Capítulo VI — O Partido Bolchevique Durante o Período da Guerra Imperialista. A Segunda Revolução na Rússia (1914- Março de 1917) 1 — Origem e causas da guerra imperialista. A 14 (27) de julho de 1914, o governo czarista decretou a mobilização geral. A 19 de julho (1º. de agosto), a Alemanha declarou guerra à Rússia. A Rússia entrou na guerra. Já muito tempo antes que a guerra começasse, os bolcheviques, encabeçados por Lenin, tinham previsto que ela estalaria inevitavelmente. Nos congressos internacionais socialistas, Lenin tinha formulado propostas destinadas a traçar a linha revolucionária de conduta que os socialistas deviam adotar quando a guerra estalasse. Lenin assinalava que a guerra era um satélite inevitável do capitalismo, a rapina de territórios estrangeiros, a apropriação e o saque das colônias, a conquista de novos mercados, tinham provocado repetidas vezes guerras de anexação dos Estados capitalistas. Para os países capitalistas, a guerra é um fenômeno tão natural e tão legítimo como a exploração da classe operária. As guerras fizeram-se ainda mais inevitáveis em fins do Século XIX e começos do XX, ao passar o capitalismo, definitivamente, para a fase culminante e última de seu desenvolvimento: o imperialismo. Sob o imperialismo, os potentes agrupamentos (monopólios) dos capitalistas e dos bancos adquiriram uma importância decisiva na vida dos Estados capitalistas. O capital financeiro se converteu no amo dos Estados capitalistas. E o capital financeiro exigia novos mercados, a anexação de novas colônias, novas bases para a exportação de capitais e novas fontes de matérias-primas. Mas, nos fins do Século XIX, todo o território do planeta se achava já repartido entre os Estados capitalistas. Pois bem, na época imperialista, o capitalismo se desenvolve de um modo extraordinariamente desigual e em saltos: países que antes apareciam em primeiro lugar, vêem arrefecer o ritmo relativo de desenvolvimento de sua indústria, enquanto outros, que antes eram países atrasados, dão um rápido salto, os alcançam e ultrapassam. A correlação entre as forças econômicas e militares dos Estados imperialistas tinha mudado. Manifestava-se a aspiração de proceder a uma nova partilha do mundo. A luta por uma nova partilha do mundo tinha que provocar, inevitavelmente, a guerra imperialista. A guerra de 1914 foi uma guerra por uma nova divisão do mundo e das zonas de influência. Esta guerra tinha sido longamente preparada pelos Estados imperialistas. Os imperialistas de todos os países foram culpados dela. A guerra tinha sido preparada, em particular, pela Alemanha e a Áustria, de um lado, e de outro, pela França, a Inglaterra e a Rússia, coagida por elas. Em 1907 se havia constituído a Tríplice Entente, — aliança entre a Inglaterra, a França e a Rússia. Outra aliança imperialista existia entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália. Mas, ao estalar a guerra de 1914, a Itália saiu desta aliança, e mais tarde aderiu à Entente. A Alemanha e a Áustria-Hungria contavam com o apoio da Bulgária e da Turquia. A Alemanha se preparava para a guerra imperialista, ambicionando despojar a Inglaterra e a França de suas colônias, e a Rússia, da Ucrânia, Polônia e territórios do Báltico. Com a construção da estrada de ferro de Bagdá, a Alemanha ameaçava a dominação da Inglaterra no Oriente Próximo. A Inglaterra via com temor o incremento dos armamentos navais da Alemanha. A Rússia czarista aspirava à divisão da Turquia e sonhava conquistar os estreitos que unem o Mar Negro ao Mediterrâneo (os Dardanelos) e anexar Constantinopla. Entrava também nos planos do governo czarista a anexação de Galitzia, que fazia parte da Austria-Hungria. A Inglaterra aspirava esmagar por meio da guerra sua perigosa competidora, a Alemanha, cujas mercadorias iam desalojando cada vez mais os produtos ingleses do mercado mundial de antes da guerra. Além disso, acalentava o propósito de tirar à Turquia a Mesopotâmia e a Palestina e de se estabelecer solidamente no Egito. Os capitalistas franceses aspiravam arrebatar à Alemanha a bacia do Sarre, rica em carvão e ferro, e as províncias de Alsácia-Lorena, das quais a Alemanha tinha despojado a França na guerra de 1870-1871. Foram, pois, as formidáveis contradições existentes entre os dois grupos de Estados capitalistas que trouxeram a guerra imperialista. Esta guerra de rapina, na qual se ventilava a repartição do mundo, afetava os interesses de todos os países imperialistas, razão por que se viam arrastados a ela, no transcurso de seu desenvolvimento, o Japão, os Estados Unidos e outra série de países. A guerra adquiriu caráter mundial. A burguesia tinha preparado a guerra imperialista, mantendo seus preparativos no mais profundo segredo, para que deles não ficassem inteirados os povos. Quando a guerra estalou, todos os governos imperialistas se esforçaram por demonstrar que não eram eles os que itacavam os países vizinhos, senão que eram vítimas da agressão destes. A burguesia enganava o povo, ocultando os verdadeiros fins da guerra, seu caráter imperialista, de anexação. Todos os governos imperialistas declararam que faziam a guerra em defesa da pátria. Os oportunistas da Segunda Internacional ajudaram a burguesia a enganar o povo. Os social-democratas da Segunda Internacional traíram vilmente a causa do socialismo, a causa da solidariedade internacional do proletariado. Longe de se levantarem contra a guerra, o que fizeram foi ajudar a burguesia a lançar os operários e os camponeses dos Estados beligerantes uns contra os outros, sob a bandeira da defesa da pátria. O fato da Rússia entrar na guerra imperialista, ao lado da Entente, da França e da Inglaterra, tinha sua razão de ser. Não se perca de vista que antes de 1914 os ramos mais importantes da indústria russa se achavam em mãos do capital estrangeiro, e principalmente do capital francês, inglês e belga, isto é, dos países da Entente. As fábricas metalúrgicas mais importantes da Rússia eram propriedade de capitalistas franceses. Quase três quartas partes da metalurgia russa (72 por cento) dependiam do capital estrangeiro. Outro tanto ocorria com a produção do carvão de pedra na bacia do Donetz. A metade, aproximadamente, da extração de petróleo achava-se em mãos do capital anglo-francês. Uma parte considerável dos lucros da indústria russa ia parar nos bancos estrangeiros, e principalmente nos da Inglaterra e França. Todas estas razões, às quais é preciso juntar os empréstimos de milhares de milhões feitos pelo czar na França e na Inglaterra, prendiam o czarismo ao imperialismo anglo-francês e convertiam a Rússia em tributária destes países, em uma semicolônia sua. A burguesia russa esperava que, lançando-se à guerra, melhoraria de situação, conquistaria novos mercados, se enriqueceria com os pedidos e os fornecimentos de guerra, e ao mesmo tempo poderia, valendo-se da situação criada pela guerra, esmagar o movimento revolucionário. A