Entrevista do governador Aécio Neves

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Pronunciamento do governador Aécio Neves
Evento: Palestra na Associação Comercial do Rio de Janeiro
Local: Rio de Janeiro
Data: 15/05
SEM REVISÃO
Estou imensamente feliz por estar aqui hoje. Estou entre amigos. Estou no Rio, cenário da
minha juventude, para sempre minha casa. E estou aqui, nesta Associação Comercial, que, na
verdade, não pertence apenas ao Rio, mas ao Brasil, porque tem alma nacional. O qualificado
debate e o generoso compartilhamento de idéias que ela tradicionalmente abriga tem ajudado
diversas gerações de homens públicos e empresários a compreender melhor o nosso mundo.
Por seu desprendimento, competência e liderança, Olavo Monteiro de Carvalho sintetiza, como
poucos, a entidade que representa e que sinaliza ao País os valores da responsabilidade e da
participação.
Meu caro amigo presidente Olavo, os meus agradecimentos pelo convite para estar aqui hoje.
Aproveito esta oportunidade para também apresentar os meus cumprimentos ao presidente
eleito, José Luiz Alquerés, da nossa Light, mais uma das parcerias de Minas com o Rio, que
assume em junho a missão de conduzir essa entidade tão cara a tantos brasileiros.
Meus amigos,
Dizem que o Rio é a principal janela através da qual o mundo enxerga o Brasil. Pude confirmar
isso, mais uma vez, na última semana, na viagem que fiz para cumprir uma agenda
internacional especialmente cara aos mineiros, que teve como pauta central, o
desenvolvimento social e a preservação do meio ambiente. Conquistamos uma preciosa
parceria com a Unesco, que possibilitará a criação, em Minas, do primeiro centro de
inteligência para a gestão das águas do Brasil. Com foco na sustentabilidade, o Centro terá a
inovadora missão de prover o nosso País, a América Latina e os países de língua portuguesa
da África com pesquisa, insumos e novas tecnologias relacionadas ao uso e preservação das
águas.
E, na Espanha, nos orgulhamos em receber um importante e inédito prêmio internacional,
oferecido a uma obra, em reconhecimento ao seu impacto transformador da realidade social. A
obra em questão é a usina de Irapé, no nosso Vale do Jequitinhonha, iniciada no governo
Itamar Franco e concluída na nossa administração. É a primeira vez que essa distinção é
concedida a uma empresa brasileira – a nossa Cemig, e a um estado e não a um País.
Menciono esses dois temas, meio ambiente e desenvolvimento social, como exemplos
concretos de ações inovadoras, porque acredito que todas as decisões que tomamos, todos os
projetos que discutimos hoje, precisam contemplar esses dois eixos de reflexão. Eixos esses
que, pela sua importância, não podem se esgotar em discursos ou promessas. Afinal,
convivemos hoje com o aquecimento global, as mudanças climáticas – me permitam essa
rápida, mas importante abordagem -, a crescente escassez de água e a perda da
biodiversidade. Convivemos com a fome que se alastra por diversas regiões do planeta, em
escala sem precedentes. Todas essas questões deixaram de ser ameaças, para se tornar uma
grave realidade.
O abalo econômico de hoje, desestruturando, em poucos dias, corporações que pareciam
sólidas e feitas para durar séculos, retrata, de forma dramática, a fragilidade das instituições
humanas. Lembro que mesmo nesta crise eminentemente financeira e econômica há um grave
componente ambiental. Componente que, se não altera hoje os indicadores de curtíssimo
prazo, será, com certeza, um desafio muito maior a ser enfrentado na vida dos povos e na
economia real, mais à frente. Estudos confiáveis indicam que o consumo global de bens e
serviços já ultrapassou em 30% a capacidade de regeneração natural do planeta. Ao mesmo
tempo, dois bilhões de seres humanos, principalmente na África, Ásia e América Latina, ainda
sobrevivem abaixo da linha de pobreza e alheios aos mercados formais.
Outra realidade incontestável é que a globalização econômica, alterando radicalmente as
relações internacionais e criando a interdependência entre as nações, impõe a todos os povos
um novo desafio: temos o imperativo ético, moral e de sobrevivência de buscarmos uma
autêntica e necessária solidariedade global. Ou construímos essa solidariedade, para além das
fronteiras tradicionais, ou iremos naufragar juntos, mais cedo ou mais tarde, na fragilidade
ambiental e social do mundo que estamos construindo.
