vai subir. Neste
56
caso, o dólar é um ativo financeiro para você, que assim estará fazendo uma
poupança, mas será chamado de “especulador”. Ver ativos reais e capitais
especulativos.
Ativos reais refere-se a bens que de alguma forma podem ser utilizados
para produzir mercadorias e serviços que atendam às necessidades humanas.
São exemplos os terrenos, as fábricas, as estradas, as usinas hidroelétricas, os
equipamentos de comunicação, etc. Ilustrando, se você compra dólar só porque
acha que ele vai subir de preço, o dólar é ativo financeiro mas, se for para fazer
uma importação, já ou daqui alguns meses, este dólar será um ativo real.
Atraso cambial é um eufemismo para dizer que o valor da moeda do país
está sendo artificialmente mantido em nível elevado. Isto ocorre, por exemplo,
quando o real está sobrevalorizado, ou seja, com um valor que é elevado só
porque o Banco Central está vendendo o dólar barato graças a algumas medidas
financeiras artificiais. Para criar e manter o atraso cambial é necessário que o
governo brasileiro peça dólares emprestados no exterior, ou diretamente, ou
oferecendo altas taxas de juros para aqueles que têm dólares se interessarem
por vender estes dólares no Brasil e aplicar no mercado financeiro os reais assim
recebidos. Trata-se de uma verdadeira intervenção no mercado cambial, que
favorece o importador sediado no Brasil e todos os países que exportam para o
Brasil. Duas das conseqüências inevitáveis do atraso cambial são o desemprego e
a crise externa.
Banco Central é uma espécie de caixa do Tesouro Nacional, ou seja, a seção
encarregada de emitir moeda para pagar as compras do governo, tanto de
produtos quanto de ativos financeiros ou reais, como por exemplo o dólar. O
Banco Central é também a instituição que estabelece as normas que regem o
sistema bancário e fiscaliza o seu funcionamento. Pela sua importância
estratégica na emissão de moeda, o Banco Central deve ser um órgão da
administração direta do governo, ou talvez uma autarquia. Alguns, todavia,
advogam a independência do Banco Central em relação ao governo, ou mesmo
que ele seja uma instituição privada. Nestes casos, a emissão de moeda ficaria
fora do controle do governo, seja do poder executivo, seja do poder legislativo.
Banco Mundial, ou Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento, é uma instituição criada para canalizar recursos financeiros
para investimento e desenvolvimento, em especial dos países do terceiro mundo.
Em geral atua em conjunto com o FMI, ou de acordo com sua orientações. Não
há confirmação prática de que a atuação do Banco Mundial, desde a sua criação,
tenha contribuído para a redução da pobreza e da desigualdade no mundo.
Base monetária é o estoque do dinheiro emitido pelo Banco Central, sendo
medido pelo estoque de moedas metálicas e de notas emitidas pela Casa da
Moeda mais o saldo das contas dos bancos comerciais no Banco Central. Embora
seja usada como referência para a medida oficial da oferta de dinheiro, a base
57
monetária é uma medida incompleta, já que o seu valor é reduzido através da
colocação de títulos da dívida pública, por parte do Banco Central. Ou seja, os
empréstimos feitos pelo Banco Central no mercado financeiro nacional reduzem a
base monetária e levam a uma subestimativa do estoque de moeda à disposição
do público.
Bolsa (de valores) é o mercado onde são transacionadas – em segunda
mão – as ações, que são os títulos representativos do capital das empresas, ou
seja, os títulos que identificam quem são os donos de uma empresa. Não é o
lugar no qual as empresas obtêm capital financeiro para investir. É improcedente
imaginar que o país vai melhor sempre que a bolsa sobe, mesmo porque esta alta
em geral é uma simples conseqüência de uma eventual queda na taxa de juros.
Capacidade instalada da indústria é o total do ativo fixo das empresas
industriais instaladas no país, e é formada de máquinas, equipamentos, prédios,
etc. Note-se que, para ser utilizada, a capacidade instalada da indústria depende
ainda da infra-estrutura da economia, ou seja, suas estradas, portos, aeroportos,
rede de água, fontes de energia, etc.
Capacidade ociosa é a parte da capacidade instalada que não está sendo
utilizada porque não há demanda para toda a produção que poderia ser obtida
com o total da capacidade instalada. É o complemento do conceito de “utilização
da capacidade instalada”, e ambos são medidos em porcentagem da capacidade
máxima.
Capitais especulativos são aquele dinheiro que é aplicado apenas no
mercado financeiro, isto é, apenas em ativos financeiros que em geral nada têm a
ver com a produção ou a comercialização. Podem ser de origem nacional ou
exterior. Há uma certa conotação pejorativa no termo, como se o dono do capital
estivesse cometendo algum delito contra a sociedade. Entretanto, o capitalista
que faz aplicações financeiras, especulativas ou não, apenas atende à demanda
de alguém que quer tomar dinheiro emprestado. Se este alguém não aplica o
dinheiro na produção ou na comercialização, não é por culpa do capitalista
financeiro. O exemplo maior de aplicação especulativa é o título da dívida pública,
que tem a garantia do governo e o público paga os juros.
Capitais externos são capitais financeiros cuja origem é o exterior. Este
dinheiro pode entrar no país na forma de financiamentos às importações de produtos
estrangeiros, ou na forma de investimentos e empréstimos, podendo estes últimos serem
privados ou institucionais. A entrada de capitais externos em geral está associada a
um déficit em conta corrente do país com o exterior, ou seja, o país estaria
gastando mais dólares do que arrecadando. O saldo da entrada líquida de capitais
é a dívida externa. Como se trata sempre de moeda de outro país, este dinheiro
só pode ser gasto no exterior, não servindo para incentivar a produção nacional.
No Brasil, a forma de se contabilizar estes capitais pode induzir a erros de
interpretação, pois se considera como “investimento” os dólares que entram no
58
país, em grandes valores, para aplicar no mercado financeiro, em geral em títulos
da dívida pública. O erro se dá porque aplicação financeira não é investimento, é
poupança. Quando destinados a simples aplicação financeira, os capitais externos
são denominados de especulativos mas, neste caso, melhor seria considerar
estes capitais como empréstimos feitos pelo governo, porque é o governo o maior
demandante de capital no mercado financeiro. Ver capitais especulativos e déficit em
conta corrente com o exterior.
Capital financeiro é o dinheiro dos capitalistas financeiros ou das empresas
industriais e comerciais que está disponível para ser aplicado em ativos,
financeiros ou reais, ou na aquisição de insumos, fatores e bens intermediários
utilizados na produção ou na comercialização. Por exclusão, é um dinheiro que
não se gasta em bens de consumo.
Carga tributária é o quanto você – ou o país - paga de impostos, direta ou
indiretamente. É medida em porcentagem da renda e pode ser bruta ou líquida
da renda que o governo devolve às famílias na forma de transferências por
assistência social ou na forma de pagamento de juros. Por isso, as famílias que
aplicam em títulos do governo têm uma carga tributária líquida menor do que as
outras, chegando até mesmo a ser negativa.
Cartilha de austeridade do FMI é um conjunto de regras de política
monetária que deve ser seguido quando o país, depois de um período de déficits
excessivos em conta corrente, está com uma dívida externa muito alta e pede
dólares emprestados ao FMI para recompor esta dívida. Estas regras são,
sistematicamente, recessivas, porque o FMI foi criado com a finalidade de evitar a
desvalorização da moeda do país. A teoria do FMI é a de que, se o país tem
déficit é porque importa muito e a solução para isto é reduzir a renda das
pessoas. Tendo menos renda as pessoas vão gastar menos, portanto importar
menos, e assim se elimina o déficit. A desvalorização da moeda do país teria o
mesmo efeito, mas esta medida não é aceita pelo FMI porque quem desvaloriza
não só importa menos como passa a exportar mais. Assim agindo, o FMI defende
os interesses dos países industrializados que o dirigem, protegendo seus
mercados internos contra a invasão de produtos do terceiro mundo e
inviabilizando a concorrência destes nos mercados cativos daqueles.