Rússia czarista entrou na guerra sem estar preparada para ela. A indústria russa achava-se muito atrasada em relação à dos outros países capitalistas. Predominavam nela as velhas fábricas com uma instalação já muito gasta. A agricultura russa com um regime semifeudal de propriedade da terra e de massas de camponeses reduzidos à mais extrema miséria, não podia oferecer uma base econômica para manter uma guerra longa. O czar tinha seu principal apoio nos latifundiários feudais. Os grandes latifundiários das centúrias negras, coligados aos grandes capitalistas, eram os senhores do país e da Duma. Estes elementos apoiavam em bloco a política interior e exterior do governo czarista. A burguesia imperialista russa tinha todas as suas esperanças postas na autocracia czarista, no punho de ferro que lhe podia assegurar a conquista de novos mercados e de novos territórios, e além disso esmagar o movimento revolucionário dos operários e camponeses. O Partido da burguesia liberal — os kadetes — se fazia passar por um partido de oposição, mas apoiava sem reservas a política exterior do governo czarista. Os partidos pequeno-burgueses, social-revolucionário e menehevique, encobrindo sua conduta com a bandeira do socialismo, ajudaram a burguesia, desde o primeiro momento da guerra, a enganar o povo, a ocultar o caráter imperialista e rapace da guerra. Pregavam a necessidade de defender a "pátria" burguesa contra os "bárbaros prussianos", e apoiavam a política de "paz interior", e deste modo ajudavam o governo do czar a fazer a guerra, exatamente da mesma forma que os social-democratas alemães ajudavam o governo do kaiser a guerrear contra os "bárbaros russos". O Partido bolchevique foi o único que permaneceu fiel à grande bandeira do internacionalismo revolucionário, mantendo-se firme nas posições marxistas e lutando resolutamente contra a autocracia czarista, contra os capitalistas e latifundiários e contra a guerra imperialista. O Partido bolchevique manteve, desde os primeiros dias de guerra, o ponto de vista de que esta não se havia desencadeado para defender a pátria, senão para se apoderar de territórios estrangeiros, para saquear outros povos no interesse dos latifundiários e capitalistas, e que os operários deviam adotar em relação a ela uma atitude de luta decidida. A classe operária apoiava o Partido bolchevique. É certo que as fumaças patriótico-burguesas, que no começo da guerra embriagaram os intelectuais e o setor dos kulaks, contaminaram também uma parte dos operários. Mas foram principalmente, contaminados os que se encontravam entre a malandragem da "União do Povo Russo" e um setor dos operários influenciado ideologicamente pelos social-revolucionários e os mencheviques. Estes elementos não refletiam nem podiam refletir, naturalmente, o estado de espírito da classe operária. Eram os elementos que desfilavam nas manifestações chovinistas da burguesia, organizadas pelo governo czarista nos primeiros dias de guerra. 2 — Os Partidos da Segunda Internacional passaram para o lado de seus governos imperialistas. — A Segunda Internacional se decompõe numa série de partidos social-chovinistas isolados. Lenin repetidas vezes havia lançado o brado de alerta contra o. oportunismo da Segunda Internacional e a falta de firmeza de seus chefes. Havia afirmado sempre que os chefes da Segunda Internacional só de palavra eram contrários à guerra e que no caso da guerra estalar desertariam certamente de suas posições e passariam para o lado da burguesia imperialista, converter-se-iam com toda a certeza em defensores da guerra. O prognóstico de Lenin se confirmou desde os primeiros dias de guerra. Em 1910, no Congresso celebrado pela Segunda Internacional em Copenhague, se havia tomado uma resolução que obrigava os socialistas a votar nos parlamentos contra os créditos de guerra. O Congresso mundial da Segunda Internacional celebrado em Basiléia, em 1912, durante a guerra dos Bálcans, declarou que os operários de todos os países consideravam um crime atirar uns contra os outros para aumentar os lucros dos capitalistas. Tal era a posição que se adotava, de palavra, nas resoluções dos Congressos. Mas quando começaram a troar os canhões da guerra imperialista e se apresentou a necessidade de levar à prática aquelas resoluções, os chefes da Segunda Internacional se revelaram como traidores do proletariado e servidores da burguesia, passando para o campo dos defensores da guerra. A 4 de agosto de 1914, a social-democracia alemã votou no parlamento os créditos de guerra, votou a favor da guerra imperialista. E exatamente o mesmo fizeram, em sua esmagadora maioria, os socialistas da França, da Inglaterra, da Bélgica e dos demais países. A Segunda Internacional havia deixado de existir. Decompôs-se de fato numa série de partidos social-chovinistas isolados que faziam a guerra uns contra os outros. Os chefes dos partidos socialistas, traindo o proletariado, passaram para a posição do social-chovinismo e abraçaram a defesa da burguesia imperialista. Ajudaram os governos imperialistas a enganar a classe operária e a inocular-lhe o veneno do nacionalismo. Sob a bandeira da defesa da pátria, estes social-traidores começaram a atiçar os operários alemães contra os franceses e os operários franceses e ingleses contra os alemães. Só uma minoria insignificante de homens dentro da Segunda Internacional se manteve na posição internacionalista, marchando contra a corrente, sem uma convicção muito firme e de um modo bastante vago, é certo, mas, apesar de tudo, marchando contra a corrente. O Partido bolchevique foi o único que levantou desde o primeiro momento e sem vacilações a bandeira da luta decidida contra a guerra imperialista. Nas teses sobre a guerra, redigidas por Lenin no outono de 1914, se assinalava que o fracasso da Segunda Internacional não era por acaso. A Segunda Internacional, dizia Lenin, foram os oportunistas que a puseram a pique. E contra eles fazia já muito tempo que os melhores representantes do proletariado revolucionário se vinham pondo em guarda. Os partidos da Segunda Internacional estavam contagiados de oportunismo, já antes da guerra. Os oportunistas pregavam abertamente a renúncia à luta revolucionária, a teoria da "evolução pacífica do capitalismo para o socialismo". A Segunda Internacional não queria lutar contra o oportunismo, era partidária de viver em paz com ele e o deixava fortalecer-se. E seguindo a política de conciliação com o oportunismo, acabou por se converter ela também em oportunista. À custa dos lucros que arrancava das colônias e da exploração de que eram vítimas os países atrasados, a burguesia imperialista, mediante uma política de salários elevados e outras remunerações, corrompia sistematicamente uma minoria escolhida de operários qualificados, a chamada aristocracia operária. Deste reduzido setor operário saíam muitos dos dirigentes dos sindicatos e das cooperativas, muitos dos