Meus amigos,
Nas ultimas décadas demos um salto notável. E não posso deixar de registrar pontualmente a
contribuição do nosso partido à frente do país, quando estabelecemos as bases fundamentais
para que a principal transformação ocorresse nos últimos anos:
Conquistamos a estabilidade econômica, com o fim da inflação;
Modernizamos a economia; Melhoramos sensivelmente a qualidade dos serviços e
estabelecemos novos marcos regulatórios. Enfrentamos, vencemos e aprendemos com três
graves crises internacionais; renegociamos as dívidas dos estados e de inúmeros municípios.
E implantamos um paradigma novo para a gestão dos governos, com a lei de responsabilidade
fiscal. Nos orgulhamos de ter fundado uma extensa rede de proteção social no país, com o
bolsa escola, o bolsa alimentação, o vale gás e os inovadores programas do Comunidade
Solidária, de dona Ruth Cardoso, cuja memória nos ilumina ainda hoje.
Depois, fizemos avançar um dos maiores programas de saúde preventiva do mundo, o saúde
da família. E aí vieram o combate à AIDS e os genéricos, com a conhecida competência do
ministro Serra. Enfim, programas que, mesmo combatidos, foram mantidos, travestidos com
marcas novas, e, é justo reconhecer, avançou-se em alguns deles.
Os resultados do trabalho de diversos governos e da sociedade brasileira estão por todos os
campos. A produção siderúrgica multiplicou-se, tornamo-nos auto-suficientes em petróleo e
construímos as grandes usinas hidrelétricas. Plantamos universidades por todo o território
nacional e obtivemos conquistas notáveis na ciência e na tecnologia. Estamos desenvolvendo
no Brasil projetos fascinantes em todos os ramos do conhecimento, sobretudo, no campo da
bioquímica e biogenética. Na produção de alimentos, somos mais competitivos do que jamais
fôramos, até então. Somos, na inteligência e no sentimento de nacionalidade, um país sem
dissensões. O que nos falta é a igualdade de oportunidades, no acesso a escolas de boa
qualidade e ao trabalho remunerado com justiça.
No entanto, o que juntos fomos capazes de construir até agora, não nos recomenda
tranqüilidade. Essa consciência nos exige ainda mais rigor e foco no projeto nacional que
sonhamos, há décadas, tantas e tantas vezes adiado pelas circunstâncias econômicas ou pelo
conformismo político.
Para realizá-lo devemos ao nosso povo respostas capazes de tirar do papel o conjunto de
reformas imprescindíveis que todos já conhecemos. Reformas que ficaram pela metade, como
a previdenciária e a tributária, e aquelas que sequer foram ainda debatidas em profundidade,
como a trabalhista ou a política.
Entendo, no entanto, que há uma outra reforma que deveria preceder todas as demais, como
pilar de um Brasil novo. Trata-se da recuperação dos princípios que moveram a República e o
Federalismo no Brasil, e que praticamente morreram sob a égide da concentração de poder e
da irremediável subordinação dos entes federados.
Hoje, meus amigos, vivemos a mais grave concentração de impostos, recursos e poder de
decisão na esfera da união de nossa história. Quase 70% de tudo que se arrecada no país
estão sob a guarda direta do governo central. Como, então, ser o país das oportunidades, se
elas florescem distantes de Brasília, mas é lá que permanecem os recursos?
Precisamos de um projeto que liberte das amarras não apenas o Brasil do Sudeste, mas o
Brasil do Norte e do Nordeste, do Sul e do Centro-Oeste. Precisamos de um projeto que
permita, de forma descentralizada, que cada região possa transformar suas vocações e
competências em efetiva riqueza, distribuída de forma equânime, democrática e, portanto,
socialmente justa e pacífica. Para dar substância e concretude a esta tarefa, o país nos exige
mais desprendimento e mais generosidade.
Esse é o único caminho que nos levará a uma tardia, mas necessária convergência nacional
entre homens e mulheres de bem, para então fazermos o que precisa ser feito. Podemos e
devemos construir novos consensos, a partir do que nos aproxima, e não simplesmente
inviabilizá-los, motivados pelo embate entre o que nos distancia.
Em que pesem nossas diferenças – e é natural que elas existam -, podemos convergir
pensando primeiro no país. É com esse olhar sobre o futuro que enxergo um novo cenário
possível para todos os brasileiros. Um cenário no qual, por exemplo, deixe de existir a pretensa
incompatibilidade entre a boa gestão, a responsabilidade administrativa e as políticas sociais.
Minas Gerais, meus amigos – permitam-me este retorno à minha terra -, é um cenário vivo e
atual do exercício cotidiano desse pressuposto.
