PDF - Acervo Digital do violão brasileiro

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em Música
Área de Concentração em Práticas Interpretativas - Violão
O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO
Daniel Marques de Aguiar
Contato: [email protected]
Visite na web: www.myspace.com/danielmarques1
Rio de Janeiro
ii
Junho de 2009
O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO
Daniel Marques de Aguiar
Dissertação
de
mestrado
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em Música da
Escola de Música da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial para obtenção
do título de mestre em música com concentração
em práticas interpretativas (instrumento: violão).
Orientador: Turíbio Santos
Rio de Janeiro
Junho de 2009
iii
O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO
Daniel Marques de Aguiar
Orientador: Turíbio Santos
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Música da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial para obtenção do título de mestre em música com concentração
em práticas interpretativas (instrumento: violão).
Aprovada por:
Presidente, Prof. Turíbio Santos (PPGM/UFRJ)
Prof. Dr. Marcelo Oliveira Verzoni (PPGM/UFRJ)
Prof. Dr. Luiz Paulo de O. Sampaio (PPGM/UNIRIO)
Rio de Janeiro
Junho de 2009
iv
Ao violão brasileiro
v
AGRADECIMENTOS
À Carla, minha família, Orquestra Frevo Diabo, Armando Lôbo, Ademir Araújo,
Henrique Annes, Bozó, Lygia Falcão e a todos os músicos, pernambucanos ou
não, que contribuíram com sua generosidade. Agradecimentos especiais a Turíbio
Santos e Regina Meirelles.
vi
RESUMO
O VIOLÃO NO FREVO: UMA LINGUAGEM EM CONSTRUÇÃO
Daniel Marques de Aguiar
Orientador: Turíbio Santos
Estudo técnico interpretativo de três peças solo de violão frevísticas de três
compositores de diferentes gerações e origens, além de transcrições para violão
de acompanhamento da Orquestra Frevo Diabo e sugestões de ostinatos rítmicos
para violão. Informações sobre o gênero foram incluídas para esclarecê-lo e
fornecer dados que poderão ser úteis para novas interpretações destas
composições e de outras do mesmo gênero. A produção esporádica de material
violonístico de frevo foi discutida em função de entendermos melhor a sua
importância.
Palavras-chave: acompanhamento, frevo, música brasileira, solo, violão.
Rio de Janeiro
Junho de 2009
vii
ABSTRACT
The Guitar on Frevo: a language under construction
Daniel Marques de Aguiar
Dissertation Adviser: Turíbio Santos
Interpretative technical study for guitar solo of three frevo pieces of three
composers from different generations and origins, besides transcriptions for guitar
accompaniment of the Orchestra "Frevo Diabo" and suggestions of rythmic
patterns for guitar. Information about this kind of rythm was included to make it
clear and provide data which may be useful for new interpretations of these
compositions and others of the same kind. The sporadic production of guitar
material for frevo was discussed in order to have its importance better understood.
Key words: accompaniment, frevo, brazilian music, solo, guitar.
Rio de Janeiro
June 2009
viii
Sumário
Introdução……………………………………………………………………………......1
Capítulo 1: O Frevo................................................................................................5
1.1 A vibração paroxística do Frevo e o violão........................................................5
1.2 Etimologia........................................................................................................10
1.3 Música: características gerais..........................................................................14
1.4 Frevo-de-rua....................................................................................................21
1.5 Frevo-canção...................................................................................................23
1.6 Frevo-de-bloco.................................................................................................25
1.7 Modernização versus Tradição........................................................................28
1.8 Cem Anos de Frevo: Patrimônio do Brasil.......................................................34
1.9 Rozenblit..........................................................................................................39
Capítulo 2: O Violão no Frevo.............................................................................45
2.1 Orquestrações..................................................................................................45
2.2 Violonistas........................................................................................................52
2.3 Repertório........................................................................................................59
2.4 Acompanhamento............................................................................................62
2.5 Solo..................................................................................................................68
Capítulo 3: Análise de três obras frevísticas para violão solo........................70
3.1 Frevo: terceiro movimento da Petit Suite.........................................................70
3.1.1 Radamés Gnattali...............................................................................70
3.1.2 Análise de Frevo........................................................................... .....71
3.2 Henriquieto.......................................................................................................78
3.2.1 Guinga................................................................................................78
3.2.2 Análise de Henriquieto.......................................................................80
3.3 Festival dos Destinos.......................................................................................85
3.3.1 Armando Lôbo....................................................................................85
3.3.2 Análise de Festival dos Destinos........................................................85
Capítulo 4: Transcrições de três acompanhamentos a partir da Orquestra
Frevo Diabo..........................................................................................................95
4.1 Orquestra Frevo Diabo.....................................................................................95
4.2 Edu Lobo......................................................................................................... 98
ix
4.3 Cordão da Saideira........................................................................................100
4.4 Frevo Diabo....................................................................................................105
4.5 Frevo de Itamaracá........................................................................................110
4.6 Exemplos rítmicos de acompanhamento para a mão direita.........................116
Conclusões gerais.............................................................................................120
Bibliografia.........................................................................................................123
Anexo 1: Entrevistas...........................................................................................127
Anexo 2: Arranjos Integrais da Orquestra Frevo Diabo......................................141
x
Lista de Figuras
1
Agenda do Centenário do Frevo.................................................................35
2
Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp.1-17 /Radamés Gnattali......72
3
Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp. 18-36 /Radamés Gnattali..73
4
Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp. 37-54 /Radamés Gnattali..74
5
Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp. 55-71 /Radamés Gnattali..75
6
Henriquieto - Cp. 1-19 / Guinga e Aldir Blanc.............................................81
7
Henriquieto - Cp. 20-45 / Guinga e Aldir Blanc...........................................82
8
Festival dos Destinos – Cp. 1-30 / Armando Lôbo......................................86
9
Festival dos Destinos – Cp. 31-66 / Armando Lôbo....................................87
10
Festival dos Destinos – Cp. 67-99 / Armando Lôbo....................................88
11
Festival dos Destinos – Cp. 100-159 / Armando Lôbo................................89
12
No Cordão da Saideira – Cp. 1-32 / Edu Lobo - Arr. Armando Lôbo........101
13
No Cordão da Saideira – Cp. 33-68 / Edu Lobo - Arr. Armando Lôbo .....102
14
No Cordão da Saideira – Cp.69-108 / Edu Lobo - Arr. Armando Lôbo.....103
15
No Cordão da Saideira – Cp.109-142 / Edu Lobo - Arr. Armando Lobo...104
16
Frevo Diabo – Cp.1- 54 / Edu Lobo e Chico Buarque - Arr. Banda
Armando Lôbo e Arr. Guitarra - Daniel Marques.....................................106
17
Frevo Diabo – Cp.55-108 / Edu Lobo e Chico Buarque............................107
18
Frevo Diabo – Cp.109–162 / Edu Lobo e Chico Buarque.........................108
19
Frevo Diabo – Cp.163-164 / Edu Lobo e Chico Buarque..........................109
20
Frevo de Itamaracá Cp.1-45 / Edu Lobo – Arr. Daniel Marques...............111
21
Frevo de Itamaracá Cp.46-90 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques..............112
22
Frevo de Itamaracá Cp.91-135 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques............113
23
Frevo de Itamaracá - Cp.136-180 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques........114
24
Frevo de Itamaracá - Cp.181-201 / Edu Lobo - Arr. Daniel Marques........115
25
Frevo – Levadas Rítmicas - Frevos 1 a 5 / Daniel Marques.....................117
26
Frevo – Levadas Rítmicas – Frevos 5 (cont.) a 8 / Daniel Marques.........118
27
Frevo – Levadas Rítmicas –Frevo-de-bloco 9 / Daniel Marques..............119
xi
Lista de Quadros
1
Frevos para violão: Originais............................................................60
2
Frevos para violão: Arranjos.............................................................61
INTRODUÇÃO
“... eu pensei assim: ‘Ninguém faz frevo, aqui ninguém faz frevo.’ ”
(Edu Lobo apud ALBUQUERQUE, 2006:143)
Completando o centenário no ano de 2007, é interessante indagar por que
uma manifestação musical e sócio-cultural tão importante como o frevo não tem
recebido, de certa forma, maior atenção por parte dos pesquisadores e músicos.
Há muita dificuldade de encontrar material acadêmico que discuta o frevo de
maneira formal. São raríssimas as dissertações não sendo encontrada, também,
nenhuma tese de doutorado sobre o gênero musical. Faltam discussões técnicomusicais e análises formais de frevos, sobretudo em relação ao violão. Não existe
material algum, seja didático ou acadêmico, dedicado, exclusivamente, ao frevo
nesse instrumento, ainda mais no que diz respeito à sua função de
acompanhador.
A pesquisa discute as razões que fizeram com que o frevo e sua linguagem
violonística fossem pouco explorados e tornados tão inacessíveis, pretendendo,
com isso, contribuir para o incentivo do registro formal do frevo. Serão analisadas
três obras para violão solo e observadas três transcrições de violão de
acompanhamento. Analisaremos alguns aspectos técnicos das obras escolhidas
com o intuito de elaborar algum material para um futuro estudo ao violão.
Discutiremos como funcionam essas aplicações no instrumento (articulação,
dinâmicas, timbres etc.) tentando traduzir, da maneira mais próxima possível, a
qualidade plural de uma orquestra. Reconstituiremos o caminho do gênero
através de suas raízes e seu nascimento até o desenvolvimento fragmentado de
sua linguagem ao violão. Qualificamos de fragmentado porque, como solista, o
instrumento se sustenta até hoje devido a compositores, violonistas ou não, que
deram contribuições esporádicas compondo na maioria das vezes somente uma
ou duas peças frevísticas durante toda a sua carreira.
A despeito de algumas iniciativas frutíferas dos músicos de trabalhar o
gênero com novos arranjos, mesclando e somando diferentes elementos musicais
2
brasileiros e estrangeiros, como o jazz, o frevo, de maneira geral, devido à falta
de material impresso e de divulgação, ficou reservado aos seus próprios
criadores: os pernambucanos. Por conta disso, chamaremos a atenção, na parte
de análise, para um repertório de violão solo que visa ressaltar, também, outras
formas de compor frevo para discutirmos diferentes abordagens técnicas do
instrumento. Assim, além do compositor pernambucano Armando Lôbo, foram
escolhidos, também, compositores de outras regiões do Brasil: Guinga, do Rio de
Janeiro - RJ e Radamés Gnattali, de Porto Alegre - RS. As possibilidades de
diversificação e renovação do gênero incluem a discussão sobre novas propostas
para o desenvolvimento da linguagem frevística ao violão.
De acordo com essa idéia de apontar diversificações da linguagem do
frevo, foi escolhida a Orquestra Frevo Diabo, do Rio de Janeiro (primeiro grupo
não pernambucano dedicado exclusivamente ao frevo), como principal referência
no que diz respeito ao violão de acompanhamento. As três transcrições para esse
tipo de prática violonística foram feitas a partir de canções do compositor Edu
Lobo, gravadas no primeiro CD do grupo (“Frevo Diabo”, 2009), exemplificando o
contraste que existe entre a função de solista e de acompanhador que o violão
pode exercer.
A tradição das grandes orquestras sobrevive, mas são poucas as iniciativas
de inovação do gênero. Isso se reflete no desenvolvimento e na construção da
linguagem do violão no frevo, tendo em vista que por não ter se firmado como um
instrumento tradicional das orquestras de rua, também não se desenvolveu e se
solidificou em sua linguagem solista. Sua prática melódica não foi muito
desenvolvida e quando apresenta um caráter moderno é por conta da maneira de
compor e interpretar de violonistas que muitas vezes não são profundos
conhecedores do gênero e, naturalmente, acrescentam outras influências a essa
linguagem. A função de acompanhador se consolidou, o que não aconteceu com
a solista, por conta das agremiações ligadas ao frevo-de-bloco, porém, a falta de
conhecimento formal desses violonistas dificulta a pesquisa. Assim, escolheu-se
pesquisar o grupo Frevo Diabo porque, além de trabalhar com a guitarra e o
violão de acompanhamento muito presentes, tem sido considerada por
importantes compositores de frevo referência de sonoridade inovadora no gênero
3
e porque é um grupo de músicos com formação acadêmica, o que facilitou a
pesquisa.
Para colhermos informações a respeito da técnica utilizada pelos
instrumentos de cordas no frevo foram realizadas entrevistas com diversos
músicos pernambucanos e violonistas brasileiros que compuseram frevos. Fez-se
também necessário um levantamento básico de partituras e gravações. Daí
surgiram as informações mais importantes sobre o violão no frevo e suas
possibilidades de interpretação que aplicaremos na análise das peças escolhidas.
O material colhido nas entrevistas permitiu constatar, por exemplo, que existe
uma problemática presente na diferença técnica de execução dos fraseados
melódicos entre os instrumentos de corda e de sopro, principalmente quando se
trata de articulação das notas. Por isso, observaremos possibilidades de
adaptações da escrita dos sopros para o violão.
Em virtude das comemorações do centenário do frevo em 2007, foram
reeditados e lançados livros a respeito do gênero. A Prefeitura do Recife investiu
muito nas comemorações. Essas festividades ocorreram em nível nacional e,
nesse mesmo ano, o frevo foi reconhecido como Patrimônio Histórico Imaterial do
Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)1. Apesar
disso, o estudo formal e musical do frevo pouco avançou, além de que o
conhecimento geral em relação ao frevo do grande público, e mesmo da maioria
dos músicos não pernambucanos, até hoje é muito superficial. Por conta de
certos sucessos esporádicos de alguns frevos cantados criou-se uma idéia muito
limitada do gênero enquanto música. Por isso se faz necessário, também,
conceituar e explicar suas complexidades visando melhor compreensão das
análises aqui apresentadas dos frevos de violão.
Esta pesquisa tem o seguinte objetivo: observar possibilidades técnicas de
interpretação do frevo no violão nunca discutidas antes, investigando as hipóteses
1
O IPHAN define como Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO: "as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares
culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." (disponível em:
http://:portal.iphan.gov.br)
4
que justificam a ausência de material de frevo violonístico e que se refletem em
sua produção. O trabalho está dividido da seguinte forma:
Capítulo 1: Apresenta-se uma breve introdução à parte musical do frevo,
conceituando-o e observando complexidades essenciais para analisar alguns
aspectos das dificuldades de traduzi-lo para a linguagem violonística. Serão
discutidas questões sociológicas do frevo que refletiram em suas qualidades,
imprescindíveis para a compreensão desse trabalho.
Capítulo 2: Observa-se como e o quanto o violão se inseriu e se desenvolveu no
universo frevístico, chamando a atenção para as diferenças e dificuldades de se
adaptar um gênero essencialmente orquestral para um instrumento só. São
analisadas, também, as características que diferenciam as qualidades do
instrumento como acompanhador e como solista. São apontados alguns
violonistas que constituem referência para o gênero.
Capítulo 3: Contém uma análise musical de três peças frevísticas para violão
solo de três compositores de gerações diferentes: Frevo, terceiro movimento da
Petit Suíte de Radamés Gnattali, Henriquieto de Guinga e Festival dos Destinos
de Armando Lôbo. É feita uma breve apresentação de cada compositor.
Capítulo 4: São transcritos três arranjos comentados de acompanhamento para
violão gravados no CD da Orquestra Frevo Diabo. São composições de Edu
Lobo: Frevo Diabo, Frevo de Itamaracá e Cordão da Saideira. É apresentada uma
breve introdução ao trabalho do grupo Frevo Diabo e do compositor Edu Lobo.
5
CAPÍTULO 1
O Frevo
1.1 A vibração paroxística do frevo2 e o violão
Os três principais referenciais teóricos utilizados na pesquisa foram os
livros “Frevo, Capoeira e Passo” (OLIVEIRA, 1971), “Frevos de Rua” (MENEZES,
2006) e “Frevo: 100 anos de Folia” (CASSOLI, 2007). O primeiro é um pioneiro no
assunto, o mais antigo trabalho encontrado, e o último um dos mais recentes. Os
dois se complementam porque apresentam abordagens distintas do assunto: a
pioneira e a atual. No decorrer da pesquisa bibliográfica, nenhum livro ou método
de violão no frevo foi encontrado.
Em Oliveira (1971), além de exemplos impressos em pequenos trechos de
partituras com detalhes técnicos sobre a música, encontramos dados sociais
importantes sobre as origens do frevo. Já o livro “Frevo: 100 Anos de Folia” faz
um panorama do frevo desde seu nascimento até os dias de hoje, apresentando
depoimentos de muitos músicos e estudiosos, assim como fotos e informações
significativas na sua trajetória. E o livro do maestro José Menezes é a primeira
edição completa de arranjos para frevo-de-rua3 por ele compostos e arranjados.
Suas partituras estão muito bem editadas com indicações de dinâmica e
articulações, raras de se encontrar no material frevístico em geral. Apesar do
maestro não ter se aprofundado na escrita dos instrumentos de corda e sim
essencialmente nos de sopro, tomaremos suas sugestões interpretativas como
referência principal para analisarmos as peças escolhidas para a presente
pesquisa. Esse referencial teórico foi essencial para ilustrar a complexidade e
diversificação desta manifestação cultural que é o frevo. Somente sua dança, por
exemplo,
já
justificaria
sua
importância.
Aqui
escolhemos
a
música,
especificamente no que diz respeito ao violão. Usaremos também, como apoio à
pesquisa, as informações técnicas colhidas em entrevistas, que muitas vezes
2
3
Termo definido por Mario de Andrade (1947).
Serão explicados na pesquisa os diferentes tipos de frevo.
6
revelaram detalhes sobre o violão no frevo que não estão registrados em nenhum
livro ou método encontrado que incluem o gênero.
O gênero se subdivide, tradicionalmente, em três tipos de frevo que
possuem naturezas, ao mesmo tempo, muito diferentes e complementares. Muito
se pensa a respeito do frevo como um gênero menor, e que só aparece no
carnaval, sem força fora da época festiva. Essa percepção é tão limitada e a falta
de debate sobre esse assunto é tanta que se coloca a necessidade de conceituar
o frevo desde seus primórdios, tendo como base o referencial teórico citado,
passando sobre as diferentes vertentes de sua música, para que nossa discussão
a respeito do violão, no frevo, seja compreendida de forma mais aprofundada.
Assim sendo, um tópico sobre etimologia da palavra “frevo” se fez necessário.
A carência de informação também se deve à inexistência de materiais
acadêmicos sobre frevo à disposição. Pouco se formalizou a discussão sobre
seus paradoxos sociais e musicais. Isso inclui o violão diretamente, pois
justamente essa falta de reflexão pode ter resultado na falta de uma linguagem
consistente de frevo desenvolvida no violão. O instrumento foi pouco integrado ao
gênero, a ponto de não fundar uma tradição como solista. Como acompanhador,
não acrescentou tanto ao universo violonístico e não gerou interesse, por parte
dos violonistas em geral, de abarcá-lo. É comum que muitos violonistas nem
tomem conhecimento da existência dessa tradição de acompanhador de frevo.
As dificuldades de se adaptarem as técnicas de um tipo de instrumento em
outro são evidentes. Tanto é que, geralmente, o compositor quando concebe uma
melodia, arranjo etc. já pensa em um instrumento específico interpretando-o de
acordo com suas qualidades técnicas. O instrumento, com sua identidade, faz
parte da criação da música. Essa não existe por si só.
Para interpretar o frevo no violão, o instrumento deve se desmembrar ao
máximo para soar plural dentro de sua identidade singular, transcendendo a
técnica para dar conta das exigências expressivas de cada obra. Devem-se
utilizar os recursos de diferentes timbres no violão para ser capaz de traduzir o
frevo, que nasceu na orquestra com diferentes instrumentos, que sugerem um
colorido sonoro típico. Na presente pesquisa, interessa discutir a linguagem do
7
violão e aplicá-la a esse gênero pouco explorado no instrumento. O violão é raro
na condição de solista e pouco ousado e difundido na sua pequena tradição de
acompanhador na época carnavalesca.
Serão discutidas as possibilidades de tradução do frevo ao violão
observando-se três aspectos para o seu estudo: a linguagem do instrumento e
suas peculiaridades; a linguagem do frevo que se desenvolveu, sobretudo, nos
instrumentos de sopro; e o que já foi produzido de material frevístico dedicado ao
violão. Foi levantada uma lista do repertório de violão solo no frevo com seus
respectivos autores no capítulo dois, onde percebemos que os autores, em sua
maioria, compuseram um ou dois frevos cada um. Com isso reforça-se a idéia de
sua produção ter sido esporádica, sempre sendo trabalhado pelos autores como
um gênero de certa forma experimental, ou ainda, exótico e idealizado, por conta
da falta de aprofundamento no mesmo.
Parece existir atualmente um movimento de reafirmação de identidade
brasileira de certos artistas a partir da prática de alguns gêneros musicais que
haviam sido deixados de lado em função da música estrangeira nas últimas
décadas. Como exemplo de dificuldades passadas por um músico que vivenciou
essas mudanças, citamos o violonista Dino Sete Cordas, já falecido e integrante
do grupo “Época de Ouro”, que foi obrigado a tocar guitarra elétrica nos bailes do
Rio de Janeiro para sobreviver, deixando o violão de lado durante determinada
época de sua vida quando o choro e o samba foram desvalorizados, por conta da
influência da música americana dominante nas rádios (BECKER, 1996).
Agora, certos gêneros musicais considerados “de raiz”, como o samba, o
choro, o forró e o maracatu, floresceram e retornaram ao interesse do público e
conseqüentemente do mercado. Desenvolveu-se uma vontade, principalmente
das novas gerações, de se afirmar brasileiro pela incorporação dessa música. O
frevo também se destacou recentemente na mídia em função das comemorações
de seu centenário. Esse destaque reflete a intencao de alguns de fazer com que
esse venha a se somar aos outros gêneros citados que retornaram ao gosto
popular. Essa necessidade de se afirmar brasileiro a partir de uma música
supostamente “popular”, que representa de forma figurativa uma luta de opostos -
8
que podem ser representados pelos seguintes clichês: o dominado e o
dominador, o intelectual e o sem formação acadêmica, ou ainda o “erudito” e o
“popular” - acaba gerando uma falta de elaboração na estética da música e,
conseqüentemente, o uso superficial de uma linguagem regional, o que resulta
em uma música utilizada à forma de maneirismos, como o frevo, por exemplo.
Nesse caso o gênero musical serve a um fim não diretamente o artístico, quando
é incorporado e recriado com o intuito de representar uma atitude política: afirmarse brasileiro acolhendo parâmetros de identidade musical construída no passado,
sem necessariamente reinventá-lo à sua época. Assim, muitos se utilizam de
certos elementos típicos de um gênero, principalmente regional, para justificar
essa identidade brasileira, livrando-se da influência estrangeira mas sem um
estudo aprofundado do mesmo. No início da década de 1990 surgiram muitos
grupos dedicados a gêneros musicais brasileiros, e a tendência, dada a criação
de rádios e programas televisivos desde então dedicados à música chamada
“MPB”, parece ser a de que essa música considerada “popular” está em uma
nova fase de ascendência. Mas näo necessariamente está sendo recriada.
Em relação ao frevo essa falta de aprofundamento se faz presente pelo
fato de que sua música, embora tenha servido de inspiração para muitos
compositores, inclusive violonistas, não recebeu dedicação exclusiva de nenhum.
Vale ressaltar que nenhum grupo, fora as orquestras de frevo pernambucanas, se
dedicou exclusivamente ao frevo. A “Orquestra Frevo Diabo”, que inclui o violão
em sua formação, é a primeira iniciativa nesse sentido. Os grupos não
pernambucanos que trabalharam com o frevo o fizeram de forma esporádica, em
sua maioria como pequenos blocos carnavalescos e tocando arranjos de
maestros pernambucanos executados também por outras orquestras. O “Frevo
Diabo” trabalha com seus próprios arranjos, o que proporcionou um estudo
singular do violão de acompanhamento de frevo, observando sua integração ao
grupo através das transcrições feitas a partir de CD gravado (2009).
A linguagem desenvolvida do frevo é essencialmente orquestral, apresenta
uma pluralidade característica de orquestra. Essa estrutura coletiva tem como
identidade a variedade de complexos timbres, ritmos, melodias e harmonias.
Nessa pesquisa também propomos o violão como um tradutor alternativo do
9
frevo, simplificando-o em relação à diversidade original do gênero com sua
dimensão orquestral. É interessante simplificá-lo tecnicamente, mas não
poeticamente, mantendo sua grandiosidade. Para isso se faz necessário um
estudo das características de orquestração trabalhadas pelos compositores junto
as suas respectivas bandas. A possibilidade de incluir o violão no frevo foi mínima
se comparada à grande tradição das orquestras e grupos de frevo e, por isso,
pretendemos colaborar e dialogar com essa tradição. Como traduzir uma
linguagem de rua como a do frevo para o universo intimista do violão, mantendo
sua alma festiva? Discutiremos a idéia de que o frevo é mais complexo que a
impressão geral que se tem do mesmo, e o quanto essa constatação deve ser
levada em consideração ao interpretá-lo no violão.
É importante observar que parte da música brasileira ainda está em fase
de assimilação nas academias de música, tendo em vista que os registros formais
de certos gêneros musicais ainda são raros. Essa lacuna existente no estudo
formal da música brasileira, que inclui o frevo, é um problema para quem quer se
aprofundar em seus estudos, restando, quase como opção única, o trabalho de
campo para colher informações sobre a maneira de se executar o frevo ao violão.
O que se revela um paradoxo: um gênero essencialmente orquestral, de certa
forma inacessível pelo estudo formal.
Discutimos aqui a parte musical do frevo traduzida para a linguagem do
violão, procurando entender sua trajetória e seu desenvolvimento, que ainda está
em construção, já que o instrumento sempre esteve à margem da prática
orquestral frevística. Por conta da literatura de frevo violonística ser quase
inexistente, ainda mais se comparada à literatura orquestral, são abordadas, de
forma complementar, através de nosso referencial teórico acima citado, certas
qualidades do gênero que não são exclusivas do instrumento ou que
simplesmente não dizem respeito ao violão no frevo de maneira direta. O intuito é
enriquecer o estudo dessa forma sócio-musical para entendermos as suas
questões na esfera instrumental, sobretudo violonística.
O frevo é uma música de paradoxos, onde opostos dialogam o tempo
inteiro. Seja nos contrapontos, nos conflitos entre orquestras rivais, no seu ritmo
10
que se desloca no tempo, em altos e baixos de sua dinâmica ou representando
uma luta para se definir “popular” ou “erudito”. “Paradoxo” parece ser a melhor
palavra para definir esse gênero que nasceu na rua e tem a essência sofisticada e
intelectual da música de concerto.
1.2 Etimologia
Para enriquecer esse estudo se faz necessário conceituar a palavra “frevo”,
que anteriormente a substantivo, tem natureza adjetiva que traduz a alma de sua
música. A data de nascimento do gênero foi fixada quando a imprensa divulgou,
pela primeira vez, a palavra, em 09 de fevereiro de 1908. Não coincidentemente,
um período de atmosfera carnavalesca. Foi em uma publicação do Jornal
Pequeno do Recife que seu registro estreou na imprensa pernambucana. Em
Ribeiro (1949, apud Rabello4, 2004:14) foi encontrado o registro de uma chamada
para um baile da época: “Clube Carnavalesco Empalhadores do Feitosa”. O texto
se chamava “Olha aí o Frevo”, escrito pelo jornalista Osvaldo de Almeida, cujo
pseudônimo era Paula Judeu.
Essa reportagem informava ainda a respeito do repertório executado na
noite de festa:
“O seu repertório é o seguinte: Marchas - Priminha,
Empalhadores, Delícias, Amorosa, O Frevo, O Sol, Dois
Pensamentos e Luiz do Monte, José de Lyra, Imprensa e
Honorários; Ária - José da Luz; Tango - Pimentão.” 5
Esse registro foi muito bem aceito como data oficial do nascimento da
palavra frevo. É o primeiro registro encontrado ou, ainda, o registro mais antigo
descoberto até então. Vale observar que quando foram feitas as primeiras
gravações do gênero, na década de trinta, ainda não se chamavam frevo, e sim
marcha-nortista. Hoje se considera que essas gravações já eram frevo. Ou seja, a
palavra já tinha sido utilizada na imprensa por volta de trinta anos antes, mas seu
uso formal e definitivo pelos músicos ainda levaria algum tempo como aconteceu
4
5
Historiador Evandro Rabello
O grifo é nosso.