Credibilidade de um país ou de uma certa política econômica é o grau de
confiança que o FMI, os outros países e os capitalistas externos têm quanto à
capacidade do governo de manter esta certa política econômica. A questão da
credibilidade só é importante quando esta certa política econômica atende aos
interesses externos e contraria os interesses nacionais. Assim, a credibilidade
está diretamente associada ao uso da força política, econômica ou mesmo militar,
para reprimir os interesses nacionais e atender aos externos. O longo drama do
povo argentino em 2001/2002 é um exemplo claro de como as autoridades locais
se esforçam para tomar medidas visando convencer o exterior de que controlam
59
a insatisfação popular e que, portanto, a política econômica que praticam merece
credibilidade, ainda que esteja levando o país à miséria.
Crise externa ocorre quando, após muitos anos de déficits em conta
corrente com o exterior, o atraso cambial se agrava, a dívida externa fica muito
elevada em comparação com as exportações e a dívida pública interna ou a
inflação são muito altas. A crise leva à desvalorização da moeda nacional e
poderia conduzir a uma fase de prosperidade, se o país não voltasse a praticar a
mesma política que leva ao atraso cambial. A moratória é uma solução paliativa,
que adia mas não elimina o problema que gerou a crise externa. Ver atraso
cambial, cartilha de austeridade e moratória.
Custo Brasil é composto dos itens “fora da fábrica” que fazem com que o
preço dos produtos brasileiros seja elevado, ou seja, faz com que os produtos
brasileiros sejam pouco competitivos no exterior. Os principais itens do custo
Brasil são os impostos elevados, a taxa de câmbio que desestimula exportações,
as estradas em más condições, os portos caros e ineficientes, o baixo nível
educacional oferecido pelas escolas públicas e a baixa qualidade da assistência
médica e hospitalar pública.
Conta corrente com o exterior é o saldo do país nas suas transações
correntes com o exterior. Este saldo é o resultado de três contas: as exportações
e importações de mercadorias e serviços, a remessa e a entrada de renda de
capitais e as transferências unilaterais. Estas transferências unilaterais são
aquelas feitas sem que haja transação comercial ou financeira que as justifiquem.
Em resumo, o saldo em transações correntes é o gasto do país no exterior menos
a receita que vem do exterior. Não inclui o movimento de capitais externos
porque empréstimos, financiamentos e investimentos não são receita para
ninguém.
Déficit em conta corrente com o exterior é o saldo em conta corrente
com o exterior com o sinal negativo. É o mesmo que déficit em transações
correntes. Ao lado de outras razões de menor importância, o déficit aumenta
quando o país importa mais do que exporta, quando não tem frota mercante nem
companhias internacionais de seguros, quando aluga aviões, quando paga muito
pelo uso de patentes ou, de forma muito freqüente, quando remete dólares por
conta dos dividendos das empresas estatais nacionais que foram privatizadas e,
especialmente, quando paga os juros da dívida externa. O déficit é conceituado
também como “poupança externa”, pois necessariamente é compensado pela
entrada de capitais externos, já que aquele que gasta a mais do que recebe toma
dinheiro emprestado ou, no caso, empresta dinheiro vindo da poupança de
alguém no exterior. Em geral o déficit torna-se crônico e leva à crise externa em
conseqüência do fato de que o empréstimo crônico conduz ao endividamento
crescente, o que leva ao pagamento de juros ca da vez maior e, portanto, a um
déficit maior, a um empréstimo maior, a uma dívida externa maior, e assim por
diante.
60
Déficit primário ocorre quando a receita total do governo é menor do que o
total dos gastos com os investimentos sociais. Quando a receita é maior que os
investimentos sociais há um superávit primário. O déficit primário não inclui o
pagamento de juros da dívida pública.
Déficit nominal ocorre quando a receita total do governo é menor do que o
gasto total do governo, ou seja, os gastos com os investimentos sociais e o gasto
com juros. Quando a receita é maior que os gastos há um superávit nominal. A
diferença entre o déficit primário e o déficit nominal e o pagamento de juros da
dívida pública.
Demanda é uma relação entre o preço e a quantidade comprada. Esta
relação tem sinal negativo porque, enquanto a renda do comprador é fixa, se os
preços aumentam o consumidor só pode comprar uma quantidade menor.
Contudo, se a renda do consumidor aumenta, ele pode comprar uma quantidade
maior, mas terá que pagar um preço maior para assegurar-se de que terá o
produto que ele quer consumir. Existe concorrência entre os consumidores, de
forma que se um não pagar mais caro, um outro pagará e levará o produto. A
forma da demanda de um produto, ou seja, a intensidade com que as compras
variam quando o preço varia, depende da posição ocupada por este produto na
hierarquia das necessidades humanas.
Demanda agregada é a soma das demandas de todos os produtos e
serviços de um país. Trata-se, evidentemente, de um conceito abstrato, pois não
se pode de fato somar produtos diferentes. Na prática, o que se soma, ou o que
se agrega, são os valores em reais das vendas de todos os produtos e serviços do
país. A demanda agregada pode ser dividida em apenas quatro “clientes”: o
consumidor, a empresa que compra bens de investimento, o importador que
compra no país, e o governo. A produção de um país só aumenta quando a
demanda agregada cresce antes, quando um destes clientes resolve gastar a
mais sendo, para tanto, necessário que ele tenha mais renda. Destes quatro,
entretanto, só o governo pode tomar a decisão de comprar sem ter renda para
isto. Ou, dito de outro modo, o governo é o único cliente que pode decidir
aumentar a sua própria renda. Portanto, o governo é o único que tem poder para
tomar a iniciativa de aumentar a demanda agregada. Se ele não faz isto a
demanda agregada fica parada no nível em que está e o país não cresce.
Depósitos compulsórios referem-se ao dinheiro que os bancos comerciais
são obrigados a manter depositado no Banco Central, não podendo emprestar
para ser aplicado na produção ou na comercialização. Os depósitos compulsórios
são fixados como porcentagem dos depósitos, à vista ou nos fundos de curto
prazo, dos clientes dos bancos. O depósito compulsório sobre depósitos à vista é
muito maior do que sobre os fundos, o que leva os bancos comerciais a criarem
mecanismos legais de transferir recursos de uma conta para a outra, da conta
corrente para os fundos. Enquanto o Banco Central tenta estabelecer normas
61
para controlar o compulsório, os bancos exercitam muitas outras idéias criativas
para fugir dele.
Desvalorização da moeda nacional é, por exemplo, o aumento do preço
do dólar no Brasil. A desvalorização ocorre ou porque aumentou a procura de
dólares devido, por exemplo, às remessas de juros da dívida externa, ou porque
reduziu a oferta de dólares em decorrência, por exemplo, da fuga dos capitais
externos. A desvalorização é favorável ao Brasil porque estimula as exportações,
expande a demanda agregada, aumenta a produção nacional e cria emprego para
os brasileiros. A última vez que estes fatos favoráveis aconteceram foi em 1999.
A desvalorização é tão favorável que o FMI foi criado para combate-la.
Diagnóstico da economia é um levantamento ordenado e sistemático dos
problemas econômicos de um país, acompanhado de uma análise das suas
causas.
Dívida externa refere-se ao total das dívidas de todas as empresas, do
governo e das pessoas residentes no país, feitas em dólares ou em outra moeda
estrangeira. A dívida externa é o saldo da entrada líquida de capitais externos.
Uma das conseqüências da dívida externa é o pagamento de juros, que tem que
ser feito em dólares. A dívida externa do Brasil aumentou bastante no período do
Plano Real, implicando num aumento contínuo do gasto com juros e, portanto,
em déficit externo crescente. Esta é a origem da crise externa brasileira que
ocorre em 2002. A dívida externa é do país como um todo e não só do governo
em particular.
Dívida pública interna é a dívida que o governo faz quando diz agir em
nome do público. Existem vários tipos de dívida, porém a mais relevante tem sido
a dívida mobiliária, feita através da venda de títulos da dívida pública, ou seja,
títulos do Tesouro Nacional, no mercado financeiro. A dívida é definida como
interna porque é feita em moeda nacional. Porém, os compradores dos títulos
podem ser brasileiros ou não, e podem ser ou não residentes no Brasil. Ver títulos
da dívida pública.
