o rural no norte fluminense

Propaganda
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
O RURAL NO NORTE FLUMINENSE
ERIKA VANESSA MOREIRA SANTOS1
MARIA DO SOCORRO BEZERRA DE LIMA2
Resumo: Compreender as mudanças no rural do norte fluminense remete a uma sistematização de
dados e informações ao longo do contexto histórico. A região marcada tradicionalmente pela lavoura
canavieira, atualmente, tem uma economia regional baseada na exploração do petróleo e do gás. Os
conflitos agrários configuram outro cenário deste “rural”, como resposta a concentração fundiária, ao
domínio de elite agrária e a expulsão dos trabalhadores rurais. A implantação de assentamentos rurais
no norte fluminense refletiu diretamente na configuração do espaço rural, seja no aumento da
população rural seja nos novos canais de comercialização de produtos agropecuários.
Palavras-chave: Norte Fluminense; concentração fundiária; conflitos agrários
Abstract: Understanding the changes of rural space in north Rio de Janeiro State requires data and
information systematization along the historical context. The region - traditionally marked by sugar
plantations - currently has a regional economy based on the development and exploitation of oil and gas
fields. The agrarian conflicts have been another feature of this "rural" due to land concentration, to the
landed gentry and to the expulsion of the poor from rural spaces. The implementation of rural
settlements in north Rio de Janeiro State directly reflected in the rural setting, by increasing the rural
population and the new marketing channels for agricultural products.
Keywords: North Rio de Janeiro State; land concentration; agrarian conflicts.
1 – Introdução
O norte fluminense compreende uma área territorial de 9.730.443 Km 2 e
abrange as microrregiões geográficas de Campos dos Goytacazes (Campos dos
Goytacazes, São Fidélis, São João da Barra, São Francisco de Itabapoana e Cardoso
Moreira) e de Macaé (Macaé, Quissamã, Carapebus e Conceição de Macabu)3.Tal
regionalização foi oficializada em 1987 pela Secretaria de Estado de Planejamento e
Controle (BIAZZO, 2012). O nosso objetivo é compreender o „rural e o agrícola‟ nessa
região, desde 1970 até o século XXI. Os resultados apresentados advêm de
1
- Docente do Departamento de Geografia de Campos e do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal Fluminense/ Campos dos Goytacazes. Pesquisadora do NERU/UFF (Núcleo de
Estudos Rurais e Urbanos), do Grupo de Pesquisa Território, Escala e Poder/UFF e do
GEDRA/UNESP (Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária). E-mail de contato:
[email protected]
2
Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense/ Campos dos
Goytacazes. Coordenadora do NERU /UFF Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos) e PET Ciranda
Rural. E-mail de contato: [email protected]
3
Ver mapa 01.
2828
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
pesquisas em desenvolvimento4 realizadas no âmbito do NERU (Núcleo de estudos
rurais e urbanos) e do Grupo de Pesquisa Território, Escala e Poder.
Mapa 1 – Localização dos municípios da região Norte Fluminense.
Campos dos Goytacazes é o município com maior extensão territorial (4.026
Km2) e maior número de distritos (15), cuja origem está justamente no processo de
formação sócio-espacial. Entre o final da década de 1980 e meados de 1990, quatro
distritos se emanciparam: Quissamã (distrito de Macaé), São Francisco de Itabapoana
(distrito de São João da Barra), Cardoso Moreira (distrito de Campos) e Carapebus
(distrito de Macaé).
Neste texto, propomos a sistematização de dados secundários, por meio de
tabelas e cartogramas, a fim de caracterizar o norte fluminense a partir do espaço
rural. Para atingir tal objetivo, utilizamos estes procedimentos: levantamento
bibliográfico; levantamento documental das Cooperativas e das Associações
existentes; compilação e sistematização de dados secundários – SIDRA/IBGE (Banco
de dados agregados), CPT (Comissão Pastoral da Terra) e CEEP/CEPERJ (Centro
de Estatística, Estudos e Pesquisas) e realização de pesquisa de campo.
4
Coletando preços e trilhando caminhos, pesquisa de extensão, Proex/UFF, 2015. Cesta sabores da
terra, pesquisa de extensão, Proex/UFF, 2014. A ruralidade no norte fluminense, Edital Jovem
Pesquisador, Proppi/UFF, 2014-2015.
2829
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
2 – Contexto histórico: o agrícola e o agrário na região norte fluminense
O processo de ocupação da região ocorreu com o domínio da atividade
canavieira. As denominações foram e são múltiplas dessa região, desde a chamada
região açucareira de Campos (Censos Agropecuários de 1975, 1980 e 1985), Baixada
Campista (por causa da forma de relevo), planície Goytacaz (em função da presença
dos índios Goytacaz). Cada nomenclatura tem um contexto e um elo comum que é a
tríade cana-elite agrária-território.