11
com diversos outros gêneros brasileiros. Segundo Souza (2004), o frevo foi
lançado em disco por Francisco Alves, em 1930, ao gravar Frevo Pernambucano6,
composição de autoria de Luperce Miranda e Oswaldo Santiago, dois
pernambucanos. Antes disso a palavra frevo não tinha sido utilizada pela indústria
fonográfica. Um ano depois foi gravado “Vamo se Acabá” (Nelson Ferreira) pela
Orquestra Guanabara que recebeu a classificação de “frevo”. As duas canções
foram gravadas no Rio de Janeiro. Nos primórdios do frevo na indústria
fonográfica, a base das gravações feitas era no Rio. Essa indústria será discutida
no tópico “Rozenblit”.
Vale ressaltar que o nome frevo foi inaugurado em gravações por uma
composição de um bandolinista, que é um instrumentista de cordas, Luperce
Miranda. Segundo o bandolinista entrevistado Marco César (2007), Luperce
Miranda e os irmãos Nelson e Romualdo Miranda foram os primeiros a gravar
frevos em instrumentos de corda. Ou seja, Luperce fez duas inaugurações no
gênero. O violão poderia ter ocupado esse lugar, já que a natureza dos
instrumentos de corda é semelhante, não sendo uma limitação o fato de não ser o
compositor um instrumentista de sopro.
Para melhor compreensão do significado da palavra frevo, foram
encontradas algumas definições em dicionários e pesquisas etimológicas, que
expressam a alma da música e de sua festividade. Abaixo, relato de Mário de
Andrade no “Dicionário Musical Brasileiro” (ANDRADE, 1911:233).7
“Dança instrumental, marcha em tempo binário e andamento
rapidíssimo, popular especialmente no carnaval do Recife, seu
lugar de origem. Alguns autores datam seu aparecimento no ano
de 1909, mas todos concordam que sua ascendência é a polca
militar, ou polca-marcha. É dançado na rua ou nos salões, em
roda ou em marcha; neste primeiro caso admite a entrada de um
passista que sola coreografias com saca-rolhas, chã de
barriguinha, tesoura, parafuso, dobradiça e outras inventadas
conforme o dançarino (...). Pelo ritmo sincopado ser
extremamente contagiante, admite-se que o nome frevo seja
6
7
É freqüente o uso da palavra “frevo” no nome de músicas desse gênero.
Vale notar que, à época, o registro mais antigo da palavra frevo datava de 1909, um ano depois
da recente descoberta que oficializou seu nascimento. Assim, nada impede que em algum
momento outra descoberta proponha uma nova data de aniversário. Os registros históricos, ao
que tudo indica, não são definitivos.
12
derivado de frever (ferver), por alusão ao comportamento da
multidão dançante.”
A Fundação Joaquim Nabuco define:
“FREVO: A palavra frevo vem de ferver, por corruptela frever,
dando origem à palavra frevo, que passou a designar:
‘Efervescência, agitação, confusão, rebuliço; apertão nas reuniões
de grande massa popular no seu vai-e-vem em direções opostas
como pelo Carnaval’, de acordo com o ‘Vocabulário
Pernambucano de Pereira da Costa’. Divulgando o que a boca
anônima do povo já espalhava, o Jornal Pequeno, vespertino do
Recife, que mantinha a melhor secção carnavalesca da época, na
edição de 12 de fevereiro de 1908, faz a primeira referência a
palavra frevo.” (LIMA, 2007)8
Todas essas definições são extensas, o que nos leva a concluir que não é
simples definir o que é frevo. O dicionário Houaiss define e ainda explica porque
seu aparecimento foi datado anteriormente em 1909:
“FREVO: dança em compasso binário e andamento rápido,
surgida no final do século XIX, na qual os dançarinos, portando
guarda-chuvas fantasiosos, executam coreografia individual,
marcada por ágil movimento de pernas que se dobram e se
estiram freneticamente. Espécie de marcha em ritmo frenético que
acompanha essa dança. Folia agitada, brincadeira calorosa,
agitação, bulício, confusão. Corruptela da palavra ferver por
alusão à agitação e ao calor da dança e da música. Um filme
antigo da Agência Nacional datava esta palavra de 1909, dizendo
ter sido a primeira vez que ela foi usada no sentido musical que
tem hoje.” (HOUAISS, 2007:113)
Nota-se que Houaiss afirma ter o frevo surgido no final do século XIX. Essa
afirmação não parece errada no que se refere às evidências de nascimento do
gênero, porém não diz respeito à palavra "frevo" diretamente. É evidente que a
palavra tenha surgido depois da estética musical já ter se formado e o registro
formal na mídia naturalmente não garante que a palavra já não tivesse sido criada
muito antes.
O folclorista Joaquim Ribeiro talvez tenha sido o que mais se aprofundou na
discussão da origem da palavra frevo em seu livro “Etimologia do Frevo"
(RIBEIRO, 1949). Ele nega a hipótese da origem africana, como no samba e
8
Informação disponível em:
(http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationC
ode=16&pageCode=303&textCode=923). Acessada em 20 de dezembro de 2007.
13
outros gêneros, reafirmando sua origem local recifense. Nota-se que ele se refere
à origem do vocábulo, e não do frevo enquanto gênero:
“(...) O ‘localismo’ do vocábulo afasta a origem negra. Os
vocábulos negros, de regra, possuem áreas-geográficas amplas e
não se fixaram exclusivamente numa órbita urbana. O fato de
‘frevo’ ser batismo genuinamente recifense, urbano por excelência
nos permite sugerir no étimo algo literário. A expressão ‘marcha
frevo’ deve se entender ‘marcha ligeira’, como de fato é,
aceitando-se ‘frevo’ como corruptela de ‘frívolo’, cujo significado
geral é ligeiro, volúvel, etc.. Este étimo que surgiu só é admissível
e defensável, enquanto estiver assentado que o ‘frevo’ é criação
exclusivamente urbana de Recife.”9
Em todas as definições e hipóteses encontramos uma qualidade em
comum: a referência ao calor. Temperatura alta que se refere ao encontro das
multidões em pleno verão para festejar ao som da música singular que não deixa
ninguém descansar. Sejam os músicos em desfile, que vão à exaustão em função
do alto nível técnico e físico exigido pela música, ou os passistas junto à multidão,
que fazem coreografias acrobáticas que também os levam ao cansaço e ao suor.
É comum inclusive a perda da audição devido ao alto volume de som gerado nos
desfiles. Volume comparado ao de um show de rock. Resultados de uma
pesquisa na “Revista Brasileira de Otorrinolaringologia” revelam que “As queixas
auditivas mais freqüentemente citadas pelos músicos foram tontura e zumbido.”
(ANDRADE, A. et al, 2002:4)
Dessa maneira, o nome frevo parece perfeito para designar tudo que
engloba essa manifestação cultural. Sua natureza quente reflete toda a energia
despendida para fazê-lo acontecer. É notável o virtuosismo de todos seus
executantes, músicos instrumentistas e compositores, e seus dançarinos. É um
evento que exige energia de todos os participantes. E o mais surpreendente é o
quanto se ouve pessoas analfabetas ou semi-analfabetas a cantarolar melodias
instrumentais complexas, inclusive seus contrapontos.
9
Texto também publicado em Jangada Brasil, Ano IV. Edição 75. Fevereiro de 2005. Disponível
em (http://www.jangadabrasil.com.br/revista/fevereiro75/fev75002a.asp). Acessada em dez/2008.
14
1.3 Música: características gerais
O frevo é considerado um gênero exclusivamente urbano de Pernambuco,
tendo nascido em Recife, especificamente nos bairros de São José, Santo
Antônio e Boa Vista, sendo totalmente ligado à tradição carnavalesca. Apesar de
o gênero ser considerado nascido do “povo” (OLIVEIRA, 1946), o frevo não pode
ser considerado folclore porque tem seus compositores reconhecidos, com suas
maneiras pessoais de escrevê-lo e arranjá-lo. O frevo não surgiu de melodias
populares disseminadas pela tradição oral. Não pode ser considerado uma
música primitiva e nem é praticada somente por um restrito grupo étnico. Logo,
não se pode atribuir a isso a falta de estudo formal sobre o gênero: a raiz de suas
orquestrações é européia. Sua música foi elaborada sempre de forma complexa e
não ao acaso de uma situação festiva. Aqui não se está questionando sua
legitimidade enquanto gênero musical não pertencente ao folclore brasileiro, e sim
chamando a atenção para um fato que sugere uma discussão: o frevo, apesar de
não ser folclore, se limitou a um regionalismo, ou ainda, aos limites de seu estado
de nascença: Pernambuco. Embora tenha se expandido para alguns estados
vizinhos como, por exemplo, Alagoas, não criou tradição em nenhum deles.
“O povo do Recife nunca fez, nunca compôs um frevo” (OLIVEIRA,
1946:42). Seus autores sempre foram reconhecidos, desde a época de
“Vassourinhas” (1909), de autoria reconhecida de Mathias da Rocha e Joana
Baptista.
“O autor do frevo nunca é anônimo (...) como sucede na música
folclórica (...). É a obra de um homem, aceita por uma coletividade
(...). A categoria frevo se estabilizou, já, como expressão da índole
própria e exclusiva de um corpo social.” (OLIVEIRA, 1971:43)
Tendo origem na tradição militar com a criação da Guarda Nacional (1831),
as bandas pernambucanas executavam no carnaval os seguintes gêneros
europeus: marchas, polcas, dobrados, galopes, tangos e quadrilhas. E o brasileiro
maxixe (CASSOLI et al, 2007:46). Devemos incluir também a influência da
capoeira através da dança que se refletiu na música e vice-versa. Sua coreografia
muitas vezes chega a ser uma demonstração acrobática, virtuosismo que
expressa as acrobacias técnicas exigidas também ao tocar o instrumento. Essas
15
bandas militares do séc. XIX ajudaram a desenvolver a linguagem orquestral de
instrumentos de metal e percussão do frevo que conhecemos hoje. O violão
nunca pertenceu à instrumentação tradicional desse tipo de banda. Sua raiz
enquanto concertista e solista é fundamentada na escola da música clássica
européia, onde se pode citar como referência a obra de Villa-Lobos para violão
que tem a linguagem brasileira, porém os formatos europeus de estudos e
concertos. Logo, o fato da parte essencial da linguagem melódica e harmônica do
frevo ter nascido nos instrumentos de sopro faz ser necessário um trabalho de
adaptação para o violão.
Para entender os primórdios do frevo, voltemos a atenção para a sua
natureza violenta que se evidencia desde o início da história dessas bandas
pernambucanas. Os maestros e as orquestras por eles lideradas muito
rivalizavam entre si, numa espécie de competição comparada à dos clubes de
futebol atuais.
“As bandas rivais do Quarto (4o. Batalhão) e da Espanha
(Guarda Nacional) desfilavam no carnaval pernambucano
protegidas pela agilidade, pela valentia, pelos cacetes e pelas
facas dos façanhudos capoeiras que aos saracoteios desafiavam
os inimigos: 'Cresceu, caiu, partiu, morreu!'” (CARNEIRO,
1971:22)
O frevo surgiu da interação entre música e dança, a ponto de não se poder
distinguir “se o frevo, que é a música, trouxe o passo ou se o passo, que é a
dança, trouxe o frevo” (OLIVEIRA 1946:158). Abrindo caminho para o cortejo das
bandas, vinham os capoeiristas, cujas gingas e rasteiras deram nascimento ao
passo (SOUZA, 2004). Essa rivalidade e conflito se transferem diretamente para a
música quando melodias e ritmos brigam na forma de contrapontos ligeiros,
síncopes e mudanças súbitas de dinâmica, onde o violonista solista tem que usar
os recursos técnicos do instrumento ao máximo. “O violão possui grande riqueza
tímbrica e de ruídos”
10
(PEREIRA, 2003) que podem ser inclusive pancadas em
seu tampo de madeira. Ele dá conta de exprimir agressividade se preciso.
10
Prof. Marco Pereira, em depoimento em sala de aula na Escola de Música da UFRJ.
16
Contrariando a imagem lúdica que se fixou no imaginário popular através
da imagem do dançarino que roda sua mítica sombrinha, que muitos identificam
como mero instrumento usado para manter o equilíbrio durante a performance,
vale acrescentar:
“A utilização da sombrinha, símbolo inquestionável do frevo,
também remonta a esta época e aos capoeiras. Com a proibição
da capoeira e a ação do Estado no sentido de controlar o carnaval
e sua agitação, a sombrinha é uma espécie de arma branca,
disfarçada – como o são, aliás, os símbolos de muitas
agremiações carnavalescas, onde um cabo, cassetete em
potencial, é muito recorrente: a pá, o machado (onde o que
importa é o cabo, pois a “lâmina” era confeccionada em papel), o
pão (feito de madeira), o abanador, a vassoura (...) se o samba
diverte, o frevo fere; e isto está expresso nos símbolos, na
expressão visual, na música e na dança do frevo.” (IPHAN11,
2007)
O violão também precisa se transformar em arma de guerra musical
poeticamente se quiser captar essa essência frevística. Essa explicação sobre as
sombrinhas expressa a natureza agressiva do chamado “frevo-de-rua”. O “frevode-bloco”, mais lírico, se formou como alternativa a essa prática dos clubes
pedestres. Poderemos a partir daí entender um pouco melhor o motivo das
conseqüentes divisões sociais que existem nos diferentes tipos de frevo que
podem ser representadas pelas duas formas quase opostas de se tocar o frevo no
violão: solo e acompanhamento. O primeiro é associado aos clubes pedestres, de
rua, de trabalhadores da classe baixa. O segundo aos blocos líricos, organizados
pela classe média em ambiente familiar. Esses serão analisados no próximo
tópico.
A maioria dos historiadores identifica um compositor como sendo o
responsável pela fixação do gênero: José Lourenço da Silva. Maestro Zuzinha,
como era chamado, foi regente da banda do 40º Batalhão de Infantaria do Recife.
Pernambucano de Paudalho, Zona da Mata do estado, “estabeleceu a linha
divisória entre o que depois passou a chamar-se frevo e marcha-polca” (MELO in
TELES, 2000:37). Zuzinha teve esse mérito por conta de uma composição
11
Disponível no portal do Instituto do Patrimônio histórico e Artístico Nacional (IPHAN):
(http://www.portal.iphan.gov.br), relativo ao dossiê de candidatura do frevo a patrimônio histórico,
aprovado em 2007.
17
específica. Anteriormente sem título identificado, o maestro Nelson Ferreira
batizou essa de “Divisor de Águas”. Zuzinha veio ao Rio de Janeiro na década de
vinte, época em que as gravadoras cariocas começaram a lançar frevos. Sua
função era fazer com que as gravações soassem mais “pernambucanas”, pois
muitos conhecedores do repertório estranhavam sua execução (CASSOLI, 2007).
Valdemar de Oliveira criticou:
“...Houve tempo em que mandávamos ao Rio o maestro Zuzinha
para cuidar dessas coisas. E o que nos chegava satisfazia. Hoje
deixamos plena liberdade aos executantes e intérpretes cariocas,
e o resultado é desastroso...” (OLIVEIRA apud TELES, 2000:).
Esse resultado classificado de desastroso exemplifica a idéia que alguns
pernambucanos tinham de como deveria ser interpretada a própria música. Notase a polêmica constante em relação a “verdadeira” estética do frevo. Por exemplo:
com opinião adversa a Valdemar, o maestro José Menezes afirmou: “Não tenho
muito do que me queixar, o meu ‘Freio a Óleo’ foi muito bem gravado no Rio, em
1950, pela orquestra de Zacarias” (apud TELES, 2000:28).
Os exemplos de disputas e discordâncias sobre formas de execução
poderiam ser infinitamente multiplicados, mas o que nos interessa aqui é notar
que as discussões nunca se referiam ao violão e ao seu papel. O violão solista
simplesmente não participou dessas orquestras; portanto, se o frevo já possuia
uma linguagem desenvolvida com identidade própria e de certa forma cristalizada,
como lidar com a inserção do violão no gênero? Por essa lógica, traduzir o frevo
para o violão seria uma deturpação? Ao transformar o repertório original para
instrumentos de sopro e adaptá-lo para o violão perde-se o seu caráter original,
mas ganha-se uma nova proposta de interpretar o gênero. Diante da
impossibilidade de imitar a performance dos metais, é preciso inventar novas
maneiras de traduzir a linguagem do frevo no universo do violão. Isso seria
inovação.
José Ramos Tinhorão (1978:60) não postula um marco inicial, mas faz
referência à maneira espontânea e popular de seu nascimento: “A prova de que
esse fenômeno da criação do frevo se deu realmente assim, é que até hoje não
se conseguiu uma composição capaz de merecer as glórias de primeiro frevo.”
18
Contudo, o Vassourinhas, provavelmente composto em 1889 por Joana Batista
Ramos (versos) e Teodoro Matias da Rocha (melodia), é uma das mais antigas
músicas do carnaval pernambucano.
Matias da Rocha tocava e compôs “Vassourinhas” no violão; isso nos leva
a concluir que o frevo mais antigo que ainda faz parte do repertório das bandas de
hoje, além de ser executado como frevo instrumental, nasceu com o auxílio de um
violão. Talvez essa seja a maior prova da vocação frevística do violão. Ora, se
Vassourinhas foi originalmente composta como tema instrumental, então o violão
já estava inserido na linguagem dos frevos-de-rua (ver seção 1.2). No próximo
capítulo a relação de Matias com o instrumento será abordada.
É evidente a maneira caótica como nasceu o frevo, sendo uma
conseqüência natural, entre as muitas transformações e recriações de gêneros
que ocorriam em Pernambuco na época. Não é necessário eleger uma
composição específica para entender o processo que o originou. Os primeiros
compositores de frevo foram aproveitando o material musical com que tinham
contato. “A pena corria ao gosto popular da época. E o que mais se fazia era
apelar para os instrumentos de metal e para um aligeiramento dos desenhos
melódicos, em certas partes da obra, destinadas à dança” (OLIVEIRA,1971:27).
Se os músicos atribuem ao frevo um caráter democrático e este nasceu de
forma caótica, discutir as possibilidades de suas adaptações ao violão solista se
torna essencial à sua inovação e continuidade. Incluir o frevo no repertório de
violão parece ser um caminho natural, desenvolvendo uma nova linguagem de
frevo derivada dos sopros, mas reinventada no violão. Com o cuidado e o estudo
necessário do intérprete, o frevo mantém sua essência em qualquer instrumento
que não pertença ao universo da banda militar. Embora nenhum músico tenha
afirmado de maneira direta que o frevo não funciona no violão, a presente
pesquisa tem também o interesse de questionar porque as tentativas de adaptá-lo
ao violão foram mínimas. O segundo capítulo debate essa questão de forma
direta.
Sua música influenciou compositores de todo o Brasil como Tom Jobim e
Vinícius de Moraes, que compuseram “Frevo de Orfeu”; Radamés , Guinga,
19
Armando Lôbo e Edu Lobo, que têm seus frevos analisados nos últimos capítulos;
e, ainda, Marlos Nobre, Chico Buarque, Pixinguinha, Guerra-Peixe, Francisco
Mignone, Egberto Gismonti, Marco Pereira, Canhoto da Paraíba, Baden Powell,
Sivuca, Gilson Peranzzetta, Moraes Moreira, Nelson Faria, Thiago Amud e
Romero Lubambo.
Hermeto Pascoal, por exemplo, alagoano que morou uma temporada em
Recife, desenvolvendo um conhecimento sobre o frevo por ter observado as
orquestras de perto, é um dos poucos que, apesar de não se dedicar,
exclusivamente, a gênero brasileiro algum, compôs um número significativo de
frevos. Em seu livro de partituras, “Calendário do Som”, relembra os momentos de
inspiração para seus frevos: “Aprendi muito escutando os ensaios com os
grandes maestros Clóvis Pereira, Guerra-Peixe, maestro Duda e muitos outros.”
(PASCOAL, 2000:215)
Mesmo
assim,
nenhum
desses
músicos
brasileiros
se
dedicou
completamente aos estudos do frevo. Não há nenhuma metodologia de
orquestração baseada nos maiores compositores do gênero que possa ser
utilizada como referência para a presente pesquisa. Se fosse o caso, poderia
servir como proposta para aplicá-la no violão. Quem quiser aprender tem que
estudar as partituras por conta própria, como um autodidata. Esse é um dos
paradoxos do frevo: é de uma orquestração complexa, porém não possui nenhum
estudo ou livro editado sobre a composição e orquestração de suas obras mais
importantes. No entanto, quanto mais se pesquisa o frevo, mais se revela seu
peso artístico e cultural. Justifica-se assim a dificuldade técnica de traduzi-lo ao
violão. Se a tradição instrumental do frevo foi criada nas orquestras e essas até
hoje não receberam o cuidado de preservação através da edição de métodos e
análises técnico-musicais, então o violonista tem que inventar o frevo no violão
por conta de sua própria criatividade. De certo modo, a falta de informação e
aprofundamento do gênero pode ser positiva, pois quem cria o frevo no violão
acaba misturando-o com a linguagem de outros gêneros já explorados no
instrumento ou cria de forma muito pessoal. Porém seria muito positivo se um
violonista, assim como outros instrumentistas, tivessem a oportunidade de estudar
as possibilidades do frevo de uma maneira completa, com detalhes de sua
20
instrumentação e com as diferentes maneiras de compôr já realizadas por
mestres do gênero. Seria possível, assim, recriar o frevo com uma base estética
enraizada no que já foi feito.
É claro que alguns maestros pernambucanos de hoje têm esse
enraizamento, porque além de terem uma ligação enquanto músicos que praticam
o gênero, possuem uma vivência do frevo comum ao pernambucano que participa
do carnaval. A dedicação à prática intensiva do frevo, na sua forma tradicional,
talvez não tenha favorecido uma reflexão, em grande escala, a respeito de sua
estética musical ao ponto de incluir o violão para além do que já foi feito. Assim,
não se deram conta de que, comparado à prática orquestral, o frevo no violão
quase não existiu. Será que não houve nenhum violonista que tenha tentado
suprir essa necessidade? Ou tal necessidade não existiu porque não houve uma
reflexão maior a respeito da questão, que poderia, inclusive, ter culminado num
ato de transformação? Não há nenhum registro ou depoimento afirmando que
algum violonista tenha tentado dedicar-se a uma obra frevística e não tenha
obtido êxito.
As duas maneiras de criar o frevo no violão apontadas no parágrafo
anterior (solo e acompanhamento) não estão em conflito. Quanto mais frevo se
crie no violão naturalmente, mais sua linguagem se constrói e amadurece, como
acontece a todo gênero em sua trajetória de formação. O fato é que faltou
quantidade e consequentemente qualidade na produção violonística, o seu
repertório escasso de violão não amadureceu a ponto de haver uma peça solo de
frevo que tenha grande destaque na prática do violonista. O frevo de Radamés
(Pequena Suíte), por exemplo, não era do conhecimento de grandes violonistas
brasileiros da atual geração até serem informados através da presente pesquisa.
Dentre eles podem ser citados: Yamandú Costa, Marcelo Gonçalves, Nando
Duarte, Zé Paulo Becker e Guinga. Nem os maestros pernambucanos Clóvis
Pereira e Ademir Araújo conheciam essa obra.
Assim como no choro, no frevo o violão apresenta duas vertentes de
linguagem com naturezas quase opostas, mas também complementares: o solista
e o acompanhador. Como cada uma está ligada a um tipo de frevo diferente, se
21
faz necessário conceituá-los: frevo-de-rua, em que o violão reflete sua qualidade
de solista; frevo-de-bloco, no qual está inserido como acompanhador e; frevocanção, que consideramos um caso diferente, conforme será explicado mais
adiante. Essa tipologia se deu a partir da década de trinta, quando o gênero se
tornou popular através das rádios e gravações em disco.
1.4 Frevo-de-Rua
Primeiro tipo de frevo surgido, estritamente instrumental e acelerado que se
mistura à evolução dos passistas (dançarinos) numa espécie de coreografia
improvisada. Admite somente instrumentos de sopro e percussões. A disposição
dos instrumentos lembra uma big band americana, divididos em náipes de
trompetes, trombones, saxofones e tubas 12. Somam-se a isso as percussões que
são comuns em todo o tipo de frevo, sendo as principais: tarol, surdo e pandeiro.
Vale chamar a atenção para o pandeiro que possui a pele de náilon com uma
sonoridade mais estridente, diferente do pandeiro de pele de couro usado no
choro. Algumas orquestras acrescentam a requinta, tipo de clarineta com
tamanho menor e extensão maior na região aguda. Segundo CASSOLI et al
(2007), o número de integrantes dos conjuntos varia em torno de 36 músicos.
Sua forma tradicional "desdobra-se em duas partes, cada uma com 16
compassos, raramente chegando a 24" (OLIVEIRA,1946:49). Originalmente, não
possui letras que possam ser cantadas, o que sugere dança e movimentos
apenas com suas melodias e ritmos sincopados. As composições acabam num
acorde longo perfeito e os instrumentos de percussão continuam tocando sem
interrromper o cortejo. Com isso, dão um tempo de descanso para os
instrumentistas de sopro começarem um outro frevo13. Assim acontece nos
desfiles no meio da rua, que pode ser chamada de “habitat natural” do gênero.
12
13
Conforme observado em mais de 30 orquestras em Recife e Olinda: Spock Frevo, Orquestra
Popular do Recife, Orquestra da Pitombeira, entre outras.
Observado em Recife e Olinda
22
Nas gravações, entretanto, os frevos simplesmente terminam após o acorde final,
seguido de silêncio total14.
Os frevos-de-rua possuem suas subdivisões de acordo com a intenção e a
maneira de sua escrita15:
Frevo-abafo: É chamado também de frevo-de-encontro. Tipo de frevo que
dá ênfase aos metais ou que requisite timbres estridentes: trombones, pistons,
clarinetas etc.. É tocado com o intuito de abafar o som da orquestra rival, com
muitas notas longas, quando coincidentemente se encontram no meio de um
desfile, “deixando de lado o esmero com a afinação” (IPHAN, 2007). Segundo
Rodrigues “o frevo de abafo é muito alto para os trombones e pistons, porém sua
execução é relativamente fácil, somente dependendo da força dos músicos”
(1991:71, apud VILA NOVA, 2007:43).
Frevo-coqueiro: marcado especialmente pelos tons agudos, exaltado
pelos trompetes. É chamado assim porque as notas agudas são escritas com
linhas suplementares no pentagrama, lembrando o desenho de um coqueiro.
Andamento acelerado com notas curtas.
Frevo-ventania: se caracteriza pela presença de um andamento bastante
rápido, exaltado pelos saxofones. Muitas notas em semi-colcheias seguidas.
Exige muita habilidade técnica dos instrumentistas. Exemplo: Mexe Com Tudo, de
Levino Ferreira.
Frevo-de-salão: são frevos destinados aos bailes, com a sonoridade
menos agressiva, com predominância dos instrumentos de palheta em vez dos
metais.
São exemplos famosos de frevo-de-rua: Vassourinhas (Matias da Rocha/
Joana Baptista), Último Dia (Levino Ferreira), Come e Dorme e Gostosão (Nelson
Ferreira), Corisco (Lourival Oliveira) e Duda no Frevo (Senô).
14
Vide lista de CDs consultados.
15
Dicionários Houaiss (2002:65) e Cravo Albin (2007:41).
23
É importante ressaltar que o frevo se desenvolveu como música
instrumental no que diz respeito a sua melodia (IPHAN, 2007). É notável como as
subdivisões do frevo-de-rua são definidas com base nas peculiaridades dos
instrumentos de sopro. Além disso, a identidade de cada tipo de frevo foi gestada
no contexto dos encontros das orquestras nas ruas e suas rivalidades. Assim, os
estilos de frevo se tornam definições artísticas a partir da objetividade prática
inscrita no evento e seus acasos, encontros, acontecimentos, dinâmicas etc.
Sua melodia “essencialmente instrumental” revela uma complexidade
técnica que a diferencia da melodia vocal, podendo ser traduzida para outros
instrumentos que não fazem parte de sua tradição diretamente. O frevo-de-rua
não foi concebido para ser apresentado em uma sala de concerto, e sim onde o
próprio nome indica. Por isso mesmo apresenta-se o desafio de transformar essa
linguagem, originalmente estranha à sala de concerto, em outra mais intimista e
contemplativa traduzida pelo violão, mas sem perder seu calor e agressividade
essencial.
A diferença melódica entre o frevo instrumental e o cantado é esclarecida
no próximo tópico, onde se conceitua um tipo de frevo que pode ser considerado
derivado do frevo-de-rua.