Doutrina monetarista é um conjunto de hipóteses e pressupostos baseados
na teoria quantitativa da moeda que, apesar do nome pomposo de teoria, é
apenas uma variante do princípio contábil de que as mercadorias são trocadas
por dinheiro e o dinheiro por mercadorias, as mercadorias por dinheiro, o dinheiro
por mercadorias, etc, num encadeamento infinito. Segundo esta teoria, os preços
são conseqüência do estoque de dinheiro existente. Despreza-se assim a lei da
oferta e da procura. A doutrina monetarista desconsidera também a vida real,
onde o desemprego é uma regra, e assume como hipótese que a produção e o
emprego estão sempre no nível máximo. A razão pela qual o emprego é máximo
é que as pessoas, na busca de maximizar o seu bem estar, decidem o quanto
querem trabalhar. Portanto, se uma pessoa não está trabalhando é porque ela
mesma decidiu ficar desempregada. Mais ainda, esta é uma decisão “racional”
62
porque pode ser objeto do cálculo matemático diferencial. A aplicação do cálculo
diferencial é indispensável para “provar” que todos que querem trabalhar sempre
encontram emprego. Quem segue outra teoria e pensa que o cálculo diferencial
não pode ou não deve ser aplicado, na teoria ou na prática, é definido como
“irracional”. Portanto, para esta teoria, quem percebe que há pessoas
desempregadas é irracional. Em seguida, este volume máximo de trabalho é
combinado com o uso intensivo da capacidade física de produção e de todo o
capital financeiro existente para gerar então o nível máximo de produção.
Empurradas estas proposições, fica fácil para os iniciados convencerem os
iniciantes de que não há nada que a política econômica possa fazer para
aumentar o emprego. Vice versa, a política econômica nunca tiraria o emprego de
ninguém, nunca causaria desemprego. Por estas razões, esta teoria foi chamada
de “autista”. A aplicação prática desta teoria reduz-se ao mandamento de que é
necessário controlar os preços, já que a produção estará sempre no nível
máximo. E, para controlar preços, é necessário e suficiente que se controle o
estoque de dinheiro existente. Assim, para que a doutrina monetarista tenha
seguidores, é indispensável desqualificar e desprezar a lei da oferta e da procura.
Esta doutrina é invocada para justificar a intervenção do Banco Central no
mercado financeiro, praticando uma política protecionista de preço mínimo para a
taxa de juros e uma política de seguro desemprego para o capital financeiro. O
mercado financeiro da doutrina monetarista não é livre, apesar do discurso liberal
de seus praticantes. Embora sejam autistas, ou seja, vivam num mundo à parte
da realidade das pessoas comuns, os monetaristas aplicam o seu mandamento na
prática da vida real e causam muitas distorções e prejuízos verdadeiros, entre os
quais o mais grave é o desemprego. A doutrina monetarista é a linha de
pensamento econômico predominante.
Economia é a ciência que estuda o funcionamento dos mercados, o qual é
uma resultante do comportamento das pessoas e de variáveis extra-econômicas,
ou seja, políticas, culturais, sociais, externas, etc. As pessoas são os produtores
que, organizados em empresas, tomam decisões de produção e vendas e, do
outro lado, os consumidores, que tomam decisões de compra. O mercado por si
só não determina a riqueza do povo e do país. A economia por si mesma não
define a riqueza do povo e os rumos da nação. O que dirige os mercados, a
economia e os rumos da nação são as variáveis extra-econômicas, dentre as
quais a mais importante é a política econômica. A política econômica moderna
está temporariamente afastada desta definição e segue apenas a doutrina
monetarista.
Emissão de moeda pode ser feita pelo Banco Central – esta é a emissão
primária – ou pelos bancos comerciais ao emprestar dinheiro para seus clientes.
Emissão primária de moeda ocorre quando o Banco Central paga as contas
do governo ou compra moeda estrangeira. Quando estas contas do governo são
aquelas que trazem benefícios reais para a população, ou quando os dólares são
63
comprados dos exportadores, a moeda emitida tem uma contrapartida real no
aumento da produção. Este seria um lastro para a moeda emitida. Entretanto,
quando a conta paga é só a de juros da dívida pública, ou quando os dólares são
comprados daqueles que trazem capitais externos especulativos, não há qualquer
contrapartida real para a moeda emitida. Ver lastro.
Emissão e resgate de títulos – ver títulos da dívida pública.
Endividamento é o processo de acumular dívidas eternamente, como opção
de política econômica que sistematicamente beneficia aqueles que detêm capital
financeiro.
Endógena é a variável cujo valor é determinado no mercado, pela interação
entre produtores e consumidores, dados os valores das variáveis exógenas. É
tudo que acontece dentro da economia como resultado do comportamento dos
agentes econômicos. Ver exógena.
Enxugar liquidez é o mesmo que tirar moeda de circulação. Como os outros
ativos, que não o dinheiro, têm menos que 100% de liquidez, se o Banco Central
confiscasse os depósitos das pessoas nos bancos a liquidez ficaria menor. Ver
liquidez.
Estado assistencialista é uma forma de governo em que se gasta recursos
para fornecer às pessoas, direta ou indiretamente, tudo que elas precisam para o
seu bem estar. A forma indireta de governo assistencialista se dá através de
pagamentos de transferência do governo às famílias, por exemplo, na forma de
juros da dívida pública. Se não houver receita suficiente, contudo, o estado
assistencialista não tem como se manter.
Exógena é a variável extra-econômica, como por exemplos as decisões do
Congresso Nacional, a organização do governo, os recursos naturais, a estrutura
tributária, o orçamento público, o investimento em educação, a cultura do povo e
dos empresários, a renda do estrangeiro para quem o país exporta, etc.
FMI – Fundo Monetário Internacional é uma instituição criada com o
objetivo de ordenar os fluxos financeiros internacionais e de impedir que os
países usem a taxa de câmbio como instrumento de estímulo às exportações.
Uma das principais atividades do FMI tem sido a de “aconselhar fortemente” os
países subdesenvolvidos a não desvalorizem suas moedas, o que lhes daria
condição de competir com as exportações dos países industrializados. Na prática,
esse conselho se traduz em eufemismos como o de manter o poder de compra da
moeda, o da estabilidade econômica, o do controle da inflação, o da credibilidade,
e de outras tantas teses que acabam por levar a um único resultado: o atraso
cambial, com o conseqüente déficit em transações correntes e o endividamento
externo. Em última instância, o FMI desempenha um papel de xerife cujo feito
maior é manter e ampliar os mercados para os produtos dos países
industrializados que, não por coincidência, são seus principais sócios. Dentre
estes, os Estados Unidos são o maior país dirigente do FMI, com poder de voto e
64
de veto suficiente para influenciar, embora não totalmente, a atuação do FMI
segundo os seus interesses.
Forças extra-econômicas referem-se ao comportamento ou à influência
das variáveis exógenas sobre as variáveis endógenas. As forças extra-econômicas
mais importantes são de ordem política, nacional ou internacional.
Fundamentos da economia referem-se a indicadores econômicos que
podem sugerir se o país vai bem ou vai mal. Os principais indicadores são o PIB,
a inflação, a dívida medida como proporção do PIB, o déficit externo como
proporção do PIB e das exportações, o sucesso do governo em obter o ajuste
fiscal, etc. Dificilmente se inclui ente os fundamentos o nível de desemprego, o
salário do trabalhador, a renda do consumidor nacional, os indicadores sociais,
etc. Em geral os fundamentos são lembrados quando na iminência de uma crise
externa. É difícil definir o conjunto “correto” de fundamentos, pois todos usam
aqueles dados, quaisquer dados, que lhe são favoráveis, seja para defender, seja
para criticar a política que conduz a economia. A menos que tudo vá mal, a
discussão sobre o estado de saúde dos fundamentos de uma economia costuma
ser infindável. Nem mesmo a ocorrência da crise acaba com esta discussão. Após
a crise sempre surgem economistas que analisam outros dados, apresentam
novos diagnósticos, criam novos modelos, sugerem novas interpretações, etc,
sempre vendendo livros ou dando consultoria para as empresas ou o governo.
