CONQUISTAS E AMPLIAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS

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CONQUISTAS E AMPLIAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS NO ESTADO
BURGUÊS: Avanço ou retrocesso da luta proletária?
LUIZ CARLOS DE FREITAS*
RESUMO: Neste trabalho abordaremos a questão da contradição presente nas lutas dos
trabalhadores na defesa de políticas sociais que venham a suprir as necessidades básicas
e imediatas de todo ser humano. Tal contradição se confirma historicamente na medida
em que muitos avanços, no que tange a melhorias nas condições de vida da classe
trabalhadora, serviram também como instrumento de dominação do capital. Muitos
direitos trabalhistas, tais como, aumentos salariais, conquistas de férias, aposentadoria,
etc., fruto de lutas combativas e, muitas vezes, sangrentas do movimento operário,
foram transformadas em arma do capital para impedir a transformação revolucionária da
sociedade. A partir desta visão buscaremos refletir sobre a necessidade da classe
trabalhadora continuar lutando por direitos, mesmo no campo da democracia burguesa.
Por outro lado compreender os limites desta luta e talvez até a impossibilidade de
qualquer vitória significativa da classe trabalhadora, que coloque em riso o sistema
econômico do capital. Para concluir queremos apontar os limites e as possibilidades de
se travar a luta em defesa de políticas sociais que beneficiem os trabalhadores, mas que,
ao mesmo tempo, tais políticas não sirvam como pacificação do movimento proletário.
A busca de uma compreensão dialética entre a luta imediata e a luta histórica da classe
trabalhadora é que será nossa preocupação central neste trabalho. Dada a necessidade de
estar vivos para fazer e mudar a história, não se pode abrir mão de lutar por direitos
imediatos, fundamentais e necessários à sobrevivência, contudo isto não basta, pois a
emancipação completa da classe trabalhadora e com ela de toda a humanidade é o
objetivo maior do qual não se pode abrir mão.
Palavras chave: políticas sociais, luta de classes, contradição
*
Professor da rede pública estadual de ensino do estado do Paraná, mestrando em educação pela
UNIOESTE – campus de Cascavel. E-mail: [email protected]
A democracia é, desde o surgimento do movimento operário no século XIX,
uma questão polêmica no interior destes movimentos. Se por um lado o regime
democrático burguês possibilita aos trabalhadores a organização, a luta reivindicatória e
até conquistas de imediata importância para esta classe, por outro é utilizada pela classe
proprietária para ludibriar os trabalhadores, criando nestes a ilusão de que é possível
igualdade de direitos via participação democrática.
Embora esta questão não seja nova no meio proletário, ela tem, nas últimas
décadas (1980/90), ganhado centralidade, transformando-se no ápice da organização
política dos movimentos de trabalhadores e partidos políticos de esquerda. O abandono
de um projeto classista de sociedade é o marco da passagem da luta revolucionária para
a luta reformista dos movimentos e partidos políticos ditos socialistas. Neste aspecto
ganha importância as políticas sociais que, se por um lado é pauta de luta dos
movimentos de trabalhadores, por outro serve à burguesia controlando a intensidade dos
movimentos sociais.
Neste texto pretende-se fazer uma breve reflexão sobre a ligação da democracia
com as políticas sociais e as contradições destas políticas no campo da luta de classes.
Cabe ressaltar que a democracia que estaremos tratando ao longo de nossa reflexão diz
respeito exclusivamente à democracia burguesa, desenvolvida a partir das revoluções
burguesas do século XVIII.
Décio Saes, no capítulo 6 de seu livro Estado e Democracia: Ensaios Teóricos,
nos apresenta uma visão crítica do entendimento da democracia burguesa. Segundo ele
são duas as principais teses que buscam dar sustentação a um conceito de democracia:
uma que afirma ser a democracia criação do proletariado e a outra, o contrário, isto é,
que as instituições democráticas são criações da burguesia. Ambas as teses partem de
um princípio mecânico, o qual pressupõe que uma classe é capaz de impor à outra sua
vontade tal e qual elaborada por aquela. Ocorre que “(...) o resultado concreto de um
processo social (relação entre agentes) não corresponde às intenções, nem de um, nem
de outro agente” (SAES, 1994, p. 161). Os objetivos traçados por uma classe podem, no
decorrer da luta histórica, virar-se contra a própria classe que os elaborou.
Dentro deste contexto é que estaremos visualizando as políticas sociais, de um
lado como exigência vital do proletariado e de outro como medida de controle dos
movimentos sociais que poderiam caminhar para uma radicalização da luta.