deputados e conselheiros, muitos dos redatores da Imprensa e dos funcionários das organizações social-democratas. Ao estalar a guerra, estas pessoas, receiosas de perderem sua posição privilegiada, fizeram-se inimigos da revolução, convertendo-se nos defensores mais raivosos de sua burguesia e de seus governos imperialistas. De oportunistas se converteram em social-chovinistas. Os social-chovinistas — incluindo entre eles os mencheviques e social-revolucionários russos — pregavam a paz de classes entre os operários e a burguesia dentro do país, e a guerra com os outros povos no exterior. Enganavam as massas acerca dos verdadeiros responsáveis da guerra, fazendo-as acreditar que a burguesia de seu próprio país estava livre de toda a culpa. Muitos social-chovinistas passaram a ser ministros dos governos imperialistas de seus países. Não menos perigosa para a causa do proletariado era a posição dos social-chovinistas encobertos, dos chamados centristas. Os centristas — Kautski, Trotsky, Martov e outros — defendiam e justificavam os social-chovinistas declarados e, portanto, traíam em ligação com estes, o proletariado, encobrindo sua traição com frases "esquerdistas", a respeito da luta contra a guerra, frases destinadas a enganar a classe operária. De fato, os centristas apoiavam a guerra, pois não equivalia a outra coisa sua proposta de não votarem contra os créditos de guerra, limitando-se a se absterem desta votação. Também eles, tanto quanto os social-chauvinistas, exigiam que se renunciasse à luta de classes enquanto durasse a guerra, para não impedir seus governos imperialistas de prosseguirem a guerra. Em face dos problemas mais importantes da guerra e do socialismo, o czarista Trotsky se manifestava sempre contra Lenin, contra o Partido bolchevique. Desde os primeiros dias da guerra, Lenin começou a agrupar forças para criar uma nova Internacional, a Terceira Internacional. A tarefa de fundar a Terceira Internacional para substituir a Segunda que havia fracassado tão vergonhosamente, aparece já no manifesto lançado contra a guerra, em novembro de 1914, pelo Comitê Central do Partido bolchevique. Em fevereiro de 1915, celebrou-se em Londres uma conferência de socialistas dos países da Entente, na qual interveio, por diretiva de Lenin, o camarada Litivinov. Este exigiu que os socialistas (Vandervelde, Sembat, Guesde) saíssem de seus governos burgueses da Bélgica e da França e rompessem totalmente com os imperialistas, abandonando a colaboração com eles. E exigiu que os socialistas mantivessem uma luta decidida contra seus próprios governos imperialistas e condenassem quantos votassem a favor dos créditos de guerra. Mas a voz de Litivinov não encontrou o menor eco nesta conferência. Em começo de setembro de 1915, se reuniu em Zimmerwald a primeira Conferência dos internacionalistas. Lenin dizia que esta Conferência tinha sido o "primeiro passo" no desenvolvimento do movimento internacional contra a guerra. Lenin formou nela o grupo de esquerda de Zimmerwald. Mas o único que, dentro da esquerda zimmerwaldiana, manteve uma posição acertada e conseqüente do princípio ao fim contra a guerra foi o Partido bolchevique, com Lenin à frente. A esquerda zimmerwaldiana editava em alemão um periódico intitulado "Vorbote" ("O Precursor"), onde se publicaram vários artigos de Lenin. Em 1916, conseguiu-se reunir na pequena vila suíça de Kienthal a Segunda Conferência Internacionalista, que se conhece com o nome de Segunda Conferência zimmerwaldiana. Naquela ocasião, iam-se definindo grupos de internacionalistas em quase todos os países e se destacava já com traços acentuados a cisão entre os elementos internacionalistas e os social-chovinistas. E sobretudo, as próprias massas, sob a influência da guerra e das calamidades provocadas por ela, iam-se orientando para a esquerda. O manifesto de Kienthal foi o fruto de uma resolução entre os diversos grupos que se debateram na Conferência. Representava, em comparação com o manifesto de Zimmerwald, um passo à frente. Mas também a Conferência de Kienthal não adotou as teses fundamentais da política bolchevique: transformação da guerra imperialista em guerra civil, derrota, na guerra, do governo imperialista do Próprio país e organização da Terceira Internacional. Não obstante, a Conferência de Kienthal tornou possível o afastamento dos elementos internacionalistas, que mais tarde haviam de formar a Terceira Internacional, a Internacional Comunista. Lenin criticava os erros dos internacionalistas pouco conseqüentes dentro das fileiras dos social-democratas de esquerda, tais como Rosa Luxemburgo e Carlos Liebknecht, ao mesmo tempo que os ajudava a adotar uma posição acertada. 3 — Teoria e tática do Partido bolchevique sobre os problemas da guerra, da paz e da Revolução. Os bolcheviques não eram simples pacifistas, enamorados da paz e que se contentassem em pregar a paz a todo o transe, como a maioria dos social-democratas de esquerda. Os bolcheviques eram partidários da luta revolucionária ativa pela paz, até chegarem à derrubada do Poder da burguesia imperialista causadora das guerras. Os bolcheviques vinculavam a causa da paz à causa do triunfo da revolução proletária, pois entendiam que o meio mais seguro para acabar com a guerra e conquistar uma paz justa, uma paz sem anexações nem indenizações, era a derrubada do Poder da burguesia imperialista. Em face dos mencheviques e dos social-revolucionários, que renegavam a revolução, e em face da palavra de ordem traidora da manutenção da "paz interior", enquanto durasse a guerra, os bolcheviques lançaram a palavra de ordem de "transformação da guerra imperialista em guerra civil". Esta palavra de ordem significava que os trabalhadores, incluindo entre eles os operários e os camponeses armados, vestidos com o uniforme militar, deviam voltar as armas contra sua burguesia e derrubar o Poder desta, se queriam livrar-se da guerra e conseguir uma paz justa. Em face da política dos mencheviques e dos social-revolucionários, política de defesa da pátria burguesa, os bolcheviques defendiam a política de "derrota do próprio governo, na guerra imperialista". Isto significava que era necessário votar contra os créditos de guerra, criar organizações revolucionárias clandestinas dentro do Exército, apoiar os atos de confraternização dos soldados nas frentes e organizar ações revolucionárias dos operários e camponeses contra a guerra, convertendô-as numa insurreição contra o governo imperialista de seu próprio país. Os bolcheviques entendiam que o mal menor que a guerra imperialista poderia acarretar ao povo seria a derrota militar do governo czarista, pois esta derrota facilitaria o triunfo do povo sobre o czarismo e a luta vitoriosa da classe operária para emancipar-se da escravidão capitalista e das guerras imperialistas. Ao sustentar isto, Lenin entendia que esta política de derrota do próprio governo imperialista devia ser seguida