Redes de Sensores sem Fio para Monitoramento de Anfíbios

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Redes de Sensores sem Fio para Monitoramento de Anfíbios
André L.L. de Aquino, Carlos M.S. Figueiredo, Antonio A.F. Loureiro, Raquel A.F. Mini,
Eduardo F. Nakamura, Horácio A.B.F. de Oliveira e Linnyer B. Ruiz
A preocupação acerca da conservação e preservação ambiental assume importância proporcional à magnitude
das florestas tropicais, sub-tropicais e temperadas existentes desde o México até a Patagônia. Em particular, as
florestas tropicais tanto na América Central quanto na região amazônica incluindo o Brasil, Bolívia, Colômbia,
Guianas, Peru e Venezuela têm atraído bastante atenção de diferentes segmentos das comunidades nacionais e
internacionais devido às suas dimensões e diversidade de flora e fauna.
O Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial. Segundo Mittermeier et al. (1997), este é o
país com a maior diversidade biológica, correspondendo aproximadamente a 14% da biota mundial (Lewinsohn
& Prado, 2003). Segundo os dados do GAA (2008), o Brasil é o país que possui o maior número de espécies
de anfíbios no mundo: são pelo menos 751 espécies, 489 endêmicas do Brasil. Em particular, as regiões da
América Central e da América do Sul têm a maior diversidade de anfíbios do planeta como pode ser visto pela
concentração do número de espécies na figura 1. No Brasil, pelo menos uma espécie já foi extinta e outras 110
estão ameaçadas de extinção (GAA, 2008). Situações similares existem em outros países da América Latina.
Figura 1: Diversidade de espécies de anfíbios no planeta [Fonte: GAA (2008)]
Os anfíbios representam uma classe do reino animal altamente sensível a distúrbios ecológicos – tanto em
ambientes aquáticos quanto em ambientes terrestres – devido aos seus requisitos de microhatibat específicos e suas
adaptações fisiológicas especializadas (Stebbins & Cohen, 1995). Desta forma, comprovadamente, a diminuição
populacional de anfíbios pode ser utilizada como indicador precoce de problemas no ecossistema (Welsh & Oliver,
1998; Dodd & Smith, 2003; Muenz et al., 2006; Smith et al. 2006). Portanto, além de importante para a
conservação e preservação das espécies de anfíbios, o seu adequado monitoramento é uma importante ferramenta
para avaliação de problemas ecológicos ainda em estágios iniciais, ou seja, os anfíbios funcionam como um sensor
biológico altamente sensível à degradação do meio ambiente.
Nesse contexto, uma ferramenta para detecção precoce de distúrbios ambientais é de grande valor para a
preservação das florestas nas Américas Central e do Sul. Dentre os diferentes tipos de anfíbios, os anuros (sapos)
são candidatos naturais a serem utilizados como indicadores de estresse ecológico, pois são abundantes, facilmente
amostrados, ocorrem em números estáveis e são particularmente sensíveis a distúrbios ambientais (Stebbins &
Cohen, 1995). Entretanto, para evitar um estresse ecológico desnecessário, o ato de monitorar anuros em seu
habitat deve ser o menos intrusivo possível.
O conhecimento detalhado de características como presença/ausência, densidade populacional, dispersão e
sucesso reprodutivo de diferentes espécies de anuros pode viabilizar de forma direta ou indireta estudos para a
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preservação dessas espécies e do seus ecossistemas. Em particular, seria muito importante obter novos conhecimentos sobre os anuros como: comportamento social; comportamento reprodutivo; acompanhamento da densidade populacional do grupo; estudo de disputas territoriais entre indivíduos/grupos vizinhos; acompanhamento
dos hábitos alimentares (dieta e horários); estudo de correlação entre efeitos climáticos e o comportamento dos
anuros; estudo de correlação entre a densidade populacional dos anuros com o aumento/diminuição da ocorrência
de espécies de outra classe do reino animal (e.g., insetos e mamíferos); e estudo de correlação entre a densidade
populacional dos anuros com a qualidade do habitat (e.g., qualidade da água, ar, temperatura, umidade).
Hoje, a principal forma de acompanhamento de anuros demanda a presença física de um pesquisador para
captar o áudio desses anfíbios ou para escutá-los, classificá-los e contá-los. A simples presença causa modificações
no ecossistema monitorado. Como anuros são muito sensíveis a tais modificações ambientais, a presença humana
interfere na aquisição de dados e, conseqüentemente, na análise do impacto ambiental do ecossistema.
Alinhada a essas necessidades, as redes de sensores sem fio (RSSFs) surgem como uma alternativa tecnológica
viável. De forma sucinta, essas redes são compostas por elementos computacionais, chamados de nós sensores.