Entendemos que a luta pela conquista e ampliação de direitos sociais por parte da classe
trabalhadora remonta apenas ao século XVIII, com o desenvolvimento da democracia
burguesa. Com isso não queremos afirmar que não houveram lutas de classes nos
períodos históricos anteriores ao capitalismo ou à democracia burguesa. Contudo será a
partir da instituição da igualdade jurídica, fruto das revoluções burguesas do século
XVIII, que a classe trabalhadora terá condições objetivas de reivindicar a igualdade de
fato. “A aspiração a uma distribuição igualitária da riqueza é um elemento ideológico
próprio das classes dominadas de todos os modos de produção (...)” (Idem, p. 162),
porém a distinção entre estas classes e o proletariado é que este “(...) representa um
estágio de consciência pré-revolucionário” (Idem, p. 162).
Mesmo de forma inconsciente a classe trabalhadora do capitalismo é
potencialmente revolucionária. Enquanto para escravos e servos não estava dado a
condição de igualdade jurídica, portanto suas lutas eram localizadas e limitadas, ao
proletariado, graças à própria burguesia que construiu a ideologia da liberdade e
igualdade, tornava-se possível tencionar a luta na busca da concretização do discurso
burguês. Neste aspecto é que podemos afirmar que a luta por políticas sociais passa a
fazer parte das reivindicações da classe trabalhadora de fato a partir do modo de
produção capitalista. Vejamos agora como a classe burguesa consegue trabalhar com
esta contradição entre seu discurso e sua prática e como esta classe utiliza-se das
políticas sociais para se manter enquanto classe dominante.
Burguesia e políticas sociais
Conforme mencionamos acima, a democracia burguesa vive, desde sua
instalação no comando do Estado, uma grande contradição. Como conciliar o discurso
da igualdade sem tocar no direito de propriedade é o grande desafio colocado para a
classe burguesa. Para destruir o modelo feudal ou escravista de sociedade e garantir sua
ascensão ao poder, a burguesia careceu se aliar à classe trabalhadora. Esta aliança para a
derrubada da sociedade estamental, embora tivesse a hegemonia da burguesia, despertou
nos trabalhadores o desejo da igualdade de fato. A partir de então, a burguesia passa a
pensar e implementar formas de conter a radicalização dos trabalhadores que passam a
exigir a concretização do discurso burguês de igualdade.
Na base das disputas políticas encontramos o desenvolvimento econômico do
capitalismo que irá também dando forma às políticas sociais que o Estado burguês irá
implementando. As políticas sociais ganharão formas diferenciadas, na medida em que
o capitalismo vai se desenvolvendo ao longo do processo histórico. Tomemos três
grandes períodos de desenvolvimento do capitalismo e vejamos como a burguesia, de
posse do Estado, implementa as políticas sociais, em cada um destes períodos, para
controlar os trabalhadores.
A primeira fase de dominação capitalista inicia-se no final do século XVIII e
finaliza-se no final do século XIX. É a fase do capitalismo concorrencial. Neste período,
a liberdade econômica era a máxima da classe burguesa que necessitava expandir seu
comércio para continuar a acumulação de capital. Para controlar o movimento operário
que se organizava na luta pela igualdade de fato, a burguesia, de posse do Estado,
cederá alguns direitos aos trabalhadores. Regulamentação do horário diário de trabalho,
proibição do trabalho infantil, direito de voto, ajuda financeira aos desempregados,
dentre outros. Durante esta fase do capitalismo as políticas sociais não passaram de
medidas localizadas e sua maior ou menor intensidade dependia do grau de organização
dos trabalhadores e de desenvolvimento econômico de cada país ou região.
Uma outra fase do capitalismo é o imperialismo clássico ou capitalismo
monopolista (1890-1940). Nesta fase o capitalismo se mundializa, rompendo barreiras
protecionistas e se instalando em qualquer parte do mundo onde possa garantir a
reprodução dos lucros da burguesia. Se temos aqui uma aparente liberdade total da
economia, funcionando sem intervenção do Estado, de fato esta liberdade não passa de
ilusão.
Na idade do monopólio, ademais da preservação das condições externas da
produção capitalista, a intervenção estatal incide na organização e na
dinâmica econômicas, desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais
exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado
imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas (NETTO,
1996, p. 21).
O que ocorre de fato no capitalismo monopolista é que o Estado atua como sócio
majoritário da burguesia nacional e internacional. A garantia de lucros, através de
subsídios públicos, tais como, empréstimos, incentivos fiscais, transferência de
empresas estatais, etc. é um dos pilares do imperialismo. Sem esta participação do
Estado não haveria como os monopólios se expandir e acumular mais capital.