não só pelos revolucionários russos, como também pelos partidos revolucionários da classe operária em todos os países beligerantes. Os bolcheviques não eram contrários a toda guerra. Eram contrários somente à guerra de anexações, à guerra imperialista. Os bolcheviques entendiam que há duas classes de guerra: 1. as guerras justas, sem anexações, de libertação, que têm como finalidade defender o povo contra uma agressão exterior e contra quantos tentem escravizá-lo, ou libertar o povo da escravidão do capitalismo, ou, finalmente, emancipar as colônias e os países dependentes do jugo dos imperialistas; e 2. as guerras injustas, de anexações, que têm como finalidade a anexação e a escravização de países e povos estrangeiros. Os bolcheviques apoiavam a primeira classe de guerras. Em troca propugnavam por manter uma luta decidida contra as guerras da segunda classe, chegando até a revolução e à derrubada do governo imperialista do próprio país. Os trabalhos teóricos de Lenin durante a guerra tiveram uma importância enorme para a classe operária do mundo inteiro. Na primavera de 1916, Lenin escreveu sua obra intitulada "O imperialismo, etapa culminante do capitalismo". Neste livro Lenin esclarece que o imperialismo é a etapa culminante do capitalismo, a etapa em que este se converte em capitalismo "progressivo" em capitalismo parasitário, em decomposição; que o imperialismo é o capitalismo agonizante. Isto não quer dizer, naturalmente, que o capitalismo vá morrer por si só, sem a revolução proletária, que vá apodrecer pela raiz. Lenin ensinou sempre que não é possível derrubar o capitalismo sem a revolução da classe operária. Por isso, se bem que definindo o imperialismo como o capitalismo agonizante, Lenin aponta ao mesmo tempo, nesta obra, que "o imperialismo é o limiar da revolução social do proletariado". Lenin ressaltava que na época do imperialismo, o jugo capitalista se faz cada vez mais duro, que sob as condições do imperialismo cresce a indignação do proletariado contra os fundamentos do capitalismo e vão amadurecendo, dentro dos países capitalistas, os elementos para uma explosão revolucionária. Lenin ressaltava que na época do imperialismo acentua-se a crise revolucionária nos países coloniais e dependentes e vão crescendo os elementos de indignação e os elementos para a luta de libertação contra o imperialismo. Lenin ressaltava que, sob as condições do imperialismo, se acentuam especialmente o desenvolvimento desigual e as contradições do capitalismo, e que a luta pelos mercados para dar saída às mercadorias e exportar os capitais, a luta pelas colônias e pelas fontes de matérias-primas faz com que se produzam, inevitável e periodicamente, guerras imperialistas por uma nova partilha do mundo. Lenin ressaltava que, precisamente como conseqüência deste desenvolvimento desigual do capitalismo, surgem as guerras imperialistas, que debilitam as forças do imperialismo e tornam possível a ruptura da frente do imperialismo por seu ponto mais fraco. E, partindo de todas estas premissas, chegava à conclusão de que era perfeitamente possível ao proletariado romper a frente imperialista por um ponto qualquer ou por vários; de que era possível o triunfo do socialismo, começando por alguns países e, inclusive, por um só isoladamente; de que o triunfo simultâneo do socialismo em todos os países era impossível, dada a desigualdade do desenvolvimento do capitalismo neles; de que o socialismo começaria triunfando somente em um ou em vários países e que os demais continuariam sendo algum tempo países burgueses. Eis como Lenin formulava esta conclusão genial, em dois artigos diferentes, escritos durante a guerra imperialista. 1. "A desigualdade do desenvolvimento econômico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Donde se deduz que é possível que o socialismo comece triunfando somente em alguns países capitalistas, ou, inclusive, num só país isoladamente. O proletariado triunfante deste país, depois de expropriar os capitalistas e de organizar a produção socialista dentro de suas fronteiras, se enfrentará contra o resto do mundo, contra o mundo capitalista, atraindo para seu lado as classes oprimidas dos demais países"... (Do artigo intitulado "Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa", escrito em agosto de 1915, Lenin, t. XVIII, págs. 232-233, ed. russa). 2. "O desenvolvimento do capitalismo segue um curso extraordinariamente desigual nos diversos países. Isto é uma conseqüência inevitável do regime de produção de mercadorias. Donde a conclusão imutável de que o socialismo não pode triunfar simultaneamente em todos os países. Começará triunfando em um ou em vários países, e os demais continuarão sendo, durante algum tempo países burgueses ou pré-burgueses. Isto provocará, necessariamente, não só atritos, como também a tendência aberta da burguesia dos demais países a esmagar o proletariado triunfante do Estado socialista. Em tais condições, a guerra seria, de nossa parte, uma guerra legítima e justa. Seria uma guerra pelo socialismo, para libertar da burguesia os outros povos". (Do artigo intitulado "O programa de guerra da revolução proletária", escrito no outono de 1916. Lenin, t. XIX, pág. 325, ed. russa). Esta teoria era uma nova e acabada teoria da revolução socialista, a teoria da possibilidade do triunfo do socialismo em países isolados, das condições deste triunfo e de suas perspectivas, teoria cujas bases tinham sido esboçadas por Lenin já em 1905, em seu folheto "As duas táticas da social-democracia na revolução democrática". Esta teoria afastava de um modo radical aquele ponto de vista em voga entre os marxistas no período do capitalismo pré-imperialista que consiste em considerar impossível o triunfo do socialismo em um só país, qualquer que fosse, admitindo que o socialismo triunfaria ao mesmo tempo em todos os países civilizados. Lenin, baseando-se nos dados sobre o capitalismo imperialista exposto em seu notável livro "O imperialismo, etapa culminante do capitalismo", abandonou este ponto de vista teórico, segundo o qual o triunfo simultâneo do socialismo em todos os países era impossível, sendo, por outro lado, possível o seu triunfo num só país capitalista isoladamente. A importância incalculável da teoria de Lenin sobre a revolução socialista não está somente em ter enriquecido e desenvolvido o marxismo com uma nova teoria. Sua importância consiste, além do mais, em dar uma perspectiva revolucionária aos proletários dos diferentes países, em desenvolver sua iniciativa para se lançarem ao assalto contra sua própria burguesia, em lhes ensinar o aproveitamento da situação de guerra para organizarem esta ofensiva e em fortalecer sua fé no triunfo da revolução proletária. Tal era a posição teórica e tática dos bolcheviques quanto aos problemas da guerra, da paz e da revolução. Tomando como base esta posição, os bolcheviques desenvolveram o seu trabalho prático na Rússia. Apesar