Não raro estes economistas participaram do governo que provocou a crise.
Fundo de curto prazo é uma forma de aplicação de poupança. O curto
prazo significa que o cliente deposita o seu dinheiro no fundo e pode sacar em
pouco tempo. Modernamente, os depósitos e saques podem ser feitos dentro do
mesmo dia, não se exigindo qualquer pré-aviso. Por esta razão, os fundos de
curto prazo são dinheiro, e dinheiro remunerado pelos juros da dívida pública,
que são sustentados pelos impostos pagos pelos contribuintes. Também por ser
de curto prazo, os administradores dos fundos aplicam os recursos em ativos de
alta liquidez, que podem ser transformados em dinheiro rapidamente. Os fundos
de curto prazo não são fonte de poupança para financiar investimentos em
produção. Para isto é necessário um “fundo de longo prazo”, em geral formado
com alguma poupança compulsória, como o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço. Os títulos da dívida pública, diferentemente de hoje em dia, poderiam
ser utilizados para gerar recursos para o investimento, desde que pagassem
taxas mínimas de juros e tivessem prazos muito longos de resgate, oferecendo
então para o aplicador apenas a certeza de que ele terá seu dinheiro de volta.
Indicadores sociais do país são informações, em geral estatísticas, que
mostram como o país atende às necessidades da população, em termos de saúde
e educação principalmente. Os indicadores sociais do Brasil têm se destacado de
modo negativo, ao mesmo tempo em que, não por coincidência, o país é o líder
no pagamento de juros, interna e externamente.
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Inflação é a elevação dos preços. Quando os preços caem chama-se
deflação. A inflação pode ocorrer em conseqüência de um aumento dos custos de
produção mas, em geral, ela é o resultado do crescimento da demanda. Neste
caso em que a demanda cresce e a oferta fica constante, a economia caminha na
direção dada pela oferta, ou seja, é a oferta que diz para onde vão a produção e
o preço. Assim, quando a demanda aumenta, por exemplo porque aumentou a
renda de um ou mais consumidores, a produção e o preço crescem juntos. Como
a oferta é uma relação positiva entre preço e produção, a inflação tem uma
componente “natural”, dada pela forma da oferta. É impossível que aumentem a
produção e o emprego sem que os preços aumentem juntos. Visto de outro
ângulo, a condição necessária e suficiente para que não haja inflação é que a
produção também não cresça. Mas, assim o desemprego será crescente. O
combate cego à inflação através da doutrina monetarista, como por exemplo
aquele praticado no Plano Real através do programa de metas de inflação e com
o apoio da LRF, leva de maneira lógica e fatal ao desemprego, mas não consegue
acabar com a inflação. No período entre junho de 1994 e março de 2002, o nível
de desemprego mais do que dobrou, deixando mais de 20 milhões de brasileiros
sem ocupação no sistema produtivo, enquanto que a inflação foi de 177%. Ver
LRF.
Inflação “pura” é uma inflação que pode ocorrer quando a demanda cresce
muito depressa, sem dar o tempo que os produtores precisam para ajustar a
produção. A inflação pura acontece quando o país está seguindo uma política de
investimento social para a expansão da produção e do emprego mas, ao mesmo
tempo, a política monetária toma dinheiro emprestado e emite dinheiro para
pagar juros da dívida assim feita. A renda dos juros aumenta a renda nominal
dos consumidores, que assim poderiam gostariam de comprar mais aos preços
vigentes, e aumenta a disponibilidade nominal de capital de giro das empresas,
que assim gostariam de produzir mais, mas já estão no limite da capacidade de
produção atual. Todo mundo tem mais dinheiro mas, como não dá para aumentar
a produção, o que ocorre é um aumento de preços e de custo de produção,
salários inclusive. Esta situação ocorreu no Brasil numa parte do governo do
Presidente Sarney.
Investimento é o dinheiro aplicado para aumentar a capacidade de
produção de uma fábrica ou na criação de uma fábrica nova. O dinheiro aplicado
em ativos financeiros, como por exemplo o fundo de curto prazo, é poupança e
não investimento.
Investimento social é o gasto do governo do lado real da economia. O
investimento social pode ser de quatro tipos: a compra direta de mercadorias e
serviços, tanto para consumo como para investimento, o pagamento dos salários
dos servidores, os gastos com a assistência social aos necessitados e os subsídios
canalizados para as empresas com alguma finalidade econômica e social. O gasto
real do governo é chamado de investimento social porque, além da produção
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diretamente comprada, ele gera renda para a sociedade. Tendo então mais
renda, a sociedade irá gastar em mais bens de consumo e de investimento, ou
seja, mais produção. Assim, o gasto real do governo induz um aumento
subsequente da produção e, por isso, é um investimento com retorno social.
Além disso, a expansão da produção faz com que aumente a arrecadação de
impostos, o que permite que o governo recupere, com uma certa defasagem, o
dinheiro aplicado no investimento social.
Lastro é, ou seria, a contrapartida real ou financeira da moeda emitida pelo
governo. Há tempos atrás se imaginava que, para emitir moeda, o governo
deveria ter o equivalente em ouro ou em moeda estrangeira guardado nos seus
cofres. Este seria o lastro. A idéia é que, se uma pessoa deixasse de confiar no
dinheiro de um certo país, poderia a qualquer momento troca-lo por ouro ou pela
moeda de outro país, mais confiável. Esta idéia foi enterrada em 1973, quando os
Estados Unidos declararam que não mais dariam ouro em troca dos seus dólares.
Hoje, a confiança na moeda é muito elevada, mesmo em períodos em que a
inflação é alta e, por isso, não há necessidade deste tipo de garantia. Entretanto,
continua sendo muito importante que a moeda de um país tenha lastro na
produção, continua sendo muito importante que o dinheiro tenha uma
contrapartida real na produção. Emitir dinheiro sem lastro na produção, como é
feito através da política monetária de fazer dívida e pagar juros, leva
necessariamente à desvalorização da moeda, mais cedo ou mais tarde.
Lei da oferta e da procura é o princípio fundamental que explica como
produtores e consumidores interagem no mercado de forma a determinar o preço
e a produção que satisfazem a ambos, simultaneamente. Há três níveis a serem
considerados. Num primeiro nível a comunidade é muito pobre, os produtos locais
concentram-se na satisfação das necessidades fisiológicas das pessoas e o
dinheiro é escasso. Neste caso, a lei da oferta e da procura de nada serve e a
população local, se tiver algum relacionamento com o exterior, será por ele
dominada e terá uma economia dependente daquela do dominador. Num segundo
estágio, a produção local é diversificada e sofisticada e, então, a lei da oferta e da
procura funciona e o país pode ser soberano. Neste caso, as forças extraeconômicas deslocam tanto a oferta quanto a demanda, mas não mudam suas
formas. Num terceiro nível estão as forças extra-econômicas que podem moldar a
longo prazo, localizada ou globalmente, as estruturas econômicas, políticas e
sociais, e podem, portanto, modificar as formas tanto da oferta quanto da
procura. Ver mercado.
LRF - Lei de Responsabilidade Fiscal é o amparo legal do programa de
metas de inflação. Esta lei foi proposta pelo poder executivo e discutida no
Congresso Nacional sob o ângulo da boa administração dos recursos públicos.
Contudo, ela vai além disto e impõe ao governo a prática do ajuste fiscal. O que
esta lei de fato determina não é que os gastos do governo devam estar de acordo
com as receitas, mas sim que deve existir uma meta de resultado positivo, ou
67
seja, a receita tem que ser maior do que a despesa, exceto o gasto com juros.