Se por um lado o capital se mundializou, conseqüentemente o trabalho também
acompanhou esta evolução. O movimento operário não tardará a se movimentar
internacionalmente, levantando bandeiras com horizontes bem mais amplos do que
anteriormente o fizeram. Dentre estas bandeiras encontraremos a busca por políticas
sociais públicas que possam atender aos interesses da classe trabalhadora em qualquer
parte do mundo onde esta viva sob o jugo do capitalismo monopolista.
Ao se dar conta da dimensão, e da organização da classe trabalhadora, percebendo
a disparidade quantitativa entre burgueses e proletários, a burguesia passa então a
implementar medidas capazes de conter o ímpeto dos trabalhadores. Conforme já
mencionamos, sendo o Estado o sócio majoritário da burguesia, será este mesmo Estado
que garantirá o controle social através das suas políticas.
Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista
procura administrar as expressões da ‘questão social’ de forma a atender às
demandas da ordem monopólica, pela adesão que recebe de categoria e
setores cujas demandas incorpora, sistema de consenso variáveis, mas
operantes (Idem, p. 26-27).
O desenvolvimento econômico do capitalismo leva em determinados momentos a
convergir anseios do proletariado com necessidades do capital. Nestes momentos dá-se
a impressão de que o Estado atende a interesses tanto do capital como do trabalho e que,
portanto, as políticas sociais implementadas pelo Estado estão para além de interesses
desta ou daquela classe. Dentro desta linha de pensamento as políticas sociais estariam
cumprindo seu papel de garantidora da sobrevivência da classe trabalhadora e do
convívio harmônico desta com a classe burguesa.
Se aprofundarmos nosso raciocínio, tomando as políticas sociais a partir da base
histórica em que elas foram geradas, teremos uma visão diferente e mais realista. As
medidas tomadas pelo Estado que garantem à classe trabalhadora direitos como, por
exemplo, educação, previdência social, moradia, emprego, etc., não passam de
paliativos para proteger o capital. São formas que o próprio capital aprova, pois, servem
para manter intocável a propriedade privada dos meios de produção. O Estado,
chamando para si a responsabilidade de tais garantias, deixa livre o capital de uma
ameaça destruidora e ao mesmo tempo ludibria a classe trabalhadora oferecendo-lhe a
esperança de conquistas sem precisar mexer na estrutura do modo de produção.
Além disto, muitas destas políticas são reivindicadas pelo próprio capital, servindo
diretamente para sua reprodução. “Sincronizadas em maior ou menor medida à
orientação econômico-social macroscópica do Estado burguês no capitalismo
monopolista, o peso destas políticas sociais é evidente, no sentido de assegurar as
condições adequadas ao desenvolvimento monopolista” (Idem, p. 27). Tomemos como
exemplo a educação. O Estado começa a se preocupar com a educação não apenas pela
exigência dos trabalhadores, mas pela exigência ainda maior do Capital. A demanda de
mão de obra especializada para trabalhar nas fábricas faz com que o Estado invista em
educação profissional para os trabalhadores. Além disso, o controle ideológico
necessário para dominar o proletariado, também ocupa espaço privilegiado na escola.
Outro exemplo que podemos citar é o sistema de previdência social (aposentadorias,
pensões, salário desemprego, etc.). Longe de ser uma conquista unilateral da classe
trabalhadora, foi a forma encontrada pelo capital para repassar fundos públicos para as
empresas privadas utilizando-se dos trabalhadores. Isto ocorre de duas formas: primeiro
que estes trabalhadores continuarão consumindo e dando lucros aos capitalistas e,
segundo que os capitalistas não gastarão seu capital tendo que pagar estes trabalhadores,
haja visto que o Estado é quem assume este ônus.(Cf. Idem, p. 27).
Esta foi a maneira do Estado driblar as lutas radicais dos trabalhadores que
buscassem a destruição do capitalismo. O auge destas políticas ocorreram nos anos 30
com o keynesianismo. A crise de 1929 põe em cheque o capitalismo, demonstrando sua
irracionalidade auto destrutiva. Através de medidas contraditórias ao próprio Estado que
as implementaram, foi possível reerguer a economia capitalista colocando-a novamente
nos trilhos.
A política keynesiana de elevar a demanda global a partir da ação do Estado,
em vez de evitar a crise, vai apenas amortece-la por meio de alguns
mecanismos (...). Eis alguns deles: a planificação indicativa da economia
(...), a intervenção na relação capital/trabalho por intermédio da política
salarial e do controle de preços; a política fiscal e, dentro dela, os
mecanismos de renúncia fiscal; a oferta de crédito combinada a uma política
de juros; as políticas sociais.(BEHRING, 1998, p.166).