Deixamos para trás uma década e meia de grandes dificuldades para garantirmos
investimentos do Estado que esse ano chegarão a 11 bilhões de reais. Recuperando a
capacidade de articulação do estado e com um novo modelo de gestão, atraímos cerca de 200
bilhões de reais em novos investimentos. Somos hoje o segundo pólo gerador de empregos no
país.
Nossa infraestrutura está sendo recuperada e modernizada. A telefonia móvel agora está
presente em 100% das nossas 853 cidades. A energia alcança todas as cidades do
interior. Até o ano que vem terminaremos de asfaltar todos os acessos às 222 cidades antes
só ligadas por terra.
E, evidentemente, toda esta transformação repercute de forma muito efetiva sobre os nossos
indicadores sociais. As taxas de mortalidade infantil de Minas Gerais e dos nossos municípios
do semi-árido vem caindo sistematicamente e estão hoje abaixo da média nacional, inclusive
nas regiões mais pobres do estado. A desnutrição no semi-árido decresceu em 50% em 2007
comparado a 2004. Diminuímos drasticamente os indicadores de criminalidade violenta, após
dez anos de vertiginoso e assustador crescimento. Voltamos a pontuar entre os primeiros
lugares nos índices nacionais que medem o desenvolvimento da educação no país, desde
2005. Mais de 76% das escolas estaduais em Minas apresentaram resultados superiores à
média das escolas estaduais brasileiras, inclusive as dos nossos vales do Jequitinhonha e do
Mucuri. O índice de leitura dos alunos matriculados no 3º ano das escolas estaduais subiu de
48,7%, em 2006, para 72,5%.
Fruto dos esforços de parcerias entre as diversas instâncias de governo e a sociedade
organizada, Minas reduziu em 42,8% o número de pobres em seus 853 municípios, de 2003 a
2007.
Não há, portanto, como os senhores podem ver, estado eficiente, inclusive na condução das
políticas sociais, sem boa gestão pública. Pela nossa experiência, ousaria concluir que a boa
governança é base para políticas sociais realmente transformadoras da realidade. E esta é a
essência do que chamamos, no nosso estado, de ‘choque de gestão’.
Meus amigos,
Não podemos mais ignorar que os indicadores do nosso recente crescimento ainda convivem
com uma realidade social dramática e inaceitável.
- de um lado, permanecem as profundas desigualdades sociais e regionais, que condenam à
pobreza uma imensa parcela da população;
- de outro lado, temos que enfrentar a notória ineficiência do estado nacional, carente de uma
profunda reforma, que estabeleça novo modelo de gestão e de relacionamento com a
sociedade.
E, como pano de fundo desse cenário, estamos sendo cobrados a dar respostas efetivas, com
seriedade e competência, às novas demandas para sustentabilidade da vida no planeta.
São eixos temáticos que se complementam e se articulam em torno de uma idéia central:
construir uma sociedade democrática e justa, como sólido fundamento do poder nacional.
Ainda não fomos capazes de oferecer isso aos cidadãos. É verdade que reconquistamos a
democracia, com o sacrifício de muitos brasileiros. Mas também é verdade que ainda não
alcançamos uma organização social, administrativa e política que garanta a todos esses
cidadãos os direitos que uma autêntica democracia deve respeitar. Hoje, ainda limitados à
representação política formal, reproduzimos e acentuamos a distância entre o estado e a
sociedade.
Se falta ao Brasil esse sentido de ampla participação, também tem faltado, em todos os níveis
do setor público, um parâmetro mais elevado de eficiência, além de um inadiável
compartilhamento de responsabilidades. Por esse motivo, temos insistido tanto na proposta de
que a gestão pública de qualidade deve ser o primeiro item na agenda nacional de debates,
neste momento da vida brasileira.
É preciso saber por que o país continua perdendo 10% de toda a sua produção agrícola, entre
o campo e a cidade. É preciso eliminar gastos que chegam a bilhões de reais, a cada ano,
devido à repetência escolar. E temos que enfrentar as distorções históricas que ainda
impedem o crescimento sustentado do país. Basta ver que, em um ciclo de seis anos de forte
crescimento, estivemos quase sempre atrás da média mundial e da média da América Latina.
E, quando finalmente reagimos, empurrados pelo preço favorável das commodities, fomos
colhidos pela crise internacional e então perdemos quase 800 mil empregos.
Não podemos perder de vista a realidade. Se a busca do equilíbrio da balança de pagamentos,
a inflação sob controle e o corte das taxas de juros ajudam a perspectiva de retomada do
crescimento mais adiante, essa é a hora para um ajuste mais profundo.