das furiosas perseguições policiais, os deputados bolcheviques da Duma, Badaiev, Petrovski, Muranov, Samoilov e Shagov percorreram, no começo da guerra, uma série de organizações operárias, dando informes da atitude dos bolcheviques em face da guerra e da revolução. Em novembro de 1914, a fração bolchevique da Duma organizou uma conferência para considerar.o problema da atitude que se devia seguir em face da guerra. No terceiro dia foi presa a Conferência em plena reunião. Os Tribunais condenaram todos os deputados bolcheviques, impondo-lhes a pena de inabilitação e deportando-os para a Sibéria Oriental. O governo czarista acusou de "alta traição" os deputados bolcheviques da Duma. Neste processo, desenvolveu-se um quadro das atividades dos deputados bolcheviques que podia encher de orgulho o Partido. Os deputados bolcheviques se comportaram valentemente perante seus juízes, convertendo o julgamento em uma tribuna de onde desmascararam a política de anexações do regime czarista. Outro foi o comportamento de Kamenev, arrolado no mesmo processo. Arrastado por sua covardia, quando se viu em perigo renegou a política do Partido bolchevique, declarando perante o Tribunal que estava em desacordo com os bolcheviques no problema da guerra e dando como testemunha em apoio de suas afirmações o menchevique Iordanski. Os bolcheviques realizaram um grande trabalho contra os Comitês da indústria de guerra, postos a serviço desta, e contra as tentativas dos mencheviques de submeterem os operários à influência da burguesia imperialista. A burguesia estava vitalmente interessada em apresentar perante a opinião geral a guerra imperialista como uma guerra de todo o povo. Durante a guerra a burguesia conseguiu adquirir uma grande influência nos negócios do Estado, criando, com as uniões do Zemstvos e dos conselhos urbanos, uma organização própria, extensiva a toda a Rússia. Precisava também de submeter os operários à sua direção e influência. Para isso lançou mão do recurso de criar "grupos operários" anexos aos Comitês da indústria de guerra. Os mencheviques fizeram sua, esta idéia da burguesia. A esta convinha incorporar aos ditos Comitês representantes dos operários, para que se encarregassem de fazer entre as massas operárias o trabalho nas fábricas de obuses, canhões, fuzis, cartuchos e demais indústrias que trabalhavam para a guerra. "Tudo e todos para a guerra!", tal era a palavra de ordem da burguesia. Na realidade esta palavra de ordem significava então: "Enriqueçamos à larga com os fornecimentos de guerra e com a anexação de territórios estrangeiros!" Os mencheviques participaram ativamente nesta obra pseudopatriótica empreendida pela burguesia. Ajudavam os capitalistas, fazendo um intenso trabalho de agitação entre os operários, para que estes tomassem parte nas eleições dos "grupos operários" adstritos aos Comitês da indústria de guerra. Os bolcheviques se manifestaram contra esta fraude. Preconizaram o boicote dos Comitês da indústria de guerra e mantiveram eficazmente este boicote. Não obstante, uma parte dos operários participou nas atividades daqueles Comitês, sob a direção do conhecido menchevique Gvosdiev e do provocador Abrosimov. Quando os delegados dos operários se reuniram em setembro de 1915 para proceder à eleição definitiva dos "grupos operários" dos citados Comitês, a maioria dos delegados votou contra eles e formulou uma enérgica resolução contrária à participação nos Comitês da indústria de guerra, declarando que a tarefa que os operários tinham esboçado era a de lutar pela paz e pela derrubada do czarismo. Os bolcheviques desenvolveram também um grande trabalho dentro do Exército e da Marinha. Explicavam às massas de soldados e marinheiros quem eram os culpados dos inauditos horrores da guerra e dos sofrimentos do povo, e lhes faziam ver que o único caminho que o povo tinha para sair da carnificina imperialista era a revolução. Criavam células bolcheviques dentro do Exército e da Marinha, nas unidades da frente e na retaguarda e distribuíam proclamações com apelos contra a guerra. Os bolcheviques fundaram o "Grupo central da organização militar de Kronstadt" que se achava em estreito contato com o Comitê de Petrogrado do Partido. Adstrita ao Comitê de Petrogrado, criou-se uma organização militar para o trabalho entre a guarnição. Em agosto de 1910, o chefe da polícia secreta de Petrogrado informava que o "Grupo Central de Kronstadt é uma organização muito séria, de caráter conspirativo, cujos membros são todos pessoas caladas e precavidas. Esta organização tem também representantes em terra". Na frente, o Partido bolchevique fazia trabalho de agitação em prol da confraternização entre os soldados dos exércitos beligerantes, ressaltando que o inimigo era a burguesia mundial e que só se poderia pôr fim à guerra, convertendo a guerra imperialista em guerra civil e voltando as armas cada qual contra a sua própria burguesia e o governo desta. Cada vez se amiudavam mais os casos de unidades que se negavam a atacar. Casos destes se deram já em 1915 e, sobretudo, em 1916. Onde os bolcheviques desenvolviam um trabalho mais intenso era nos Exércitos da frente do Norte, na região do Báltico. Em começos do ano de 1917, o general Russki, general em chefe dos Exércitos da frente Norte, informava o Alto Comando a respeito do formidável trabalho revolucionário, desenvolvido pelos bolcheviques naquela frente. A guerra impôs uma mudança radical e gigantesca na vida dos povos e na vida da classe operária internacional. Punha sobre o tapete a sorte dos Estados, a sorte dos povos, a sorte do movimento socialista. Era também, portanto, uma pedra de toque, uma prova para todos os partidos e tendências que se chamavam socialistas. Permaneceriam estes partidos e tendências fiéis à causa do socialismo, à causa do internacionalismo, ou prefeririam atraiçoar a classe operária, atirar no chão sua bandeira e arrastá-los aos pés de sua própria burguesia nacional? Tal era o problema que se apresentava. A guerra demonstrou que os partidos da Segunda Internacional não resistiram à prova, mas que traíram a classe operária, arriando sua bandeira diante da burguesia de seu próprio país, diante da burguesia nacional, imperialista. Não podia ser outra a conduta de partidos como aqueles que cultivavam em seu seio o oportunismo e estavam educados na política de concessões aos oportunistas, aos nacionalistas. A guerra demonstrou que o Partido bolchevique foi o único partido que soube enfrentar com honra a prova e que permaneceu fiel até o fim à causa do internacionalismo proletário. E era lógico que fosse assim, pois só um partido de novo tipo, só um partido educado no espírito da luta intransigente contra o oportunismo, só um partido assim podia sair vitorioso daquela grande prova e permanecer fiel à causa da classe operária, à causa do socialismo e do internacionalismo. 