Para atingir esta meta, qualquer gasto pode ser cortado, menos o gasto com
juros. Por isso, na verdade este resultado positivo que se impõe é uma poupança
cujo destino é pagar os juros da dívida pública. A lei concede aos responsáveis
pela política monetária o direito de fazer dívida pública no montante que eles e só
eles considerarem adequado, fixar soberanamente a taxa de juros para esta
dívida, estabelecer as metas de poupança, emitir moeda sem prévia autorização
e ainda modificar estes valores todos durante a execução do orçamento. A
política econômica brasileira ficou assim exclusivamente na mão de um grupo
seleto de pessoas. Em nome de uma pretensa estabilidade da moeda, o
Congresso Nacional deu a este grupo de pessoas um cheque em branco. Aliás,
deu o direito de emitir quantos talões de cheques quiserem. Ver ajuste fiscal e
metas de inflação.
Linha econômica predominante é a doutrina econômica que prevalece na
maior parte das análises feitas pelos economistas e que domina as decisões do
governo. Ver doutrina monetarista.
Liquidez de um ativo é a possibilidade de transforma-lo em dinheiro. Um
ativo tem maior liquidez quanto mais rápido se puder vendê-lo, recebendo
dinheiro em troca. O dinheiro tem, por definição, 100% de liquidez. Ver enxugar
liquidez.
Livre concorrência em um mercado ocorre quando os ofertantes e os
demandantes são livres para decidir a quantidade com que vão trabalhar e não
há impedimentos físicos ou legais para que outros ofertantes e demandantes
entrem no mercado. A teoria e os dados da vida real provam que, mesmo quando
os produtores fazem acordos entre si para sustentar um certo nível de preço,
este preço é mais baixo do que no caso de monopólio, quando então há um só
fornecedor no mercado. O fato da concorrência ser livre não indica qual é a
intensidade da concorrência entre os produtores, não significa concorrência
máxima, ou justa, ou qualquer coisa deste gênero. O fato de um mercado ter
livre concorrência também não impede que o governo intervenha comprando ou
vendendo grandes lotes para conduzir o preço para o nível que ele governo
deseja ver praticado. Por exemplo, a concorrência no mercado cambial do Brasil é
livre, mas o mercado não é livre, pois a taxa de câmbio é administrada pelo
governo através de vendas de dólar em grandes volumes. A concorrência é livre,
mas o mercado não é livre das intervenções do governo.
Massa salarial é o valor total de todos os salários pagos na região ou no
país, num mês ou num ano. É a renda total que o trabalhador tem para gastar,
depois que pagar o imposto de renda. Quanto maior a massa salarial maior será
a demanda agregada e maior serão a produção e o emprego no país.
Mercado é o lugar abstrato onde, de acordo com a lei da oferta e da
procura, os produtores e os consumidores interagem de forma a determinar o
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preço e a produção que satisfazem a ambos, simultaneamente. Ver lei da oferta e
da procura.
Mercado cambial é o lugar abstrato onde são comprados e vendidos os
dólares. A demanda é formada pelos importadores e por aqueles que precisam
remeter renda para o exterior, enquanto que a oferta é feita pelos exportadores.
Além destes dois, há aqueles que operam com o dólar como ativo financeiro,
emprestando para quem quiser, ou apenas com expectativa de lucro na compra e
venda do dólar. O Banco Central é o maior agente deste mercado, comprando e
vendendo de acordo com critérios e condições em geral desconhecidas pelo
mercado. A capacidade de intervenção do Banco Central, ou seja, seu poder de
provocar e manter um certo atraso cambial, é desconhecida. Por estas razões, o
Banco Central tem sido a maior fonte de incerteza e instabilidade do dólar no
Brasil.
Mercado financeiro é onde são negociados os ativos financeiros, onde se
oferece e se demanda capital financeiro, é onde se determina a taxa de juros. O
Banco Central é o maior agente deste mercado, vendendo e recomprando títulos
da dívida pública, ou seja, demandando capital financeiro ao fazer dívida pública
e aumentando a oferta de capital financeiro ao emitir moeda para pagar os juros
desta dívida. O objetivo da intervenção do Banco Central é manter uma taxa de
juros elevada, ou seja, acima do que o mercado livremente estabeleceria. Por ser
um agente de porte, por deslocar tanto a demanda quanto a oferta, e também
por distorcer a taxa de juros, o Banco Central tem sido a maior fonte de incerteza
e instabilidade do mercado financeiro do Brasil.
Metas de inflação é uma versão moderna da teoria quantitativa da moeda,
a qual está na base da doutrina monetarista. A regra é estabelecer previamente
qual será a inflação, e o instrumento para fazer com que se alcance a meta é a
taxa de juros. Trata-se de mais uma tentativa, dentro dos pressupostos da
doutrina monetarista, de se controlar a inflação sem conhecer sua causa e,
pretensamente, sem provocar efeitos negativos na sociedade. Por isso, o fracasso
não é surpresa.
Modelo teórico é uma representação, uma redução da realidade a uma
escala que pode ser trabalhada em laboratório. O modelo, embora reduzido, deve
ser construído de modo a representar a realidade o mais fielmente possível. O
modelo pode e deve desprezar características secundárias da realidade que
representa, mas não pode desconsiderar as características importantes sob pena
de não mais representar a realidade. Por exemplo, os modelos da doutrina
monetária que justificam a procedência, a necessidade e a forma de controle da
inflação através do endividamento público, não levam em conta o fato óbvio de
que dívida implica em pagar juros. Por isso, o modelo teórico do programa de
metas de inflação não representa a realidade econômica e, portanto, o fracasso
não é surpresa. Ver metas de inflação.
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Moeda ou dinheiro é a denominação que se dá a um ativo financeiro que
pode ser trocado por mercadoria ou por outro ativo financeiro a qualquer
momento. Quando este dinheiro é usado para comprar bens de consumo ele é
apenas dinheiro. Mas, quando é utilizado para produzir mercadorias ou bens de
investimento, ou ainda para comprar ativo financeiro, então ele é capital
financeiro. Ver capital financeiro.
Moratória é uma situação na qual o país deixa de pagar sua dívida externa
no todo ou em parte. É parecido com concordata, inclusive pelo fato de que
aquele que não paga sua dívida fica em melhor condição para negociar do que o
credor. Quando a situação indica que um país pode declarar moratória, os bancos
credores correm ao FMI para que este, usando os mecanismos conhecidos e os
secretos, “ajude” ou “obrigue” o país a cumprir seus compromissos. Não é o país
em moratória que precisa do FMI, mas os outros. Em geral, a moratória ocorre
porque o país em dificuldades pretende evitar a desvalorização da moeda. A idéia
é que a desvalorização faria com que a dívida externa das empresas, calculada
em termos de moeda nacional, ficaria tão grande que as empresas iriam à
falência. Uma alternativa para evitar estas falências foi feita pelo Brasil na década
de 1980, quando o governo assumiu as dívidas externas das pessoas e empresas
instaladas no país, e começou a pagar os credores externos à medida em que o
saldo comercial gerava receita em dólares. Por razões desconhecidas, ou forças
ocultas, esta política não foi mantida. Outra alternativa teria sido a de deixar a
moeda nacional desvalorizar-se e depois, soberanamente, pagar o credor em
reais. Não importa quanto isto custaria em moeda nacional, porque os credores
internacionais iriam forçosamente usar este dinheiro no mercado nacional e
certamente não iriam gastar em bens de consumo, mas sim em investimentos
em ativos reais. Ainda uma outra alternativa seria impor uma lei nacional
soberana segundo a qual todas os contratos de empréstimos em dólares seriam a
partir de hoje convertidos para a moeda nacional, com cláusula proibindo
correção monetária. Em seguida, o país praticaria uma política de crescimento,
que sempre é acompanhada de uma certa taxa de inflação, de sorte que, em
valores reais, esta dívida seria cada vez menor e pouco custaria para as
empresas nacionais. Este caminho é parecido com o adotado pela Alemanha com
relação à sua dívida externa decorrente da 1ª Guerra Mundial.
Necessidade de financiamento do setor público – NFSP - é o mesmo
que déficit das contas do governo, primário ou nominal. Este termo vem da
recomendação da doutrina monetarista de que o governo não pode emitir moeda,
devendo tomar dinheiro emprestado sempre que tiver um déficit. Esta
recomendação é capciosa pois, ao fazer empréstimo o governo assume o
pagamento de juros, o que implica em novo déficit e, portanto, na emissão de
moeda. Ao proibir que o governo emita moeda para estimular a economia, não se
impede, ou melhor, obriga-se o governo a emitir moeda para pagar juros.