Não podemos permitir o desordenado crescimento das despesas com o financiamento da
máquina pública, como tem ocorrido hoje, quando a prioridade nacional absoluta é investir para
mover a roda da economia. Vejam os senhores que os nossos investimentos somam hoje
menos de 1% do PIB. Apenas 1%...
Mas as despesas com custeio da máquina pública federal, nos últimos seis anos, cresceram
estratosféricos 74%, enquanto o produto interno bruto nacional evoluiu 28%, segundo dados
do próprio tesouro.
Se é nosso dever estimular a economia, não podemos e não devemos inflar expectativas, com
lançamento de programas que se sucedem, mas não se realizam em plenitude, não porque
lhes faltem recursos, mas porque foram moldados sob o signo do improviso, da ausência de
planejamento, organização, e - de novo – do necessário compartilhamento de
responsabilidades.
Temos que repensar as políticas públicas nacionais, para torná-las mais efetivas e capazes de
contemplar os diferentes segmentos da sociedade, com a imprescindível articulação entre os
níveis federal, estadual e municipal de governo e as forças privadas.
O mesmo acontece na condução das políticas sociais. Transferimos mais e mais renda, mas
teimamos em não avançar. Ninguém questiona que é preciso agir para diminuir o impacto da
pobreza. E falo isso com a propriedade de quem governa um estado que, com alianças entre
governos e as forças privadas, conforme já citei, vem conquistando importantes resultados.
Devemos, no entanto, aos brasileiros mais que isso. Devemos a eles, aos que menos tem e
mais precisam, a possibilidade de se inserirem, de forma digna e produtiva, na nossa
sociedade. Para mudar essa lógica, é hora de redefinir as formas de articulação entre o
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social. Romper com a concepção
meramente desenvolvimentista, para reconhecer que o desenvolvimento social não decorre
automaticamente do crescimento econômico.
Como endossar essa crença, se temos visto – ao longo de décadas – o alargamento do fosso
que separa o sudeste e o sul de outras regiões brasileiras?
Precisamos garantir, como prioridade máxima, que o crescimento da economia promova
ganhos reais e sustentáveis para os segmentos ainda desassistidos. E essa mudança nos
levará a um novo olhar sobre a educação, a qualificação e os marcos ambientais, neste início
da nova era do conhecimento.
Devemos formular políticas econômicas capazes de criar uma nova realidade social, na
medida em que elevem o poder aquisitivo da população e gerem novas oportunidades de
trabalho e renda.
E também devemos compreender e não subestimar o potencial econômico das políticas
sociais, na medida em que criam empregos, capacidade de consumo e novas demandas para
o setor produtivo.
Essas são as duas faces de um modelo de estado comprometido com o crescimento da
economia e a autêntica democracia social.
Devemos superar definitivamente a falsa dicotomia entre estado máximo e estado mínimo. O
que devemos buscar, na verdade, é o Estado eficiente e justo.
E só revendo as relações entre o estado, o mercado e a sociedade poderemos definir o papel
de todas as forças que podem contribuir para o desenvolvimento do país e de cada região.
Já perdemos muito tempo e recursos, devido a preconceitos e visões anacrônicas.
E esta é outra distorção que precisamos corrigir, para que o passado não continue a
determinar nossos passos, agora e no futuro. Outras reformas são importantes na agenda
política nacional. Mas penso que a reforma do estado, o novo federalismo e a articulação entre
as políticas econômicas e as políticas sociais constituem os temas de maior relevo, neste
momento de transição na vida nacional.
Teremos que reestruturar a produção econômica. Qualificar profissionais. Gerar empregos.
Melhorar a escola pública. E compartilhar com todos os estados, regiões e municípios os
ganhos decorrentes de uma nova qualidade de gestão no setor público e de um novo modelo
de relacionamento com a sociedade.
Pouco importa a autoria e paternidade dos programas públicos, que preocupam a tantos. O
importante é que façam bem ao Brasil. O fundamental, em meu entendimento, é preservar as
conquistas de até aqui, corrigir os equívocos e avançar ainda mais. Muito mais. Avançar com o
olhar generoso que tão bem nos caracteriza, cariocas e mineiros, quando se trata de pensar o
Brasil. Não avançaremos nos amesquinhando em torno de projetos pessoais. Só avançaremos
quando essa for uma tarefa e uma responsabilidade de todos. De todos e de cada um de nós,
brasileiros.
Muito obrigado.
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