4 — As tropas czaristas são derrotadas na frente. — O desastre econômico. A crise do czarismo. A guerra havia entrado já no terceiro ano. Devorava milhões de vidas humanas, deixando uma esteira de mortos, de feridos, de seres que pereciam em virtude das epidemias produzidas pela guerra. A burguesia e os latifundiários se enriqueciam com ela, enquanto que os operários e camponeses sofriam cada vez mais miséria e mais privações. A guerra destruía a Economia nacional da Rússia. Cerca de 14 milhões de trabalhadores fortes e sãos tinham sido arrebatados à produção pelo Exército. Paravam fábricas e oficinas. A colheita dos campos de cereais decrescia, por falta de braços. A população e os soldados na frente passavam fome e andavam nus e descalços. A guerra havia devorado todos os recursos do país. O Exército czarista sofria derrota após derrota. A artilharia alemã descarregava sobre as tropas czaristas verdadeiras saraivadas de projéteis, enquanto no Exército czarista escasseavam os canhões, munições e até os fuzis. Às vezes, havia um fuzil para cada 3 soldados. Já em plena guerra, se descobriu a traição do ministro da Guerra czarista, Sukhomlinov, que se verificou estar em relações com os espiões alemães. O próprio ministro da Guerra se encarregava de executar as instruções da espionagem alemã: deixar a frente desabastecida de munições, não enviar para a frente nem canhões nem fuzis. Alguns ministros e generais czaristas contribuíam com disfarce para os êxitos do Exército alemão; em ligação com a czarina, que estava ligada com os alemães, delatavam a estes os segredos militares. Não tem, pois, nada de estranho que, nestas condições, o Exército czarista fosse derrotado obrigado a bater em retirada. Lá para o ano de 1916, os alemães conseguiram apoderar-se da Polônia e de uma parte da região do Báltico. Tudo isso despertava o ódio e a cólera contra o governo czarista por parte dos operários, dos camponeses, dos soldados e dos intelectuais, e acentuava e robustecia o movimento revolucionário das massas populares contra a guerra e contra o czarismo, tanto na retaguarda como na frente, tanto no centro como na periferia. O descontentamento começou também a tomar conta da burguesia imperialista russa. Esta se sentia indignada diante do fato de se tornarem senhores da Corte malandros da marca de Rasputin, que trabalhavam claramente em prol de uma paz separada com os alemães, se convencendo cada vez mais de que o governo czarista era incapaz de fazer uma guerra vitoriosa. Temia que o czarismo, para salvar a situação, recorresse a uma paz separada com a Alemanha. Em vista disso, a burguesia russa decidiu organizar um "complot" palaciano para derrubar o czar Nicolau II, pondo no trono o grão-duque Miguel Romanov, que se achava ligado com a burguesia. Pretendia com isto matar dois pássaros com um só tiro; em primeiro lugar, escalar o poder e assegurar o prosseguimento da guerra imperialista, e em segundo lugar, atalhar com um pequeno "complot" palaciano o avanço da grande revolução popular, cada vez mais ameaçador. A burguesia russa contava para esta empresa com o apoio incondicional dos governos inglês e francês. Estes governos viam que o czar era incapaz de prosseguir a guerra e temiam que terminasse por assinar uma paz separada com os alemães. Se o governo czarista fizesse uma paz separada, os governos da Inglaterra e da França perderiam com a Riissia, um aliado que, além de entreter em sua frente as forças do inimigo, punha à disposição da França dezenas de milhares de soldados russos escolhidos. Eis por que apoiavam a burguesia russa en suas intenções de levar a cabo o "complot" palaciano. O czar achava-se, portanto, isolado. Ao mesmo tempo que se multiplicavam os reveses na frente, o desastre da Economia ia se acentuando cada vez mais. Nos meses de janeiro e fevereiro de 1917, a catástrofe do abastecimento das matérias-primas e dos combustíveis chegou ao seu ponto culminante. O aprovisionamento de Petrogrado e de Moscou cessou quase em absoluto. Começaram a fechar fábricas após fábricas. O fechamento de fábricas veio acentuar o desemprego forçado. A situação se tornava verdadeiramente insuportável para os operários. Massas cada vez mais extensas do povo iam-se convencendo de que só havia um caminho para sair daquela situação insustentável: a derrubada da autocracia czarista. O czarismo estava atravessando claramente uma crise mortal. A burguesia julgava poder resolver a crise por meio de um "complot" palaciano. Mas foi o povo que a resolveu à sua maneira. 5 — A revolução de fevereiro. Queda do czarismo. Constituição dos Soviets de deputados operários e soldados. Formação do governo provisório. A dualidade de poderes. O ano de 1917 começou com a greve de 9 de janeiro. Durante esta greve, celebraram-se manifestações em Petrogrado, Moscou, Bakú e Nijni-Novgorod; a 9 de janeiro abandonaram o trabalho da terça parte dos operários de Moscou. Uma manifestação de 2 mil pessoas foi dissolvida violentamente pela polícia montada na Avenida Tverskaia. Em Petrogrado, os soldados se juntaram aos manifestantes, na calçada de Viborg. "A idéia da greve geral — informava a polícia de Petrogrado — vai ganhando novos adeptos dia a dia e adquirindo a mesma popularidade que em 1905". Os mencheviques e os social-revolucionários se esforçavam por enquadrar o movimento revolucionário incipiente dentro do limite conveniente à burguesia liberal. Os mencheviques propuseram que a 14 de fevereiro, dia da abertura da Duma, se organizasse um desfile de operários diante desta. Mas as massas operárias, marchando atrás dos bolcheviques, não desfilaram em frente à Duma, mas em manifestação pelas ruas. A 18 de fevereiro de 1917 estalou, em Petrogrado, a greve dos operários da fábrica de "Putilov". A 22 de fevereiro entraram em greve os operários da maioria das grandes fábricas. A 23 de fevereiro (8 de março), Dia Internacional da Mulher, as operárias, atendendo ao apelo do Comitê bolchevique de Petrogrado, saíram à rua em manifestação contra a fome, a guerra e o czarismo. Em Petrogrado, esta manifestação das operárias foi apoiada com uma ação grevista geral dos operários. A greve política principiava a converter-se em uma manifestação política geral contra o regime czarista. A 24 de fevereiro (9 de março), a manifestação se renovou com outras forças. A greve atingia já cerca de 200 mil operários. A 25 de fevereiro (10 de março), o movimento revolucionário se estendeu a todo o Petrogrado operário. As greves políticas por distritos converteram-se em uma greve política geral em toda a cidade. Por toda a parte surgiram manifestações e choques com a polícia. Sobre as massas operárias se agitavam cartazes vermelhos com estas palavras de ordem: "Abaixo o czar!", "Abaixo a guerra!", "Pão". Na manhã de 26 de fevereiro (11 de março), a greve política e a manifestação começaram a converter-se em tentativas de insurreição. Os operários desarmavam a polícia e os gendarmes para se armarem. Mas o choque armado