Estes nós são pequenos dispositivos computacionais com capacidade de processamento, armazenamento, comunicação sem fio e sensoriamento de grandezas físicas (Akyildiz et al., 2002), tais como luz, som, movimento e
temperatura (Crossbow, 2008). Assim, nós sensores são capazes de perceber o ambiente, coletar dados, processálos e enviá-los para outros nós e, quando necessário, para uma unidade central de processamento mais poderosa
que permita a realização de análises criteriosas e detalhadas.
Por estarem fisicamente mais próximas das espécies monitoradas, as RSSFs dispensam a presença humana
para coleta de dados, classificação e contagem de anuros. Sabe-se que os anuros possuem vocalizações muito bem
definidas. Ou seja, através dos sons emitidos por eles, podemos identificar as diferentes espécies presentes no
microhabitat, o sexo, e o propósito de cada vocalização. Por exemplo, segundo Lima et al. (2001), o sapo dedoazul (Colostethus Caeruleodactylus), encontrado na região amazônica, emite três tipos de vocalizações (coaxar).
Um primeiro som, para demarcar limites territoriais; nesse caso os sons parecem apitos em notas contínuas,
audíveis a mais de 30m pelo ouvido humano. Um segundo coaxar, usado para enfrentar machos intrusos, é baixo
e rouco. O terceiro som, de namoro, usado para cortejar a fêmea e estimular a oviposição, é baixo e aveludado,
audível a apenas 1m de distância pelo ouvido humano.
Redes de sensores sem fio são uma tecnologia emergente que promete uma funcionalidade sem precedentes
para monitorar, instrumentar, e, possivelmente, controlar o mundo físico. RSSFs podem operar por períodos
de tempo variando de semanas a anos de forma autônoma. Isso depende fundamentalmente da quantidade de
energia disponível em cada sensor. Em muitas aplicações nós sensores podem não estar facilmente acessíveis por
causa da localização onde são empregados ou da escala da rede. Em ambos os casos, a manutenção da rede para
reabastecimento de energia se torna impraticável. Mais ainda, caso seja necessário substituir a bateria de um
sensor freqüentemente, as principais vantagens de uma RSSF são perdidas.
RSSFs são um dos primeiros exemplos no mundo real de computação “pervasiva”, i.e., a noção que dispositivos
de computação e sensoriamento pequenos, inteligentes, e baratos irão eventualmente permear o ambiente. Estão
noção tem infiltrado os círculos de tecnologia da informação por mais de uma década. Mas agora, os investimentos
multi-milionários em pesquisa em dispositivos de redes sem fio estão finalmente dando seus frutos. Hardware e
software, tão fundamentais para implementação da computação pervasiva, estão emergindo. As redes de sensores
atuais podem explorar tecnologias não disponíveis 20 anos atrás e executar funções nem mesmo sonhadas na
época. Sensores, processadores, e dispositivos de comunicação estão todos se tornando menores e mais baratos.
Esta proposta trata de desafios científicos e multidisciplinares. Do ponto de vista científico há muito ainda por
ser feito (ou quase tudo). Com o investimento na última década em pesquisa e desenvolvimento de dispositivos de
sensoriamento integrados de baixo custo e pouco consumo, aplicações que eram pensadas como ficção científica são
agora realidade. No caso desta proposta, o objetivo é ter regiões de florestas (onde estão os anuros) monitoradas e
acessadas a partir da Internet. Projetar essas aplicações para redes de sensores é desafiante devido à larga escala,
volatilidade da comunicação, e restrições de consumo de energia em cada nó. Sistemas existentes que coletam,
agregam, e recuperam dados em redes de sensores não são construídos como aplicações distribuídas tradicionais.
Avanços em todas essas áreas são necessários para podermos utilizar efetivamente essas redes na prática. Um
grande desafio científico, que está presente nas RSSFs, é que, em geral, a solução para um contexto pode não
ser aplicada diretamente em outro cenário sem uma avaliação cuidadosa. Isso faz surgir freqüentemente novos
problemas de pesquisa. Dado os diferentes tipos de anuros, é provável que isso aconteça.
Do ponto de vista multidisciplinar a aplicação proposta envolve pelo menos as áreas de Biologia, Ciência da
Computação, Estatística e Engenharia tanto na natureza do problema como na sua solução. A Biologia definirá
as informações a serem coletadas e sua forma. A Estatística definirá o local e as características das regiões a
serem amostradas. A Engenharia deverá resolver problemas práticos sobre o projeto dessas redes. E a Ciência
da Computação apresentará as soluções de software e hardware das RSSFs.
Finalmente, este é um desafio atraente e motivador para cientistas da América Latina já que envolve recursos
de fauna e flora que são preciosos e ainda bastante desconhecidos pela sociedade.