Nominal versus real - ver valor nominal e também valor real.
70
Oferta é a relação entre preço e produção que resulta das decisões dos
produtores. No processo de ajuste da oferta à demanda, quanto maior for esta,
mais os produtores aumentarão a quantidade produzida e, simultaneamente, o
preço de venda. Por isso, a oferta é uma relação entre preço e quantidade com
sinal positivo. A forma da oferta de um produto, ou seja, a intensidade com que
as vendas variam quando o preço varia, depende de muitos fatores, mas os
principais são a capacidade financeira da empresa produtora e a possibilidade de
se estocar o produto a baixo custo. A idéia é que, se a empresa tem dinheiro,
quando a demanda cai ela pode estocar e não precisa reduzir muito o preço do
produto. O estoque então formado será eliminado reduzindo-se a produção. Vice
versa, quando o consumidor tiver mais renda para gastar, quanto mais o produto
for armazenável, e quanto mais capital financeiro tiver a empresa, menor será o
aumento de preço e maior será o aumento de produção.
Oferta agregada resulta da soma da oferta agregada de produtos nacionais,
composta da agregação de todas as ofertas de todos os produtos e serviços
nacionais, mais a oferta de produtos importados. Da mesma forma que a
demanda agregada, a oferta agregada de produtos nacionais é uma abstração,
pois não se pode somar coisas diferentes. Neste caso o que se soma são as taxas
de variação da produção dos produtos nacionais, tendo-se então um índice que,
no Brasil, convencionou-se chamar de “100” em 1980. No ano de 2000 este
índice chegou a praticamente 150. Isto significa que a produção nacional cresceu
50% neste período de vinte anos, ou seja, uma média de apenas 2% ao ano e
muito pouco acima do crescimento da população, que foi de 1,7% ao ano.
Oferta elástica é quando, dado um certo aumento da demanda, o aumento
da produção é maior do que o aumento dos preços. Para que a oferta seja mais
elástica, é necessário que o produto seja estocável e que a empresa tenha capital
financeiro relativamente elevado para suportar os estoques que se formam
quando as vendas caem. A industrialização permite transformar um produto de
forma a poder estoca-lo a baixo custo, e torna as empresas financeiramente mais
fortes. Ver oferta.
Oferta agregada mais elástica é uma característica dos países
industrializados, pois a industrialização permite estocar produtos a baixo custo, e
torna as empresas financeiramente mais fortes. Isto significa que, nestes países,
o crescimento da produção é maior e a inflação é menor do que nos países
subdesenvolvidos. Quanto mais desenvolvido um país, mais a sua oferta
agregada é elástica, e vice versa. Ver oferta.
Orçamento do governo é o conjunto de contas que registram as receitas e
os gastos dos governos federal, estadual e municipal. É preparado e, depois de
emendado e aprovado pelo poder legislativo, executado pelo poder executivo. O
orçamento é elaborado com base na LDO – Lei de diretrizes orçamentárias,
também submetida à apreciação, emenda e aprovação do poder legislativo. Os
orçamentos no Brasil têm sido deficitários em montantes elevados e crescentes,
71
ou seja, os gastos têm sido sistematicamente maiores do que as receitas. Mas
isto se deve a um único item de gasto, que é o pagamento de juros da dívida
pública. Se não fossem os juros, o orçamento do governo seria superavitário.
Paradigma é um padrão de referência, um modelo a ser seguido, uma visão
de mundo expressa por uma teoria. O paradigma estabelece os limites de uma
teoria. Quando o paradigma de uma teoria não mais permite resolver uma série
de problemas acumulados, é chegado o momento do paradigma ser mudado. O
paradigma da linha econômica predominante não consegue e nunca conseguiu
explicar o desemprego e recusa-se a seguir medidas de aumento do emprego.
Como este problema acumula-se há séculos, muitos consideram que já é mais do
que hora de trocar de paradigma.
Perplexidade de Fischer refere-se a uma situação na qual a pessoa sabe
que a teoria que ela aplicou está errada, mas não deseja confessar esta fraqueza,
talvez por ignorar a teoria correta, talvez para poder continuar usando a errada
por razões outras. A expressão origina-se no dilema enfrentado por Stanley
Fischer quando era vice-diretor do Fundo Monetário Internacional e lhe foi
perguntado se o FMI tinha sido incapaz de prever a chamada crise asiática de
1997, crise esta que foi uma decorrência da adoção de medidas econômicas
prescritas pelo FMI. Pressionado entre confessar sua ignorância teórica ou
reconhecer que na prática as suas medidas levam a uma crise financeira, o
monetarista Fischer optou por declarar que “nós efetivamente previmos”, mas
que é preciso diferenciar entre “prever uma crise” e “tornar pública a previsão”.
Evidentemente, não divulgar a previsão é tão grave quanto poder prever a crise,
já que ficou demonstrado que o FMI tem consciência de que suas medidas podem
causar crises financeiras.
PIB é o produto interno bruto. Pode ser medido pela soma do quanto foi
gasto em salários, no uso da capacidade instalada, no uso capital financeiro e o
quanto foi o lucro, mas sempre referindo-se aos produtos de consumo final das
pessoas, às máquinas, equipamentos e construções. Não se incluem os bens
intermediários, ou seja, coisas como as embalagens e as matérias primas. O PIB
também pode ser medido pela soma dos valores de todas as coisas que os
consumidores compram para consumir e as empresas compram para investir,
mais tudo o que o governo compra no país, mais tudo que o país exporta e
menos tudo que o país importa. O PIB assim medido é o nominal, o PIB real é
medido da mesma forma que a oferta agregada. O PIB é bruto porque não se
desconta o desgaste das máquinas e equipamentos usados na produção. Apesar
de todas as restrições e problemas, o PIB é uma medida prática da produção e da
riqueza nacionais. Talvez o problema mais grave seja, paradoxalmente, o fato de
que as técnicas estatísticas e de coleta de dados vão melhorando ao longo do
tempo. Por isso, o PIB pode crescer simplesmente porque a instituição do
governo que o elabora tornou-se mais eficiente, sem pretender torcer os dados
para maquiar a realidade a favor do governo. Ver oferta agregada.
72
Plano Real é o nome do programa de combate à inflação implantado no
Brasil em 1994. Apesar de, no período de junho de 1994 a março de 2002, os
preços terem aumentado 177%, dando uma média de 14% ao ano, o Plano Real
ainda era considerado um sucesso em 2002. O instrumento básico de fato
adotado é a repressão à demanda agregada. Contudo, a retórica e o discurso
oficial creditam o sucesso à política monetária de taxas elevadas de juros que,
segundo a doutrina monetarista, seria o meio correto para inibir o consumo e o
investimento e, ao mesmo tempo, atrair capitais externos. Como toda política
que contraria os fatos da vida real, não pode durar para sempre.
Plano heterodoxo é o termo utilizado para se referir aos planos de combate
à inflação. Como na prática todos estes planos seguem a cartilha da doutrina
monetarista, o heterodoxo fica mais por conta da surpresa do que do método.
Com relação à possibilidade de sucesso, tanto faz se é heterodoxo ou ortodoxo.
Todos falham.
Pleno emprego é um estado imaginário no qual todas as pessoas têm
emprego ou ocupação remunerada. Por extensão, toda a capacidade industrial
estaria sendo utilizada – não haveria capacidade ociosa - e todo o capital
financeiro estaria aplicado na produção e nunca em especulação financeira – não
haveria capital financeiro ocioso. Isto significa que neste estado de pleno
emprego não pode haver política monetária de fazer dívida pública, pois dívida
pública é sinônimo de capital financeiro ocioso e remunerado. O pleno emprego é
adotado pela doutrina monetarista como pressuposto, isto é, seria uma verdade
em qualquer lugar e ocasião. Mas a doutrina monetarista desrespeita a lógica do
pleno emprego pois, fazendo dívida pública, mantém capital financeiro ocioso e
remunerado, provocando assim uma trombada de conceitos teóricos. Esta
contradição lógica é mais um dos muitos problemas da doutrina e da política
monetaristas.