com a polícia terminou com uma chacina de manifestantes na Praça Snamenskaia. O general Khabalov, chefe da região militar de Petrogrado, ordenou que os operários se reintegrassem no trabalho a 28 de fevereiro (13 de março), ameaçando enviar para a frente os que não acatassem esta ordem. A 25 de fevereiro (10 de março), o czar mandou ao general Khabalov esta ordem imperativa: "Exijo que amanhã se ponha fim às desordens na capital". Mas já não era possível "pôr fim" à revolução. A 25 de fevereiro (11 de março), a 4ª. Companhia do Batalhão de Reserva do Regimento de Pavlovsk rompeu fogo, mas não contra os operários e sim contra os destacamentos de guardas montadas que tinham começado a disparar contra os operários. A luta para ganhar a tropa se revestia do caráter mais enérgico e tenaz, sobretudo, por parte das mulheres operárias, que se misturavam entre os soldados, confraternizavam com eles e os incitavam a ajudar o povo a derrubar a autocracia czarista tão odiada por ele. A direção do trabalho prático do Partido bolchevique corria, por aquela época, por conta do Bureau do Comitê Central do Partido, residente em Petrogrado, e à frente do qual se encontrava o camarada Malotov. A 26 de fevereiro (11 de março), o Bureau do C. C. lançou um manifesto conclamando as massas a prosseguirem na luta contra o czarismo e a constituírem um governo provisório revolucionário. A 27 de fevereiro (12 de março), as tropas de Petrogrado se negaram a disparar contra os operários e começaram a passar para o lado do povo que se levantara em armas. Na manhã de 27 de fevereiro, os soldados sublevados não passavam de 10 mil; naquele mesmo dia, pela noite, já subiam a 60 mil. Os operários e soldados sublevados começaram a deter os ministros e generais czaristas e a tirar os revolucionários das cadeias. Os presos políticos, postos em liberdade, se juntavam à luta revolucionária. Nas ruas havia ainda tiroteio entre o povo e os guardas e gendarmes que tinham colocado suas metralhadoras nos telhados das casas. Mas a rápida passagem da tropa para o lado dos operários decidiu da sorte da autocracia czarista. Quando a notícia do triunfo da revolução em Petrogrado chegou a outras cidades e à frente, os operários e os soldados começaram a derrubar por toda a parte os representantes da autoridade czarista. A revolução democrático-burguesa de fevereiro triunfara. A revolução triunfou porque à frente dela se pôs a classe operária, acaudilhando o movimento de massas de milhões de camponeses fardados "pela paz, pelo pão e pela liberdade". A hegemonia do proletariado foi que assegurou o triunfo da revolução. "A revolução foi obra do proletariado, que deu provas de heroísmo, derramou o seu sangue e arrastou com ele as mais amplas massa dos trabalhadores e da população mais pobre..." escrevia Lenin, nos primeiros dias da revolução (, t. XX, págs. 23-24, ed. russa). A primeira revolução, a revolução de 1905, havia preparado o terreno para o rápido triunfo da segunda revolução, da revolução de 1917. "Sem os três anos de formidáveis combates de classe e de energia revolucionária desenvolvida pelo proletariado russo de 1905 a 1907, teria sido impossível uma segunda revolução tão rápida, que cobriu sua etapa inicial em alguns dias", assinalava Lenin (Obra citada, pág. 13) Nos primeiros dias da revolução, aparecem já os Soviets. A revolução triunfante se apoiava nos Soviets de deputados operários e soldados. Os operários e soldados sublevados criaram seus respectivos Soviets. A revolução de 1905 tinha revelado que os Soviets são os órgãos da insurreição armada e, ao mesmo tempo o gérmen do novo Poder, do Poder revolucionário. A ideia dos Soviets vivia na consciência das massas operárias que a puseram em prática no dia seguinte à derrubada do czarismo, embora com a diferença de que, enquanto os Soviets criados em 1905 eram somente Soviets de deputados operários, os que se criaram em fevereiro de 1917 eram por iniciativa dos bolcheviques, Soviets de deputados operários e soldados. Enquanto os bolcheviques se punham à frente da luta direta das massas nas ruas, os partidos oportunistas, mencheviques e social-revolucionários, preocupavam-se em obter postos de deputados nos Soviets, alcançando neles uma maioria própria. Para este resultado contribuiu, em parte, o fato de que a maioria dos dirigentes do Partido bolchevique se achavam no cárcere ou deportados (Lenin se encontrava na emigração, e Stalin e Sverdlov estavam deportados na Sibéria), enquanto os mencheviques e social-revolucionários passeavam livremente pelas ruas de Petrogrado. Assim se explicava que os representantes dos partidos oportunistas, os mencheviques e os social-revolucionários, se apoderassem da direção no Soviet de Petrogrado e em seu Comitê Executivo. E outro tanto aconteceu em Moscou e em outra série de cidades. Somente em Ivanovo-Vosnessensk, Krasnoiarsk e alguns outros pontos lograram os bolcheviques ter a maioria nos Soviets desde o primeiro momento. O povo armado, os operários e soldados, ao enviar seus representantes ao Soviet, viam nele o órgáo do Poder popular. Entendiam e acreditavam que o Soviet de deputados operários e soldados daria satisfação a todos os desejos do povo revolucionário e que o seu primeiro ato seria fazer a paz. Mas o excesso de confiança dos operários e soldados lhes pregou uma peça. Os social-revolucionários e mencheviques não pensavam nem remotamente em pôr fim à guerra, em conquistar a paz. Seu propósito era se aproveitarem da revolução para prosseguir a guerra. Quanto à revolução e às reivindicações revolucionárias do povo, os social-revolucionários e os mencheviques entendiam que a revolução já estava terminada e que o problemas que então se apresentava era consolidá-la e entrar na trilha da vida "normal", da vida constitucional, pelo braço da burguesia. Assim, a direção social-revolucionária-menchevique do Soviet de Petrogrado tomou todas as medidas que estavam em suas mãos para sufocar o problema da terminação da guerra, o problema da paz, e entregar o poder à burguesia. A 27 de fevereiro (12 de março) de 1917, os deputados liberais da Duma, combinados nos bastidores com os líderes social-revolucionários e mencheviques, formaram o Comitê Provisório da Duma, pondo à frente dele o presidente da Quarta Duma, o latifundiário monárquico Rodzianko. Alguns dias depois o Comitê Provisório da Duma e os líderes social-revolucionários e mencheviques do Comitê Executivo do Soviet de Deputados operários e soldados, à revelia dos bolcheviques, se puseram de acordo sobre a formação de um governo na Rússia: o governo provisório burguês, presidido pelo príncipe Lvov a quem o czar Nicolau II, já antes da revolução de fevereiro, tinha na pasta como primeiro-ministro para seu gabinete. Entraram a fazer parte do governo provisório o chefe dos kadetes, Miliukov, o chefe dos outubristas, Guckkov, e outros destacados representantes da classe capitalista; na qualidade