Estas medidas, mesmo não dando conta de evitar por completo a crise, irão dar fôlego
ao capitalismo proporcionando-lhe alternativas de reestabilização. Desta maneira as
medidas aparentemente beneficiárias da classe trabalhadora, na realidade serviram para
mantê-la dominada, uma vez que garantiram a continuidade do funcionamento de um
sistema econômico que sobrevive da exploração do trabalho. Não tardará o
ressurgimento da crise, haja visto que faz parte da lógica do capitalismo a
impossibilidade de controlá-lo.
A partir da década de 70 do século XX se explicita, como conseqüência do
desenvolvimento capitalista e da nova crise provocada por este desenvolvimento, um
novo formato deste modo de produção1. Esta fase, denominada capitalismo tardio (Cf.
1
Não é nossa intenção neste texto nos aprofundarmos nas causas econômicas da crise do capitalismo. O
que nos propomos a analisar são os reflexos das crises do capitalismo nas políticas sociais. Apontamos
como referência, do pressuposto do qual partimos, o texto: O CAPITALISMO TARDIO - a crise do
capital. In: BEHRING, Elaine Rossetti. Política social no capitalismo tardio. São Paulo: Cortez; 1998,
p.151-162. Neste texto a autora demonstra, a partir de Mandel, o desenvolvimento econômico do
capitalismo que gerou mais uma de suas crises a partir dos anos 70 do século XX.
MANDEL, Apud: BEHRING, 1998), provoca mudanças na relação capital-trabalho e a
necessidade de repensar as políticas sociais implementadas a partir da crise dos anos 30.
Segundo a análise de Mandel, houveram dois momentos, distintos em que o capital
busca soluções para esta nova crise. Num primeiro momento “(...) a saída foi mais uma
vez a reanimação monetária, ou seja, uma injeção de recursos pelo Estado, no melhor
estilo keynesiano” (MANDEL, Apud: BEHRING, 1998, p. 149. grifos da autora).
Contudo, ao contrário do resultado obtido por esta política nos anos 30, desta vez,
“embora tenha acontecido uma ampliação da taxa de mais-valia, devido à pressão do
desemprego, à redução das flutuações da mão de obra e ao aumento do ritmo e
disciplina do trabalho, esta não foi suficiente para provocar um aumento significativo
da massa de lucros” (Idem, p. 151). Diante da expectativa frustrada dos capitalistas em
obter o lucro esperado, estes irão buscar na solapagem dos direitos trabalhistas a forma
para garantirem mais lucros.
O que veremos então a partir da década de 70 do século XX, são os Estados
aplicando políticas que tiram dos trabalhadores aquilo que o próprio Estado havia
implementado em épocas anteriores. Isto se faz necessário para a sobrevivência do
sistema capitalista que não mais consegue manter o mesmo patamar de lucratividade e,
ao mesmo tempo, cumprir as políticas sociais legalmente garantidas aos trabalhadores.
Neste contexto podemos então compreender a ofensiva do capital contra o trabalho ao
longo das últimas décadas do século XX2.
O grau de destruição dos direitos sociais dos trabalhadores, neste período
está ligado ao grau de organização dos mesmos na defesa da manutenção
destes direitos. Esse período encerra uma grande ofensiva de austeridade do
grande capital contra os assalariados, cujo resultado depende de algumas
variáveis: a correlação de forças objetivas entre classes sociais; os níveis de
organização, combatividade e de consciência de classe, produtos da
trajetória recente do movimento operário, em cada país e no conjunto; as
reações das organizações de massa do proletariado (sindicatos, partidos); e a
correlação de forças entre as expressões mais tradicionais burocratizadas e
as novas vanguardas emergentes no seio do movimento operário (Idem, p.
159-160).
Neste último período do capitalismo, chamado capitalismo tardio (Mandel) ou
neoliberalismo pode-se observar um movimento contrário do que vinha ocorrendo
desde sua fase inicial, ou seja, o capitalismo concorrencial. Marx, afirmou em seus
2
Cabe aqui ressaltar que as políticas neoliberais não ocorreram da mesma forma em todos os continentes e
países. Houveram e há países do capitalismo central que praticaram o inverso do que definiu para outros,
assim como também países do capitalismo periférico que se implementaram estas políticas em tempos
diferenciados e com características peculiares. Para um maior aprofundamento sobre isto consultar:
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.). Pósneoliberalismo - as políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
escritos que, dado o grau de contradição presente neste modo de produção, o
capitalismo produziria a sua própria destruição. O avanço do movimento operário e sua
radicalização foi provocando no capital a necessidade de impedir que esta destruição se
desse de fato, daí as políticas sociais que, como já mencionamos anteriormente foram
implementadas pelo Estado burguês como forma de impedimento da radicalização do
movimento operário. Neste último período do capitalismo, a partir da década de 70,
ocorrerá o contrário. O movimento operário de ofensivo passará a ser defensivo, insto é,
a luta por ampliações de direitos sociais passa a ter um novo caráter, transformando-se,
no máximo, em uma luta por manutenção de direitos previamente incorporados nas
legislações do Estado burguês.