1.5 Frevo-Canção
Geralmente com a mesma orquestração do frevo-de-rua, o frevo-canção
acrescenta um cantor para a melodia principal. Assemelha-se à marchinha
carioca, com introdução da orquestra antecedendo uma parte cantada derivada
da ária (SILVA apud NOVA, 2006:75), com estribilho no início ou no fim.
Um dos frevos-canção mais populares é O Teu Cabelo Não Nega Mulata
dos Irmãos Valença (SOUZA, 2004). Esse frevo foi gravado na RCA no Rio de
Janeiro e na época acabou sendo registrado como de autoria de Lamartine Babo.
Ficou famoso com arranjo de marchinha. Foi adaptada talvez tanto por falta de
conhecimento dos maestros do Rio de janeiro para fazer um arranjo com a
linguagem do frevo, como observou Guerra-Peixe (1978), quanto pela soberania
24
da marcha no carnaval carioca em relação ao frevo-canção.
Esse episódio
histórico evidencia o conflito regional representado pela diferença na linguagem
musical de cada estado. A composição pernambucana foi aproveitada mas seu
arranjo foi reinventado para se adequar ao gosto da época, mais especificamente
do carioca. Vale lembrar que o Rio era capital do Brasil e tinha maior
representatividade
cultural
em
relação a
Pernambuco.
Alguns
músicos
pernambucanos entrevistados16 afirmaram que na rádio o que se ouvia era
praticamente a música carioca: o samba, o choro e a bossa-nova. A própria
música de seu Estado não era comumente tocada na rádio tanto quanto a da
capital, na década de 1950 e 1960. Analisaremos melhor essa questão no tópico
sobre a gravadora especializada Rozenblit, que trabalhou com a música
nordestina em geral, dando maior destaque ao frevo.
Percebe-se que nesse episódio foi fechada uma porta de divulgação para o
frevo, evidenciando a falta de conhecimento do grande público em relação às
especificidades do gênero. Poucos conhecem a verdadeira origem de Seu Cabelo
Não Nega. O violão também perdeu muito com isso, porque ao passo que os
violonistas pernambucanos conheceram o gênero choro e desenvolveram sua
linguagem ao ponto de terem seus próprios compositores e intérpretes, o mesmo
não aconteceu com o frevo. O violonista pernambucano que teve estudo formal
em geral domina e sola choros, mas raramente frevos. Atualmente, podem-se
encontrar muitas partituras bem editadas de Pixinguinha, Jacob do Bandolim e
tantos outros, sem falar na bossa-nova e nos compositores cariocas como Chico
Buarque e Tom Jobim, porém, quase nenhuma de frevo. Para o violonista
pernambucano o acesso à música carioca editada para violão esteve e ainda está
mais acessível.
São exemplos de frevo-canção: É de amargar, Chapéu de Sol Aberto e Oh
Bela (Capiba); Hino de Elefante (Clídio Nigro); e Hino de Pitombeira (Alex
Caldas).
16
O bandolinista Marco Cesar e os violonistas Henrique Annes e Bozó.
25
1.6 Frevo-de-Bloco
“Escuta Apolônio o que eu vou relembrar:
os Camponeses, Camelo e Pavão,
Bobos em Folia do Sebastião,
também Flor da Lira com seus violões...”
(João Santiago, Relembrando o passado)17
Aqui se encontra o que pode ser considerada a tradição do violão no frevo
de Pernambuco. Ainda chamado de marcha-de-bloco por alguns, possui como
características o andamento lento, por volta de 110bpm e 120bpm, e
instrumentação de madeiras e cordas (violões de sete e seis cordas, banjos,
cavaquinhos, bandolins, violinos, flautas, clarinetes, bombardinos e, em alguns
casos, até contrabaixo). Suas assim chamadas “orquestras de pau e corda”
(OLIVEIRA, 1946:19) acompanham um coro feminino de pastoras, geralmente
cantando em uníssono, que interpretam canções líricas repletas de nostalgia
carnavalesca, falando de amor e saudade, ou que exaltam seus clubes e
agremiações. Esse foi “o início da efetiva participação feminina no carnaval de rua
do Recife” (VILA NOVA, 2007:76).
“Recebeu influência musical dos saraus e serenatas e obedece a
uma forma igual a do frevo-canção: uma introdução, parte A e B,
tocado duas vezes no total. Por vezes são chamadas também de
marcha-regresso, termo usado para designar as músicas
cantadas no final do cortejo, de volta à sede” (IPHAN, 2007).
Tradicionalmente, era tocado nos clubes em festas fechadas, em que as
famílias de classe média preferiam pagar para se divertir, em vez de sair à rua e
participar do carnaval dos clubes pedestres e maracatus, que com suas raízes no
entrudo18, era considerado perigoso e de “pouco respeito” (VILA NOVA, 2006:76).
“Nesta brincadeira (...), a distinção entre os espaços privados – o lugar das
classes mais abastadas – e os públicos – o lugar do povo – era nítida.” (IPHAN,
2007)
17
João Santiago dos Reis: compositor do Bloco Batutas de São José, instrumentista e folclorista,
nascido no Recife, em 1928. Em 1982, a Fábrica Rozenblit produziu um disco em sua homenagem
e os 50 anos do Bloco Batutas de São José (LP 90021), reunindo diversos frevos-de-bloco.
18
Folguedo carnavalesco violento, aconteceu desde meados do século XVI, persistindo, com esse
nome, até as primeiras décadas do século XX.
26
Aparentemente, os resquícios dessa distinção de classes sociais ainda
estão vinculados aos diferentes tipos de frevo no dias de hoje. De acordo com
Vila Nova (2007:35), as origens sociais do frevo-de-bloco e do frevo-de-rua foram
diferentes. O frevo-de-rua está
“(...) de modo geral vinculado às camadas mais baixas da
sociedade e às categorias profissionais ligadas ao trabalho
proletário, a partir dos clubes pedestres; enquanto o frevo-debloco tem sua origem relacionada à classe média residente nos
bairros centrais do Recife, como São José, Santo Antônio e Boa
Vista.”
Hoje em dia, as troças que executam frevo-de-bloco saem às ruas com
freqüência, mas seu público continua sendo, predominantemente, famílias que
evitam as confusões das grandes orquestras.
Essa aura familiar, de bons costumes, se reflete diretamente na linguagem
de
acompanhamento
desenvolvida
no
violão.
O
frevo-de-bloco
não
é
necessariamente uma música cheia de conflitos como o frevo-de-rua. O violão
tem sua função bem delimitada nos blocos, que é a de executar a parte rítmica
dobrando algumas linhas de baixo com as tubas ou os trombones. O instrumento
aqui não trabalha os contrapontos nele mesmo: toca-se as harmonias ou os
fraseados graves em diferentes momentos.
Valdemar de Oliveira descreve algumas características típicas do frevo-debloco, incluindo o violão em seu universo: “invenção de violonista, brincadeira
para as jovens que não agüentam rojão do frevo, grêmios familiares para moças,
braço com braço, o pai por perto pegado num violino ou um violão.” (apud VILA
NOVA, 2007:51). Nota-se que o violino e o violão são instrumentos usados nas
serenatas pernambucanas até os dias de hoje.
Uma característica exclusiva do frevo-de-bloco é começar tradicionalmente
com um apito do maestro, ao que a orquestra responde com o acorde do tom da
música. Logo após o término do acorde, o surdo toca uma nota que sugere o
andamento da música e começa a introdução. São exemplos de frevo-de-bloco:
“Madeira que Cupim Não Rói” (Capiba); “Evocação No. 1” e “Frevo de Saudade”
(Nelson Ferreira).
27
Segundo o IPHAN (2007):
“As diferenças melódicas entre estes tipos de frevo podem ser
vistas como relacionadas com o ethos viril do frevo-de-rua
(associado ao masculino), em contraste com o ethos lírico do
frevo-de-bloco (associado ao feminino). O frevo-canção seria um
intermediário entre os dois modelos, embora mais próximo do
frevo-de-rua. Assim, é no frevo-de-rua que encontramos o caráter
melódico mais típico do frevo. As melodias dos outros tipos de
frevo são de fato vocais.”
Essa colocação é a que melhor esclarece as diferentes naturezas do frevo,
que devem ser observadas ao serem transferidas para o violão. O instrumento
não trabalha como os sopros ou a voz, cujas notas, emitidas pelo ar, podem ser
controladas em sua dinâmica e duração. O violão não pode interpretar uma
melodia cantabile com a mesma eficiência. Porém, sua técnica de ataque das
notas não depende do fôlego do intérprete, que pode tocar notas sem interrupção,
quase ilimitadamente. “O violão é um instrumento macho” (ALAN, 2002)
19
. Pode-
se concluir que o frevo-de-rua, que não criou uma tradição ao violão, mesmo
assim é compatível com o mesmo, devido, por exemplo, às suas melodias
ligeiras. Por não ter a mesma preocupação com o andamento, o violão, assim
como outros instrumentos de corda, pode executar suas melodias com maior
precisão. Assim, o “caráter melódico mais típico do frevo” pode ser totalmente
adaptado ao violão.
Muito de sua linguagem ainda não foi traduzida para esse instrumento. Isso
resultaria naturalmente em uma modernização do gênero, porque seria criada
uma nova maneira de interpretá-lo. Alguns aspectos técnicos e sonoros mudam,
mas sua essência permanece. A resistência de alguns em relação à possibilidade
de renovação do frevo talvez também contribua para que esse não fosse mais
experimentado no violão.
A seguir discutiremos o caráter conservador que
sempre esteve presente no frevo.
19
Graça Alan é violonista, professora do Bacharelado em Violão da UFRJ. Depoimento em sala de
aula.
28
1.7 Modernização versus Tradição
“... os conflitos e tensões que também constituem o frevo, e/ou
são constituídos por ele...” (IPHAN, 2007)
Mário de Andrade (1944:31) afirmou que o frevo “É um verdadeiro título de
glória, que o país ignora”. Essa afirmação parece ser atual quando lembramos
que não foi encontrada nenhuma orquestra de frevo fora de Pernambuco além da
Frevo Diabo. O interesse dentro da academia pelo frevo ainda é pequeno nos
dias de hoje. São quase inexistentes as dissertações e teses encontradas fora de
Pernambuco e mais ainda fora do Nordeste. Isso se reflete também na edição de
partituras. Poucos compositores tiveram a iniciativa de editar suas próprias
músicas, o que torna o acesso restrito a esse material. São poucos os arranjos de
orquestra disponíveis na internet. É necessário ir até Recife ou Olinda para se
aventurar a descobrir algumas partituras, não acessíveis em livrarias e raramente
em bibliotecas, que estejam, eventualmente, na posse de alguns poucos músicos
que trabalham com o frevo. Para divulgá-lo seria preciso que alguma editora, com
distribuição nacional, se interessasse por esse trabalho. Partituras de violão são
ainda mais raras e boa parte de seus arranjos estão conservados apenas na
memória de quem os elaborou.
Em Pernambuco, também o maracatu rural, o caboclinho e vários outros
gêneros musicais ainda se encontram isolados no local de nascimento, com
raríssimas gravações e partituras editadas. A inconteste falta de divulgação de
alguns
gêneros
regionais
está
ligada
à
questão
do
perigo
de
seu
desaparecimento e de como evitá-lo, o que suscita muitos debates e disputas.
Com relação ao frevo, apresentam-se três opiniões de importantes músicos sobre
essa questão: Guerra- Peixe, Antônio Maria20 e Ulisses de Aquino21.
Segundo Guerra-Peixe:
“Infelizmente a notável tradição do frevo está condenada a
desaparecer, quando o carioca começar a produzi-lo e quando os
recifenses começarem a dar ouvido a essas banalidades – como
20
21
Compositor de frevos-canção, autor de “Frevo No. 1 do Recife”.
Compositor de frevos-de-rua.
29
aconteceu no ano passado (...) com o frevo que nos veio de... São
Paulo” (apud CASSOLI et al., 2007:68)
Antônio Maria pensava o oposto:
“(...) é preciso encontrar uma maneira de levá-lo ao mundo. Isto é,
descobrir um modo de simplificá-lo (mesmo adulterando-o), até
torná-lo possível ao gosto e aos nervos do mundo.” (apud
CASSOLI et al., 2007:67)
E para Ulisses de Aquino:
“O nosso frevo precisa sair de onde está e apresentar-se ousado
e inédito. Anos a fio, o frevo ostenta uma uniformidade alarmante.”
(in CASSOLI et al., 2007:67)
O próprio jornalista José Teles, recentemente, afirmou:
“Embora no carnaval de Recife e Olinda, com um número de
foliões que aumenta a cada ano, o frevo seja a música
predominante (apesar de dividir espaço com outros ritmos
pernambucanos, inclusive com o manguebeat), a verdade é que o
frevo não se renovou em três décadas. (...) E o frevo, além de não
se modernizar _ ou por isso mesmo _, distanciou-se das novas
gerações de músicos.” (TELES, 2000:38)
Ao que tudo indica, essa questão sempre foi polêmica e aponta um tabu
em relação ao frevo que pode ter ajudado a deixar uma lacuna na história de sua
divulgação no país. Acredito ser essa questão um dos motivos mais importantes
para a falta de registro e debate em relação ao gênero que tem por sua vez
consequências no repertório violonístico. Alguns músicos pernambucanos
chamam a atenção para o fato de que os tradicionalistas ainda não consideram
como frevo aquele que não satisfaz ao gosto “popular”, classificando os frevos de
concerto como música “erudita”
22
. Segundo o mesmo raciocínio, talvez os
“Choros” de Villa-Lobos não seriam choro. Alguns festivais de frevo já
desclassificaram ou deram notas baixas a composições de alto nível, que
segundo o júri eram sofisticadas demais para ser “frevo”. Isto aconteceu uma vez
ao compositor pernambucano Armando Lobo23, que teve um frevo de sua autoria
não classificado para o festival Recifrevo, mas, no entanto, foi convidado a fazer
parte do júri. Também Ademir Araújo sofreu com esse tradicionalismo no
22
23
Marco César (2007) em depoimento pessoal.
Armando Lôbo (2005) em depoimento pessoal.
30
Concurso da Prefeitura, em 1965, com o frevo “No Ano 2000”, obtendo nota baixa
do júri, de que fazia parte o pesquisador Valdemar de Oliveira. Oliveira explica
esse episódio:
“Chamou-me particularmente a atenção o frevo ‘No Ano 2000’, de
Ademir Araújo. Dei-lhe, como a maioria dos juízes, nota baixa. E
isso simplesmente porque não é um frevo de rua típico, o capaz
de arrastar multidões, o que atiça o passista. Transcende do
popularesco para chegar ao semi-erudito, por força dos seus
caprichos de composição, seus ousados acordes, sua fatura de
qualidade superior.” (OLIVEIRA apud ARAÚJO24, 2007)
Há uma clara separação entre “erudito” e “popular”. Nestes exemplos, ao
contrário do que era comum no século XIX, o aparente preconceito é do músico
“popular”, que exclui e não agrega o “erudito”. O conservadorismo também existe
na música popular, impedindo-a de se desenvolver na própria linguagem,
fechando portas para iniciativas de pessoas talentosas. Consta que “a separação
entre a música erudita e a música popular” também chamou a atenção do
compositor pernambucano Marlos Nobre, “... que ele não entendia, mas que,
posteriormente, seria objeto de profunda reflexão e teria um papel central em sua
estética” (SILVA, 2007:10). Nobre, que compôs frevos inclusive para sinfônica, ao
ingressar no Conservatório Pernambucano de Música foi advertido pelo diretor:
“aqui é lugar de música séria, você não pode tocar essa música de rua” (SILVA,
2007:10). Nesse caso o preconceito é do “erudito” que exclui o “popular”.
As idéias de Mário de Andrade despertaram o interesse de Marlos Nobre e
o fizeram concluir que, para o melhor da música no Brasil,
“a separação da música popular e da clássica ou tradicional (...)
cabia aos compositores amalgamá-las em um todo resultante.
Quer dizer, pra mim era a solução de um problema que me
angustiava.” (Marlos Nobre apud SILVA, 2007:11).
Essa idéia parece ser a mais interessante do ponto de vista da presente
pesquisa, pois acreditamos ser a mais construtiva para o aprofundamento e
compreensão da música brasileira. A fundição dos estereótipos “popular” e
“erudito”
24
e,
conseqüentemente,
o
desaparecimento
desses
termos
Fonte: encarte do CD “E o Frevo Continua ...”, gravado em 2007 pela Orquestra Popular de
Recife, sob a batuta do Maestro Ademir Araújo.
31
definitivamente, parecem ser o caminho mais coerente com a essência da música
nascida no Brasil: a junção de tantas outras. Acreditamos que o violão, pelo
histórico de tantos violonistas bem sucedidos em integrar o instrumento em
diversas situações musicais, pode se adequar a qualquer gênero nesse país.
Se Armando foi convidado a fazer parte do júri e Ademir teve um frevo
chamado de “qualidade superior”, é porque são considerados músicos de gabarito
no que diz respeito ao frevo. Mas parecem transbordar as delimitações para o
gênero criadas por alguns em função de uma suposta qualidade “popular”. Onde
está a democracia, alma do frevo, como definem estudiosos, nesse raciocínio?
Por que existe o interesse de alguns em que o frevo se mantenha “popular”? É
notável a maneira como os universos “erudito” e o “popular” buscam sempre
delinear seus espaços muitas vezes um querendo excluir o outro.
Em 2001, o musicólogo dos Estados Unidos, Larry Crook, durante a
temporada de oito meses que passou no Recife pesquisando ritmos nordestinos
para a Universidade da Flórida, notou o quanto a questão tradição versus
modernização ainda existe. À época, O Caderno C do Jornal do Commércio
relatou:
“... Crook agora focaliza sua pesquisa no frevo. No Recife,
entrevista vários arranjadores. ‘Quero saber como funciona o frevo
hoje’, diz. Numa primeira análise, pareceu surpreso com a tensão
que há entre tradição e modernidade. Crook acredita que o frevo
deva ser conservado como algo tradicional, mas abrindo espaço
para músicos criativos. ‘Daqui a uns cinco anos, uma pessoa vai
fazer algo muito interessante com o frevo.’ “(TOLEDO, 2001:19)
A visão do estrangeiro pode ser interessante porque expõe a análise
distanciada de alguém que não tem o frevo como parte de sua cultura. Sua
surpresa com a “tensão que há entre tradição e modernidade” confirma a
impressão obtida através de nossas entrevistas.
Se em torno do frevo existe resistência por conta dos músicos
tradicionalistas, então começa a ficar clara uma das hipóteses para o fato de o
mesmo não ter se desenvolvido profundamente ao violão. Sua tradição é de
instrumentos de sopro solistas, logo, por que transformá-la ao violão?
Inevitavelmente, quanto mais se desenvolver o frevo no instrumento, mais se
32
criarão elementos novos da própria linguagem violonística no gênero e, claro,
vice-versa. Assim como a guitarra elétrica propôs uma nova linguagem em tantos
gêneros musicais no mundo todo, inclusive no frevo, o violão pode propor novos
caminhos. Basta imaginarmos se um violonista de importância revolucionária,
como incontestavelmente foi Baden Powell, tivesse se dedicado ao frevo.
Certamente haveria uma nova maneira de fazer frevo, como Baden criou uma
nova maneira de tocar o samba.
É importante notarmos que o frevo ainda se encontra reservado a
Pernambuco. A ampliação de suas fronteiras geográficas implica na divulgação e
inevitável
transformação
do
gênero,
compreendidas
aqui
como
um
desenvolvimento positivo da sua linguagem. Tal desenvolvimento pode não
significar descaracterização do frevo, mas recriação da maneira de fazê-lo, para
que sobreviva. Alguns músicos25 expressaram em entrevista suas insatisfações
quanto à falta de divulgação e interesse de renovação do gênero. Ademir Araújo,
por exemplo, declarou não ter ouvido até hoje alguém fazer o frevo que ele
gostaria de ouvir: mais ousado e transcendendo as barreiras entre a rua e as
salas de concerto. Armando Lôbo chamou a atenção para o fato de as formas
frevísticas serem ainda as mesmas, e as harmonias idem. Segundo ele falta
explorar mais os contrapontos que a linguagem do frevo oferece. Marco César
explicou que faltou aos maestros darem mais atenção aos instrumentos de corda,
principalmente o violão. Bozó acha que a música tradicional pernambucana de
forma geral merece mais cuidado, assim como seus músicos. Alguns observaram
que a tendência das novas bandas de rock ao misturarem elementos eletrônicos e
instrumentos elétricos, apesar de agradar a nova geração, não necessariamente
representa uma renovação da linguagem como um todo. Essa renovação foi feita
de maneira parcial e ainda estão em aberto muitas possibilidades de criação e
ousadia que possa apontar outros caminhos. Isso não diz respeito à
instrumentação de tais bandas, tendo em vista que guitarras elétricas deixaram de
ser novidade há cinquenta anos atrás. Falta um comprometimento maior com o
aprofundamento estético-musical que não aponte somente os caminhos da
música “pop”. Talvez compositores como Marlos Nobre e outros que tenham
25
Em depoimento pessoal.
33
como objetivo em geral a sala de concerto, tenham feito um trabalho diferenciado.
Mas mesmo assim ainda há caminhos que não foram tentados. Essa instigação
de criação encontrada nesses músicos citados acima é bem retratada por Pablo
Picasso quando diz que: "Só um sentido de invenção e uma necessidade intensa
de criar levam o homem a revoltar-se, a descobrir e a descobrir-se com lucidez”
26
. Chamamos a atenção para o conceito de inovação de Jacob do Bandolim para
esclarecer esse raciocínio:
“... o que Jacob sempre repudiou não foi a inovação em música,
visto que ele era um inovador, mas a deturpação do gênero em
função de influências externas impostas muitas vezes pela
massificação cultural.” (CARRILHO apud BECKER, 1996:82)
Essa questão é interessante porque independentemente de qual seja a
opinião de cada um, às vezes os limites entre inovação e deturpação são
controversos e é importante termos em mente que essa discussão não acabe
paralisando a criatividade artística. Um ideal de inovação muito radical pode ser
limitador. O que pode ser considerado inovação ou deturpação? Depende se o
resultado da criação tem valor artístico. Essa discussão corre o risco de parecer
muito subjetiva e acabar sendo como as críticas do filósofo Nietzsche ao
compositor de óperas Wagner: por mais que Nietzsche tivesse bons argumentos
filosóficos contra Wagner, sua música é reconhecidamente inovadora e genial27.
Dessa forma o violão pode fazer sentido em qualquer gênero musical,
dependendo do talento e da sensibilidade de quem o traduz e o transforma no
instrumento. Poeticamente falando é simples: um poema pode ser apenas
simples palavras ou poesia profunda, dependendo da qualidade do poeta.
Por fim, o dossiê apresentado ao IPHAN como proposta para inclusão do
frevo como registro de bem imaterial conclui nossa discussão:
“Se em sua origem o frevo representava, ou condensava as
resistências de classe e de raça, a análise do frevo de hoje não
deixa de apontar para uma outra forma de resistência: a de formas
de expressão tradicionais num contexto de culturas de massas e
de globalização de produtos culturais.” (IPHAN, 2007)
26
Frase encontrada no site português “CITADOR”
(http://www.citador.pt/citacoes.php?Pablo_Picasso=Pablo_Picasso&cit=1&op=7&author=95&firstrec=20)
27
“Nietzsche contra Wagner” (Nietzsche,1889).
34
Essa declaração mostra que as tensões relativas ao frevo mudaram de
plano. Se antes era no plano da classe e da raça, agora é no plano da cultura:
tradição versus globalização. Várias manifestações culturais, que antes tinham
outros significados, recentemente ganharam esse significado de “tradição” por
causa da globalização. Não é só com o frevo, é no mundo todo. Manifestações
artísticas de um povo vão ganhando significados político-identitários, o que, se
por um lado lhes dá visibilidade pública (“Cem anos de Frevo”, festividades,
registro de bem imaterial, “expressão cultural autêntica do Brasil”, e vários outros
acontecimentos e discursos que dão visibilidade ao frevo), por outro podem
funcionar um pouco como uma camisa de força, restringindo a criatividade e
inovação. Atender aos princípios tradicionais do frevo eternamente ou modernizálo de acordo com referências massificadoras não dão a dinâmica que um gênero
precisa para se perpetuar.
1.8 Cem Anos de Frevo: Patrimônio do Brasil
“Estamos difundindo o frevo como uma importante expressão
cultural do Brasil, fruto da criatividade nordestina e vocacionado
para ultrapassar limites, divisas, fronteiras, irradiando a sua força
e o seu encanto dentro e fora do país - antes, durante e depois do
ciclo carnavalesco.” (FALCÃO, 2008:4)
Como foi citado no subtítulo “Etimologia” (seção 1.1), a partir do
reconhecimento da data 9 de fevereiro de 1908 como sendo o primeiro registro da
palavra “frevo”, a data passou a ser simbolicamente a refêrencia para o
nascimento do gênero. A partir disso deu-se, esse ano, o seu centenário com
investimentos oficiais do governo para que o mesmo fosse divulgado e
comemorado. A declaração acima deixa clara a intenção de levar o frevo para
além de Pernambuco e da época carnavalesca, inclusive divulgando-o
internacionalmente.
Foram gravados e remasterizados CD´s de frevo, lançados livros como
"Frevo: 100 Anos de Folia" (CASSOLI et al., 2007) promovidas festas e sobretudo
concertos com muitas orquestas no dia 9/02/2008. Segue a agenda elaborada
para o dia de seu aniversário publicada no Boletim Diário da Prefeitura do Recife,
coordenadoria de comunicação social:
35
Agenda do Centenário
6h - Acorda Povo com orquestras de frevo nas seis RPAs e queima de fogos;
6h30 - Clarinada com 12 clarins no Marco Zero;
8h – Atrás da Orquestra: diversas orquestras itinerantes e de tradicionais blocos líricos do
carnaval do Recife percorrerão 19 pontos do Recife (Conde da Boa Vista, Praça da
Independência, Praça do Carmo, Pátio de São Pedro, Guararapes, Sete de Setembro, Rua
Nova, Duque de Caxias, Rua Direita, Rua do Sol, Mercado de São José, Rua do Hospício,
Rua da Imperatriz, Parque da Jaqueira, Aeroporto, Parque 13 de maio, Av. Brasília Formosa e
no bairro de Boa Viagem, estará entre o 1º e o 3º jardim, além da Praça de Boa Viagem);
9h - Lançamento do Paço do Frevo, uma parceria entre a Prefeitura do Recife e a Fundação
Roberto Marinho, no prédio da Western, nº 91, Praça do Arsenal da Marinha;
10h – Homenagem a 100 personalidades ligadas ao frevo no Teatro do Parque;
14h – Reunião fechada do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico
Nacional (IPHAN), na Sacristia da Igreja São Pedro dos Clérigos, no Pátio de São Pedro,
bairro de São José, para análise do pedido da Prefeitura do Recife para que o Frevo obtenha
o Registro de Patrimônio Imaterial do Brasil;
16h30 – Concentração para o Arrastão do Frevo sob o comando de Antônio Nóbrega;
17h – O Ministro Gilberto Gil anuncia o resultado do Registro do Frevo como Patrimônio
Imaterial do Brasil;
17h30 – Saída do Arrastão do Frevo;
19h30 – Chegada do Arrastão do Frevo no Marco Zero com Queima de Fogos;
20h – Show de lançamento do CD duplo 100 Anos do Frevo – É de perder o sapato,
produzido pela Prefeitura do Recife em parceria com a Biscoito Fino;
22h – Show com a banda A Troça, resultado do projeto O Frevo, com participação de 22
músicos da nova cena pernambucana tocando frevo
Fonte: Boletim Diário - Prefeitura do Recife, Coordenadoria de Comunicação Social,
9 de fevereiro de 2007
Figura 1: Agenda do Centenário do Frevo
36
Segundo Lygia Falcão28, a Prefeitura
“... vem desenvolvendo, desde 2006, um projeto que não se limita
às comemorações festivas e ao período do Carnaval, mas se
desdobra em programas e ações voltados para a preservação, a
difusão, o estudo, o apoio aos compositores e intérpretes e às
agremiações carnavalescas.” (FALCÃO, 2007:6)
O principal CD gravado nesse projeto chama-se “100 Anos do Frevo. É de
perder o Sapato". Um CD duplo que se divide em instrumental (CD 1) e cantado
(CD 2) e conta com a participação de vários artistas populares brasileiros
interpretando frevos-canção e frevos-de-bloco.
