1 ENCADEAMENTO ARGUMENTATIVO E RESUMO DE TEXTOS

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ENCADEAMENTO ARGUMENTATIVO E RESUMO DE TEXTOS
Telisa Furlanetto Graeff*
RESUMO: Propõe-se a realização de resumo de texto, com base nas teorias da
Polifonia e dos Blocos Semânticos, de Ducrot e Carel, respectivamente. As etapas identificação dos blocos semânticos; estabelecimento dos quadrados argumentativos;
identificação dos encadeamentos argumentativos expressos pelos enunciadores; seleção dos
aspectos com que o locutor concorda e /ou se identifica - revelaram-se adequadas à
atividade de resumir.
PALAVRAS-CHAVE: Metodologia de resumo. Bloco semântico. Encadeamento
argumentativo. Unidade semântica de base.
Cada vez mais somos obrigados a ler e a produzir resumos. É esse gênero de texto
que permite às pessoas acesso mais rápido ao que há de novo na sua área de atuação, para
que possam decidir sobre o interesse ou não de ler o original. Referimo-nos aqui ao resumo
parafrástico. O mesmo que se faz, por exemplo, quando se ficha uma obra de consulta para
estudo, quando se elabora a revisão de literatura de um trabalho científico, por exemplo.
Sabe-se que a elaboração de um resumo parafrástico deve observar três princípios:
(1) o princípio de completude, o que significa que a(s) unidade(s) semântica(s) básica(s)
deve(m) ser preservada(s); (2) o princípio de fidelidade, o que significa que se deve
parafrasear o original; (3) o princípio de economia, o que significa que se devem evitar as
repetições de unidades semânticas básicas. Relativamente aos princípios de completude e
de fidelidade, Graeff (2001) verificou, em pesquisa realizada com 20 (vinte) leitores
competentes, que realizaram a tarefa de resumir dois artigos de opinião, sem instrução
especial, que esses dois princípios foram observados pela quase totalidade dos resumidores.
Observou, inclusive, que eles não só selecionaram as idéias como também foram capazes
de hierarquizá-las, o que, conforme os estudiosos do assunto, constitui o grande problema
revelado pela análise de resumos (Flottum, 1992). Já o princípio de economia não foi
observado pela maioria dos resumidores.
A hipótese, sugerida por Graeff (2001), com base em instrumental da Teoria da
Argumentação na Língua, desenvolvida por Ducrot e equipe, é que, se fosse apresentado
aos resumidores o quadrado argumentativo de cada um dos blocos semânticos, que se
sucedem ao longo do texto, numa relação de interdependência, eles conseguiriam perceber,
com clareza, as repetições de seu próprio resumo.
Este trabalho tem o objetivo de apresentar uma pesquisa feita com o intuito de
avaliar uma metodologia para elaboração de resumos, baseada na Teoria da Polifonia e na
Teoria dos Blocos Semânticos, respectivamente propostas por Oswald Ducrot e Marion
Carel.
Conforme Carel (1995), um enunciado A donc C (= A portanto C) é argumentativo
por convocar princípios como O apetite é sinal de saúde e O estudo conduz ao sucesso. Tais
princípios não são considerados pela referida autora como associações de conceitos
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Universidade de Passo Fundo/UPF. [email protected]
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independentes (Apetite e Saúde; Estudo e Sucesso), não sendo vistos como elos entre um
argumento e uma conclusão. Ela os percebe como representações unitárias (blocos
semânticos), as quais constituem o próprio sentido dos encadeamentos argumentativos.
Mostra, também, que os encadeamentos em donc, além de exprimirem um bloco,
exprimem uma certa qualidade (positividade ou negatividade) que, associada ao bloco,
permite constituir o que chama de regra.
Considerando as exceções constitutivas das regras, Carel afirma a existência de
encadeamentos transgressivos (em pourtant = mesmo assim), ao lado de encadeamentos
argumentativos (em donc). Sua tese é de que ambos os encadeamentos são igualmente
primitivos, não se fundamentando o encadeamento transgressivo A pourtant não-C no
encadeamento normativo A donc C. Nessa perspectiva, os dois constituem unidades
semânticas básicas.
Desse modo, pode-se estabelecer o quadrado argumentativo de O apetite é sinal de
saúde como segue. Seja: X= apetite Y= saúde
REGRA 1 (bloco semântico + positividade): Quem tem apetite tem saúde.
REGRA 2 (bloco semântico + negatividade): Quem não tem apetite não tem saúde.
Ter apetite donc ter saúde.
Aspecto normativo (X DC Y)
Não ter apetite donc não ter saúde.
Aspecto normativo (neg X DC neg Y)
Não ter apetite pourtant ter saúde.
Aspecto transgressivo (neg X PT Y)
Ter apetite pourtant não ter saúde.
Aspecto transgressivo (X PT neg Y)
Conforme Carel (2002, p.37), a conversão é uma das relações fundamentais do
discurso, visto instalar a oposição entre enunciados. Ao explicitar primeiramente, sob que
condições duas argumentações são conversas, para depois tratar de enunciados conversos,
afirma a pesquisadora que duas argumentações são conversas, primeiramente, quando se
trata de encadeamentos como:
(n) a polícia pressiona Paulo para que vá vê-la, donc ele irá.