Mas, qual seria o papel desempenhado pelos trabalhadores ao longo da história do
capitalismo? O Estado burguês teria conseguido manipular os movimentos de
trabalhadores a ponto destes transformarem-se em apenas expectadores da história? As
políticas sociais seriam um mecanismo linear de manutenção do domínio do capital
sobre o trabalho ou há aí um espaço de contradição do próprio Estado burguês?
A luta proletária e a dialética das políticas sociais
Anteriormente, demonstramos três fases do capitalismo e como as políticas
sociais foram utilizadas, durante este período, como mecanismo de controle social. Cabe
agora observar a organização do movimento proletário durante cada uma destas fases e
desvendar seu papel nas implementações de políticas sociais por dentro do Estado
burguês. Duas questões merecem destaque neste caso: 1) Se o capital, somente pela sua
lógica de desenvolvimento e de crises econômicas, teria promovido políticas sociais
com a intenção de superar suas crises; 2) se as organizações proletárias, sem as crises
cíclicas do capitalismo, teriam conseguido arrancar do capital as políticas sociais que,
ao menos de maneira imediata, lhes beneficiariam.
Partindo do princípio de que a história não é linear, mas contraditória, não
podemos deixar de destacar o papel desempenhado pelos movimentos da classe
trabalhadora que tiveram participação fundamental no desenvolvimento de políticas
sociais implementadas pelo estado burguês. A contradição presente no movimento
dialético entre capital e trabalho repousa sobre a capacidade do movimento operário em
realizar a ponte entre o particular e o universal3. Se por um lado as políticas sociais são
utilizadas pela burguesia para manter o domínio sobre os trabalhadores, por outro elas
também são necessárias para que os trabalhadores sobrevivam dentro do capitalismo.
“(...) os homens devem estar em condições de viver para poder 'fazer história'. Mas, para
viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas
mais” (MARX e ENGELS, 1996, p. 39). O alerta que Marx e Engels fazem caminha na
direção contrária ao fatalismo, colocando os direitos básicos do ser humano como
indispensáveis para o avanço na luta proletária. Neste sentido podemos então afirmar
que a utilização das políticas sociais como dominação do capital sobre o trabalho não é
um caminho de mão única, pois, se por um lado domina, por outro pode garantir as
condições para a destruição desta dominação.
O movimento operário, produzido pelo próprio capitalismo, desde seu surgimento
tem obrigado o capital a ceder em diversos momentos. Apesar de não ser este o único
fator que define as políticas sociais adotadas pelo estado burguês, não podemos negar a
tensão provocada pelas organizações dos trabalhadores, que forçam o capital a ter que
dar respostas à muitas questões sobre as quais ainda não estava preparado. Dos
movimentos espontâneos como as quebras de máquinas no início da Industrialização
européia, passando pelas associações e sindicatos e chegando até ao partido político do
proletariado, o capital foi sendo forçado a encontrar formas de controlar e amenizar as
revoltas dos trabalhadores.
Embora as políticas sociais venham à tona para manter o funcionamento do
capitalismo, elas também são uma necessidade concreta do proletariado e fruto da luta
forjada a partir da miséria provocada por este sistema. “De fato, elas [as políticas
sociais] são resultantes extremamente complexas de um complicado jogo em que
protagonistas e demandas estão atravessados por contradições, confrontos e conflitos”
(NETTO, 1996, p. 29). Como podemos observar, a definição do papel das políticas
sociais no contexto da sociedade capitalista, movida pela luta de classes, não pode ser
feita de maneira simplista, unilateral ou mecanicista. Para além deste tipo de análise,
haja visto a complexidade do tema, precisa-se buscar compreender a totalidade em que
se inserem estas políticas, contextualizando-as historicamente.
3
Entendamos aqui o particular como as necessidades básicas do ser humano (alimentação, moradia,
saúde, educação, etc.) e o universal como o horizonte histórico do proletariado, ou seja, o fim da
dominação do capital sobre o trabalho.