São eles Gilberto Gil, Lenine,
Maria Rita, Alceu Valença, Maria Betânia, Vanessa da Mata, Elba Ramalho,
Claudionor Germano, Ney Matogrosso entre outros. O CD instrumental contém
frevos-de-rua tradicionais interpretados pela orquestra Spok Frevo e, inclusive,
uma faixa sinfônica intitulada “Fantasia de Carnaval”. Nota-se que ao dividir esse
projeto em dois CDs, divide-se o frevo em suas duas vertentes discutidas nessa
pesquisa que refletem no violão: solo (instrumental) e acompanhamento
(cantado). No caso foi utilizada mais a guitarra do que o violão nas gravações em
função da identidade jazzística da “Spok Frevo”. A divisão entre os frevo-de-bloco
e frevo-de-rua ainda se faz presente nos dias de hoje.
Foi feito um convênio junto a Fundação Roberto Marinho para fundar o
“Passo do Frevo”, espaço que contará com “... um centro de pesquisa, auditório,
estúdio de gravação, salas de aula para a música e o passo, além de manter uma
exposição permanente sobre a história do frevo.” (FALCÃO, 2008:6)
A iniciativa mais ousada foi a parceria com a Estação Primeira de
Mangueira, que no ano do centenário promoveu um concurso de sambas-enredo
com o tema “100 Anos do Frevo, é de Perder o Sapato. Recife Mandou me
Chamar.” O samba vencedor foi cantado durante o desfile da Mangueira no
Sambódromo do Rio de Janeiro no dia 04/02/2008 durante o carnaval.
Durante as festas prévias que anteciparam essa semana foram promovidos
eventos na quadra da Escola que chegou a receber a Orquestra Popular do
Recife sob a batuta do maestro Ademir Araújo, o “Formiga”. Cantores como
28
Secretária de Gestão Estratégica e Comunicação Social da Prefeitura do Recife (2007)
37
Claudionor Germano e o Coral Edgar Moraes também participaram cantando
frevos clássicos do carnaval pernambucano para uma platéia que pouco conhecia
tal repertório. Para dirigir o Coral, principalmente, nos frevos-de-bloco, o
bandolinista e maestro Marco César esteve presente.
Os personagens carnavalescos Pernambucanos, assim como a referência
a blocos tradicionais e às orquestras de frevo na Avenida, foram destacados nos
carros alegóricos e fantasias da Estação Primeira de Mangueira. Observa-se
assim o processo oficial de valorização e resgate do frevo, que pela primeira vez
teve sua cultura elevada a esse nível de exposição na mídia: em seu centenário.
A idéia de lançá-lo ao Sambódromo carioca reafirma sua essência carnavalesca,
cheia de tradições, personagens e costumes que caracterizam seus rituais
festivos, fundindo assim dois dos maiores caranavais do Brasil. A Apoteose, que
chega a ser o maior símbolo do carnaval brasileiro no exterior, é um palco de
celebração do samba de carnaval que também tem suas raízes na marcha. Logo,
o frevo ocupa seu espaço dentro dessa festa, reclamando pra si, também o posto
de uma cultura símbolo do carnaval brasileiro, e que reafirma sua tradição
centenária. Pode-se dizer que é uma contribuição didática do que ele representa
porque se traduziram alegoricamente os detalhes sociológicos e simbólicos que
estão agregados em sua música. Falar de frevo dificilmente é falar somente de
música.
O processo que se iniciou nos cem anos do frevo pretende criar uma
espécie de renascimento do gênero a nível nacional. A assimilação é lenta, mas
se aposta que sua música seja praticada e desenvolvida cada vez mais para que
se possa chegar ao nível de ser legitimada na alma do músico brasileiro de
maneira profunda, e não seja utilizada somente como um maneirismo, como se
observa na prática musical de muitos. O violão pode ganhar muito em linguagem
com isso.
Em 2007 ocorreu o pedido formal de inclusão do frevo no Livro das Formas
de Expressão como Patrimônio Cultural Brasileiro, que foi aprovado no ano
seguinte, na data de seu centenário, registrando um capítulo histórico em sua
trajetória. Pertence agora a uma lista de quatorze Patrimônios Imateriais, que
38
inclui o Jongo e a Roda de Capoeira, por exemplo. O dossiê com 270 páginas que
foi entregue ao IPHAN (2007) junto a um vídeo-documentário, dentre tantas
qualidades do frevo discutidas nessa pesquisa, exaltou algumas dimensões sócioculturais como justificativa para a aprovação:
“O parecer da Superintendência Regional afirma suas razões
favoráveis ao registro: a riqueza de uma expressão artística ao
mesmo tempo popular e erudita diversidade cultural condensada
no frevo, num processo dinâmico de diálogo entre várias
tradições, não de um grupo étnico específico, mas como símbolo
de “pernambucanidade”, e, num sentido mais amplo, de
“brasilidade”. (...) História que não é apenas recifense, mas do
Brasil, embora tenha sido aqui que estes elementos tenham
culminado nesta expressão artística tão rica como é o frevo.
Conhecer o frevo é conhecer um pouco mais do Brasil. (...)
Reconhecê-lo é corroborar para preservar e ampliar os canais de
participação, expressão, necessidades e visões de mundo,
profundamente internalizadas e traduzidas numa manifestação tão
singular musical e coreograficamente.”
É interessante observar que o dossiê o caracteriza como “popular” e
“erudito” ao mesmo tempo. Apesar do emprego dos termos “popular” e “erudito”
soarem ultrapassados para alguns, essas expressões ainda são utilizadas por
muitos. Isso sugere que uma segregação musical ainda existe e se expressa
através desses termos interpretados como opostos: erudito, a prática musical
decorrente da formalidade; e popular, decorrente da informalidade. No Brasil,
essa concepcão pode ser observada pelo fato de determinados instrumentos
tocados por muitos músicos, ainda não fazerem parte dos cursos de graduação
em música. Podemos citar a guitarra elétrica e o contrabaixo elétrico como
exemplo. Quando o IPHAN utiliza “popular” e “erudito” como qualidades do frevo,
isso reafirma nossa discussão a respeito de como o gênero abarca tantos
universos num só, característica revelada ainda quando diz que o frevo vem de
um diálogo de diversas tradições e não pertence a um grupo étnico específico.
Sua identidade plural traduz uma característica essencialmente brasileira
revelando que seria limitador supor que sua natureza não seja sofisticada,
atribuindo essa qualidade a uma suposta elitização da música, o que pode ser um
equívoco já que, tendo nascido no “povo” em meio a festividades, se conclui que
o mesmo o sofisticou. Ou seja, o frevo já nasceu sofisticado e a idéia de recriar
sua sofisticação não deveria ser encarada como uma forma de transformá-lo em
39
erudito e elitizado, e sim como seu caminho natural. A inserção do violão não
deveria ser um problema e sim uma consequência: para o instrumento que é
considerado o mais popular do país e para um gênero que reclama para si a
democracia.
Ao obter o aval do IPHAN, houve uma legitimação formal do frevo obtida
com o intuito de preservá-lo para que se torne parte da memória das novas
gerações. Vale ressaltar que nossa pesquisa se dá num momento de transição,
onde a história do frevo dá um salto na tentativa de se transformar em história do
brasileiro, para que o mesmo não seja lembrado somente pelos seus pais
criadores. Pergunta-se: será que o registro no IPHAN pode ampliar o interesse, as
gravações e o registro formal, resultando em uma produção violonística? Será
que vai reforçar a linguagem tradicional, já que a preservação é um dos objetivos
fundamentais do registro, ou vai abrir portas para novas linguagens e
experimentações, já que a divulgação também é uma das motivações do registro?
O resultado desses esforços de preservação e divulgação só serão observados
com o passar do tempo.
1.9 Rozenblit
É imprescindível discutir a importância da gravadora e fabricante de discos
que tinha o sobrenome de seu fundador José Rozenblit, lojista da “Loja do Bom
Gosto” na Rua da Aurora em Recife, para entendermos como o frevo teve um
suporte formal e comercial para sua produção e desenvolvimento resultando em
sua época áurea. Foi graças a essa gravadora que o frevo teve a oportunidade de
ser registrado em suas diversas facetas e, posteriormente, deixado de lado
quando a fábrica faliu na década de 1980. Considerada a “única grande
gravadora brasileira fora do eixo Rio-São Paulo” (apud SOBRINHO, 1993:14)
tinha sua matriz em Recife e filiais no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
Obteve uma grande abrangência para uma gravadora que trabalhava com
gêneros regionais de um pequeno estado que não pertencia à produção musical
feita no Sudeste. A idéia de um regionalismo, idealizada inclusive pelo sociólogo
Gilberto Freyre, ajudou a dar impulso a tal iniciativa. Se compararmos com o início
40
do século XXI, onde o ideal de globalização é romper barreiras regionais,
podemos entender essa diferença. Anteriormente ainda havia a necessidade de
construir e afirmar uma identidade regional para que possamos sugerir que, talvez
hoje, tenha sido substituída pela necessidade de reafirmar essa identidade já
construída: reafirmar-se brasileiro confirmando um regionalismo idealizado no
passado, exaltando-o romanticamente.
“... alguns empresários nordestinos acreditaram no discurso
desenvolvimentista nacional e regional (..) e investiram em seus
estados, criando obras importantes, mas que não puderam
suportar a concorrência com os empreendimentos do centro-sul,
notadamente após o golpe de 1º de abril de 1964. Como explicar
esta loucura? Esta ‘loucura’ tem nome: regionalismo; e no caso de
Rozenblit, sobrenome: pernambucanidade” (SOBRINHO, 1993:15)
A iniciativa do empresário Rozenblit não deixa de ter sido um investimento
ousado numa época em que o Nordeste estava economicamente em baixa após a
Segunda Guerra e o samba já fazia sucesso. Segundo Antonio Sobrinho (1993), a
gravadora teve importância fundamental na formação da memória fonográfica de
artistas nordestinos que vieram depois como Elba Ramalho, Alceu Valença,
Geraldo Azevedo, Quinteto Violado, Banda de Pau e Corda, Carlos Fernando, Zé
Ramalho, Amelinha, Fernando Filizola e tantos outros. Hoje ainda seu catálogo
raro é a maior referência na discoteca dos interessados no gênero. Como quase
nenhum LP foi relançado no formato de CD, é possível encontrar uma grande
quantidade deles sendo vendida de forma clandestina nas ruas de Recife em
camelôs, todos a preço bem abaixo do mercado, como pudemos observar no
local.
A Rozenblit
“marcou toda uma geração de pernambucanos: maestros,
arranjadores, músicos, compositores, autores, intérpretes e
consumidores que dedicaram parte de suas vidas ao
funcionamento deste projeto. O frevo se tornou conhecido
nacionalmente graças a Rozenblit...” (SOBRINHO, 1993:15).
Como os EUA tiveram a gravadora Blue Note, que foi fundamental na
descoberta de novos artistas de jazz e registro de suas carreiras musicais, temos
a Rozenblit que abarcou toda a produção frevística em Pernambuco durante sua
41
existência de 1953 a 1984 com seu selo “Mocambo”. Diz-se inclusive que “José
Rozenblit, presidente da gravadora, monopolizou o mercado (exigia, inclusive,
exclusividade, de cantores e compositores)...” (TELES, 2007:32).
Segundo Teles a disputa entre a música pernambucana e carioca no
carnaval era acirrada, exigindo da gravadora um investimento alto em divulgação.
José Rozenblit distribuía os discos junto às emissoras de rádio e, fato importante,
“(...) espalhava as partituras dos lançamentos para o carnaval com as centenas
de orquestras que animavam a folia, na rua e clubes do Grande Recife.” (TELES,
2007:33)
Onde estariam essas partituras agora? Talvez difundidas pelas bibliotecas,
escolas de música ou guardadas por alguns músicos? Perguntas essas que não
foram respondidas nessa pesquisa, pois as partituras (para sopros e para violão)
encontradas não informavam nenhuma ligação com a gravadora.
Com preocupação mercadológica parecida com a dos dias de hoje, os
discos eram lançados em setembro para que tivessem um período de prédivulgação comercial e atingir seu auge no carnaval, quando um número
significativo de pessoas já teriam memorizado as composições. E no caso das
instrumentais? O povo também decorava as melodias dos sopros na época?
Provavelmente, porque atualmente podemos encontrar desfiles de orquestras
instrumentais onde o povo canta junto suas sofisticadas melodias. Segundo o
maestro Oséias29 (2007) sempre foi assim, é surpreendentemente comum.
Portanto, é possível que no auge de sua divulgação as pessoas cantassem muito
mais qualquer tipo de frevo, resultando num grande processo de musicalização
em massa, rompendo na prática com qualquer tipo de preconceito entre música
instrumental e cantada. “Erudito” e “popular” muito menos cabiam nesse contexto.
Mas os tempos mudaram:
“Os discos de frevos continuam sendo lançados, sem divulgação,
e sem execução no rádio e TV, portanto, não chegam ao povo. O
frevo foi perdendo espaço para a música da moda, o sucesso pop
de meio-de-ano acaba sendo o sucesso do carnaval. A culpa não
é só dos meios de comunicação. Os músicos não têm acesso fácil
29
Em depoimento pessoal em sua casa em Olinda durante o carnaval de 2007.
42
ao frevo, música que exige conhecimentos formais, de
orquestração, arranjo, e livros com partituras de frevo são
praticamente inexistentes no mercado.” (TELES, 2007:33)
Assim como o compositor Edu Lobo já foi um dos artistas brasileiros que
mais tiveram discos vendidos em outras épocas, segundo Teles (2007), o frevo já
foi uma das músicas campeãs de vendagem e de execução nas rádios. Isso não
é uma mera coincidência, o nosso país já teve um período em que uma música
considerada de boa qualidade era reconhecida e vendida pelas grandes
gravadoras. Edu Lobo (apud ALBUQUERQUE, 2006:148) critica o momento atual
para o mercado de música em geral:
“ (...) Nenhuma música do "Cambaio" (disco da peça teatral
homônima com canções de Edu Lobo e Chico Buarque) tocou no
rádio, nenhuma. O disco do Chico, o último(...)não tocou no rádio,
porque a gravadora não estava a fim de pagar sei lá o quê, hoje
em dia tudo é pago. Não tava a fim de pagar porque a edição
também não é dela e, enfim, é um jogo...(...) Quando eu falo isso,
que essa época é muito pior do que foi a censura de 64, eu tenho
certeza disso. Eu acho que a gente vive uma época quase que
stalinista, quase ou exatamente, em que existe um master, um
dono, que regula, e fala: "Isso aí não pode." Por diversas razões,
ou porque ele não vai ter controle sobre esse trabalho, ou porque
é um trabalho considerado sofisticado demais, ou por uma coisa
mais vagabunda ainda, desculpe o termo, que é uma coisa assim:
"Eu não vou participar disso aí." Por exemplo, chega um grupo
novo de pagode, os compositores todos dão as edições para as
editoras das gravadoras e essas músicas então são tocadas no
rádio porque são compradas, quer dizer, os horários são
comprados(...) Você paga, você compra aqueles três minutos para
aquela música tocar, então você pode comprar 30 execuções
daquela música por rádio por dia, ela vira um sucesso nacional, de
tanto tocar, ela vira. Então eu acho que é isso. Quando eu
comecei as pessoas eram contratadas pelas gravadoras(...)O cara
cantava e era contratado no dia seguinte para fazer três discos. Aí
o primeiro não vendia, vamos fazer o segundo, o terceiro, e vamos
recontratar...(...) fazendo paralelo em arte, você vê muita gente
que dá bico para trás e está supostamente em primeiro lugar,
entre aspas.(...) o que eu acho mais grave ainda é que na própria
indústria você vê, você sente a falta de pessoas do nível do
Aluísio de Oliveira(...)pessoas que você pode falar de música... e
você tá falando com um cara de gravadora de música, ele não
sabe nem o que você está dizendo, porque ele entende de
mercado. Como você não entende de mercado, o papo fica
impossível, você fala uma coisa, ele ouve outra. Parece que os
dois estão certos, mas é japonês com holandês, sei lá... é a
chamada conversa impossível."
43
Se compararmos com a crítica do músico Ulysses de Aquino, já em 1941,
as insatisfações em relação a excessiva preocupação comercial que existe no
negócio da música, onde se chega muitas vezes a comprometer a essência
artística de um trabalho musical em função de suas vendas, têm muito em comum
com a época atual:
“Os representantes das casas de música acostumaram-se a só
procurar ou dar preferência aos valores consagrados pela certeza
do êxito do negócio, esquecendo que vão surgindo novos
compositores que estão precisando de divulgação, de
propaganda” (apud TELES, 2007:40).
Insatisfação essa que talvez tenha sido transformada com o surgimento da
Rozenblit. Pode-se observar então que a música brasileira teve uma época áurea
onde se somava, com mais equilíbrio, gravações de qualidade artístico-musicais
aos interesses comerciais. Houve a partir da década de 1960 o surgimento de
músicos como Edu Lobo e Tom Jobim, com reconhecimento internacional, e uma
valorização da nossa música incluindo tantos outros artistas que foram
registrados em LPs. Vários movimentos e iniciativas nesse sentido ajudaram a
elaborar alguma identidade musical popular brasileira aqui e no exterior. A
Rozenblit cumpriu essa tarefa com alguns gêneros de música nordestinos, mas
essencialmente com o frevo, chegando a ter até o compositor Nelson Ferreira
como diretor-artístico:
“O auge do sucesso radiofônico do frevo coincide com o apogeu
da Rozenblit – de 1956 a 1970. A gravadora, no entanto, foi
vitimada pelas constantes inundações do Rio Capibaribe, pela
modernização do mercado de disco e pela entrada de
multinacionais no País. Acabou fechando as portas em 1984. O
frevo continuou sendo gravado, mas perdeu espaço no rádio e na
TV. Paradoxalmente, o advento do CD, inicialmente, não trouxe
mais discos do gênero.” (TELES, 2007:40).
Infelizmente a combinação de interesses entre ter qualidade artística e ser
comercial acontece pouco hoje em dia na indústria da música brasileira. Ou ainda,
o que é “sofisticado” é logo taxado de difícil, não comercial. Seria então o frevo,
que já foi sucesso popular no passado, hoje em dia considerado sofisticado
demais para nossa época? Teria sido perdida aí no meio do caminho a chance de
reinventá-lo no violão? Lembremos que o frevo realmente é uma música difícil de
44
ser tocada e que mesmo assim foi praticada nas ruas tanto por músicos
amadores quanto profissionais. Em muitos casos foram, e ainda são, pessoas de
baixa escolaridade que tocam frevo. Muitas aprendem em cursinhos de música ou
por conta própria tendo aula com amigos. No caso do violão de acompanhamento
sua “escola” é tocar “de ouvido”. Notavelmente uma música difícil de ser
executada, e que não necessariamente se consolidou nas academias, teve sua
época áurea de vendagem comercial e agora não recebe atenção por parte da
mídia. Reportagens em jornais e televisão não fizeram o frevo ser incluído na
programação das rádios. Pelo menos não por enquanto. Talvez possamos
contabilizar mais um aspecto que tornou o frevo distante e pouco acessível, e
consequentemente sem significativa renovação: o preconceito.
“Ao final da década de 1980, o noticiário local foi sacudido pela decretação
de falência da Fábrica de Discos Rozenblit Ltda....” (SOBRINHO, 1993:13).
45
CAPÍTULO 2
O Violão no Frevo
2.1 Orquestrações
Apesar das limitações que o instrumento possui em relação a uma
orquestra e até mesmo se comparado a um piano, o violão é grandioso em seu
universo único de possibilidades, dando conta de adaptar gêneros musicais que
não tem raízes na prática violonística, muitas vezes transcendendo seus limites.
Podemos citar Baden Powell com sua linguagem original, desenvolvida no samba.
Baden é influência para a maioria dos músicos que, de sua geração em diante,
tocaram samba ou outros gêneros brasileiros. Ele reafirmou a vocação que o
violão tem para se inserir e se desenvolver em qualquer tipo de música brasileira.
Aliás, vocação que Villa-Lobos30 já havia evidenciado em sua maneira de compôr
ao violão.
Baden fundou praticamente uma “escola” violonística, desenvolvendo a
música popular carioca da época em seu instrumento e somando-a à linguagem
tradicional européia do violão clássico, onde este se apresenta como solista,
funcionando como uma pequena orquestra. Além disso, evidenciou uma nova
maneira de pensar o instrumento, fazendo-o funcionar também como se fosse um
instrumento de percussão. Logo, Baden deu conta de adaptar um universo
orquestral, onde várias percussões somam-se exercendo diferentes funções
rítmicas de acordo com sua altura e timbre. Por exemplo, num momento o violão
imita o agogô, em outro o tamborim e, às vezes, mais de uma percussão ao
mesmo tempo. Baden Powell influenciou também Edu Lobo, ícone da geração
bossa-nova e que tem algumas de suas canções frevísticas como objeto desta
pesquisa:
30
Ver Estudos, Prelúdios, Suíte Popular Brasileira e Concerto.
46
“(...) fosse seguir aquelas influências eu estaria frito; foi com o
violão de Baden que eu achei uma linguagem mais próxima
inclusive da minha história pessoal, as coisas de Recife” 31
Não precisamos ir muito longe na história musical de nosso país para
concluirmos que o violão é um dos instrumentos que mais simboliza nossa música
popular. Thomas Cardoso o define como “instrumento central em nossa música
popular” (CARDOSO, 2006:23). As qualidades do violão, assim como seu
significado histórico, são evidentes. Basta dizer que Villa-Lobos, Garoto,
Dilermando Reis, Zé Menezes, Cartola, Tom Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil,
João Bosco, Edu Lobo, Canhoto da Paraíba, Radamés Gnattali, Marlos Nobre,
Guerra-Peixe e tantos outros tocaram e compuseram no violão. O instrumento se
desenvolveu na maioria dos gêneros musicais brasileiros: maxixe, choro, chula,
samba, frevo, afoxé, baião...
Um trabalho importante que inspirou essa pesquisa é o livro editado em
2006 por Marco Pereira sobre ritmos brasileiros adaptados ao violão. Em alguns
casos, Marco transcreve a maneira popular como são executados e, em outros
exemplos, onde o violão não faz parte da cultura musical de um gênero, cria
maneiras de executá-lo propondo adaptações bem sucedidas. Ou seja, ainda é
possível abrir novos caminhos para o violão, e principalmente para a nossa
música, a partir da pesquisa, somando seus elementos musicais à linguagem de
qualquer instrumento. O frevo se inclui nesse livro junto a tantos outros gêneros.
Marco Pereira introduz esse trabalho justificando:
“... percebi a variedade de movimentos, tanto de mão direita
quanto de mão esquerda, característicos do acompanhamento
rítmico-harmônico dos diferentes tipos de canções populares e
folclóricas. Constatei que havia uma série de conduções rítmicas
que não estavam catalogadas ou registradas. Paralelamente notei
que havia uma série de ritmos, praticados somente por
percussionistas, não possuíam tradução para a linguagem
violonística. Diante disso surgiu um forte desejo de registrar e
adaptar essa particular expressão.” (PEREIRA, 2006:5).
Podemos apontar no Brasil inúmeros gêneros musicais que se associam a
danças e eventos festivos e, para o nosso interesse, vale identificar a diferença de
31
Citação de Edu Lobo disponível em:
(http://www.petrobrasinfonica.com.br/opes/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=781&sid=28)
47
complexidade entre eles. O frevo, por preencher requisitos de qualidade
harmônica, rítmica, poética, instrumentação, entre outras, é passível de estudo
exclusivamente musical. É uma música concebida originalmente através da
prática orquestral, logo, de maior complexidade para seu estudo.
Uma dificuldade é a sua tradução para a linguagem violonística, onde
teoricamente se reduz um universo plural ao singular quando o violão é solista. O
desafio é um único instrumento manter essa natureza plural. Para isso, é
necessário levar o calor do gênero em sua qualidade festiva e popular para a sala
de concerto. Segundo Guinga, “a sala de concerto carece, precisa de rua.” (apud
CARDOSO, 2006:82)
O conhecimento técnico e teórico sobre o frevo é fundamental para
interpretá-lo.
O
violonista
executante
do
frevo
deve
pensar
o
violão
necessariamente como se fosse uma orquestra. Turíbio Santos, em depoimento
pessoal (2007) a respeito do Frevo da Petit Suite de Radamés Gnattali, sugeriu:
“Você deve dividir as vozes como se fossem os instrumentos de
uma orquestra de frevo. Nas partes agudas estão os trompetes,
na resposta dos baixos, os trombones e as tubas, e nos médios,
as palhetas. Cada acorde dissonante deve soar como se fosse um
ataque da caixa barulhenta junto às percussões. Se você
conseguir tirar esse tipo de som do violão então ele começará a
soar frevo.”
Henrique Annes, também em depoimento pessoal (2007), sugeriu como
forma de criar novos arranjos:
“... você pode pegar uma partitura para orquestra (...) separar o
primeiro trompete, analisar e depois vê o que faz com o resto. (...)
Pega os saxofones... junta tudo e faz a sua parte”.
Fica evidente o conhecimento mínimo sobre orquestração que o intérprete
deve desenvolver. O violonista deve ter o mesmo cuidado que um maestro tem ao
reger sua banda. O violão é sua orquestra e o violonista é o regente. Esse
conhecimento é o fundamento de sua música.
Guerra-Peixe era categórico:
48
“Uma particularidade tem feito com que o frevo conserve seu vigor
rítmico, a importância de sua orquestração e as características de
sua forma: é o fato de seu compositor ser, não um 'orelhudo', mas,
sempre, um músico, que o imagina numa orquestra que,
imediatamente, dá forma gráfica musical à sua inspiração – o
resultado é que, na composição de frevo, a própria
instrumentação é a composição. A não ser em raras exceções, o
compositor de frevo é o seu orquestrador.” (apud TELES,
2000:27).
Ou ainda:
“...não basta saber bater numa caixa de fósforos ou solfejar para
compor um frevo. Antes de mais nada o compositor de frevo tem
de ser músico. Tem que entender de orquestração,
principalmente. Pode até, não ser um orquestrador dos melhores,
mas, ao compor, sabe o que cabe a cada seção instrumental de
uma orquestra ou banda. Pode, inclusive, não ser perito em
escrever pautas, mas, na hora de compor, ele sabe dizer ao
técnico que escreverá a pauta, o que ele quer que cada
instrumento faça e em que momento. Se ele não tiver esta
capacidade musical não será um compositor de frevo". (GUERRAPEIXE, 1978).
Essa capacidade musical a que Guerra-Peixe se refere é essencial.
Segundo ele, mesmo que o compositor não tenha profundo conhecimento técnico
ou formação acadêmica no estudo de orquestração, deverá saber as funções que
os instrumentos têm no frevo. Se o intérprete tiver esse conhecimento
aprofundado, poderá traçar um paralelo entre o violão e a orquestra com mais
propriedade.
É fundamental para qualquer gênero musical que o intérprete tenha
conhecimento da música que está tocando, principalmente se propondo a ouvi-la.
A parte técnica representa um tipo de dificuldade, mas o conhecimento estético é
primordial para que a técnica seja usada a favor do gênero em questão. Essa
discussão é sempre levantada quando, por exemplo, um estrangeiro
tenta
interpretar um gênero brasileiro e, apesar de dar conta da técnica exigida por uma
peça, a obra não soa brasileira. A falta de intimidade com um gênero pode
transformá-lo numa leitura meramente técnica da partitura. Ou ainda, pode soar
como se fosse outro gênero que não o que a composição pede. Em entrevista
cedida ao Fórum Violão Erudito, em 2000, a guitarrista barroca Cristina Azuma
49
fala da importância do conhecimento geral de um gênero para a sua
interpretação:
“Para explicar um pouco o que esse estudo representa em termos
de interpretação, uso de uma analogia com a música brasileira.