(t1) a polícia pressiona Paulo para que vá vê-la, pourtant ele não irá.
isto é, de encadeamentos, com estrito parentesco material, da forma A donc C e A pourtant
não-C.
Observa, contudo, Carel que são também conversos (n) e (t2):
(t2) os professores pressionavam Maria a responder, pourtant ela não respondeu
Explica que a relação de conversão não exige um estrito parentesco material, sendo
converso a A donc C qualquer encadeamento que exprima o mesmo bloco semântico e o
mesmo aspecto transgressivo desse bloco, ou seja, A pourtant não-C. Entende a autora
em foco que são conversos, em relação ao encadeamento normativo(n), ambos os
encadeamentos transgressivos (t1) e (t2), porque, ainda que não sejam estritamente
aparentados materialmente, ambos exprimem a mesma idéia de ação feita sob pressão e sob
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o mesmo ponto de vista transgressivo, ou seja, tanto em(t1) quanto em (t2) é dito que se
pode resistir à coação.
A seguir, Carel (p. 37) define a noção de enunciados conversos:
(...) dois enunciados serão ditos conversos se suas argumentações
internas são conversas. Por exemplo, os dois enunciados até mesmo
esse bom estudante foi reprovado e esse bom estudante, como se
esperava, foi aprovado são conversos porque eles condensam
respectivamente as argumentações conversas é um bom estudante,
pourtant ele foi reprovado e é um bom estudante donc foi aprovado.
Ducrot (1968, p.65), em sua Teoria da Polifonia, faz perceber que a idéia de sujeitofalante remete, na verdade, a várias funções muito diferentes, como a função de sujeito
empírico (produtor do enunciado); de locutor (responsável pelo enunciado); de enunciador
(responsável pelos pontos de vista apresentados pelo enunciado), e que a indicação da
posição de locutor, em relação à posição dos enunciadores, pode ser de identificação, de
aprovação e de oposição
Em vista disso, na perspectiva da Teoria da Polifonia que propõe, há três etapas
importantes para a constituição do sentido do enunciado:
(a) apresentação dos pontos de vista dos diferentes enunciadores;
(b) indicação da posição do locutor em relação à posição dos enunciadores;
(b) identificação do(s) enunciador(es) com outra pessoa que não o locutor.
Para que essa noção de polifonia pudesse ser aplicada à estrutura global do texto,
tivemos (Graeff, 2001) de transpô-la do enunciado para o texto e considerar que o sentido
de um texto expositivo-argumentativo é redutível a uma superposição de diferentes vozes
que, postas em cena pelo locutor, dialogam entre si, agrupando-se para concordar ou
discordar e, com as quais o locutor concorda e se identifica, ou não. Isso significa que, num
texto, os enunciadores são agrupados conforme a identidade da orientação argumentativa
do que enunciam. Em outras palavras, conforme o encadeamento argumentativo que suas
manifestações expressam.
No caso de o locutor não concordar com uma dada orientação argumentativa, os
enunciados que a evocam são todos apagados, isto é, não são retidos no resumo. Já
relativamente ao conjunto de vozes, ditas aparentadas por evocarem o mesmo bloco
semântico e o mesmo aspecto argumentativo desse bloco, ele é mantido no resumo,
expresso num enunciado argumentativo que represente essa idéia comum, que organiza as
vozes no conjunto, caso o locutor com ele concorde e/ou se identifique.
Observe-se que, no caso de o locutor se identificar com um encadeamento
transgressivo de uma regra, de um dado bloco semântico, isso significa que ele concorda /
reconhece a existência do aspecto normativo dessa regra, mas que preferiu usá-la em seu
aspecto transgressivo. Nesse caso, a presença, no resumo, de um encadeamento
argumentativo transgressivo torna desnecessária a presença do seu converso normativo.
A aplicação dessa metodologia foi feita com 10 (dez) alunos de Curso de PósGraduação em Letras, em nível de Mestrado. Foram utilizados três artigos de opinião,
publicados na revista Veja. Inicialmente todos os alunos fizeram o resumo do primeiro
artigo (Texto 1), sem instruções especiais. Já, no processo de seleção e hierarquização de
idéias dos Textos 2 e 3, foram observados os seguintes passos, com o acompanhamento do
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professor: (1) leitura do texto-base; (2) identificação do(s) bloco(s) semântico(s); (3)
estabelecimento do quadrado argumentativo, composto pelos encadeamentos
argumentativos recíprocos (positivo e negativo) e pelos conversos (normativo e
transgressivo) de cada bloco; (4) seleção dos encadeamentos argumentativos expressos no
texto-base pelos enunciadores; (5) seleção dos encadeamentos com que o locutor do textobase concorda e/ou se identifica. Os resumos desses dois textos foram objeto de análise e de
reescrita em sala de aula. Posteriormente, cada aluno recebeu o seu resumo do Texto 1, para
que o reescrevesse, se julgasse necessário. A análise e comparação dos resumos do Texto 1
de cada aluno (escrita e reescrita,), considerando-se a presença/ ausência de unidades
semânticas básicas e a observância aos princípios de economia e de fidelidade,
demonstraram a adequação da metodologia utilizada, especialmente no que se refere à
clareza do resumidor quanto à supressão de enunciados que reiteram a mesma
argumentação.
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