No Capitalismo concorrencial, primeira etapa do capitalismo consolidado, o
proletariado vive a mercê do capital, não possuindo nenhum direito, ganhando apenas o
necessário para não morrer de fome e poder continuar reproduzindo o capital. No
entanto não tardará as revoltas espontâneas de trabalhadores que não suportavam as
condições subumanas em que viviam. As políticas sociais implementadas neste período
foram resultado quase exclusivo da pressão e da luta direta do proletariado. Embora o
Estado burguês tenha se utilizado destas políticas para conter a ira dos trabalhadores,
não havia necessidade, neste momento de auge do capitalismo, do capital garantir
qualquer direito para aqueles. Portanto é possível afirmar que neste período o
movimento operário conseguiu impor ao capital algumas concessões que não faziam
parte da lógica de desenvolvimento do capitalismo.
Que a burguesia tenha buscado a melhor forma de utilizar-se destas concessões a
seu favor é fato concreto, contudo não brotou da própria burguesia pensar e planejar
políticas sociais de contensão das revoltas sociais. Estas políticas resultam da pressão
provocada pelo movimento operário contra o desenvolvimento linear do capitalismo
neste momento histórico, ou seja, são resultados da luta de classe, protagonizada pelo
proletariado.
A partir das décadas finais do século XIX, com a fase imperialista ou monopolista
do capitalismo, podemos observar uma tendência do Estado burguês em participar de
forma mais ativa da vida econômica da sociedade. Neste período as políticas sociais se
caracterizam mais como mecanismo estatal de controle social do que como conquistas
dos trabalhadores4. Talvez porque a prática destas políticas arrancadas pelo movimento
operário em épocas anteriores, serviram para o capital perceber que elas não afetavam
seus lucros, mas o contrário, se bem utilizadas, seria a forma de garanti-los e evitar a
quebra do capitalismo. É nesta direção que caminham as políticas Keynesianas,
conforme já demonstramos anteriormente.
Apesar desta estratégia do capital, não podemos ignorar o amadurecimento do
movimento operário neste período, que cada vez mais vai deixando de ser apenas
reivindicativo e passando a ser revolucionário. Este, sem dúvida, é um fator a ser
considerado no que tange às implantações de políticas sociais na fase do capitalismo
4
É bom sempre lembrar que estas políticas sociais, ou o Estado do bem estar social, não ocorreu para
todos os países, mas apenas para aqueles que eram imperialistas, ou seja os do centro do capitalismo.
Quanto aos demais, tiveram no máximo, um arremedo de bem estar social, pois só foi possível garantir
melhores condições de vida aos trabalhadores dos países centrais, graças à super exploração do
proletariado dos países periféricos do capitalismo.
monopolista. O surgimento de partidos revolucionários de cunho marxista, como o
Partido Socialista Alemão, a fundação da I Associação Internacional dos Trabalhadores
e mais tarde da II Internacional, a Revolução socialistas na Rússia, dentre outros, são
também, sem sombra de dúvidas fatores determinantes nas conquistas sociais dos
trabalhadores do mundo todo. O que podemos perceber neste caso é que o movimento
proletário, quando conseguiu unir seu poder de organização e potencial de luta às crises
cíclicas do capitalismo, garantiu muito mais conquistas sociais e, na radicalização da
luta, alcançou inclusive a destruição do próprio sistema capitalista.
Na crise do capitalismo contemporâneo, que estoura a partir da década de 70 do
século XX, as políticas sociais passam a ser solapadas pelo capital. O Estado burguês,
diante da sua quase identificação com os monopólios mundiais, passa então a atacar os
direitos dos trabalhadores garantidos na legislação deste mesmo Estado. Nesta etapa do
capitalismo (capitalismo tardio, neoliberalismo), ocorrerá um grande refluxo das
políticas sociais. Os trabalhadores passam a, não só não conquistarem mais direitos,
como a perderem os que tinham conquistado ao longo de sua história de lutas. Quais
fatores podem ser responsabilizado por isto? O capital teria vencido definitivamente o
trabalho? As organizações de trabalhadores (sindicatos, partidos, movimentos
populares) teriam alcançado tudo o que queriam? Ou ainda, capital e trabalho se uniram
em prol da pacificação da luta de classes?
Aqui retomaremos novamente ao movimento contraditório que perpassou os
períodos anteriores do capitalismo, movimento este que tem de um lado o
desenvolvimento econômico inerente ao capitalismo e de outro a tensão provocada pela
pressão dos trabalhadores. Um fator marcante desta nova etapa do capitalismo, apontada
por Mandel é a “(...) tendência da supercapitalização, ou seja, da industrialização da
esfera da reprodução, em setores que não produzem mais-valia diretamente, mas que,
indiretamente, aumentam a massa de mais-valia” (BHERING, 1998, p. 170). No
chamado neoliberalismo ou capitalismo tardio podemos observar a mudança de foco do
capital. O capitalismo financeiro passa a ser o carro chefe deste período e o maior
captador de capital. Este capital se reproduz em forma de dinheiro (juros) e ao mesmo
tempo aumenta a reprodução da mais-valia nos locais onde é aplicado.