No exterior ouvimos muita música brasileira tocada sem um maior
interesse da parte dos intérpretes pela música original. Um frevo
por exemplo: às vezes podemos ouvir frevos tecnicamente muito
bem tocados, musicalmente aceitáveis para alguém que não sabe
o que é um frevo, mas mais lentos ou mal acentuados, ou seja,
são tudo menos um frevo. Com a música que estudei é a mesma
coisa. Só pelo título (gavotas, sarabandas, chaconas, jácaras, etc)
já se tem uma idéia do resultado sonoro em termos de tempo,
articulação, forma, antes mesmo de abordar a peça que revela
então suas qualidades individuais. E esse conhecimento é
indispensável para poder abordar o repertório.”32
Reafirmando essa idéia, o violonista Marcus Llerena afirmou uma vez, em
entrevista ao periódico Apolon Musagete, a respeito da suíte Reminiscências de
Marlos Nobre que contém um movimento chamado Frevo:
“Foi escolhida como ‘Peça de confronto’ de um dos mais
importantes concursos de violão da França e tenho certeza que o
violonista que não for brasileiro terá muita dificuldade na
interpretação do frevo.” (LLERENA apud SILVA, 2007:64)
Marlos Nobre chamou atenção para a mesma obra: Frevo. Informou que
“também nesse caso é necessário um conhecimento prévio de como se tocam os
frevos pelas orquestras típicas de frevo de Pernambuco.” (NOBRE apud SILVA,
2007:65)
Talvez a dificuldade de execução seja também um dos fatores que
contribuem para que o frevo não saia do domínio de seus “pais” pernambucanos.
É essencial que, entre seus intérpretes, o virtuosismo seja qualidade primordial, o
que exige uma dedicação formal a seu estudo. Foram muitos os maestros de
frevo que frequentaram escolas de música: Ademir Araújo, Spok, Maestro Nunes,
Clóvis Pereira, José Menezes, Duda e tantos outros. Os que não estudaram
orquestração, pelo menos fizeram parte das orquestras como instrumentistas e
foram aprimorando seu conhecimento na prática durante anos. O maestro
32
Disponível em: http://www.geocities.com/Vienna/Waltz/3039/azuma.html
50
Oséias33, em depoimento pessoal em 2007, falou a respeito da época em que era
estudante: “Naquele tempo era diferente... meu pai me obrigou a estudar música.
Na época eu não gostava, mas hoje sou agradecido a ele. (...) posso reger minha
orquestra.”
Desenvolvendo-se o frevo a partir das bandas militares, que por sua vez
vieram da Europa, é possível fazer um paralelo com a tradição européia de escrita
para as orquestras sinfônicas. Tanto é que grandes músicos que compuseram
frevos de qualidade escreviam para sinfônicas. É o caso de Radamés e Marlos
Nobre.
Sempre foi considerado pelos grandes mestres bom orquestrador aquele
que concebesse uma obra que explorasse bem os recursos da orquestra, dando
ao ouvinte a sensação de um grupo coeso funcionando em equilíbrio. Sobre
orquestração, Stravinski afirmou:
“Ela é boa quando você não percebe que é instrumentação (..) a
verdadeira música para piano (...) é a mais difícil de ser
instrumentada. Até Shoenberg, que sempre foi um bom mestre
nesse ramo (...) tropeçou quando tentou transferir para orquestra
o estilo pianístico de Brahms. (...) Geralmente não é um bom sinal
quando a primeira coisa que observamos numa peça é a
instrumentação.” (STRAVINSKY e CRAFT,1959:53)
Uma boa obra musical corre o risco de perder sua qualidade original tanto
ao ser reduzida para um instrumento só quanto ao tentarmos o caminho contrário.
As peculiaridades encontradas na linguagem de um instrumento solista ou de um
pequeno grupo também podem se diluir e se perder em uma orquestra com mais
de cinquenta músicos. Partindo dessa constatação podemos entender que o
violão enquanto instrumento harmônico e melódico exige, assim como o piano ou
uma orquestra, um cuidado de arranjador que já pense a composição criada com
os recursos do instrumento. A composição deve preferencialmente ser concebida
no violão, ou pelo menos na mente de quem conhece bem seus recursos. Todas
as composições violonísticas de autores ilustres como Villa-Lobos, Garoto e
Radamés Gnattali dificilmente soariam tão bem se tocadas em outros
33
Maestro de Olinda ainda em atividade.
51
instrumentos sem um arranjo bem adaptado, porque eles revelaram a identidade
do violão. Ou seja, é preciso compôr de acordo com as necessidades técnicas do
instrumento para fazê-lo soar em sua plenitude. Radamés tinha uma afinação
diferente usando a sexta corda como nota ré solta, que predominou por toda sua
obra para violão. Ele tem estudos para violão que propõem afinações mais
inusitadas ainda, imitando até a sonoridade de uma viola caipira. Sobre a obra
violonística de Villa-Lobos, Marco Pereira escreveu:
“Villa-Lobos foi, seguramente, o primeiro a utilizar aquilo que lhe
era exclusivo [ao violão], a essência do instrumento, como
material temático. Ele se serviu, frequentemente, de evidências
digitais para construir sua matéria musical, partindo de uma
digitação prefixada para obter certos resultados sonoros. Isto é de
suma importância visto que sua atitude não era só de impor ao
instrumento os sons que estavam em sua mente mas também de
fazer com que ele soasse com sua linguagem própria.” (apud
CARDOSO, 2006:51)
A vantagem do violão, ao pensarmos orquestralmente, é a quantidade de
timbres que apresenta o que o torna um candidato natural às adaptações do
frevo. Assim, para fins de análise das possibilidades do violão nesse aspecto,
algumas de suas características são descritas a seguir.
O violão mais comum, de seis cordas, chamado também de “guitarra
clássica” (classical guitar), possui dois tipos de cordas: três agudas de náilon (mi,
si e sol) e três mais graves revestidas com metal (ré, lá e mi). A diferença entre o
metal e o náilon divide a princípio o instrumento em dois timbres básicos: graves
(baixos), geralmente tocados com o polegar, e agudos (complemento da
harmonia e melodia), tocados com os dedos indicador, médio e anelar. Ainda
assim, nada impede que as cordas sejam tocadas com qualquer dedo, se preciso.
Como acontecem em uma palheta ou uma boquilha em que podem fazer muita
diferença no timbre gerado nos instrumentos de orquestra, no violão temos a mão
direita que usa tradicionalmente esses quatro dedos diferentes, podendo ou não
fazer o uso de unhas. Ainda existe a possibilidade de se escolher entre as
seguintes técnicas de ataque dos dedos: “com apoio”, muito presente na escola
flamenca de guitarra, muito usada para dar potência e destaque às melodias, ou
“sem apoio”, dando um som mais doce e com menos volume. Vale observar
52
também a diferença de timbres que a mão direita pode oferecer, ao se colocar
próxima ao braço do instrumento, gerando um som mais aveludado, ou próxima
ao cavalete, que tem uma sonoridade média, anasalada. A maior parte das notas
que são geradas no braço do violão apresenta cinco timbres diferentes na mesma
altura, porém em cordas diferentes. Uma mesma nota varia do timbre mais agudo
e estalado ao mais grave e encorpado. Podemos utilizar todos esses recursos
timbrísticos do instrumento na análise das peças de frevo escolhidas com o intuito
de ir além da sua estrutura harmônica e melódica e dar-lhe uma dimensão
orquestral. Sua qualidade percussiva será observada também. É importante
entendermos a técnica como um processo dinâmico sempre em construção, onde
novas possibilidades podem e devem ser tentadas sempre. O instrumento revela
novos caminhos de acordo com seu tocador.
É muito comum que os grandes arranjadores e compositores de peças
para orquestra sejam pianistas e não tenham o conhecimento necessário para
escrever para o violão. Nosso instrumento escolhido é muito peculiar em sua
escrita pois, assim como a harpa, é um instrumento harmônico que possui muitas
limitações técnicas em relação ao piano. Temos alguns casos especiais, como o
do já citado maestro Radamés Gnattali, que se propôs a estudar o violão e
compôs um frevo grandioso, peça que faz parte da “Pequena Suíte” para violão e
que é analisada ao final dessa dissertação.
Concluímos que para adaptarmos o frevo ao violão é preciso que tanto o
compositor quanto o intérprete tenham o conhecimento bem apurado do
instrumento e do gênero orquestral. Todos esses aspectos discutidos serão
levados em conta ao analisarmos as peças para violão no capítulo seguinte.
2.2 Violonistas
“Fui ver Olinda onde o frevo faz
Uma alegria a mais
Nas ruas que eu vivi
Ao som de um pinho em noite enluarada
Por madrugadas que eu não esqueci”
(Revendo Olinda, frevo-de-bloco de Getúlio Cavalcanti, apud
NOVA, 2007:31)
53
Foram muitos os violonistas que fizeram parte da trajetória do frevo. A
maioria participava de agremiações e saía no carnaval junto às troças,
acompanhando a banda que executava os frevos-de-bloco. Ainda é assim até
hoje. No “Bloco da Saudade”, por exemplo, muitos já têm mais de quarenta anos
e, como pude presenciar, desfilam com pequenos amplificadores que são
carregados como mochilas em suas costas. Mesmo assim, o volume sonoro dos
outros instrumentos e principalmente a presença física e o barulho da multidão
abafam o som dos violões. Para ouvi-los, é preciso estar dentro do cordão que
separa os músicos do público ou a uma distância muito próxima. A maioria toca
com “dedeira” seus violões de sete cordas, feitas de aço. Poucos tocam o comum
seis cordas, sempre feitas de náilon. De maneira geral, também se podem
encontrar apresentações ou ensaios de diferentes agremiações em palcos onde
os violões são amplificados de acordo com a necessidade da apresentação.
Nesse caso, podemos ouvir o violão com mais facilidade.
A verdadeira tradição do violão no frevo é a de acompanhador. Isso faz
sentido se considerarmos que o frevo é um gênero ligado ao carnaval. Muitos são
músicos que tocam de forma amadora, praticando seu instrumento somente no
verão, quando começam os ensaios para o carnaval.
Assim como no gênero choro, encontramos o violão de sete cordas
presente na maioria das agremiações pernambucanas que incluem o violão em
sua banda. No Rio de Janeiro podemos citar o expoente do instrumento, o já
falecido Dino Sete Cordas, que é referência para todo violonista que almeja
estudar esse instrumento peculiar. No Recife, Bozó é a grande referência. Bozó
tocou e gravou com a maioria dos instrumentistas pernambucanos e é hoje o
diretor musical de uma das mais importantes agremiações pernambucanas: o já
citado “Bloco da Saudade”. Apesar de, na maior parte do tempo, tocar violão de
sete cordas de nylon, ele também chama a atenção para a importância do
instrumento com cordas de aço. Como os violões não eram amplificados, as
cordas de aço tinham melhor projeção e um som mais “rasgado”. Em depoimento
pessoal (2007), Bozó explica que antigamente se tinha menos barulho de motores
de carros e máquinas nas ruas, portanto, se ouvia melhor as bandas quando
54
desfilavam. As próprias ruas estreitas ajudavam, proporcionando uma boa
acústica.
Marco César34 (depoimento pessoal, 2007) ressalta a característica típica
do frevo-de-bloco que o violão cumpre, após a introdução instrumental e uma
pausa, ao tocar uma frase nos baixos, introduzindo a voz para o tom da canção.
Essa frase geralmente é do quinto grau ao primeiro. Ver o exemplo 1.
Exemplo 1
O falecido Edgar Moraes, um dos mais importantes compositores de frevode-bloco, autor do clássico “Bloco da Saudade”, que deu nome ao bloco
homônimo, era violonista e compunha suas orquestrações a partir desse
instrumento.
“A formação dele não foi a de um músico de sopro, era um
compositor de violão. Ele orquestrava com o violão, apesar de não
ter tido professor. Foi aprendendo assim na força de vontade:
analisando partituras, vendo alguém escrever para orquestra...
então tudo que ele fazia era com base nesse instrumento. Ele
tinha na cabeça dele os baixos do violão como sendo o tuba.”
(CÉSAR, depoimento pessoal, 2007)
Marco César mostrou que Edgar Moraes tocava o violão em pizzicato, ou
pinicato na linguagem popular de Recife, abafando as cordas com sua mão direita
para imitar o som de marcha a que o tuba remete. “É uma forma que ele
encontrou na cabeça dele de que o frevo deveria ser tocado assim no violão,
imitando os baixos do tuba” (CÉSAR, depoimento pessoal, 2007). Evidencia-se
que o violonista deve ter certa ousadia para o trabalho de adaptação.
34
Bandolinista, pesquisador e maestro do Coral Edgard Moraes.
55
Edgar era irmão do também falecido compositor Raul Moraes, citado na
letra de “Evocação No. 1”, de Nelson Ferreira. Era comum sua presença em
serenatas que o tinham como figura principal, “que ao som do seu violão,
interpretava as mais líricas e românticas marchas-de-bloco compostas pelo
próprio...” 35
Outro artigo relembra seu irmão Raul Moraes, além de sugerir a presença
do violão entre as principais personalidades musicais da época:
“Do Jornal Commercio de 19 de fevereiro de 1924, na coluna
Carnaval: 'Guilherme de Araújo, com toda a saliência de sua
barriga monstruosamente paquidérmica, dançava no meio da sala,
fazendo admiravelmente o passo do urubu malandro. O Felinto
puxava pela prima... do violão que fazia Fenelon Moreira dar com
os quartos para trás que nem bode em tempo de chuva'. A notinha
referia-se a uma festa dos integrantes do bloco Apois Fum. Os
três pândegos a que se refere a nota são Felinto, Guilherme e
Fenelon, citados nos versos iniciais do frevo-de-bloco Evocação
nº1, de Nelson Ferreira. No mesmo frevo são ainda lembrados
Pedro Salgado, presidente do Bloco das Flores, e “o velho Raul
Moraes”, compositor falecido em 1937, com 45 anos anos.” 36
Somado aos muitos compositores de frevo-de-bloco que cantavam e se
acompanhavam ao violão, citamos Getúlio Cavalcanti, que é compositor e famoso
cantor de frevos com inúmeras gravações. Getúlio, “autor de algumas das mais
belas músicas do carnaval de Pernambuco como 'Boi Castanho' e 'Último
Regresso', é presença marcante durante os ensaios e desfiles do Bloco da
Saudade, dedilhando seu violão em meio à orquestra.” 37
Percebemos, assim, que o instrumento se fez presente na evolução do
frevo. Apesar de ser uma música orquestrada, o frevo-de-bloco é sempre uma
canção, portanto, pode nascer de modo independente de sua orquestração. Eis
uma característica que diferencia totalmente a natureza dos frevos: instrumental e
cantado. O frevo cantado se utilizou notoriamente do violão como instrumento de
acompanhamento. Canções de vários gêneros no Brasil nasceram assim.
35
Artigo sobre Maurício Cavalcanti, consultado em 07/06/2006, disponível em
(http://www.musicadepernambuco.pe.gov.br/release.php?idArtista=37)
36
Disponível em (http://jc3.uol.com.br/jornal/2007/02/09/can_290.php)
37
Em visita ao site do “Bloco da Saudade” em 04/05/2007.
(http://www.blocodasaudade.org.br/frevodebloco/index2.html)
56
Podemos observar também que os violonistas profissionais que fizeram
parte da trajetória do frevo, quando são considerados exímios instrumentistas,
foram músicos de choro. Ainda hoje em dia, ser músico de choro é sinônimo de
ser músico de qualidade. Porém, para Marco César (depoimento pessoal, 2007),
o frevo ainda se ressente de pessoas especializadas na área e, por isso, é a favor
de se montar cursos de frevo para orquestra de cordas dedilhadas. Mas, segundo
ele, para formalizar esse ensino, levar-se-ia tempo porque a cada dia se
descobrem novos materiais, divisões rítmicas e articulações. Henrique Annes38,
violonista de carreira internacional e diretor da “Orquestra de Cordas Dedilhadas
de Pernambuco”, explica:
“Não existiu um violonista pernambucano que se dedicou a
compor frevo. Existiram muitos violonistas de choro, que já se
foram, e um ou dois faziam frevos. Zé do Carmo, por exemplo, fez
uns três frevos pra violão. O Romualdo Miranda, irmão do
Luperce, tocava frevos tradicionais no violão... “Fogão”,
“Vassourinhas”... tocava inclusive as variações (...) tudo em violão
solo nos tons agradáveis para o instrumento: lá maior, mi maior, ré
maior... Quem quiser que o acompanhasse. (...) Eu era menino e
só queria andar com eles. Aprendi tudo com eles, todos os
macetes. A batida da mão direita é diferente, tem que seguir a
percussão senão não funciona (...) A gente tocava o domingo
inteiro na casa dos amigos e depois ia pra rádio para um
programa chamado ‘Onde os violões se encontram’. Eram valsas
e choros. Frevos a gente tocava de brincadeira. Foram lá Canhoto
da Paraíba, Ernani Reis... (...) Tinha muito frevo-de-bloco na rádio
naquela época.”
Chamamos a atenção para a maneira como Annes revela o tratamento
diferenciado entre valsa e choro, e o frevo. Afirmar que o frevo era tocado “... de
brincadeira”, dá a entender que a valsa e o choro eram gêneros que possuíam
maior status artístico e de maior interesse na rádio. O conflito entre gêneros em
determinada época traduz o olhar que a sociedade tem sobre um tipo de música.
Em cada tempo uma música foi sempre considerada maior que outra. No caso, o
frevo não era necessariamente levado a sério como música grandiosa que talvez
merecesse um tratamento formal. Talvez fosse difícil imaginar um violonista tocar
frevo numa sala de concerto ou incluir frevo na programação de uma rádio sem
ser de maneira despretensiosa.
38
Em depoimento pessoal, 2007.
57
Annes ganhou experiência na linguagem de acompanhamento por ter feito
várias gravações com orquestras de “pau e corda”. Declarou a respeito das
“baixarias” (fraseados nos baixos): “Eu lia cifra e cabeça de nota, então, o
maestro Nelson Ferreira me chamava pra gravar os LP’s. Era um bom dinheiro,
uma maravilha... época boa.” (ANNES, depoimento pessoal, 2007).
Quem muito gravou nesse período (década de 1960) foram os violonistas
do grupo regional de Nelson Miranda: China, no violão de seis cordas, e Adalcir,
no de sete cordas. Henrique Annes tinha que gravar os violões aos sábados de
manhã, porque era menor de idade e os pais não permitiam que saísse à noite.
Ele afirma que os violões eram, às vezes, curiosamente afinados um tom abaixo,
e não em 440Hz. No grupo de Luperce era assim, pois o violão ficava com uma
sonoridade mais grave. Annes recorda choros como “Delicado”, que é
originalmente em sol maior e eles tinham que tocar como se fosse em lá maior.
Entretanto, a diferença era só no braço do instrumento, pois o tom acabava sendo
o mesmo. Só mudava o timbre.
Para Annes, se o músico de choro for bom não terá dificuldades de
executar o frevo, justamente por causa da proximidade entre os dois gêneros. O
chorão que já estiver familiarizado com a marcha-rancho terá menos dificuldade
ainda. Jacob do Bandolim, por exemplo, compôs alguns frevos como “Toca pro
Pau”, “Busca Pé”, “Pimenta no Salão”, “Rua da Imperatriz” e “Sapeca”. Esse
último inclusive foi gravado com arranjo para orquestra do maestro Duda39.
Como foi comentado antes, em todo o Brasil alguns violonistas têm
composto frevos para violão solo sem o compromisso de se especializar no
gênero. São em geral frevos bem compostos, desde os que mostram um
conhecimento básico do gênero até os que o conhecem muito bem. Pode-se
observar também algumas raras gravações onde o violão interpreta alguns
clássicos do frevo executando quase que exclusivamente a principal parte
melódica.
Uma curiosidade é que o artigo de Evandro Rabelo no site da Fundaj
(Fundação Joaquim Nabuco) revela Matias da Rocha, o compositor de
39
Renomado maestro que teve seu auge de atuação entre as décadas de 1980 e 1990.
58
“Vassourinhas”, talvez o frevo mais antigo e tradicional executado, como sendo
um violonista:
“Olhando um retrato existente na sede, Matias da Rocha era
afilado, negro, trajado com elegância. Joana chamou-o "maestro".
Em outro documento encontrado no Clube, respondendo a uma
carta do Sr. Mário Leite em 1949, o ex-presidente Severino
Oliveira adianta que Vassourinhas ‘foi tirada por Matias da Rocha
e Sua Prima Joana Batista Ramos no dia 6 de janeiro de 1909 e
que compoz com seu violão no arrabalbe de Beberibe em um
mucambo (...) Matias além de tocar violão, fazer farras, tocava
flauta e tinha uma voz bonita. (...) Quando Vassourinhas foi ao
Rio, em 1951, o Clube pediu para Joana cantar a marcha famosa.
Assim foi feita uma orquestração."40
Conclui-se que uma das mais significativas composições do gênero nasceu
no violão. Não temos como saber se Matias da Rocha era um exímio violonista,
provavelmente não, porém, vale ressaltar a importância do instrumento que serviu
de base para o compositor. No caso, o processo se deu à maneira inversa: sua
orquestração veio depois. É bem possível que outras composições tenham
nascido da mesma maneira. Fato curioso é que o frevo mais famoso,
“Vassourinhas”, apesar de ter tido posteriormente uma letra, virou um clássico
tema instrumental e poucos sabem cantar seus versos originais. Nos desfiles, o
público canta solfejando sem letra alguma. Seria isso uma vocação do gênero
para ser instrumental ou a fama de “Vassourinhas” deve-se à sua raiz na melodia
cantável? O importante é entendermos que a história do frevo se mistura entre
canções, orquestrações, erudito, popular... é naturalmente uma música dinâmica
e plural, por isso mesmo aberta a elementos novos e adaptações. A trajetória do
violão obedece a essa dinâmica.
O violonista Maurício Carrilho (1998) deu uma explicação a respeito do
desenvolvimento do choro que podemos aplicar ao frevo:
“... Essa forma nova de tocar choro surgiu naturalmente. Foi um
casamento de algo novo com a tradição. Isso e' que e' legal. O
que existe e' a seqüência de trabalho. Você tem que pôr o pe' em
cima de alguma coisa, pisar no chão, que e' a sua tradição, e se
trabalhar vai chegar uma hora em que estará' fazendo algo
diferente, naturalmente. Não tem que tirar nada da cartola.” (In
Revista Teoria e Debate, n.37, 1998:7).
40
Disponível em: (http://www.fundaj.gov.br/)
59
2.3 Repertório
Pesquisando, encontramos frevos de compositores não pernambucanos
para violão. Os primeiros originalmente feitos para violão encontrados na
pesquisa foram “Vô Alfredo” e “Henriquieto” do violonista e compositor Guinga. O
primeiro possui letra de Aldir Blanc e foi gravado pela cantora Fátima Guedes no
CD “Delírio Carioca” (1993) dos compositores. Também foi gravado em outro CD
de Guinga, “Suíte Leopoldina” (2000), com uma versão para orquestra de frevo do
saxofonista paulistano Nailor Proveta. O segundo, “Henriquieto”, foi gravado pelo
compositor ao violão, acompanhado de percussão e bandolim. Encontramos essa
gravação no CD “Simples e Absurdo” (1991). Foi registrado também pela
Orquestra Frevo Diabo (2009) com o tema dividido entre a guitarra e os sopros,
fazendo uma espécie de diálogo frevístico. Ambos os frevos foram também
gravados pelo violonista Marcus Tardelli (2006), com uma interpretação próxima
ao original e muito elogiada por Guinga.
Durante a pesquisa, aos poucos foram sendo encontradas peças
frevísticas de violão solo devidamente editadas. São, como observado nos outros
capítulos, composições esporádicas ou únicas de compositores, em sua maioria
violonistas. Quase todas foram gravadas ao violão e não foram encontrados
arranjos para orquestra, com exceção dos realizados por Guinga. Chamamos a
atenção especial para o CD de Raphael Rabello tocando Capiba (2002) que,
embora não seja exclusivamente de frevos, merece ser mencionado por ser
dedicado a um dos mais significativos compositores do gênero. Os frevos tocados
ao violão encontrados serão enumerados com as suas respectivas gravações
como referência41 e apresentados a seguir nos Quadros 1 e 2.
41
Alguns possuem mais de um registro gravado, porém apenas um será citado.
60
ORIGINAIS
Intérprete
Obra
CD
Compositor
Pixaim;
Seu Tonico na Ladeira
O Samba da Minha
Terra
o próprio
Frevo Rasgado
Em Duo com Nico
Assunção (sem
título)
Egberto
Gismonti
Marco Pereira
Edimar Fenício
Frevo
o próprio
Erisvaldo Borges
Frevo
Estação das Cordas
o próprio
Paulo Bellinati
Sai do Chão
Lira Brasileira
o próprio
Paulinho Nogueira
Frevinho Doce
Tons e Semitons
o próprio
Zé Paulo Becker
Frevo
Um Violão na Roda
de Choro
o próprio
Raphael Rabello
(disco integral)
Mestre Capiba
Capiba
Turíbio Santos
Suíte Teatro do Maranhão:
“V. Dança dos Aflitos”
Fantasia Brasileira
o próprio
Marcus Llerena
Suíte Reminiscências: III.
Frevo
Turíbio Santos
Petit Suite: III. Frevo
Marlos Nobre
O violão brasileiro
de Turíbio Santos
Radamés
Estudo Número 8
Francisco
Mignone
José de Oliveira
Queiroz
Frevo Nos. 1, 2 e 3
o próprio
Edvaldo Cabral
Frevo
Daniel Marques
Festival dos Destinos
André Siqueira
Frevo
Múcio Sá
Frevo das Crianças
Francisco Araújo
Frevo Capibano; Na Magia do
Frevo; Capibano; Eletrizante;
Frevo Siplório
o próprio
Nonato Luiz
Frevereiro
o próprio
Celso Machado
Frevo Bajado
Cristina Azuma
Carnaval de
Perneta
Quadro 1: Frevos para violão: Originais
Armando Lôbo
o próprio
61
ARRANJOS
Intérprete
Turíbio Santos
Raphael Rabello
Enéas Barbosa
Marcell Baden
Powell
Obra
CD
Compositor
Último Dia
O violão brasileiro
de Turíbio Santos
Levino Ferreira
Duda no Frevo
O violão brasileiro
de Turíbio Santos
Senô
Gostosão
O violão brasileiro
de Turíbio Santos
Nelson Ferreira
Taiane
Osmar Macedo
Fogão
Songbook
Sérgio Lisboa
Vassourinhas
Songbook
Matias da Rocha/
Joana Baptista
Oh! Bela
Songbook
Capiba
Hino do Elefante de
Olinda
Songbook
Clídio Nigro e Clóvis
Vieira
Duda no Frevo
Songbook
Senô
Evocação no.1
Aperto de Mão
Nelson Ferreira
Quadro 2: Frevos para violão: Arranjos
Um caso especial é uma composição de Egberto Gismonti que foi
originalmente composta e gravada ao piano e arranjada para orquestra pelo
próprio: “Frevo Rasgado”. Essa peça foi adaptada ainda para violão pelo trio
estrangeiro “Guitar Trio”, do qual fazem parte Paco de Lucia, John Mclaughing e
Al di Meola. Essa versão foi gravada nos EUA. Curiosamente, Marco Pereira
(depoimento pessoal, 2002) afirma ter sido o primeiro violonista a fazer uma
adaptação de “Frevo Rasgado” para violão solo. É interessante observar que
esses músicos estrangeiros interessaram-se em fazer uma adaptação violonística
da peça, sem talvez conhecer a iniciativa de Marco Pereira. Poderíamos atribuir
esses arranjos para violão ao fato de o compositor, Egberto Gismonti, ser pianista
e violonista ou também ao fato de “Frevo Rasgado” ter uma vocação violonística.
Não há como tirar conclusões definitivas a respeito, pois não foi possível
entrevistar os músicos do “Guitar Trio”. Fato é que “Frevo Rasgado” ficou famoso
62
como peça violonística e é executado hoje em dia por vários intérpretes como Zé
Paulo Becker e Gabriel Improta.
Há exemplos de outras adaptações, como a que o compositor Armando
42
Lôbo
fez de um de seus frevos para orquestra, “Festival dos Destinos”,
transformado em peça de violão solo, analisada no terceiro capítulo. Isso se deve
ao conhecimento profundo do instrumento pelo compositor que, apesar de não ter
a prática de se apresentar como concertista, é um exímio violonista.
Marlos Nobre também adaptou Remiscências, originalmente para piano. A
versão para violão ficou famosa e o frevo foi inclusive escolhido como peça de
confronto em um concurso de violão internacional, como já citado. Ou ainda
citamos
Turíbio
Santos, que
adaptou alguns
frevos
clássicos
tocando
essencialmente a parte da melodia.
O frevo, embora ainda “tímido” ao violão, revela possibilidades de abrir
novas portas no instrumento. Quando um músico se propõe a conhecer um
gênero e adaptar suas peculiaridades a um instrumento, vencendo desafios
técnicos, acaba por se tornar referência. Um exemplo já citado é o trabalho de
Baden Powell com o samba. Portanto, é possível que muitas adaptações tenham
sido feitas e vale a pena continuar pesquisando seus registros para facilitar o
acesso a essas gravações e divulgar esse repertório, estimulando novas
composições, arranjos e interpretações.