de representante da "democracia", foi incorporado ao governo o social-revolucionário Kerenski. Deste modo, os líderes social-revolucionários e mencheviques do Comitê Executivo do Soviet entregaram o Poder à burguesia; informado disso depois de produzir-se o fato, o Soviet de deputados operários e soldados referendou por maioria de votos a conduta daqueles líderes, apesar dos protestos dos bolcheviques. E assim se formou na Rússia um novo poder estatal, composto — como dizia Lenin — por representantes da "burguesia e dos latifundiários aburguesados". Mas, ao lado do governo burguês, existia outro Poder: o Soviet de deputados operários e soldados. Os deputados soldados do Soviet eram, fundamentalmente, camponeses mobilizados para a guerra. O Soviet de deputados operários e soldados era o órgão da aliança dos operários e camponeses contra o poder czarista e, ao mesmo tempo, o órgão de seu Poder, o órgão da ditadura da classe operária e dos camponeses. Estabeleceu-se, pois, um original entrelaçamento entre dois poderes, entre duas ditaduras: a ditadura da burguesia, encarnada no governo provisório, e a ditadura do proletariado e dos camponeses, representada pelo Soviet de deputados operários e soldados. Estabeleceu-se uma dualidade de poderes. Como se explica que nos Soviets tivessem maioria, a princípio, os mencheviques e os social-revolucionários? Como se explica que os operários e os camponeses triunfantes entregassem voluntariamente o Poder aos representantes da burguesia? Lenin explicava isto pelos milhões de homens sem experiência Política que tinham despertado com ânsias de participar na vida política. Eram, em grande parte, pequenos proprietários, camponeses, operários que até há pouco trabalhavam no campo, pessoas que ocupavam um lugar intermediário entre a burguesia e o proletariado. A Rússia era, naquela época, o mais pequeno-burguês de todos os grandes países europeus. Neste país, "a gigantesca-onda pequeno-burguesa inundava tudo, afogava o proletariado consciente, não só por seu volume, senão também ideologicamente, isto é, contagiava setores vastíssimos de operários com suas idéias políticas pequeno-burguesas", (Lenin, t. XX, pág. 115, ed. russa). Esta onda de elementos pequeno-burgueses foi também a que trouxe à tona os partidos pequeno-burgueses e social-revolucionários. Outra causa que Lenin assinalava era a mudança operada durante a guerra quanto aos elementos que compunham o proletariado, e o insuficiente nível de consciência e de organização do proletariado nos primeiros momentos da revolução. Durante a guerra tinham-se operado mudanças consideráveis na composição do proletariado. Cerca de 40% dos quadros operários tinham sido mobilizados militarmente. Com o fito de se subtraírem à mobilização, meteram-se nas fábricas, nos anos de guerra, muitos pequenos proprietários, artesãos e pequenos comerciantes, alheios à psicologia proletária. Estes setores operários de tipo pequeno-burguês eram um terreno adequado para o cultivo dos políticos pequeno-burgueses, mencheviques e social-revolucionários. Eis por que as grandes massas do povo, inexperientes em política, inundadas pela onda dos elementos pequeno-burgueses e embriagados pelos primeiros êxitos da revolução, marcharam durante os primeiros meses desta à retaguarda dos partidos oportunistas e se prestaram a ceder à burguesia o Poder estatal acreditando ingenuamente que o poder burguês não estorvaria o trabalho dos Soviets. Isto obrigava o Partido bolchevique a fazer ver às massas, por meio de um paciente trabalho de esclarecimento, o caráter imperialista do governo provisório, a mostrar a traição dos social-revolucionários e mencheviques, fazendo compreender às massas que não era possível conseguir a paz sem substituir o governo provisório pelo governo dos Soviets. E o Partido bolchevique tomou em suas mãos esta empresa com toda a energia. O Partido restabeleceu a publicação de seus órgãos de Imprensa legais. Cinco dias depois da Revolução de Fevereiro, já se começou a publicar em Petrogrado a "Pravda" e, alguns dias mais tarde, apareceu em Moscou "o Social-democrata". Começou a atuar à frente das massas que iam perdendo a confiança na burguesia liberal, nos mencheviques e social-revolucionários. Explicou pacientemente aos soldados e aos camponeses a necessidade de atuarem conjuntamente com a classe operária. Fez ver aos camponeses que não obteriam a paz nem a terra, se a revolução não continuasse a avançar, se o governo provisório da burguesia não fosse substituído pelo governo dos Soviets. Resumo A guerra imperialista estalou devido à desigualdade de desenvolvimento dos países capitalistas, devido à ruptura do equilíbrio entre as principais potências, devido à necessidade em que se viam os imperialistas de procederem a uma nova partilha do mundo por meio da guerra e de criarem um novo equilíbrio de forças. A guerra não teria adquirido um caráter tão desastroso, e até é provável que não tivesse chegado a tomar tais proporções, se os Partidos da Segunda Internacional não tivessem traído a causa da classe operária, se não tivessem infringido as resoluções dos congressos da Segunda Internacional contra a guerra, se se tivessem decidido a proceder ativamente e a levantar a classe operária contra os seus próprios governos imperialistas, contra os incendiários da guerra. O Partido bolchevique foi o único partido proletário que se manteve fiel à causa do socialismo e do internacionalismo, organizando a guerra civil contra seu próprio governo imperialista. Todos os demais partidos da Segunda Internacional, vinculados à burguesia por meio de seu grupo dirigente, estavam afinal de contas entregues de pés e mãos ao imperialismo, desertaram para o campo dos imperialistas. A guerra, reflexo da crise geral do capitalismo, acentuou esta crise e debilitou o capitalismo mundial. Os operários da Rússia e o Partido bolchevique foram os primeiros do mundo que souberam aproveitar eficazmente a debilidade do capitalismo para romper a frente imperialista, derrubar o czar e criar os Soviets de deputados de operários e soldados. As grandes massas da pequena burguesia, dos soldados e, inclusive, dos operários, embriagados pelos primeiros êxitos da revolução e confiadas nas garantias que lhes davam os mencheviques e social-revolucionários de que para diante tudo andaria bem, deixaram-se levar pela confiança no governo provisório e o apoiaram. Ante o Partido bolchevique se apresentava a tarefa de explicar às massas de operários e soldados, embriagados pelos primeiros êxitos, que ainda havia um longo trecho a percorrer até o triunfo total da revolução, que enquanto o Poder se achasse em mãos do governo provisório da burguesia e os oportunistas, os mencheviques e social-revolucionários mandassem nos Soviets, o povo não obteria a paz, nem a terra, nem o pão, que, a fim da vitória ser completa, era necessário dar um passo à frente e entregar o Poder aos Soviets.