Esta nova cara da economia capitalista dificultou a organização das lutas dos
trabalhadores. As terceirizações de serviços, a utilização exacerbada da informática nas
excussões de tarefas, aumentando assustadoramente o desemprego, são fatores que
devem ser levados em consideração quando analisamos a crise dos movimentos sociais
das últimas décadas. Estes fatores fogem do domínio dos movimentos de trabalhadores
e também do próprio capital, que precisa diariamente encontrar formas de não se autodestruir. “O que se evidencia, portando, é a dificuldade crescente de controle dos ciclos
econômicos, no contexto da combinação perversa de racionalidade e irracionalidade, de
organização e anarquia sob o capitalismo” (Idem, p. 172). A forma encontrada pelo
capital, a partir da crise que se emergiu na década de 1970, para manter funcionando a
máquina social capitalista, ligou-se diretamente à disputa pelos fundos públicos com os
trabalhadores. Daí a necessidade vital do capital em destruir as políticas sociais
presentes no interior do Estado burguês.
Olhando sob esta ótica, parece-nos que não há muito o que fazer, por parte dos
trabalhadores, para impedir a destruição de direitos e muito menos para conquistar
novos. Seria mesmo o fim da história, como alguns anunciaram e continuam
anunciando? Estaria realmente acabando as classes sociais e consequentemente as lutas
de classes? Dependendo das respostas dadas para estas questões, serão também as
ações de quem deu a resposta. Vejamos agora como os movimentos organizados dos
trabalhadores responderam à estas questões e as implicações desta resposta para o
desenvolvimento das políticas sociais no Estado burguês5.
A queda do chamado socialismo real no leste europeu não serviu apenas para o
discurso do capital que comemorou o fim do socialismo marxista e a vitória definitiva
do capitalismo. Também influenciou movimentos proletários de todo o mundo, que,
diante de uma inconsistência teórica, vão abandonando o marxismo e tornando-se cada
vez mais reformistas. Esta situação facilita a cooptação de lideranças proletárias pelo
Estado burguês, sugando-os para dentro do aparato burocrático e neutralizando a
possibilidade de radicalização dos movimentos.
Ao lutar no terreno do adversário, com parcerias e alianças no espaço
contraditório do Estado, em geral, é necessário maior clareza sobre as
múltiplas determinações que integram o processo de definição das políticas
sociais, o que pressupõe qualificação teórica ético-política e técnica
(NETTO, 1996. Apud. BHERING, 1998, p. 175).
A falta de clareza de muitas destas lideranças, que passaram a acreditar na possibilidade
de garantir direitos ocupando cargos no Estado burguês, contrariamente, acabaram por
contribuir com o solapamento de muitos direitos sociais dos trabalhadores.
5
Nos deteremos apenas na análise da ótica dos trabalhadores, pois entendemos que já contemplamos
minimamente , no corpo deste trabalho, a ótica do capital. Também comungamos do entendimento que
sob ótica dos trabalhadores é possível abranger a totalidade.
Embora a história não seja o resultado da vontade subjetiva de uma pessoa, grupo,
ou classe social, tampouco ela ocorre de forma mecânica, movida apenas pelas forças
produtivas. Por isto a afirmação do fim da história não passa de propaganda ideológica
do capital, para se manter no poder, tomando conta do Estado e reproduzindo seus
lucros. Os que acreditaram nesta falácia e transferiram suas lutas para dentro deste
Estado, buscando o lugar dos trabalhadores no interior do capitalismo, ou se frustaram e
o abandonaram ou se adequaram às regras impostas pelo sistema. Portanto faltou ao
movimento proletário (seja no sindicato, no partido ou nos diversos movimentos
sociais) a capacidade de levar adiante o projeto radical do socialismo que o
acompanhava desde seus primeiros passos. “Para enfrentar a luta e aprofundar as
reivindicações neste terreno, o movimento operário necessitaria de uma direção mais
segura e politizada, o que se configurou nos últimos anos apenas ocasionalmente”
(BHERING, 1998, p. 173). O que podemos então perceber na fase neoliberal do
capitalismo é que as políticas sociais passam a ser um fim nas reivindicações das
organizações de trabalhadores e não um meio. Ao invés de utilizarem-se destas políticas
como
forma de garantir condições para a radicalização da luta, até a destruição
completa do Estado burguês, apontam-nas como objetivo final da classe trabalhadora.