2.4 Acompanhamento
O violão, por ser um instrumento harmônico, fez parte do desenvolvimento
da maioria dos gêneros musicais nascidos no Brasil. O choro e o samba podem
ser citados como alguns dos mais representativos, com seus violões de seis e
sete cordas caracterizando funções diferentes. No geral, o primeiro se preocupa
em executar a parte rítmica e harmônica, enquanto o segundo se dedica a tocar
os baixos com seus fraseados típicos. Isso também acontece no frevo.
42
Compositor pernambucano residente no Rio de Janeiro.
63
Marco César (em depoimento pessoal, 2007) chama a atenção para
maneira que alguns violonistas desenvolveram de tocar os frevos-de-bloco
atualmente, adiantando alguns acordes junto aos sopros. Maneira que alguns
músicos tradicionais desaprovam, porque acham que tira o “chão” necessário da
base, que mantém um ostinato em 4/4, embora alguns escrevam em 2/4 por
causa da acentuação em marcha feita pelo surdo. O maestro Duda43, por
exemplo, escreve em suas partituras as antecipações rítmicas dos acordes para a
guitarra. Segundo Marco César, manter a base linear seguindo estritamente a
percussão ou antecipar os acordes talvez seja a principal diferença entre o
acompanhamento moderno e o antigo, principalmente nos frevos-de-bloco.
Referindo-se ao adiantamento dos acordes, Marco opina (depoimento pessoal,
2007):
“Eu particularmente gosto... para não ficar muito monótono. Por
exemplo, se você faz uma noite de frevo tocando tudo do mesmo
jeito, cansa. Então, tem a questão do tom, do arranjo, das
antecipações, dos breques... É importante ter essa variação para
não cansar (...) Como as pessoas não conhecem, então acham
que é tudo a mesma coisa. É como dizem com o choro e com o
samba. Tem gente que acha que é tudo a mesma coisa, e não é.
Tem sempre uma pequena nuance, uma particularidade.”
Podemos ouvir em gravações antigas que o violão está fazendo os baixos
como um bombardino ou dando ênfase à parte rítmica, feita de ostinato, junto aos
cavaquinhos e banjos. Segundo Henrique Annes (em depoimento pessoal, 2007),
na época em que começaram as gravações, os baixos eram improvisados a partir
das cifras escritas, cabendo ao violonista dobrar algumas frases dos instrumentos
de sopro graves, de ouvido, se quisesse. A maneira de se tocar as “baixarias”
utilizadas no frevo ao violão são similares à do gênero carioca choro,
principalmente por causa das seqüências harmônicas semelhantes, que têm raiz
na música européia. Ouvimos também em gravações que a caixa não se inclui em
algumas orquestras de pau e corda, gerando uma sonoridade mais leve, dando
maior espaço para os instrumentos de corda e às madeiras. Uma hipótese é que
essa instrumentação sem caixa existia devido à falta de tecnologia na época, que
só permitia gravações ao vivo com todos os músicos tocando ao mesmo tempo,
43
José Urcisino da Silva
64
diferente de agora, quando é possível cada um gravar sua parte separadamente
do resto da orquestra e mixar seus volumes posteriormente. Aliás, gravações
atuais de frevos-de-bloco quase sempre incluem a caixa.
Na orquestra Spok Frevo, que se dedica mais aos frevo-de-rua, a guitarra,
quando exerce o papel de acompanhador, adianta a maioria dos acordes junto
aos sopros. No frevo-de-rua, diferente do frevo-de-bloco, a música caminha de
uma maneira geral como uma unidade, sem ter necessariamente um ostinato
rítmico obrigatório. Neste caso, não se tratam de variações rítmicas em cima de
um ostinato, como podemos encontrar no samba ou no baião. É como Carlos
Malta44 definiu (depoimento pessoal, 2008): “o frevo é uma brincadeira com a
gravidade o tempo todo. A gente perde o chão...”. No frevo-de-rua quase só
temos o surdo e o pandeiro em ostinato, mesmo assim cumprindo quase todas as
convenções rítmicas, chamadas também de “obrigações”, que são muitas no
gênero. A caixa acentua as frases dos sopros o tempo todo e ainda faz variações
de acordo com a maneira pessoal de cada percussionista tocar. Nos poucos
momentos em que o ostinato acontece, pode ser dividido em quatro ou dois
tempos.
A caixa é inspirada nos desenhos básicos da marcha e do dobrado:
Marcha
Exemplo 2: Marcha.
44
Multi instrumentista de sopros, líder do grupo “Pife Muderno”.
65
Frevo
Exemplo 3: Ostinato 1.
Exemplo 4: Ostinato 2.
O Pandeiro, derivado da polca, permanece com seu desenho rítmico até
hoje:
Exemplo 5: desenho rítmico do Pandeiro.
O Surdo é tocado como na marcha. É assim também em alguns tipos de
samba e na marchinha carioca:
Exemplo 6: Ostinato.
Não é possível afirmar quando se passou a tocar o acompanhamento
rítmico da maneira que conhecemos hoje, visto que este veio da música de banda
66
militar, mas o fato é que a maneira de executar os ritmos contemporâneos do
frevo se aplica às composições mais antigas, como é o caso de “Vassourinhas”.
Existe uma notável diferença entre a maneira de executar algumas composições
antigas que posteriormente vieram a ser consideradas frevos e aquelas que já
nasceram sendo chamadas de frevo. As antigas têm mais espaço para o ostinato
como forma de acompanhamento constante, pois suas orquestrações são mais
simples, assim como seus contrapontos. As composições recentes possuem mais
síncopes e frases que quebram a estrutura do ostinato, obrigando a percussão a
cumprir essas quebras. Logo, ouve-se um grupo coeso, onde seu fraseado é
acentuado por vários instrumentos ao mesmo tempo, criando uma potência
extraordinária. Pode-se fazer um paralelo com um tipo de escrita para bigbands
nos EUA, principalmente no jazz bebop, onde o baterista acentua os fraseados
virtuosísticos cheios de nota tocados pelos sopros. Essa comparação não é feita
a partir de uma coincidência: os dois gêneros têm suas raízes nas bandas
militares, de onde herdaram sua instrumentação.
O que faz alguns músicos brasileiros, que não têm intimidade com o
gênero, pensarem que existe um ostinato predominante nesse tipo de frevo são
suas referências principalmente no frevo cantado. O Frevo cantado é a única
referência de frevo que se tem na maior parte do país, inclusive por causa dos
frevos baianos que ficaram famosos na voz de Caetano Veloso e Moraes Moreira,
entre outros. Ainda pode-se citar o Quintento Violado, conjunto pernambucano
cantado que tem um trabalho de dimensão nacional, e a canção “Evocação No 1”
de Nelson Ferreira que teve projeção nacional na época de sua gravação, em
1957. O músico brasileiro geralmente não conhece os tipos diferenciados de
frevo. Podemos confirmar isso ouvindo as gravações e composições existentes
no mercado de músicos não pernambucanos, que costumam interpretar seus
frevos instrumentais com arranjos similares aos dos frevos cantados.
Entre as composições instrumentais, chamamos a atenção novamente
para “Vassourinhas”, que é um caso de orquestração simples, onde os metais e
as palhetas têm funções bem claras de pergunta e resposta. Sendo originalmente
uma canção com letra de Joana Baptista, com orquestração feita posteriormente,
“Vassourinhas” pertence à época em que o frevo estava nascendo e é tocada
67
hoje baseada nos ostinatos presentes nas músicas cantadas, possuindo
características bem diferentes de um frevo, como por exemplo, “Gostosão”, de
Nelson Ferreira. Infelizmente, não se sabe ao certo como era tocada
"Vassourinhas" na época em que foi composta.
O violão como acompanhador não é parte da tradição dos frevos-de-rua,
portanto, é necessário que o executante entenda a diferença entre acompanhar
um frevo-de-bloco ou uma orquestra de rua. No segundo caso, é uma função
mais cumprida pelos guitarristas elétricos, pois o instrumento permite ajustes de
timbre e volume, obtendo uma sonoridade mais presente junto à explosão sonora
de uma orquestra completa. O mesmo podemos observar em relação aos baixos
elétricos. Mesmo assim, em alguns casos, quando a sonoridade da guitarra
elétrica é mais jazzística em vez de roqueira, vale notar que sua maneira de
acompanhar pode ser tocada ao violão integralmente. Funciona. É freqüente o
violão participar de pequenos grupos, como no caso da "Orquestra de Cordas
Dedilhadas de Pernambuco", onde se toca versões dos frevos-de-rua em arranjos
para instrumentos de corda (bandolim, cavaquinhos, violões...), mas que
geralmente não incluem a caixa.
Concluindo, observam-se duas maneiras básicas de acompanhamento: 1)
Frevo-de-bloco e canção: baseado em ostinato e executando as convenções mais
importantes. O violão se ocupa dos baixos e pode ser de sete ou seis cordas,
respectivamente aço ou náilon, tocado com dedeira ou não. Frases de “baixaria”
de choro são utilizadas. 2) Frevo-de-rua: pode ser tocado pela guitarra elétrica ou
o violão, dependendo da sonoridade da orquestra. Preocupa-se mais com a
harmonia e as acentuações, adiantando ou atrasando os acordes conforme os
ataques dos metais. Às vezes dobra melodicamente algum náipe de sopros. Sua
função se assemelha a da guitarra nas bigbands de jazz.
68
2.5 Solo
Marco Pereira (em entrevista, 2009)
45
declarou: “a adaptação da rítmica e
do fraseado do frevo para o violão é muito complexa e resulta sempre em
dificuldades técnicas transcendentais. Acho que é o gênero mais difícil de praticar
com o violão solo.” Marco César46 (depoimento pessoal, 2007) chama a atenção
para as diferenças que existem nas articulações próprias dos instrumentos de
sopro que, ao serem adaptadas para o violão e o bandolim, não devem ter tantas
ligaduras pois, por não terem a duração da nota controlada pelo sopro e sim pela
palheta, dedeira ou dedo, as cordas devem ser atacadas mais vezes para não
perderem seu volume e vigor. Essa idéia será aplicada nas análises das peças
nos últimos capítulos. Mais uma vez, Marco César comenta os motivos pelo qual
o frevo violonístico não se desenvolveu tanto, reafirmando o difícil acesso e a
escassez de partituras:
“O maior motivo também para o violão não ter se desenvolvido
tanto como solista de frevo é a falta de material, a falta de
partituras que sejam adaptadas ao instrumento. Nunca houve uma
preocupação de se escrever os frevos para os instrumentos de
cordas, e quando se escrevia não era nos tons, digamos, ...
agradáveis para os músicos de cordas. Você sabe que quanto
mais difícil é a música escrita para um instrumento, mais a pessoa
vai deixando ela de lado... prefere uma que seja mais fácil. Os
maestros e grandes arranjadores sempre escreviam grades de
orquestra. Escreviam uma cifra ou outra mas não ao nível de um
solista de violão, também por falta de conhecimento desses
maestros do instrumento. Até hoje, a gente sabe que esses
maestros pouco conhecem os instrumentos de cordas. Talvez o
Edson Rodrigues, que toca um pouquinho de violão, tenha uma
proximidade maior. Mas os outros... ou é pianista ou
instrumentista de sopro. O violonista teria que ouvir uma gravação
e tirar uma melodia, talvez trocada porque o ouvido confundiu, e
acaba tocando a música sem ter muita certeza (...) partituras,
muitas vezes você não tem acesso. Muitos acervos foram
perdidos por conta da cheia que teve aqui na "Rádio Jornal e TV"
e, além disso, teve uma época em que as partituras da rádio
foram jogadas no lixo. Eram carroças e mais carroças levando
para a incineração. Capiba foi um desses que sofreu, perdeu-se
muita coisa dele... muita coisa se perdeu.” (CÉSAR, depoimento
pessoal, 2007)
45
46
Em Anexo 1. Violonista, compositor , arranjador e professor da UFRJ.
Pernambucano, bandolinista, arranjador, compositor e professor de música.
69
Para Marco César, nunca houve interesse da parte dos violonistas de seu
estado de se dedicarem à sua música de uma forma que não fosse a tradicional
de acompanhamento nos blocos. Um motivo proposto é que, na época das
grandes rádios, ouvia-se muita música que vinha de São Paulo e do Rio de
Janeiro: o samba, o choro, depois a bossa-nova. Não havia interesse geral de se
divulgar o que era de Pernambuco, e quando havia, o que se tocava era o baião:
Luís Gonzaga. Marco cita Heraldo do Monte como uma referência de solista de
frevo. Heraldo é um multi-instrumentista que tocou violão, guitarra, violão de aço,
bandolim e cavaquinho. Chegou mesmo a gravar um disco dedicado
exclusivamente à viola caipira, porém não se dedicou da mesma maneira ao
frevo, fazendo algumas ótimas gravações, porém esporádicas.
Com isso, reafirmamos nossa idéia de que o violão como solista de frevo
se desenvolveu de maneira fragmentada e não criou uma tradição relativamente
sólida como se fez com a função de acompanhador. Portanto, sua linguagem está
ainda em construção, deixando evidente que ainda existe espaço para se
desenvolver. Por isso, escolhemos as três peças seguintes para análise: peças
que representam uma inserção dos compositores no universo frevístico ao violão,
sem necessariamente dedicar-se a construir uma obra completa (estudos, suítes,
concertos...) baseada no mesmo. Ao violão, Guinga compôs dois frevos, Armando
um e Radamés um.
70
CAPÍTULO 3
Análise de três obras frevísticas para violão solo
“O compositor, ao criar suas composições, não apenas inventa,
ele se reinventa absorvendo a tradição musical, e reinventa assim
a própria música brasileira, o que permitirá que os brasileiros
anônimos se reinventem ao tomá-la como estímulo estético ao
pensar-se brasileiro.” (ANDRADE apud ALBUQUERQUE,
2006:21)
A seguir faremos uma análise dando ênfase à parte interpretativa,
valorizando o ritmo, ligaduras, dinâmicas, acentuações e articulações. Teremos
como principal referência, o livro editado pelo maestro pernambucano José
Menezes, “Songbook Frevos de Rua” (2006), onde encontramos grades de suas
obras para orquestra, escritas com riqueza de detalhes em termos interpretativos.
Grande compositor que nos serve como referência para o gênero, Menezes nos
oferece em seu livro exemplos bem diversificados, uma vez que escreve para
todos os instrumentos utilizados tradicionalmente em uma orquestra de frevo.
Adaptaremos sua escrita para o violão como uma sugestão interpretativa.
Eventualmente, obras de outros compositores pernambucanos serão utilizadas
também como referência quando necessário.
As peças escolhidas a serem analisadas são: “Henriquieto” (Guinga),
“Frevo - Petit Suite” (Radamés Gnattali) e “Festival dos Destinos” (Armando
Lôbo). Justifica-se essa escolha por serem raros compositores que escreveram
frevo para violão e são de diferentes gerações e regiões
do país,
respectivamente, Sudeste, Sul e Nordeste.
3.1 Frevo: terceiro movimento da Petit Suite
3.1.1 Radamés Gnattali
Radamés, nascido em 1906 e falecido em 1988, seria o mais velho. O
gaúcho compôs a Pequena Suíte com temas nordestinos _ Pastoral, Toada e
Frevo _ dedicada ao violonista Turíbio Santos. Turíbio (em depoimento pessoal,
71
2007) conta que Radamés teve a iniciativa de escrever a Suíte quando, ao
perguntar a ele o que faltava em sua obra, o violonista sugeriu que compusesse
algo dedicado ao Nordeste. Sobre Radamés, afirmou o maestro Júlio Medaglia:
“O Radamés quando escrevia para instrumento solista, para sala
de concerto, ele virava realmente um compositor de sala de
concerto. A vida dele começou como músico erudito, ele primeiro
foi um grande pianista, um grande violinista, depois um grande
violonista, tocou cavaquinho tão bem quanto os outros
instrumentos. Não é que ele tocava um pouco de violão, ele
tocava muito bem. Uma vez na casa dele eu disse: 'como é
Radamés, você também mandou brasa no violão?’ , como dizendo
‘foi meio daquele jeito’. Então ele disse: Daquele jeito não! E
pegou o violão e estraçalhou na minha frente, eu até fiquei
envergonhado.” (MEDAGLIA apud FRANCISCHINI, 2007:5)
Com essa declaração do maestro, fica claro o domínio de Radamés sobre
o instrumento, muito além de um estudo superficial apenas para compor para o
violão. Radamés estudou a sério e conviveu com os grandes violonistas de sua
época; dentre outros, foi amigo de nomes como Garoto, compondo um concerto
dedicado a ele, Raphael Rabello e o já citado Turíbio Santos, as melhores
companhias para um compositor se aprofundar no instrumento e testar suas
idéias. Seus onze estudos para violão, além de cinco concertos para violão e
orquestra, suítes e tantas outras, o consagram definitivamente como um dos
maiores autores de peças para violão do repertório brasileiro de concerto, ao lado
de Villa-Lobos.
3.1.2 Análise de Frevo
A seguir, a peça “Frevo – Petit Suíte”, terceiro movimento, de Radamés
Gnattali seguida da análise realizada na presente pesquisa.
72
Figura 2: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) - Cp.1-17
Radamés Gnattali
73
Figura 3: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) – Cp. 18-36
Radamés Gnattali
74
Figura 4: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) – Cp. 37-54
Radamés Gnattali
75
Figura 5: Frevo – Petit Suíte (terceiro movimento) – Cp. 55-71
Radamés Gnattali
76
Com a afinação da sexta corda em ré, Radamés sugere o andamento Vivo
começando com um acorde na região médio grave de D7M como se fosse a
pancada da percussão e logo em seguida uma resposta dos trumpetes. No
compasso47 2 acontece sua resposta com frase descendente: construção
melódica típica do frevo que encontraremos a seguir, nas outras duas peças
(Henriquieto e Festival dos Destinos). Nos Cp.3-4 a mesma idéia se repete com a
melodia uma quinta abaixo. Observe-se que nesses primeiros compassos é
apresentada a idéia principal do tema, que em seguida é desenvolvida durante a
peça. Esse início é uma “chamada” frevística onde subentendemos que a
percussão só acentuaria os acordes, para começar de fato o ostinato rítmico
dançante do frevo no Cp.5 . Nesse compasso começa um movimento de acordes
cromáticos, o que sugere baixo, harmonia e melodia sendo tocados juntos. Agora
sim uma banda completa representada no violão. Apesar disso notemos que o
compositor não escreveu nenhuma passagem da peça em ostinato rítmico básico
do frevo. O único trecho em que os baixos são tocados no ritmo do surdo marcial
é entre Cp.48-50, e mesmo assim temos um compasso de ¾, o que, de qualquer
maneira, não é tradicional. Nas outras peças podemos observar que os ostinatos
rítmicos do frevo são muito pouco ou nada presentes. Isso reforça a idéia de que
o frevo-de-rua instrumental foge à idéia de um ostinato fixo, como pressupõem
muitos livros que abordam o gênero.
No Cp.6 temos a primeira quebra de compasso binário para ternário que,
como já foi observado, se repete em outros momentos. Temos uma resposta aos
acordes, que ascendem de forma cromática com a mesma digitação e o baixo
em lá, fazendo um contraste com os baixos descendentes. Nesse frevo,
Radamés deixa bem divididas as funções de baixo, acorde e melodia. Não há
contraponto polifônico entre as mesmas. Segue compasso binário com resposta
dos agudos (Cp.7-8), sugerindo um novo ritmo no fraseado até quebrar
novamente para ternário em Cp.9-10. Nesse trecho acrescenta-se um tempo a
mais no compasso por conta da idéia melódica anterior, o que transforma o
ternário numa junção dos elementos de Cp.8 e 11. No Cp.11 encontramos o
acompanhamento em contratempo, característica típica do frevo. Nos Cp.13-16
47
No presente texto foi adotada a abreviação Cp. para compasso.
77
encontramos a melodia nos baixos médios, que poderia ser executada pelos
trombones ou até os saxes, mas não necessariamente por um instrumento baixo
como a tuba. Chamo a atenção pra isso para demonstrar como Radamés
orquestrou bem seu frevo para violão, que poderia ser facilmente transcrito para
orquestra.
Os Cp.17-18 são idênticos aos Cp.5-6, porém concluindo o baixo em fá
sustenido e fazendo uma sequência de acordes dominantes que terminam
novamente em D7M. Pode-se observar a acentuação utilizada dessa vez com os
agudos no contratempo ao inverso de Cp.11.
Em Cp.21-22 é feito um arpejo de D7M, terminando na nota si que faz
parte, junto a Cp.23, da frase do tema em Cp.1-2. Há um arpejo semelhante em
Cp.24-25, relativos ao desenvolvimento de Cp.3-4. Observa-se um compasso
ternário semelhante ao que encontramos em Cp.6. Entre Cp.21-25 é apresentada
uma variação do tema principal também se fazendo uma ruptura com um
compasso ternário.
Em Cp.25-31 o compositor expõe uma nova idéia melódica nos baixos,
dessa vez realmente no grave, podendo ser tocado por uma tuba ou trombone
baixo. Sua resposta são os ataques nos agudos em forma de acordes
dissonantes.
Em Cp.32-36 observam-se arpejos do acorde de sol maior dominante (G713) com uma figura rítmica de quatro notas que se repete em síncopes,
terminando em um ataque no acorde de “D sus4”. Um fraseado frevístico
descendente é seguido de outra frase ascendente em quiálteras (Cp.37-42) com
terminação no acorde de “A”, semelhante aos Cp.35-36. Em seguida, temos uma
frase no baixo para o ritornello.
Em Cp.45-47, nota-se síncope arpejado, semelhante a Cp.32. Segue uma
alteração para o compasso ternário em Cp.48-51, onde acordes são arpejados.
Nota-se que se separarmos os acordes dos baixos executados nesse trecho,
descobrimos que eles estão em ritmo binário. Esse é mais um artifício do frevo
para se produzir o efeito de polirritmia.
78
Segundo Turíbio Santos (depoimento pessoal, 2007), em Cp.52-60
Radamés propõe uma Cadenza rítmica em que imita o tarol percussivo do frevo,
em que a melodia e os acordes arpejados parecem estar deslocados um do outro.
Em um momento a melodia parece antecipar o acorde e vice-versa. Em Cp.58-59
o ritmo do arpejo se modifica em semicolcheias com acentuação na nota mais
aguda do acorde: E7/9 – Eb7/9.
Em Cp. 61-65 retoma-se a idéia apresentada no Cp. 13, porém
acrescentando um acorde a mais, comparado à sua primeira exposição: si bemol
maior. A peça se conclui logo após o arpejo em quiálteras do acorde dominante
de lá (A 7/#11) a que se segue uma frase ascendente cromática também
quialterada de dó sustenido até a nota ré. Após uma pausa de um tempo, a peça
acaba com o ataque do acorde D6/9, utilizando todas as cordas do violão. Esse é
o acorde utilizado no “Frevo” com o som mais aberto e cheio que finaliza a peça.
Nota-se que o compositor nesse caso optou por acrescentar pouquíssimas
articulações, o que seria incomum de se encontrar num arranjo para instrumento
de sopro. A maioria das partituras pesquisadas para violão não apresenta um
cuidado satisfatório com a escrita de articulações.
3.2 Henriquieto
3.2.1 Guinga
Guinga nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 10 de julho de 1950. A
biografia em seu site o define assim:
“Carlos Althier de Souza Lemos Escobar (…) Aprendeu violão
intuitivamente aos 13 anos de idade. Mais tarde faria cursos de
música, inclusive 5 anos de violão clássico com o professor
Jodacil Damasceno. Começou a compor aos 16 anos,
classificando a sua primeira canção aos 17 anos no Festival
Internacional
da
Canção.
Trabalhou
profissionalmente,
acompanhando artistas como Clara Nunes, Beth Carvalho, Alaíde
Costa, Cartola, João Nogueira, entre outros. Formou-se em
Odontologia em 1975. Sempre compondo, teve várias de suas
músicas gravadas por nomes importantes: Elis Regina, Michel
79
Legrand, Sérgio Mendes, Leila Pinheiro, Chico Buarque, Clara
Nunes, Ivan Lins e outros.” 48
Compositor violonista ainda ativo, fez dois frevos: “Vô Alfredo” e
“Henriquieto”. Escolheu-se analisar “Henriquieto” porque explora de forma
peculiar uma figura rítmica derivada da polca executada tradicionalmente pelo
pandeiro. “Vô Alfredo” possui características que se assemelham às outras duas
peças escolhidas, portanto não será analisada aqui. Com “Henriquieto”, Guinga
homenageia o violonista pernambucano Henrique Annes, fazendo um trocadilho
com seu nome no título da composição.
O compositor considera-se com sangue nordestino por conta de sua
ascendência materna que é pernambucana e paraibana. Para ele, os ritmos
nordestinos sempre estiveram em sua alma, mas o que o inspirou diretamente a
compor seu primeiro frevo foi a composição de Egberto Gismonti chamada
“Karatê”. Interessante observar que Gismonti divulgou o gênero, em mais de uma
composição sua, para diversos compositores e instrumentistas. Guinga lembra-se
também da época em que “Evocação No. 1” de Nelson Ferreira tocava na rádio.
Para ele, o ato de compor frevo ao violão é um desafio, porque se deve tomar
cuidado para não se sofisticar demais, tem que ser na medida. Em suas palavras:
“... não pode perder a rua” (depoimento pessoal, 2008). Nota-se que Guinga usa a
palavra rua para designar o caráter popular da música, deixando claro que as
características de uma prática musical, que nasceram literalmente na rua, não
devem ser deturpadas em função de uma eruditização que ignore a alma do
gênero. “O frevo não tem nem a obrigação de ser alegre, mas tem que ter rua.”
Em sua opinião, é preciso atingir esse equilíbrio entre a sofisticação concertista e
a alma da música, que nasceu na rua. Segundo ele “essa riqueza rítmica
assombrosa” de Pernambuco devia ser mais divulgada.
Atualmente, Guinga não interpreta “Henriquieto” em seus concertos e o
justifica por considerar essa peça muito difícil de ser executada. Recorda-se com
orgulho da apresentação que fez no extinto Free Jazz Festival em sua edição de
1994, quando a tocou pela última vez ao vivo.
48
Disponível em www.guinga.com
80
3.2.2 Análise de Henriquieto
A seguir, a peça Henriquieto, de Guinga, e a análise realizada na presente
dissertação.
81
Figura 6: Henriquieto - Cp. 1-19 / Guinga e Aldir Blanc
82
Figura 7: Henriquieto - Cp. 20-45 / Guinga e Aldir Blanc
83
A partitura não evidencia sua forma, portanto, vamos tomar como
referência uma gravação feita pelo próprio compositor em um de seus discos
(Delírio Carioca, 1993). A música é dividida entre parte “A”, nos Cp.1-24, e “B”,
nos Cp.25-44. Sua introdução faz parte do “A”, sendo tocada todas as vezes. A
forma é A-B-A-A-B, o que é pouco usual. “Henriquieto” começa com a figura
rítmica derivada da polca, geralmente tocada pelo pandeiro em ostinato nos
compassos 1-8. Usa aqui inversões nos baixos que caminham de maneira
descendente do grave para o agudo, concluindo o primeiro trecho (Cp.1-4) num
acorde que sugere o quarto grau com sonoridade suspensa, devido à ausência da
terça justa (C/F). Nos Cp.5-8 finaliza na tônica, que é um acorde de Dó maior
perfeito (C), como se fosse a casa 2. Esse trecho tem um caráter de introdução
em tom de Dó maior e sugere ao ouvinte uma sonoridade parecida com a de uma
marcha harmônica, devido à sucessão de acordes maiores e dominantes (C/E –
F7/Eb – Eb7/Db – C7/Bb – D7/A – Bb7/Ab – C/F).
No Cp.9 começa a exposição do tema no tom relativo menor (Am) em
anacruze, como é tradicional nos frevos-de-rua, em forma de pergunta melódica.
Em seguida, Cp.11-13a, há uma resposta em forma de acordes numa espécie de
“cluster” tipicamente violonístico, com o baixo na corda solta “ré”, gerando
intervalos de segunda entre as cordas “si” e “sol” _ recurso utilizado pelo
compositor ao final da parte “B” de outra obra sua chamada “Di Menor”. Nesta
utiliza-se do baixo na corda solta “lá”. Esse jogo de pergunta e resposta remete ao
diálogo dos metais e das palhetas, uma brincadeira entre melodia e massa
sonora. O recurso dos clusters provoca essa massa sonora.