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Referências Bibliográficas
I.F. Akyildiz, W. Su, Y. Sankarasubramaniam and E. Cayirci (2002). Wireless Sensor Networks: A Survey.
Computer Networks, 38(4):393–422.
Crossbow (2008). [Online] Product Reference Guide. Available at www.xbow.com.
C.K. Dodd Jr. and L.L. Smith (2003). Habitat Destruction and Alteration: Historical Trends and Future
Prospects for Amphibians. Pages 94–112 in R. Semlitsch (ed.). Amphibian Conservation. Smithsonian
Books, Washington, DC, USA.
GAA – Global Amphibian Assessment (2008). [Online] Available at www.globalamphibians.org.
A.P. Lima, G.M. Biavati e J.G.C. Melo (2001). O Incrível Sapo dos Dedos Azuis. Revista Ciência Hoje,
30(176):66–67.
T.M. Lewinsohn and P.I. Prado (2003). Biodiversidade Brasileira: Síntese do Estado Atual do Conhecimento.
Editora Contexto.
R.A. Mittermeier, P.R. Gil, and C.G. Mittermeier (1997). Megadiversity: Earth’s Biologically Wealthiest
Nations. CEMEX, Monterrey, México.
T.K. Muenz, S.W. Golladay, G. Vellidis, and L.L. Smith (2006). Healthy Streams in Agricultural Areas: What
can Amphibians tell us About Water Quality, Conservation Buffer Effectiveness? CSA News 51(10):2–3.
L.L. Smith, W.J. Barichivich, J.S. Staiger, K.G. Smith and C.K. Dodd Jr. (2006). Detection Probabilities and
Site Occupancy Estimates for Amphibians at Okefenokee National Wildlife Refuge. American Midland
Naturalist 155:149–161.
R.C. Stebbins and N.W. Cohen (1995). A Natural History of Amphibians. Princeton University Press, Princeton, New Jersey, USA.
H.H. Welsh Jr. and L.M. Oliver (1998). Stream Amphibians as Indicators of Ecosystem Stress: A Case Study
from California’s Redwoods. Ecological Applications, 8(4):1118–1132.
Todos os autores, exceto Antonio A.F. Loureiro, fizeram o trabalho de doutorado em redes de sensores sem fio no
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação da UFMG. Hoje, todos são professores em diferentes
instituições no Brasil (André L.L. de Aquino–Univ. Federal de Ouro Preto, Carlos M.S. Figueiredo e Eduardo F.
Nakamura–FUCAPI, Manaus e Programas de PG da Univ. Federal do Amazonas, Antonio A.F. Loureiro–UFMG,
Raquel A.F. Mini–PUC/Minas, Horácio A.B.F. de Oliveira–Univ. Federal do Amazonas e Linnyer B. Ruiz–Univ.
Estadual de Maringá), atuam na Pós-Graduação, trabalham ativamente em RSSFs e continuam a cooperar entre
si. Caso esta proposta seja selecionada, ela será apresentada por Antonio A.F. Loureiro.
Antonio Alfredo Ferreira Loureiro é Bacharel e Mestre em Ciência da Computação pela UFMG e Ph.D.
em Ciência da Computação pela University of British Columbia, Canadá, 1995. Desde 1996 é professor do
Departamento de Ciência da Computação da UFMG onde tem trabalhado nas áreas de redes de sensores sem fio,
computação móvel, comunicação sem fio, dentre outras. Em 1999, estabeleceu no DCC/UFMG, possivelmente o
primeiro grupo de pesquisa em redes de sensores do Brasil, que é bastante ativo, tendo já recebido vários prêmios
por seus trabalhos, sendo o último deles o de melhor artigo do IEEE International Conference on Communications
(maio de 2008). Desde o final da década passada, vem ministrando regularmente disciplinas relacionadas a redes
de sensores sem fio no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação da UFMG. Já publicou mais
de 100 trabalhos em periódicos e conferências nacionais e internacionais na área e já formou vários alunos de
doutorado e mestrado. Tem participado de projetos de pesquisa em redes de sensores, em particular o projeto
SensorNet (Redes de Sensores Sem Fio) a partir de 2003, e outros em parceria com a Universidade de Rutgers,
Estados Unidos, e Universidade de Ottawa, Canadá. Foi apresentador de vários tutoriais em conferências da ACM
e IEEE sobre temas ligados às RSSFs. Atualmente é professor titular do DCC/UFMG, pesquisador 1C do CNPq
e sub-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação da UFMG. Mais informações
estão disponíveis no CV Lattes (http://lattes.cnpq.br/8886634592087842).
Antonio A.F. Loureiro
Departamento de Ciência da Computação
Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte, MG, Brasil
[email protected]
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