O cérebro não é uma folha de papel em branco

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O cérebro não é uma folha de papel em branco
O ensino está baseado na crença que o ser humano possui um cérebro que pode ser comparado a
uma folha de papel em branco. À medida que a pessoa é educada pais e professores preenchem
esta folha com informações e conhecimento. Nada mais errado.
Neste sábado estava tomando café da manhã com meu filho de dois anos quando ele pegou uma
colher. De repente observei que ele havia descoberto sua imagem refletida na face convexa da
colher. Ficou mexendo a colher e olhando sua superfície até que virou a colher e examinou a face
côncava. As sobrancelhas demonstraram seu espanto, talvez com a imagem de sua própria face,
agora de ponta cabeça. Segurando a colher pelo cabo por várias vezes se mirou no espelho
côncavo e convexo. Finalmente se concentrou na face interna da colher. Parou e então fez o que
me parecia impossível, rodou a colher de modo que, ainda olhando sua imagem invertida, o cabo
da colher, que apontava para o solo, passou a apontar para o teto. Será que se frustrou porque não
teve sucesso em corrigir a imagem invertida rodando a colher? Não sei, mas perdeu a paciência e
jogou a colher no chão. Tudo não durou mais de um minuto.
Comportamentos como este, normais em qualquer criança e descritos faz décadas, são as raízes
do pensamento científico. Primeiro somos estimulados por uma observação (a imagem no lado de
fora da colher). Ao examinar o fenômeno nos deparamos com algo estranho e inesperado (a
imagem invertida de nossa face no lado interno da colher). Confirmamos a observação
(comparamos diversas vezes a imagem formada no lado interno com a imagem formada no lado
externo da colher). Fazemos uma hipótese para explicar o ocorrido (a imagem, que está de ponta
cabeça, pode ser corrigida se virarmos o cabo da colher para cima). Fazemos o experimento
(viramos o cabo da colher para cima). O experimento demonstra que nossa teoria estava errada (a
imagem não é corrigida). Frustração.
É claro que meu filho nunca leu Popper ou teve aulas sobre método científico, mas seu cérebro já
possui o aparato mental necessário para este tipo de raciocínio. Atualmente se acredita que já
nascemos com esta capacidade. O mesmo ocorre com nossa capacidade para a fala (em que
língua depende do meio ambiente em que crescemos), para efetuar operações matemáticas
simples (foi demonstrado em bebes de três meses) e para dezenas de outras habilidades. A cada
ano que passa biólogos e psicólogos demonstram que ao nascermos nosso cérebro é exatamente o
oposto de uma folha de papel em branco. O problema é que esta descoberta ainda não chegou ao
sistema educacional.
Daqui a quinze anos meu filho vai ter uma aula de óptica onde as propriedades dos espelhos
côncavos e convexos vão ser “ensinadas”. Provavelmente ele vai ser estimulado a fazer
experimentos com espelhos e as noções básicas do método científico serão diligentemente
ensinadas. É fácil prever que, como a maioria dos jovens, ele vai achar o assunto pouco
interessante. Dificilmente seus professores verão em seus olhos o espanto que observei no último
sábado.
Do ponto de vista biológico a educação pode ser resumida como a tentativa a sociedade de
influenciar o funcionamento do cérebro de seus membros. Entender os mecanismos que regem o
funcionamento e o desenvolvimento do órgão que estamos manipulando deveria ser uma das
principais preocupações dos educadores. Infelizmente a pedagogia ainda está muito distante de
tentar incorporar os progressos recentes da neurobiologia.
Mais Informações no livro “The Blank Slate. The modern denial of human nature” de Steven
Pinker. Viking NY 2002
Fernando Reinach ([email protected])
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