Temos em seguida uma repetição de pergunta e resposta temática entre
Cp.17b-20 e voltamos à figura rítmica da introdução novamente usando inversões
dos acordes, porém com outra harmonia (Cp. 21-24 com repetição). Percebemos
que, nesse trecho, o compositor reafirma a idéia de pergunta e resposta entre o
grave e o agudo dando uma idéia de ida e vinda, sobe e desce, sugerindo
movimento entre opostos, que remete às ladeiras de Olinda por onde desfilam as
“troças” carnavalescas. Aqui também é feito um jogo de contrastes entre o
84
melódico e a “pancada” dos acordes com intervalos de segunda, se utilizando
novamente de cordas soltas explorando muito bem os timbres do instrumento.
Guinga segue fazendo uma cadência para o quarto grau (Fá) com um
acorde dominante (C7). Repare que em Cp.25-26 ele se utiliza de ligaduras para
deslocar as acentuações de seu tempo forte natural. Os acentos são todos no
contratempo. Em Cp.29-32a ele transforma o acorde de Fá em dominante,
fazendo descer a melodia da tônica para a sétima, com resposta final do acorde
com nona _ “sol” _ na melodia. Coloca aqui os baixos sincopados contrastando
com os acordes no tempo forte. Em seguida resolve em “si bemol” (Bb6), que
repete a mesma idéia entre baixos e acordes terminando no acorde de lá (Am),
passando pelo seu dominante com o baixo na terça (E7/G#). Nota-se a melodia
cromática nos baixos em ambos os trechos (Cp.29-32a e Cp.33-36).
Nos Cp.37-40 volta o ostinato do pandeiro em forma de arpejo, primeiro Am
(Cp.37-38) e depois um arpejo diminuto seguido da nota “mi”.
Entre Cp.41-44 com repetição é feito um desenho melódico em cima do
arpejo de F7M/9 que pode ser entendido também como tríades individuais
formando acordes diferentes, inclusive porque a acentuação dos baixos sugere
grupos rítmicos de 3 notas. São muito comuns no frevo grupos ímpares de notas
sugerindo uma polirritmia e compassos diferentes tocados simultaneamente. No
Cp.44 há uma quebra nessa estrutura, terminando em 2 trítonos que resolvem
sua tensão na repetição integral da música ou no final com o acorde de Am6, que
também possui um trítono entre a sexta e a terça do acorde. Nota-se que a
música começa em tom maior e acaba no menor, processo inverso ao da
picardia.
85
3.3 Festival dos Destinos
3.3.1 Armando Lôbo
Nascido no Recife em 26 de fevereiro de 1971, Armando Lôbo é um dos
raros compositores da nova geração que domina a linguagem “erudita”, de
concerto, e “popular”, cuja prática se dá fora da sala de concerto. Tem sinfonias e
opereta compostas, discos lançados como cantor e arranjador de MPB e é
integrante da Orquestra Frevo Diabo. Lôbo possui uma obra vasta para diversas
formações em diversos gêneros e vertentes da música, se caracterizando como
um dos músicos mais completos de sua geração. Armando possui também um
trabalho autoral chamado “O Frevo Bem Temperado”, em que dá tratamento
barroco aos seus frevos. Ele está sempre buscando uma linguagem original em
sua música. É um dos raros compositores da nova geração de Recife que aponta
novos caminhos para o frevo.
O próprio compositor fez a adaptação de Festival dos Destinos
originalmente escrito para orquestra, atendendo a meu pedido. Isso se deve ao
conhecimento profundo do instrumento pelo compositor que, apesar de não ter a
prática de se apresentar como concertista, é um exímio violonista.
3.3.2 Análise de Festival dos Destinos
A seguir, a partitura de Festival dos Destinos seguida da análise realizada na
presente dissertação.
86
Figura 8: Festival dos Destinos – Cp. 1-30 / Armando Lôbo
87
Figura 9: Festival dos Destinos – Cp. 31-66 / Armando Lôbo
88
Figura 10 : Festival dos Destinos – Cp. 67-99 / Armando Lôbo
89
Figura 11: Festival dos Destinos – Cp. 100-159 / Armando Lôbo
90
Essa peça foi escrita na tonalidade de ré maior e, assim como o Frevo de
Radamés, utiliza-se da afinação da sexta corda em ré. Começa com uma
introdução em tempo Adagio (72 b.p.m.). Essa introdução apresenta alguns
fragmentos do tema principal intercalados por idéias melódicas que só são
expostas nesse trecho. Funciona preparando o ouvinte para o andamento ligeiro e
frenético com harmonias dissonantes que virá em seguida. Nesse momento o
frevo está nascendo. A introdução termina (Cp. 26) com uma frase cromática
ascendente utilizando a primeira corda solta (mi) como pedal para ajudar na
execução rápida das semicolcheias, caracterizando o virtuosismo e gerando
tensão e expectativa quanto ao tema por vir.
O tema principal começa (Cp.27) no dobro do andamento da introdução,
Allegro (144 b.p.m), com o arpejo de lá maior dominante acentuada pelas
ligaduras, utilizando as cordas soltas respectivas de cada nota, resultando num
fraseado típico do frevo. O mesmo recurso foi utilizado em Cp.18. Nota-se que,
como nos instrumentos de sopro, no violão também se usam muitas ligaduras
para deslocar os acentos de seu tempo forte, resultando nas mais diversas
formas de síncope e contratempo. No caso, as cordas soltas são aproveitadas
para permitir saltos entre intervalos distantes e para se obter um timbre mais
aberto, além de que tecnicamente é mais viável na maioria dos casos de
ligaduras. Vale notar que no gênero frevo é muito comum encontrarmos idéias de
notas agrupadas em 2, 3, 4, 5..., muitas vezes não cabendo na métrica do
compasso, sugerindo uma polirritmia interessante como segue nos exemplos :
Exemplo 7
Exemplo 8
91
Exemplo 9
A frase que inicia o tema (Cp.27-29) começa de forma descendente e
termina ascendente, dando uma idéia de sobe e desce, vai e vem, típica do
gênero, características essas que instigam o passista em suas coreografias. Sua
resposta se segue em Cp.30-31 de forma descendente, sugerindo mais um
movimento flutuante. Essa idéia evolui entre Cp.32-37 com acordes que vão
ascendendo, gerando tensão e expectativa, até que tem seu auge entre Cp.38-41,
onde a melodia caminha pelos acordes de Dm7(b5), G7 e Bb7(13), gerando uma
cadência que se resolve por aproximação cromática em B/F# ao invés de Cm, o
que seria a sua solução comum. O tema atinge seu “ápice épico” entre Cp.42-55,
atingindo a nota mais aguda da música até então, em Cp.43. Ainda em Cp.42-55
ele
expõe
trecho apresentado
na introdução (Cp.8-16) com pequenas
modificações. Essa melodia muda de passagens cromáticas para uma melodia
cantável que poderia facilmente ser letrada e nos sugere um refrão onde
podemos até imaginar uma multidão cantando em coro. Na sequência, se utiliza
de cordas soltas novamente para reproduzir a figura rítmica do pandeiro, derivada
da polca (Cp.57-58):
Exemplo 10
Armando repete o fraseado semelhante (Cp.59-63) ao do início do tema
(Cp.27-31). Ver nos exemplos 11 e 12:
92
Exemplo 11
Exemplo 12
Conclui em seguida, dessa vez em C7M/9. Cria uma ponte em Cp.63-67
para retomar e expôr novamente o trecho que qualificamos de "épico" a partir de
Cp.67, concluindo a exposição do tema em Cp.72-76. Notemos que em Cp.65-67
os acordes de A7(13), G7(13) e B/F# são tocados no contratempo, variação
rítmica muito comum no frevo que podemos encontrar nas melodias tanto quanto
nos acompanhamentos. Também é importante comentarmos o recurso de corda
solta aqui utilizado de uma forma diferente: diversificando o timbre tocando a
mesma nota (sol) na quinta casa da corda ré (polegar), alternando com a corda
sol solta (indicador), produzindo uma acentuação deslocada do tempo forte.
Repetimos os Cp.27-76 por conta do ritornello e seguimos com uma
terceira exposição do tema que começa no Cp.77 e é interrompida em Cp.91 com
acordes cromáticos ascendentes (Bb7-13, Ab9/C, C#o-13, Dm6), terminando em
um compasso ternário (Cp.94).
Em Cp.95 se inicia uma Cadenza em andamento Meno Mosso fraseando
novamente na figura tocada pelo pandeiro com o baixo pedal em ré ou em fá,
acentuando o ritmo no contratempo, que se conclui (Cp.101) com a repetição
descendente, usando a mesma digitação em cada corda com o baixo em sua
respectiva corda superior.
A Cadenza continua a tempo (144 b.p.m.) ainda explorando a figura rítmica
do pandeiro em staccato, arpejando acordes que vão ascendendo com a mesma
digitação para ambas as mãos. O contraste vem em seguida, tocado com
93
harmônicos descendentes gerados na quinta e na sétima casa do violão, o que
naturalmente soa mais suave, comparado ao staccato anterior. O compositor
conclui assim sua Cadenza em tom suave, após uma exaustão técnica de
andamento rápido.
Retomamos a introdução da música em andamento adagio novamente.
Aqui o compositor dá à peça definitivamente um caráter de Concerto, por causa
dessa diversidade de andamento, algo absolutamente incomum nos frevos-derua, por conta de sua natureza dançante. Nos frevos tradicionais, encontramos
mudança de dinâmica, etc., mas nunca mudança de andamento. A música
popular no geral subentende um instrumento rítmico (percussão principalmente)
que trabalha incessantemente como uma máquina fazendo uma base constante
em ostinatos para o resto dos instrumentos, por isso, não se espera que haja
mudanças bruscas de andamento, em que a idéia de um ostinato se desfaz
totalmente.
A repetição da introdução se interrompe em Cp.125 com um acorde meio
tom acima em relação ao anterior (F#7-13 para G7-13). Aqui a introdução é
tocada exatamente pela metade. São 13 compassos em vez de 26.
Voltamos em seguida ao andamento 144 b.p.m com a exposição do tema
principal. Logo de início há uma alteração no segundo compasso, onde ocorre a
supressão de uma colcheia na resposta ascendente do tema, transformando-o em
um compasso único de 7/8. O compasso binário é em seguida retomado e o tema
principal segue idêntico às exposições anteriores, até o momento que surge uma
modulação para um tom e meio acima nos Cp.139-141 antecedendo uma
cadência (D7-9/A, B7, Em7-b5, A7-13) que termina em D6/9. A partir do Cp.147,
Armando desenvolve trecho baseado no Cp.53-55, utilizando um acorde
dominante de A7(13) para gerar tensão, que acaba em andamento Meno Mosso
com frase nos baixos semelhante à da Cadenza (Cp.101-102). Repete fragmento
do tema inicial em Cp.157 e desta vez suprime o tempo da frase de resposta
ascendente, transformando-a em quiálteras de 11, que terminam em fermata.
Outra fermata aparece logo em seguida no acorde conclusivo do tom da música:
D6/9.
94
Observemos que, também de maneira incomum, o compositor finaliza a
música diminuindo o andamento para Meno Mosso, terminando com o último
acorde com dinâmica mp, o que contraria a tradição de terminar os frevos-de-rua
em dinâmica explosiva, geralmente seguidas de execução fortíssima do acorde
da tonalidade da música. Festival dos Destinos começa construindo um ambiente
para começar o frevo, o desconstrói no meio e termina diminuindo e parando de
forma sutil. Podemos compará-lo a um trem que sai da estação, chega a sua
maior velocidade durante a viagem, pára para descansar por um breve momento
e retoma a viagem até chegar de novo à sua estação, deixando com naturalidade
muita fumaça para trás.
95
CAPÍTULO 4
Transcrições de três acompanhamentos frevísticos a partir da
Orquestra Frevo Diabo
A seguir estão as transcrições de alguns acompanhamentos guitarrísticos
gravados no primeiro cd do grupo carioca “Frevo Diabo” (2009). O arranjo da
canção “Frevo Diabo” foi gravada com guitarra elétrica, mas pode perfeitamente
ser utilizado ao violão.
A escolha do instrumento elétrico para as gravações foi uma opção técnica
devido à grande massa sonora produzida pelos instrumentos de sopro e pela
bateria/percussão. As freqüências sonoras da guitarra fizeram com que tivesse
mais presença que o violão, junto ao resto da banda, em alguns arranjos
específicos. Vale chamar atenção para o fato de que as partes de
acompanhamento transcritas são relativas ao instrumento integrado a um
contexto coletivo, a banda, em que há diálogos entre os instrumentos. Por isso, só
fazem sentido, na maioria das vezes, se executadas junto ao resto da banda. Os
arranjos integrais estarão anexados no fim da dissertação. Serão transcritos os
acompanhamentos das seguintes composições: “Cordão da Saideira”, “Frevo
Diabo” e “Frevo de Itamaracá”. Alguns trechos serão comentados.
4.1 Orquestra Frevo Diabo
Esse tópico justifica a escolha do grupo “Frevo Diabo” para objeto de
estudo, através dos arranjos feitos para violão de acompanhamento registrados
no CD. Muito elogiado e reconhecido por músicos brasileiros importantes como
Egberto Gismonti, Edu Lobo, Guinga, Carlos Malta, Marco Pereira e,
principalmente, o maestro pernambucano Ademir Araújo, o “Frevo Diabo”, mistura
96
“bases enérgicas, usando timbres modernos, com harmonias sofisticadas e os
metais do frevo.” 49
Nascida a partir do encontro musical do carioca Daniel Marques e do
pernambucano Armando Lôbo, segundoi informacão no seu site, “Frevo Diabo” foi
batizado com o nome de uma canção de Chico Buarque e Edu Lobo. A orquestra
se propõe a fazer uma ponte entre tradição e inovação ao tirar o gênero do
regionalismo e torná-lo universal, somando compositores contemporâneos, como
Chico Buarque e Edu Lobo, aos tradicionais Capiba e Nelson Ferreira, além
apresentar de composições próprias. O grupo é composto por 10 músicos
cariocas e pernambucanos de várias tendências do circuito musical brasileiro,
distribuídos entre saxofones, metais, baixo, bateria, guitarra/violão e voz. São
integrantes de bandas como "Monobloco", “Carlos Malta e Pife Muderno”, “Tira
Poeira”, "Furiosa Portátil" e "UFRJAZZ". Alguns integrantes eventualmente
incluem frevos em seus trabalhos solo.
Os arranjos de seu disco de estréia transitam por diversos ritmos e gêneros
da música brasileira, desenvolvendo uma fusão do frevo com maracatu,
caboclinho, samba, maculelê, galope...
“Estão presentes também influências do rock e do reggae
jamaicano. Villa-Lobos também marca a influência do grupo na
maneira de elaborar os arranjos sofisticados e com bases na
orquestração da música sinfônica européia. O resultado é uma
diversidade carnavalesca natural do frevo” 50.
Frevo Diabo é o primeiro grupo fora de Pernambuco a gravar um disco
dedicado exclusivamente a esse gênero e, por isso, representa um marco
pioneiro na história do frevo. Seu trabalho foi reconhecido em Pernambuco e seu
CD foi patrocinado pela Prefeitura do Recife, o que representa uma legitimação
formal do grupo. Um artigo de Lygia Falcão saiu no “Diário de Pernambuco”,
incluindo
49
50
o
grupo
numa
lista
de
CD´s
apoiados
Informação no site do “Frevo Diabo”, www.myspace.com/frevodiabo
Idem
pela
Prefeitura:
97
“Apoiamos a remasterização e a prensagem de 09 LPs de frevo
para CD, do projeto O Tema É Frevo, executado por Hugo
Martins. Patrocinamos e apoiamos a produção de vários CD´s:
Claudionor Germano, Maestro Ademir Araújo, J. Michiles, Nono
Germano, Orquestra Frevo Diabo (com sede no Rio de Janeiro)
e ainda patrocinamos o DVD da Spok Frevo Orquestra. O
Calendário 100 Anos do Frevo, do fotógrafo Renato Filho também
contou com o patrocínio da Prefeitura do Recife.” (FALCÃO, 2008)
O grupo vem se apresentando constantemente. Já tocou em diversos
bailes de carnaval e em teatros, explorando o frevo tanto em sua vocação festiva
quanto em concertos com interpretações camerísticas, vocação do frevo essa já
apontada no Capítulo 2.
No encarte do CD “Frevo Diabo” temos declarações de alguns músicos
importantes:
"Ouvi várias vezes e achei maravilhoso o trabalho do CD. O
caminho do frevo já está num crescente brilhante. É isso aí
irmãos. Parabéns!" (Ademir Araújo, o maestro “Formiga”).
“... uma beleza essa orquestra de frevo! Parabéns. Os arranjos e
as execuções são realmente muito bons. Parabéns ao
Pernambucano (Armando) e aos músicos." (Egberto Gismonti,
compositor).
E ainda o comentário bem humorado de Guinga: “Achei o Frevo Diabo
divino!”
No CD “Frevo Diabo” encontramos o seguinte repertório:
1 - Frevo Guarani (Carlos Gomes/ Armando Lôbo)
2 - Não Existe Pecado do Lado de Baixo do Equador (Chico Buarque)
3 - Chapéu de Sol Aberto (Capiba)
4 - Frevo Diabo (Chico Buarque/ Edu Lobo)
5 - Henriquieto (Guinga)
6 - Cordão da Saideira (Edu Lobo)
7 - Frevo de Itamaracá (Edu Lobo)
8 - Último Dia (Levino Ferreira)
9 - Enquanto Existe Carnaval (Thiago Amud)
10 - Carnaval de Perneta (Daniel Marques)
98
O grupo foi escolhido como referência para as transcrições dessa
dissertação em função de representar uma continuidade e renovação do frevo,
indo de encontro com o propósito dessa pesquisa. Incluindo o violão em sua
instrumentação, encontramos a oportunidade de termos exemplos atuais da
prática do frevo no instrumento. A escolha de três músicas de Edu Lobo
interpretadas no disco deve-se ao fato de ser o compositor mais presente no
repertório da orquestra. Os novos compositores não foram levados em
consideração, pois demos prefência a analisar canções já consagradas, mas com
uma interpretação atual.
4.2 Edu Lobo
Justificaremos a seguir a escolha de três canções de Edu Lobo como
objeto de pesquisa, evidenciando suas qualidades que o fazem ser uma
referência enquanto compositor de frevo moderno.
“‘... ninguém está fazendo frevo, ninguém faz baião’. Havia um
certo preconceito com esse tipo de coisa, baião é uma música
menor, frevo era menor...” (Edu LOBO apud ALBUQUERQUE,
2006:138).
Eduardo de Góes Lobo, filho do compositor pernambucano Fernando Lobo,
nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 1943. Começou tocando
acordeon aos oito anos de idade, mudando para o violão aos dezesseis. Foi
criado em sua cidade natal, mas também na casa dos tios em Recife, durante
suas férias escolares. Frequentou shows e eventos ligados à bossa-nova na
década de 1960, conhecendo e fazendo amizade com seus principais
representantes, como Tom Jobim e Vinícius de Moraes, com quem acabou sendo
parceiro em algumas composições. Devido ao alto nível dos músicos da época,
Edu
logo
percebeu
que poderia
utilizar
a
influência
de
suas
raízes
pernambucanas por parte de família para criar sua identidade, algo diferente do
que era feito nesse período51.
51
Essas informações constam na biografia disponível em seu site na internet: (www.edulobo.com)
99
“Foi uma coisa instintiva. E eu acho que de sobrevivência mesmo.
‘Bom, o Baden faz por aqui. Quem sabe seu eu misturar o frevo?’
Sei lá, ‘Cordão da Saideira’, por exemplo. ‘Se eu misturar isso
aqui com as harmonias que eu aprendi do Tom?’ Quer dizer, era
um frevo-canção, mas não do jeito do frevo do Antonio Maria, por
exemplo. Antônio Maria fazia... as harmonias eram mais simples,
eles não tocavam violão. Meu pai também fazia coisas assim...
mas eles não tocavam instrumento nenhum. Então eu comecei a
misturar para ver o que dava. E eu acho que com isso foi que o
meu trabalho deu a partida, porque ele começou a ter uma
coisinha diferente do que se estava fazendo.” (apud
ALBUQUERQUE, 2006:142)
Nota-se que essa observação de que os dois compositores citados não
tocavam um instrumento musical não é uma informação precisa, pois segundo o
“Dicionário Cravo Albin”, Fernando Lobo fez parte da Jazz Band Acadêmica de
Pernambuco como violinista.
Edu Lobo lembra também o impacto e a influência que Baden Powell teve
em sua maneira de tocar violão e também na construção de sua estética
enquanto compositor, despertando um olhar para a parte rítmica e a música de
Pernambuco:
“Mas o que transformou o meu violão foi o ‘Berimbau’. Foi
quando... o Baden tocando aquele violão mais batido, mais
percussivo, que é muito mais o que eu toco, e que começou a me
dar essa possibilidade de misturar com as coisas do Norte,
Nordeste, enfim, de Pernambuco, eu comecei a fazer frevo, mas
com as harmonias da bossa nova...” (apud ALBUQUERQUE,
2006:142)
Edu Lobo teve formação de orquestração em Los Angeles52. Causou
surpresa em muitos amigos quando, em 1969, logo após ter obtido o primeiro
lugar no III Festival da Música Popular Brasileira em 1967 com a canção
“Ponteio”, decidiu dar uma breve pausa em suas apresentações e “... se dedicou
ao estudo sistemático da música, fazendo cursos de orquestracão com Albert
Harris e de música para cinema, com Lalo Schiffrin.” (MELLO apud
ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA,1998:67). Edu trabalhou como
orquestrador e compositor de trilhas musicais para teatro e televisão, chegando a
ser orquestrador contratado da Rede Globo de Televisão durante 1974 e 1975.
52
Informação obtida em seu DVD “Edu Lobo – Vento Bravo”.
100
Teve suas composições interpretadas por grandes nomes da chamada MPB,
como Elis Regina, Tom Jobim, Chico Buarque... Em 2006 o saxofonista Mauro
Senise lançou um disco instrumental chamado “Casa Forte”, dedicado
exclusivamente à obra de Edu Lobo, que contém a canção “Cordão da Saideira”
interpretada de forma apenas instrumental.
Percebemos, portanto, a junção das qualidades necessárias para um
grande compositor de frevo com propriedade violonística: entendimento de
orquestração, conhecimento do instrumento e da estética do frevo. Edu Lobo, por
ser também um compositor de canções, aproveitou para compor frevos cantados.
Juntou elementos da bossa-nova e de todo conhecimento formal que desenvolveu
em seus estudos para criar um tipo de frevo-canção original, que podemos ainda
classificar de frevo-de-bloco, dependendo da interpretação que a canção pede.
Seu lado violonístico foi aprimorado tendo Baden Powell como principal
referência, o que nos permite perceber as harmonizações originalmente escritas
em seu Songbook (1994) de forma violonística soando muito bem ao instrumento,
dando conta de sua extensão e timbre. Por essas qualidades, o compositor foi
eleito para estudo, através de suas harmonias violonísticas interpretadas pelo
grupo Frevo Diabo. Acreditamos ser o compositor ainda em atividade que melhor
representa uma maneira moderna e atual de compor frevos cantados.
4.3 Cordão da Saideira
Esse foi interpretado como típico frevo-de-bloco, incluindo violinos e
clarineta em sua instrumentação. É cantado por um coro feminino sem a presença
do cantor solista e sua introdução começa com um apito exatamente como nas
gravações antigas. Entre as três canções de Edu Lobo, essa é onde o violão mais
se caracteriza como acompanhador tradicional. Em poucos momentos ele sola
uma melodia. Concentra-se mais nas baixarias tradicionais, dobrando alguns
outros instrumentos. Seu arranjo é bem violonístico, utilizando as figuras rítmicas
do pandeiro e são muito aproveitadas as cordas soltas em alguns dedilhados e
acentuações de frases. É importante notar as características percussivas
exploradas onde há antecipação dos acordes e inversão dos ostinatos para dar a
sensação de ausência de gravidade física na música.
101
Figura 12: No Cordão da Saideira – Cp. 1-32 / Edu Lobo
102
Figura 13: No Cordão da Saideira – Cp. 33-68 / Edu Lobo
103
Figura 14: No Cordão da Saideira – Cp.69- 108/ Edu Lobo
104
Figura 15: No Cordão da Saideira – Cp.109- 142/ Edu Lobo
105
4.4 Frevo Diabo
Arranjo inspirado em frevo-canção, ou seja, instrumentação de frevo-de-rua
onde o cantor tem a melodia principal. É uma música mais pesada se comparada
às outras duas de Edu Lobo. Por isso, optou-se pela guitarra ao invés do violão
na gravação. Inclusive há um momento de solo de guitarra na terceira volta da
parte “A”. Observa-se que o solo essencialmente melódico trabalha de uma forma
diferente do violão solo. Nesse solo as articulações estão escritas em forma de
ligados, que são a essência da articulação frevística. Percebem-se os
deslocamentos melódicos do tempo forte. Aqui o instrumento está fazendo a parte
essencial da melodia enquanto há uma base tocada pelos outros instrumentos.
Acontecem diálogos entre a guitarra e o náipe de sopros bem divididos em
alguns momentos. Nota-se também o uso do ostinato original do pandeiro. É
interessante observar os detalhes na diferença de timbre entre o violão das outras
músicas e a guitarra elétrica.
106
Figura 16: Frevo Diabo – Cp.1- 54/ Edu Lobo e Chico Buarque
Arr. Banda – Armando Lôbo e Arr. Guitarra – Daniel Marques
107
Figura 17: Frevo Diabo – Cp.55-108/ Edu Lobo e Chico Buarque
Arr. Banda – Armando Lôbo e Arr. Guitarra – Daniel Marques
108
Figura 18: Frevo Diabo – Cp.109-162/ Edu Lobo e Chico Buarque
Arr. Banda – Armando Lobo e Arr. Guitarra – Daniel Marques
109
Figura 19: Frevo Diabo – Cp.163-164/ Edu Lobo e Chico Buarque
Arr. Banda – Armando Lobo e Arr. Guitarra – Daniel Marques
110
4.5 Frevo de Itamaracá
Aqui o violão lidera a base como único acompanhador. Há um diálogo de
opostos entre o saxofone barítono e o flautim, centrado pelo violão. O violão
trabalha intensamente a inversões dos acordes com sua afinação da sexta corda
em “ré”, resultando numa sonoridade que relembra Baden Powell em alguns
momentos. O sax e o violão dobram juntos os baixos em determinados trechos.
Em relação às vozes, há um arranjo peculiar que relembra alguns tipos de
frevo-canção mais tradicionais onde o cantor solista é acompanhado por um coro
feminino. Não há caixa de bateria (tarol), deixando o pandeiro mais presente.
Chama-se a atenção para os momentos de improviso do sax e do flautim em
conjunto, onde o violão exagera nos rasqueados, sem necessariamente dividir as
vozes da harmonia. Também se utiliza dos ostinatos de pandeiro e, assim como
em “Frevo Diabo”, desloca o tempo forte jogando com a gravidade.
111
Figura 20: Frevo de Itamaracá Cp.1-45/ Edu Lobo
112
Figura 21: Frevo de Itamaracá Cp.46-90/ Edu Lobo
113
Figura 22: Frevo de Itamaracá Cp.91-135/ Edu Lobo
114
1
Figura 23: Frevo de Itamaracá - Cp.136-180/ Edu Lobo
115
Figura 24: Frevo de Itamaracá - Cp.181-201/ Edu Lobo
116
4.6 Exemplos rítmicos de acompanhamento para a mão direita
Seguem alguns exemplos de “levadas” (ostinatos rítmicos) centrados na
técnica da mão direita. Esses foram elaborados com o intuito de mostrar como
funcionam algumas adaptações de idéias independentes de acompanhamento no
violão. Os exemplos são apresentados no pentagrama (Figuras 25 a 27, p. 117 a
119) e comentados ao final (p. 119).
117
Figura 25: Frevo – Levadas Rítmicas - Frevos 1 a 5 / Daniel Marques
118
Figura 26: Frevo – Levadas Rítmicas – Frevos 5 (cont.) a 8/ Daniel Marques
119
Figura 27: Frevo – Levadas Rítmicas –Frevo-de-bloco 9/ Daniel Marques
Frevo 1: baseado no ostinato da caixa (tarol) com imitação de rufo no compasso
2. Pequena variação do ostinato mais comum (figura 25).
Frevo 2: aproveitamento do ostinato do pandeiro traduzido como dedilhado (figura
25).