Poder executivo é um dos três poderes da união, comandado em nível
federal pelo Presidente da República e seus ministros, em nível estadual pelo
Governador e seus secretários e, nos municípios, pelo Prefeito e seus secretários.
Poder legislativo é um dos três poderes da união, exercido em nível federal
no Congresso Nacional, formado pelo Senado Federal e pela Câmara dos
Deputados. Nos outros níveis o poder legislativo cabe à Assembléias Legislativas
dos estados e às Câmaras Municipais.
Política cambial do governo é aquela que tem por objetivo estimular as
exportações do país, assim expandindo a demanda agregada e promovendo o
emprego da sua população. O governo pode influenciar o mercado cambial,
visando manter uma taxa de câmbio favorável às exportações, comprando divisas
e aplicando no exterior em ativos reais ou financeiros. Ou então, emitindo moeda
para sustentar a política de investimentos sociais, assim aumentando a oferta de
capital financeiro e forçando a baixa da taxa de juros. Com os juros baixos os
73
exportadores que têm lucros em dólar preferirão aplicar estes dólares no exterior,
em países que praticam uma política suicida de taxas elevadas de juros. Há que
se tomar cuidado, contudo, com o risco deste país suicida tornar-se incapaz de
sustentar o atraso cambial dele e deixar a moeda desvalorizar de surpresa.
Política de investimentos sociais é aquela que tem por objetivo aumentar
os níveis de renda e de emprego. Seus instrumentos são a expansão dos gastos
de governo que podem aumentar a demanda agregada, e o corte seletivo de
impostos, o qual aumenta a oferta agregada. O meio para se atingir os objetivos
é o orçamento público, tanto nos seus montantes anuais de receitas e despesas
quanto no remanejamento das suas contas. Considerando-se a inutilidade da
política monetária para o lado real da economia, e permitindo-se que a taxa de
câmbio seja livremente determinada no mercado cambial, a política econômica
reduz-se à prática da política de investimentos públicos. Nos manuais tradicionais
de macroeconomia política de investimentos sociais é chamada de política fiscal.
Política de liberalização é um dos argumentos retóricos que tem sido
usado em relações internacionais. A idéia é que o livre comércio internacional,
sem barreiras e com impostos iguais aos dos produtos nacionais, traz muitos
benefícios para todas as nações. Na prática, entretanto, a liberalização é algo que
um país sugere aos outros, mas não quer de fato praticar. Na verdade, cada país
industrializado segue uma outra teoria e sabe que é preciso exportar mais e
restringir as importações àquilo que for indispensável em termos de matéria
prima ou que for estratégico dentro da geopolítica do poder.
Política econômica é exercida, segundo os textos tradicionais de
macroeconomia, através de três instrumentos básicos, a política fiscal, a política
cambial e a política monetária. As decisões de política econômica afetam a
demanda e a oferta agregadas, de modo que ficam alterados os níveis de
produção e de preço e, a partir daí, alteram-se os níveis de todas as variáveis
endógenas da economia. As decisões de política econômica sempre resultam da
pressão política de grupos sociais organizados, de modo que elas nunca refletem
um consenso, como por exemplo o bem estar da sociedade como um todo, mas
sim a resultante de diversas forças sociais divergentes entre si. Como é natural, a
força social predominante assegura para si uma distribuição favorável da renda
do país. Apesar disto, no Brasil do período do Plano Real tentava-se fazer com
que as decisões de política econômica fossem tomadas com o objetivo único de
controlar a inflação, como se o sucesso deste controle pudesse garantir a
felicidade geral da nação. Por isso, o governo tentou impor uma série de reformas
constitucionais que reduziam os benefícios da população, mas o Congresso
Nacional resistiu a algumas delas, o que inviabilizou algumas das pretensões do
governo, em especial o aumento da arrecadação de impostos através de uma
reforma tributária.
Política fiscal é o mesmo que política de investimentos sociais.
74
Política monetária é a política recomendada pela doutrina monetarista. Ver
doutrina monetarista.
Poupança externa – ver déficit em conta corrente com o exterior.
Procura é o mesmo que demanda, na teoria econômica. Ver demanda.
Real versus nominal - ver valor nominal e valor real.
Renda é o rendimento derivado da simples posse de um ativo financeiro ou
real. A noção estrita do termo é a de que quem recebe renda não trabalha.
Porém, na prática o salário também é considerado como renda, embora não o
seja e, por isso, o PIB é também chamado de renda nacional. Existe, portanto, a
figura do “rentista”, que é uma pessoa interessada apenas em obter renda e não
em investir seus ativos na produção. O rentista só pode existir se alguém estiver
disposto a pagar-lhe pelo uso de seu ativo real ou financeiro. A sociedade como
um todo será beneficiada se este alguém investir estes ativos na produção. Caso
contrário, a sociedade estaria pagando renda para manter os ativos ociosos, e
isto estaria causando desemprego. O exemplo típico deste último caso é a política
monetária de fazer dívida pública, que obriga o público a pagar juros para que o
capital financeiro possa ficar ocioso, ou seja, desempregado.
Renda dos juros refere-se à renda paga e recebida pela aplicação do capital
financeiro.
Risco-Brasil está associado à probabilidade das empresas instaladas no
Brasil e do governo brasileiro não pagarem suas dívidas externas. Existem
medidas, feitas por bancos e instituições internacionais, que são utilizadas como
referência em operações de crédito internacional. Um risco de 1000 pontos deve
ser lido como uma indicação, e não uma regra internacional infalível, para quem
empresta para o Brasil, de que a taxa de juros deve ser de 10 pontos percentuais
acima da taxa de juros dos títulos do Tesouro do Estados Unidos. Contudo, caso
você esteja pensando em emprestar dólares para uma empresa instalada no
Brasil, tome cuidado, pois o fato de cobrar esta taxa não significa que o tomador
do empréstimo vai lhe pagar a dívida. O risco-Brasil não evita a moratória e nem
indica quando o país vai entrar nela.
Rolagem da dívida é o que o cliente do banco faz quando seu empréstimo
vence e ele não tem dinheiro para pagar. O cliente vai até o gerente do banco,
assina novas promissórias, não paga nada por enquanto e o seu crédito é
renovado sem que ele desembolse um real. A rolagem da dívida pública é
diferente. O governo sempre paga, evidentemente em dinheiro, a dívida vencida.
Em outra operação, quase que ao mesmo tempo, o governo pede emprestado de
novo. O governo desembolsa dinheiro pagando uns bancos e toma emprestado de
outros, talvez os mesmos. Quando diz que rola a sua dívida, na verdade o
governo faz duas coisas quase simultâneas: emite dinheiro e pede este mesmo
dinheiro emprestado.
75
Rosinha é uma criança de cinco anos de idade que despreza a teoria da
sementinha do papai na barriga da mamãe e assume com fé e convicção
científica que é a cegonha que traz os bebês.
Taxa de câmbio é o preço da moeda estrangeira. Haja ou não intervenção
do governo comprando ou vendendo dólares, a taxa de câmbio é determinada no
mercado cambial.
Taxa de juros é o “preço” do dinheiro, ou melhor, o seu “aluguel”, pois
dinheiro não se compra, aluga-se.
Taxa Selic é a taxa de juros básica da economia, aquela que é sustentada
pelo Banco Central através de empréstimos feitos com títulos da dívida pública.
Tempo de maturação refere-se ao tempo que é necessário entre a decisão
de se iniciar um projeto, detalhar os planos, investir o dinheiro e colocar a fábrica
em ritmo de produção. Pode ser estendido ao tempo necessário para que o
empreendimento gere sua própria receita. Por extensão, às vezes é aplicado
também ao tempo em que o ativo financeiro poderá ser resgatado, ou seja,
transformado novamente em dinheiro.
Teoria econômica autista – ver doutrina monetarista.