Com isto, os trabalhadores não só não conseguem conquistar mais direitos, como
passam a perder os que já haviam conquistados ao longo de sua história de lutas.
Para finalizar nossa reflexão sobre o papel das políticas sociais no contexto da
sociedade capitalista, resta-nos ainda frisar a importância da práxis revolucionária no
interior dos movimento proletários. Somente a atitude de unificação teoria-prática e
prática-teoria é capaz de dar conta de apontar caminhos que possam levar a
transformação radical da sociedade. Dentro deste raciocínio podemos concluir que a
políticas sociais, não são unilaterais e não servem exclusivamente para manutenção do
modo de produção capitalista. Também não são capazes de resolver os problemas
sociais da sociedade.
Observamos que a política social ocupa certa posição político-econômica, a
partir de um determinado período histórico, e que a economia política se
movimenta historicamente a partir de condições objetivas e subjetivas.
Portanto, o significado da política social não pode ser apanhado nem
exclusivamente pela sua inserção objetiva no mundo do capital, nem apenas
pela luta de interesses dos sujeitos que se movem na definição de tal ou qual
política, mas, historicamente, na relação desses processos na totalidade
(Idem, p. 174).
O desafio que se coloca então é o de aprimorar a capacidade de compreender as
políticas sociais inseridas no contexto histórico. Importante também perceber o
movimento dialético existente entre desejos e necessidades do capital e desejos e
necessidades do trabalho. E ainda desvelar a ideologia do Estado burguês que busca o
tempo todo aprimorar seu aparato de dominação pela via da cooptação de lideranças e
movimentos proletários.
Se os trabalhadores atingirem, através de sua organizações de classe, esta
capacidade de discernimento, saberão certamente como atuar nas contradições do
Estado burguês. “ (...) não basta que haja expressões da 'questão social' para que haja
política social; é preciso que aqueles afetados pelas suas expressões sejam capazes de
mobilização e de organização para demandar a resposta que o Estado oferece através da
política social” (NETTO, 2003, p. 15-16). Como vemos as políticas sociais não brotam
mecanicamente do Estado (representante do capital), tampouco dos movimentos
populares, mas é o resultado da tensão existente entre capital e trabalho. Nesta
perspectiva é que se faz necessário pensar-se também nas formas de governo assumidas
pelo capital e que são determinantes para a organização do proletariado.
Embora saibamos que as formas de governo não influenciam diretamente na
organização econômica de um modo de produção, por exemplo: numa democracia
burguesa pouco ou quase nada se diferencia de um Estado ditatorial burguês, ao menos
no que tange a dominação de classe via apropriação privada dos meios de produção, não
podemos ignorar o potencial político presente na democracia e que não o encontramos
na ditadura. A própria organização proletária na luta por políticas sociais não é possível
em um Estado ditatorial.
O proletariado deve, de um lado, lutar pela conservação da democracia
burguesa, já que esta cria condições
políticas mais favoráveis à
formação/desenvolvimento de um partido proletário revolucionário, capaz
de dirigir o processo de destruição do aparelho de Estado burguês, (...). De
outro lado, o proletariado deve criticar as próprias instituições democráticas,
que ele luta por conservar (...), deve denunciar o caráter formal e ilusório da
igualdade política na democracia burguesa, demonstrando a existência de
um acesso diferenciado (classe dominante e classe dominada) às liberdades
políticas” (SAES, , 1994, p. 178).
Isto nos leva a afirmar que a luta em defesa da democracia é parte integrante da luta por
políticas sociais. Dada a enorme dificuldade em organizar movimentos que lutem por
políticas sociais num Estado ditatorial burguês, o movimento proletário deve incluir em
suas bandeiras de luta a defesa da democracia burguesa. Contudo estas devem ser
tomadas
no sentido de garantir que contribuam para a melhoria de vida dos
trabalhadores, sem com isso abandonar seu o horizonte histórico que é a transformação
radical da sociedade, destruindo o capitalismo e construindo o socialismo.
Referências bibliográficas
BEHRING, Elaine Rossetti. Política social no capitalismo tardio. São Paulo: Cortez,
1998.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. - 10. ed. - São Paulo:
HUCITEC, 1996.
NETTO, Capitalismo monopolista e serviço social. - 2.ed. - São Pulo: Cortez, 1996.
______, O materialismo histórico como instrumento de análise das políticas sociais. In:
NOGUEIRA, Francis Mary Guimarães & RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon (Orgs.).
Estado e políticas sociais: Brasil- Paraná. Cascavel: EDUNIOESTE, 2003.
SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. Coleção trajetória 1. CampinasSP: Gráfica do IFCH/UNICAMP,1994.
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