Frevo 3: “levada” marcial imitando o rufo da caixa utilizando rasqueado. Ostinato
binário alternativo ao quaternário (figura 25).
Frevo 4: variação da anterior (figura 25).
Frevo 5: ostinato pandeirístico com os baixos em contratempo (figura 25).
Frevo 6: variação da anterior antecipando a harmonia seguinte (figura 26).
Frevo 7: variação com mais baixos e finalização imitando variações da caixa
(tarol) (figura 26).
Frevo 8: outra variação utilizando cordas soltas e baixos no médio grave (corda
ré) em contratempo (figura 26).
Frevo 9: frevo-de-bloco típico juntando a harmonia com as frases de baixo
(“baixaria”) (figura 27).
120
CONCLUSÕES GERAIS
A fim de estudar o violão no frevo foram analisados os diversos aspectos
do gênero, além da questão exclusivamente técnica do instrumento. Isso foi feito
de modo complementar. Essa abordagem se mostrou adequada, já que
possibilita maior compreensão do instrumento e do gênero, na forma integrada.
Pretendeu-se, assim, contribuir com os futuros pesquisadores sobre o tema.
Ao longo da pesquisa realizada foi constatada a falta de material editado a
respeito do frevo. Dessa forma, o pioneirismo da discussão acadêmica,
desenvolvida na presente dissertação, a respeito da atual situação do frevo e das
decorrentes dificuldades para quem pretende desenvolver uma linguagem
violonística nesse gênero musical, abre uma nova perspectiva para o gênero. As
possíveis causas dessas dificuldades foram levantadas e discutidas. Podem ser
consideradas desde as relações sócio-artísticas existentes em sua prática, assim
como um aparente conservadorismo em relacão a “verdadeira” estética de sua
música, até dificuldades técnicas estritamente musicais.
Apesar das tensões entre “popular” e “erudito”, modernização e tradição,
pode-se observar alguma produção violonística relevante que abre uma porta
para os próximos intérpretes que quiserem desenvolver uma linguagem de violão
baseada no frevo. Sem essa rara producão seria impossível ter alguma base
como ponto de partida para seu estudo. Nesse sentido vale observar que o
trabalho formal baseado no frevo que existe foi elaborado por músicos que
tiveram a preocupacão de editar sua obra, o que possibilita transcender geracões
no que diz respeito a sua música. Isso demonstra que o registro formal também
contribui para a perpetuacão de um gênero musical.
A música brasileira em geral apresenta uma base rítmica forte que deve ser
observada pelos violonistas na hora de traduzi-la no instrumento. Os caminhos de
tradução de cada gênero musical para o violão possuem alguns elementos em
comum: observar as articulações melódicas, as harmonias, os ritmos essenciais.
As figuras de ritmo e as funções de cada instrumento percussivo devem ser
minuciosamente estudadas quando um violonista quiser desenvolver a habilidade
121
de acompanhador ou de solista. Por ser um tipo de música a qual poucos
violonistas solistas se dedicaram, o novo solista vai ter que agir com certa ousadia
com o frevo, porque os parâmetros de referência para a música que estiver sendo
produzida serão essencialmente as orquestras. Concluimos
que alguns
violonistas terão que fazer suas próprias transcrições para que seu repertório não
fique restrito ao pouco já produzido nessa área. Isso não seria novidade se
tomarmos, como exemplo, o repertório original para alaúde de J.S. Bach que
sofreu inúmeras adaptações para o violão. No caso, o alaúde tem semelhanças
técnicas com o violão mas, no frevo, o violonista deve buscar traduzir idéias
artístico-musicais, escolhendo e desenvolvendo a princípio uma técnica própria.
Algumas questões técnicas dos instrumentos de sopro não possuem paralelo no
violão, obrigando o violonista a descobrir suas próprias soluções ou recorrendo a
técnicas dos instrumentos de cordas, como bandolim e cavaquinho.
Percebem-se elementos em comum nas três peças para violão solo
analisadas que são características frevísticas gerais. Cada compositor resolveu
suas questões composicionais utilizando recursos violonísticos, o que tornou
interessante o estudo de tais peças. Foram explorados fraseados arpejados,
outras afinações, cordas soltas para melhorar a articulação e facilitar a execução
de frases virtuosísticas. Também se encontram harmonias inusitadas para
acentuar ataques de acordes dissonantes ou para sugerir um movimento
inesperado das vozes que possa sugerir movimento de dança entre vai e vem,
sobe e desce, contrastes e paradoxos que façam com que a música nunca seja
estática. Os três compositores de diferentes gerações atingiram com originalidade
uma das principais qualidades do gênero: o movimento.
Todas essas peças merecem estudo aprofundado e novas interpretações
para que a produção do frevo violonístico também possa sempre estar em
movimento. Como foi comentado anteriormente, a técnica de um instrumento está
sempre em transformação e possui dinâmica própria dependendo da identidade
de cada violonista. A variedade de interpretações é positiva. Assim como cada
orquestra possui uma identidade, traduzindo o frevo cada uma à sua maneira, é
importante que o violonista tenha um estudo completo do gênero que está
tocando, para poder criar sua identidade a partir de uma base musical forte.
122
As transcrições dos violões de acompanhamento sugerem como o violão
pode dialogar com a orquestra ou fazer uma base mais elaborada se fizer parte
de uma formação menor. No segundo caso há mais espaço para o instrumentista
sofisticar seu acompanhamento do ponto de vista melódico e harmônico. Existem
movimentos de mão direita que devem ser desenvolvidos para obter um resultado
mais ritmado. Interpretar um ritmo não pode ser somente uma leitura técnica da
partitura. O timbre do ritmo, por exemplo, é parte da interpretação. Os
instrumentos de percussão são a referência. Existe uma maneira tradicional de
acompanhar no violão que é calcada no improviso dos baixos (baixaria). No caso
do frevo, é importante que o violonista conheça bem a orquestração da música
para que seu improviso não atrapalhe outras vozes descaracterizando a gênero.
Os contrapontos são mais delineados que no choro, por exemplo. Além de ser
fundamental a prática, que antecede o estudo técnico, pode-se consultar a lista de
CDs na bibliografia da presente pesquisa.
Enfim, conclui-se que a elaboracão de uma linguagem do frevo no violão foi
apontada por poucos e que merecem atencão, e as portas estão abertas para o
músico que quiser colaborar com novas possibilidades. Poucos caminhos já foram
tentados e há tantos outros que ainda não. O violão no frevo encontra-se em
construção.
123
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BARRETO, José Ricardo Paes. Getúlio Cavalcanti: o menestrel do frevo-debloco. Recife: Cia. Pacífica, 2000.
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BEZERRA, Lucas Victor Silva, Amilcar. Evoluções : histórias de bloco e de
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MENEZES, José. Frevos de Rua (Fundarpe, 2006)
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FARIA, Nelson. Inside The Brazilian Rhythm Section (Sher Music Co., 2002).
FARIA, Nelson. The Brazilian Guitar Book (Sher Music Co., 1996).
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FREYRE, Gilberto. Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife.
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2) Dissertações
ALBUQUERQUE, Mônica Chateaubriand. D. P. e. Edu Lobo: o terceiro vértice.
Rio de Janeiro. 2006. Dissertação (Mestrado em Bens Culturais e Projetos
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BECKER, José Paulo T. O Acompanhamento de Violão de 6 Cordas no Choro
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3) Artigos
ANDRADE, Ana I. A.; RUSSO, Iêda C. P.; LIMA, Maria L. L. T.; OLIVEIRA, Luiz C.
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FALCÃO, Lygia. Diário de Pernambuco, 03/02/2008.
FRANCISCHINI, Alexandre. Laurindo Almeida: Uma lacuna historiográfica na
música popular e erudita brasileira. Rio de Janeiro. 2007 (artigo publicado no
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TELES, José. Os Imortais. Recife: publicado em 09.02.2007 Jornal do
Commércio.
TELES, José. A máquina Rozenblit. Recife: publicado em 09.02.2007 no Jornal
do Commércio
RECIFE, Prefeitura do.
Comunicação Social.
Boletim
Diário,
09/02/2007.
Coordenadoria
de
TELES, José. A máquina Rozenblit. Recife: Jornal do Commércio, 09/02/2007.
RECIFE, Prefeitura
comunicação social.
do.
Boletim
Diário,
09/02/2007.
Coordenadoria
de
SALDANHA, Leonardo Vilaça. O advento da música popular urbana do Recife
no rádio e os seus desdobramentos na PRA-8. (ANPPOM) Brasília – 2006.
126
4) Sítios na internet
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(http://www.arteducacao.pro.br/Cultura/frevo.htm#A%20palavra%20frev)
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(http://www.geocities.com/Vienna/Waltz/3039/azuma.html)
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(http://www.musicadepernambuco.pe.gov.br/release.php?idArtista=37)
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(http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServl
et?publicationCode=16&pageCode=303&textCode=923)
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(http://www.blocodasaudade.org.br/frevodebloco/index2.html)
SOUZA, Tárik de. Frevo: A acelerada marcha pernambucana que pôs o Brasil
para pular, disponível em http://www.cliquemusic.com.br, 2004.
TELES, José. (http://www.frevo.pe.gov.br/registro.html)
5) Músicos entrevistados
ANNES, Henrique
CÉSAR, Marco
BOZÓ
PEREIRA, Marco
GUINGA
LÔBO, Armando
AMUD, Thiago
6) Discos: LPs e CDs
Frevos de Rua – melhores do século volumes 1,2,3 e 4.
ARAÚJO, Ademir. Orquestra Popular do Recife.“...e o Frevo Continua”, 2007.
127
ANEXO 1
Entrevistas
128
Alguns violonistas responderam por email a um breve questionário sobre
suas inspirações para comporem frevos ou interpretá-los. Foram eles: Fábio
Zanon, Francisco Araújo, Erisvaldo Borges, Alessandro Penezzi, Cláudio Almeida
e Marco Pereira.
Fabio Zanon
DM: Você se inspirou em alguma composição específica para interpretar o frevo
do Radamés?
FZ: Não, foi mais um som meio genérico de frevo que a gente tem implantado na
cabeça, mas frevo de banda, mesmo.
DM: Quais as dificuldades técnicas dessa peça? Tem alguma recomendação para
executá-la bem, alguma dica? Que características do gênero frevo na
sua opinião estão evidentes na composição?
FZ: Ela não é das coisas mais difíceis, começa a ficar difícil de controlar à medida
que fica mais rápida, e eu acho que ela tem de ser bem rápida pra parecer um
frevo de rua, mesmo. De dica, acho que a 2a parte tem uma seção com harpejos
em tercinas de semicolcheia em baixo de uma melodia. Eu penso esses harpejos
como um ornamento da melodia, assim o baixo fica mais marcado e instável, com
grupos de 2 + 3 semicolcheias ao invés de harpejo borrado de 5 notas. No mais é
ter o ritmo muito firme na cabeça e no corpo,e prestar mais atenção nisso em que
acertar as notas, porque quem toca isso com cuidado acerta as notas, mas erra a
música. Acho que o que realmente faz disso um frevo são os padrões rítmicos, as
síncopas num ritmo de marcha, as figuras harpejadas, realmente parece que
estou ouvindo a banda do Spok ou algo assim.
DM: Como foi seu primeiro contato com o frevo? E com frevo violonístico?
129
FZ: Deve ter sido através da televisão. Lembro de ter visto num livro, quando
tinha uns 7 anos, umas figuras bonitas de dançarinos de frevo, e minha
professora primária me explicou como era a dança e disse "você é bem magrinho,
seria um bom dançarino de frevo". Eu era criança quando apareceram aqueles
frevos famosos do Caetano Veloso, claro que é a primeira coisa que lembro
quando falo de frevo. Frevo de violão eu lembro que por volta de 1990 a Cristina
Azuma estava pensando em fazer um disco só com frevos de violão, e eu não
conhecia nada, mas acho que nunca a vi tocar nada e nem sei o que ela tinha em
mente. Acho que o primeiro que vi foi o do Radamés, mesmo. Os violonistas
populares que tocam frevo eu conheci depois. Eu achei que o Antonio Madureira
teria um monte de frevos, mas na verdade são bem poucos.
DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?
FZ: Tocar, mesmo, só o do Marlos Nobre em Reminiscências. No repertório
clássico, não consigo lembrar de muitos outros, acho que tem o José de Oliveira
Queiroz, o Erisvaldo Borges, o Edvaldo Cabral, o Francisco Soares de Souza
deve ter alguma coisa, o Marco Pereira tem um ou dois, aquele arranjo do frevo
do Santoro para 4 violões, e de cabeça não lembro mais de muita coisa.
DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?
FZ: Desconheço. Sei que Edvaldo Cabral, Antonio Madureira, José Barrense
Dias, Canhoto da Paraíba toca(va)m frevos, mas se tem gente que se especializa
nisso eu não conheço.
DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você
acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor
frevos para violão?
FZ: Talvez o gênero esteja muito ligado à linguagem de banda. Não há muitos
dobrados para violão, tampouco. É pesado fazer aquele monte de semicolcheia e
130
ainda manter o acompanhamento fluido. Talvez para 2 ou 3 violões seja mais
fácil.
DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?
FZ: Isso que acabei de falar. Fazer tudo caber num violão só. As melodias são
muito ágeis. Mas tem um enorme potencial de virtuosismo.
DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que existem? Quais
você acha as mais importantes?
FZ: Então, não consigo lembrar de mais nenhuma além das que mencionei no
texto acima. De repertório de violão estritamente clássico, acho que só o
Radamés, o Nobre, e o J O Queiroz.
DM: E a nova geração de violonistas no frevo?
Eu tenho recebido muitos CDs de violonistas novos, mas de Pernambuco e
entornos não recebi nada de frevo. Portanto ficarei agradecido se você me disser
quem são as pessoas.
Francisco Araújo
DM: Você se inspirou em alguma composição específica para compor seus
frevos?
FA:Primeiro nasceu o contato com o frêvo (sic) através de uma viagem que eu
realizei para a cidade de Recife quando eu era adolescente e vi pessoalmente
varias exibições instrumentais de bandas de frevos durante o carnaval. Aquela
vibração performática da música e a coreografia dos passos da dança a ela
131
ligados, mexeu muito com a minha sensibilidade. Posso afirmar que a inspiração
partiu deste contato. Anos depois, quando comecei a estudar violão, comecei a
ouvir as primorosas obras gravadas em discos de Capiba e Nelson Ferreira, que
são os principais compositores e ícones do frevo e compus para solos de violão,
intitulados “Na Magia Do Frêvo”, “Capibano”, “Eletrizante”, “Frêvo Simplório” e
outros. Gravei em CD (solos de violão) apenas “Na Magia Do Frevo” e “Frêvo
Simplório”. O outro frêvo que compus, denominado “Eletrizante”, foi gravado pelo
solista e virtuose do violão Marcos Gomes. Todos estes frevos que compus são
inspirados no estilo frevos-de-rua, os quais são de características instrumentais.
DM: Quais as dificuldades técnicas das peças? Que característica do gênero
frevo está evidente na composição?
FA: Tecnicamente são muito difíceis, pois são executados em andamento rápido.
As características dos meus frevos é (sic) típica do estilo frevo-de-rua, pelo fato
de serem instrumentais.
DM: Quais são seus frevos para violão solo? Poderia me enviar?
FA: Além dos que já citei acima, ainda compus outros, são eles: “Recife Antigo”,
“Com Todo Vapor”, “Caindo No Frevo”, e mais um frevo que faz parte de uma
Suíte Brasileira composta para solos de violão, mas este não tem título. Posso lhe
enviar as partituras ou algumas gravações, com muito prazer, só que para isto é
necessário que você me envie o seu endereço o CEP e o seu telefone.
DM: Como foi seu primeiro contato com o frevo violonístico?
FA: Com relação ao frevo violonístico, o frevo tem uma vertente instrumental e
uma vertente cantada (musica e letra) e como é do conhecimento de todos nós,
existem vários tipos de frevo.
DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?
132
FA: Só gravei alguns de minha autoria, já citados acima.
DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?
FA: Especificamente, eu não conheço, mas posso te informar que grande parte de
solista e virtuoses do violão brasileiro gravaram ou criaram alguma obra no
gênero. Entre eles: Paulinho nogueira, o compositor Egberto Gismonti, Canhoto
da Paraíba, Alexandro Pennezzzi, Guinga e outros.
DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você
acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor
frevos para violão?
FA: Eu atribuo isto ao fato de que para compor ou executar um frevo instrumental
é necessário que primeiro conheça as características rítmicas melódicas do frevo
e tenha uma convivência com o gênero e, além disso, tenha qualidades de
virtuose, entre outras. Com relação aos solistas e virtuoses do violão de gerações
anteriores à minha, eu não acho que houve desinteresse. Talvez isto esteja ligado
inicialmente no primeiro momento às características regionais do frevo pelo fato
de ser uma musica típica do carnaval pernambucano.
DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?
FA: Para instrumento de sopro as dificuldades técnicas são as mesmas, ou seja o
instrumentista tem que ser em principio um virtuose. E a quantidade de repertório
é bem maior do que para solos de violão, pelo fato do frevo inicialmente ser
tocado por bandas de instrumento de sopro e percussão, o que não significa que
a presença do violão não seja notada como instrumento acompanhante e
posteriormente em menor escala como instrumento solista.
DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que existem? Quais
você acha as mais importantes?
133
FA: Entre os frevos para solos de violão vou citar as seguintes: os frevos feitos
pelo Guinga, os dois frevos compostos por Egberto Gismonti, o frevo do Canhoto
da Paraíba, denominado “Pisando Em Brasa”, o “Frevinho Doce”, do Paulinho
Nogueira, o frevo do Alessandro Penezzi, para solos de violão. Para sua
informação tem um compositor chamado Erivaldo Borges, residente no Maranhão
que é solista de violão e também compôs alguns frevos para violão. Era bom
perguntar ao virtuose do violão Sebastião Tapajós, que eu acho que ele também
poderá ter alguma composição no gênero.
DM: E a nova geração de violonistas no frevo?
AP: O Alessandro Penezzi, se for motivado fará obras de grande expressão
neste estilo. Com certeza existem outros virtuoses do violão ilustres e
desconhecidos que se criaram e dedicaram atenção especial ao frevo, pelo fato
de ser ele uma expressão e um estilo musical vivo e substancial para a história
da música brasileira.
Erisvaldo Borges
DM: Você se inspirou em alguma composição específica para compor seus
frevos?
EB: Eu tenho apenas três composições nesse estilo: “Folia Pernambucana”,
“Frevo” e “Frevinho”. Eu nunca estive no Pernambuco. O que eu conheci de frevo
para violão antes de compor estes trabalhos foi: para violão “Frevo Rasgado” (E.
Gismonti), “Pixaim” (M. Pereira), “Frevinho Doce” (P. Nogueira) e “Frevo” (da obra
“Reminissências” do Marlos Nobre). Ouvi alguns frevos que o Turibio gravou no
CD “O Violão Brasileiro de Turibio Santos”. Para outros instrumentos, apenas
algumas gravações de frevos tradicionais e Orquestra de Cordas do Pernambuco.
Não tenho uma vivência muito ativa no mundo do frevo, mas acho uma música
134
encantadora (e virtuosística - que na época em que fiz estas músicas cultivava
muito). Acho que de alguma maneira estas músicas me influenciaram.
DM: Quais as dificuldades técnicas das peças? Que característica do gênero
frevo está evidente na composição?
EB: Frevo é uma música muito virtuosística. Requer muita precisão na pegada e
muito controle na esquerda. Se não tiver isso a música não acontece.
DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?
EB: Além das minhas composições, só toquei dois outros frevos: “Frevo Rasgado”
(E. Gismonti) e “Pixaim” (M. Pereira).
DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?
EB: Não conheço nenhum especialista nesse tipo de música.
DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você
acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor
frevos para violão?
EB: Acredito que essa carência se dá em parte pela dificuldade de tocar frevo no
violão. É uma música muito virtuosística. Para tocar frevo bem eu me inspiro nos
violonistas flamencos e no rei da velocidade na guitarra elétrica - Yngwie
Malmsteen. Eles não conheciam essas coisas. Mas, apesar do exposto, acredito
que se encontre alguma coisa com algum colecionador. Por se tratar de uma
música popular, eles não tinham muita preocupação em escrever. É possível que
muitos frevos tenham sido feitos, mas a maioria deve ter ido para o espaço.
DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?
135
EB: As dificuldades naturais: o que é fácil para um determinado instrumento,
dificilmente fica bem no violão. É como querer tocar as obras para "alaúde"
(teclado) de Bach. O esforço é enorme.
DM: E a nova geração de violonistas no frevo?
EB: Tem muita gente tocando frevo por aí. O Yamandu Costa me falou de um
violonista
de
Recife
que
tem
algumas
composições
nesse
estilo.
Alessandro Penezzi
DM: Vc se inspirou em alguma composição específica para compor seu frevo?
AP: Na realidade, não foi uma composição específica que me inspirou para
compor os frevos, mas várias. Gosto muito de ouvir os frevos do Capiba, Sivuca,
Luperce Miranda...
DM: Quais as dificuldades técnicas dessa peça? Que característica do gênero
frevo está evidente na composição?
AP: Penso que as dificuldades técnicas para se tocar frevo no violão sejam quase
sempre de ordem técnica. Para se manter a levada, a pulsação, o andamento, os
baixos. Por serem as melodias muito variadas ritmica e melodicamente, o trabalho
de coordenação entre os dedos que solam e acompanham é de extrema
dificuldade. A característica mais marcante no frevaricando é a levada, além dos
aspectos rítmicos da melodia.
DM: Você tem outros frevos pra violão solo? Poderia me enviar?
AP: Tenho o “Café pelando”, que ainda estou escrevendo.
136
DM; Como foi seu primeiro contato com o frevo? E com frevo violonístico?
AP: Eu primeiramente toquei os frevos no bandolim. Depois passei para o violão.
DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?
AP: Toquei o frevo do Marco Pereira, mas não gravei. Toque também o “Duda no
Frevo”.
DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?
AP: Desconheço...
DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você
acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor
frevos para violão?
AP: Acredito que essa escassez se deva a vários fatores: dificuldades de escrita
dos autores (o arranjo para violão já é difícil de se escrever, quanto mais um
arranjo de frevo...), desinteresse de editoras para publicar, falta de divulgação de
tais autores, possível falta de conhecimentos de escrita musical por parte dos
mesmos.
DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?
AP: Necessidade de buscar uma tonalidade condizente com o violão, procura
pelas cordas soltas para facilitar passagens rápidas e saltos, manutenção de
levada, manutenção de baixos.
137
Claudio Almeida
DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?
CA: Não conheço. Lembro-me demais de Turíbio Santos interpretando Duda no
Frevo (Senô). Ainda anteontem tocou Duda no Frevo. Levino Ferreira - um dos
maiores compositores de frevos-de-rua - era violonista. Mas, não acredito que
tenha gravado algum frevo. Como ele tocava também instrumentos de sopro, as
músicas dele fizeram sucesso com Orquestra. A Orquestra de Cordas Dedilhadas
- daqui e de tanto sucesso no país - gravou frevos. Mas, não me lembro de
arranjos só para violão.
DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você
acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor
frevos para violão?
CA: Acho que os violonistas - e demais instrumentistas de cordas e metais continuam criando. Mas, sempre há uma cultura dos frevos serem gravados por
Orquestra de sopros. Capiba e Nelson Ferreira eram pianistas. De Capiba só
conheço um frevo-de-rua (“Vassourinhas no Rio" ???). Já Nelson Ferreira foi o
grande compositor de frevos-de-rua (Gostosão, Gostosinho, Come e Dorme...) e
deixou para sempre alguns frevos-de-bloco, como o conhecido nacionalmente
Evocação (que depois passou a ser Evocação No.1, pois ele compôs mais 6 - no
mesmo gênero... até a Evocação No.7). As 3 primeiras, no entanto, são as mais
conhecidas.As outras o povo nem toma conhecimento.
DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?
CA: Não acho que existam dificuldades. O Maestro Duda, por exemplo, já fez
muitas
adaptações para orquestras. No meu caso específico, compus
TRANSCENDENTAL (frevo de violonista - segundo os brincalhões - por ser cheio
de harmonias dissonantes). Duda foi quem fez o arranjo original para Orquestra,
138
Antônio Nóbrega gravou no seu NOVE DE FREVEREIRO, vol. 1. O solo é feito
por ele, mas com um naipe de saxes, inclusive o Maestro Spok. O arranjo,
também para esse CD, é do Maestro Duda. Henrique Annes deve ter frevos... não
os conheço com Orquestra de Sopros. Canhoto da Paraíba, meu amigo e uma
unanimidade nacional fez tudo para violão. No momento, não me lembro de ter
composto frevos.
DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que existem? Quais
Você acha as mais importantes?
CA: Relativas a frevo? Só se eu pesquisasse direitinho. Não me lembro assim. Só
pesquisando.
DM: Ainda se usa afinar o violão um tom abaixo ao invés de 440hz para
acompanhar os frevos?
CA: Não. No Bloco da Saudade, por exemplo, há uns 10 anos se usava muito
isso. Mas, acho que hoje em dia todos são afinados em 440.
DM: E a nova geração de violonistas no frevo?
CA: Ultimamente, o frevo-de-rua tem sido cortejado pelos arcodeonistas que são
conhecidos como forrozeiros. Um grande guitarrista e violonista daqui (mesmo
tendo nascido em Paulo Afonso-BA) - Luciano Magno - recentemente participou
do Festival da Prefeitura com uma frevo-de-rua (além de um frevo-de-bloco). João
Lyra, violonista (você deve conhecê-lo demais - toca com Nana; tocou com
Sivuca, Fagner, etc...) tem um frevo-de-rua em parceria (coisa raríssima no
gênero) com Spok (título: Passo de Anjo). Outros violonistas do conservatório e
da nova geração devem estar compondo frevos (não sei se para violão...
provavelmente, para orquestra). Fred Andrade é um deles. Sei que Bozó - grande
7 cordas daqui (talvez o maior) tem um frevo-de-rua, pelo menos. Mas, para
orquestra. E outros grandes violonistas têm composto frevos-de-bloco (mais
dolentes, mais melodiosos... de harmonia mais rebuscada).
139
Marco Pereira
DM: Você se inspirou em alguma composição específica para compor seus
frevos?
MP: Talvez inconscientemente tenha me inspirado em algum tema específico,
mas quando fiz 'meus frevos' tentei buscar referências dentro do próprio estilo:
ritmo da melodia, fraseado e outras características típicas.
DM: Quais as dificuldades técnicas das peças? Que característica do gênero
frevo está evidente nas composições?
MP: As mesmas descritas acima.
DM: Como foi seu primeiro contato com o frevo? E com frevo violonístico?
MP: Quando fiz meu primeiro frevo para violão solo (Pixaim) nunca tinha ouvido
ninguém tocar frevo só com o violão.
DM: Você já tocou outros frevos no violão? Gravou?
MP: Já toquei vários frevos, mas apenas para conhecer o tema (melodia e
harmonia). Gravar, só gravei os meus mesmo.
DM: Houve algum violonista que tenha sido o "maior" solista de frevo?
MP: Desconheço, mas acho que o Canhoto da Paraíba é um exemplo
interessante e um bom candidato.
DM: Por que o material de violão solo é escasso e raro de se encontrar? Você
acha que houve um desinteresse dos violonistas da antiga geração de compor
frevos para violão?
140
MP: Não acho isso, não! Acho que o 'ambiente' do frevo não é tradicionalmente
de violonistas e por esse motivo é que não existe repertório específico.
DM: E as adaptações dos originais para sopro? Quais as dificuldades técnicas?
MP: A adaptação da rítmica e do fraseado do frevo para o violão é muito
complexa e resulta sempre em dificuldades técnicas transcendentais. Acho que é
o gênero mais difícil de se praticar com o violão solo.
DM: Você poderia fazer uma lista das peças violonísticas que você conhece?
Quais você acha as mais importantes?
MP: Não tenho esse repertório de memória. Só me lembro mesmo das minhas...
DM: E a nova geração de violonistas no frevo? Você teria algum nome a indicar?
Acho que só conheço mesmo você que esteja fazendo um trabalho específico
sobre o gênero.
141
ANEXO 2
Arranjos Integrais da Orquestra Frevo Diabo
Partitura
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
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