Tesouro Nacional é o departamento contábil e financeiro do governo
federal, encarregado dos lançamentos das receitas e as despesas. É ligado ao
Ministério da Fazenda.
Tirar dinheiro de circulação é uma expressão utilizada quando o Banco
Central toma dinheiro emprestado dos bancos comerciais, e não aplica este
dinheiro. Note-se, todavia, que o Banco Central não toma o dinheiro dos clientes
dos bancos e que, portanto, ele de fato não tira de circulação o dinheiro assim
emprestado. Ver enxugar liquidez.
Títulos da dívida pública são títulos representativos de empréstimos feitos
em nome do Tesouro Nacional. Quando um cliente pede um empréstimo num
banco, ele assina, junto com seu avalista, uma nota promissória, ou outro
documento equivalente. Pode-se dizer que o banco comprou a promissória do
cliente, pagando por ela menos do que o seu valor no vencimento. Por exemplo,
se uma pessoa empresta mil reais, ela assina uma promissória de mil reais mas o
banco só lhe dá, digamos, 800 reais. Os 200 reais são os juros. Daria na mesma
se o cliente emitisse e vendesse ao banco um cheque pré-datado de mil reais,
recebendo por ele 800 reais. Esta nota promissória é um título representativo do
valor da dívida e diz quando a dívida deve ser paga, da mesma forma que o título
do governo. Assim, o título do governo é igual à promissória, ou o cheque prédatado e, por isso, pode-se falar que o governo emite, vende ou coloca títulos no
mercado – sempre haverá um banco comprando este título. A diferença é que o
governo já tem o seu próprio título e não precisa assinar o do banco. Além disso,
quando o título vence o governo não vai ao banco pagar, é o banco que vai
76
cobrar do governo. Mais ainda, o governo não apresenta avalista, se bem que os
estados e municípios comprometam formalmente a receita de impostos. Colocar
títulos da dívida pública no mercado financeiro é sinônimo de tomar dinheiro
emprestado. Quando é o Banco Central que vende títulos do Tesouro Nacional,
ele está demandando capital financeiro, e, por isso, causando um aumento da
taxa de juros. Note-se que o Banco Central não toma dinheiro emprestado
porque precisa dele para investir em alguma coisa ou para pagar uma conta do
governo, o que ele de fato quer é tirar dinheiro de circulação, é enxugar a
liquidez, assim agindo de acordo com o mandamento da doutrina monetarista.
Valor nominal é o quanto vale um bem econômico qualquer num certo
momento do tempo. Por exemplo, a taxa de câmbio no Brasil em junho de 1994,
quando então foi implantado o Plano Real, era tal que o preço do dólar era de um
real. Este era o valor nominal do dólar naquela época. Já em março de 2002, o
valor nominal do dólar era de R$ 2,32. Como houve uma inflação muito grande
entre junho de 1994 e março de 2002, estes dois valores nominais não podem
ser comparados diretamente. Para se comparar é necessário calcular o valor real
do dólar. Ver valor real.
Valor real é o quanto vale, teoricamente, um bem econômico qualquer
quando, a partir de seu valor nominal num certo momento do tempo, se retira o
efeito da inflação. Por exemplo, a taxa de câmbio no Brasil em junho de 1994 era
um real por dólar. Este era o valor nominal do dólar àquela época. Em março de
2002, o valor real do dólar seria de R$ 2,77, pois a inflação no período foi de
177%. Só calculando o valor real do dólar nominal de junho de 1994 é que se
pode compara-lo com o valor do dólar em março de 2002, quando então o seu
valor nominal era de R$ 2,32. Desta forma, pode-se concluir que o preço do dólar
baixou, o que contribuiu fortemente para reduzir as exportações do Brasil, assim
aumentando o desemprego. O termo “real” neste caso nada tem a ver com o
Plano Real, é apenas um nome que se deu ao conceito. Podem ser usadas as
expressões “temos constantes” e “em moeda de março de 2002”, ao invés de
“valor real”. Ver valor nominal.
Variáveis do sistema econômico são aquelas variáveis cujos valores são
determinados pela interação entre compradores e vendedores e aquelas que
alteram a oferta e a demanda, tanto a longo quanto a curto prazos. Ver
endógena e exógena.
77
A RESPEITO DO AUTOR
Gerson Pereira Lima, doutor em Teoria Econômica pela Universidade de Paris
(1992), Mestre em Teoria Econômica pela Universidade de Brasília (1983) e
Bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo (1972), é professor do
Curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Na Universidade Federal do Paraná (1994 a 2002), foi professor titular do
Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Econômico, na disciplina de Teoria Macroeconômica. Foi
também Conselheiro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e do Fundo de
Desenvolvimento Acadêmico. Na Universidade de Brasília (1993/94), foi professor
do Departamento de Economia, nas disciplinas de Contabilidade Social e
Economia Rural.
Atuou como Adjunto para Assuntos Econômicos da Casa Civil da Presidência
da República (Brasília, 1992/94), no Governo Itamar Franco.
Foi Chefe do Departamento de Análises Econômicas da Quimbrasil SA (São
Paulo, 83/88), coordenando os estudos econométricos sobre fertilizantes e
cimento, chefe de Departamento da CFP - Companhia de Financiamento da
Produção (Brasília, 75/83), sendo responsável pelo Setor Carnes da Política de
Preços Mínimos, e chefe da Assessoria Econômica da Divisão de Vendas da
EMBRAER (São José dos Campos, 73/75).
Principais publicações associadas ao tema deste livro:
“Moeda Transitória”, Revista de Economia, Departamento de Economia da
Universidade Federal do Paraná, nº 19, Curitiba, 1995.
“A Curva de Oferta Agregada Ascendente a Longo Prazo”. Tese Concurso de
Professor Titular, Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, abril de 1996.
“O Plano Real”. Texto de Discussão do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná, CMDE/UFPR,
Texto nº 25/97, 1997. htp://www.economia.ufpr.br/publica/textos/1997/TXT
2597%20Gerson.doc, acesso em 15/12/2002.
“Uma Perspectiva Crítica do Plano Real”, Revista Econômica do Nordeste,
vol. 28, pp. 251-66, Fortaleza, julho de 1997.
“Taxa de Câmbio, Crescimento e Estabilização”. Revista Econômica do
Nordeste, volume 29, pp. 827-44, Fortaleza, julho de 1998.
“Um Modelo Geral de Oferta e Demanda Agregadas”. Texto de Discussão do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade
Federal do Paraná, CMDE/UFPR, Texto nº 04/99, 1999. http://www.economia.
ufpr.br/publica/textos/1999/txt0499%20Gerson.rtf, acesso em 15/12/2002.
78
“A Recessão Econômica Pode Ser um Instrumento da Política Monetária?”
(com Sandra Kovalski), Revista da FAE, vol. 3, nº 2, pp. 31-43, Curitiba,
maio/agosto 2000.
“Uma Interpretação da Curva de Oferta de Marshall e a Arquitetura de uma
Moderna Teoria da Oferta e Demanda”. Econômica, Revista da Pós-Graduação em
Economia da Universidade Federal Fluminense, vol. II, nº 4, pp. 61-84, Niterói,
dezembro de 2000.
“A Ascendência Monetária da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Revista dos
Tribunais, vol. 784, pp. 96-104, São Paulo, fevereiro de 2001.
“O Movimento de Capitais Externos e o Crescimento Econômico” (com Patrícia
Hartmann), Revista da FAE, vol. 4, nº 3, pp. 13-24, Curitiba, set/dez de 2001.
“A Economia Brasileira na Ótica da Teoria da Demanda Efetiva”. Artigo para
o Concurso de Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, abril de 2002.
“Supply and Demand: a New Model for an Old Theory”. 7º Workshop em
Economia Pós-Keynesiana, Universidade de Kansas City, Missouri, Estados
Unidos, julho de 2002. http://cfeps.org/events/pk2002/confpapers/lima.pdf.
Acesso em 5/7/2002.
“Metas de Produção e Controle da Inflação”. Revista Tributária e de Finanças
Públicas, ano 11, nº 48, pp. 211-25, janeiro/fevereiro de 2003. São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais.
[email protected]
79
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