Nosso recorte temporal abrange os anos pós--1970, marcados pelo inicio do
processo de reestruturação produtiva e pela exploração de petróleo e gás da bacia de
Campos (CRUZ, 2005, PIQUET, 2004). Outro marco importante foi o Programa PROALCCOL, que, segundo Alentejano (2005, p.12), propiciou melhorias na base técnica
e alteração nas relações de trabalho:
A partir de incentivos governamentais propiciados pelo Programa de Apoio à
Agroindústria Açucareira e pelo Programa Nacional do Álcool (PRÓ-ÁLCOOL) a
produção de cana na região sofre profundas alterações, seja com a concentração
crescente do capital, seja com a radical alteração das relações de trabalho. No caso das
relações de trabalho, a marca fundamental é a expulsão dos trabalhadores do interior
dos latifúndios, transformando-os em bóia-frias, moradores das periferias das cidades da
região, principalmente Campos. A introdução de melhorias técnicas parciais na
produção, concentradas no preparo da terra e nos tratos culturais, e excluindo, em geral,
a colheita, acentua a diferença sazonal de requerimento de mão-de-obra, gerando uma
massa de assalariados temporários.
Alentejano (2005), com base em Rua (1998), destaca que as mudanças com o
Pro-álcool podem ser resumidas em dois viés: de um lado, a eliminação de antigos
engenhos e a implantação de usinas modernas e, de outro, a concentração fundiária,
“ que resulta da redução do número de fornecedores, uma vez que as usinas impõem
padrões de produção que muitos pequenos fornecedores não conseguem cumprir o
que acaba por alijá-los do setor” (ALENTEJANO, 2005 p.13).
Neves (1997) chama a atenção para os conflitos agrários que emergem
justamente como resposta aos processos de concentração fundiária e da expulsão de
muitos trabalhadores dos postos de trabalho que, impedidos de continuar na
agricultura, migram para os centros urbanos.
A economia agrícola regional, baseada principalmente na cana-de-açúcar,
passa a contar com outras atividades nos anos de 1990, como pecuária de corte
(tradicional e moderna) e leiteira, mineração e fruticultura. Na tabela 01, notamos a
queda da lavoura canavieira, pois a área reduziu 91.500 hectares entre 1990 e 2013.
2830
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
Tabela 01: Área colhida de cana-de-açúcar (hectares), Mesorregião
Norte Fluminense e municípios, entre 1990 e 2013.
1990
184.880
116.100
3.680
8.600
12.400
6.100
38.000
Norte Fluminense
Campos dos Goytacazes
Carapebus
Cardoso Moreira
Conceição de Macabu
Macaé
Quissamã
São Fidélis
São Francisco de Itabapoana
São João da Barra
2013
93.380
54.000
200
2.650
12
18
13.000
300
23.000
200
Fonte: Produção agrícola municipal (PAM) de 1990 e 2013 no SIDRA/IBGE
Org: Erika Moreira (2015)
Uma forma de reverter o declínio da atividade canavieira ocorreu por meio de
políticas públicas (LIMA; FILHO; NEY, 2013, p. 12), quais sejam: a) Programa Rio
Cana Estadual, que começou a funcionar em 2002; b) Programa de Revigoramento
da Lavoura de Cana de Açúcar (Lei Municipal nº 7.829/2006) - linha especial de
financiamento do Fundo de Desenvolvimento de Campos (FUNDECAM); c) Projeto de
Lei oriundo da Medida Provisória (MP) 554/11; d) investimentos da Caixa Econômica
Federal e da AgeRio (agência de fomento estadual); e) redução de ICMS em 2012.
Atualmente, os antigos agentes atuantes no setor canavieiro estão sendo absorvidos
por grandes empresas, como Coagro (Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de
Janeiro).Esse declínio no setor canavieiro está vinculado ao cenário da população,
rural e urbana, com a participação majoritária dos residentes urbanos e o decréscimo
da população rural (tabela 02).
Tabela 02 - Dinâmica da população rural e urbana no Norte Fluminense, entre 1970 e 2010.
Municípios
da
Região
Açucareira de Campos
Campos dos Goytacazes
Carapebus
Cardoso Moreira
1970
pop
pop
rural
urbana
1980
pop
pop
rural
urbana
1991
pop
pop
rural urbana
2000
pop
pop
rural urbana
2010
pop
pop
rural urbana
142.724 176.082 145.184 203.358 64.442 324.667 42.812 364.177 45.006 418.725
0
0
0
0
0
0
1.791
6.875
2.817 10.542
0
0
0
Conceição de Macabu
Macaé
4.227
25.516
7.333
39.082
3.966
20.639
9.658
2.981 13.982
55.224 11.559 89.336
0
0
0
4.550
8.029
Quissamã
São Fidélis
0
23.355
0
11.788
0
19.710
0
6.057
4.410
5.975
7.699
15.263 12.421 22.160 10.276 26.513
7.246
7.864
São Francisco de Itabapoana
São João da Barra
0
45.894
0
9.725
0
33.522
0
0
0
21.737 19.738
21.066 29.770 29.791 8.051 19.631
20.262 21.092
7.054 25.693
2.240 16.542
6.454 126.007
3.843
8.757
2.874 18.337
3.869 202.859
12.996
29.679
Fonte: Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010.
Org: Erika Moreira (2014)
Enquanto Macaé, São Fidélis, São João da Barra, São Francisco de
Itabapoana exibiram, entre 2000 e 2010, redução da população rural, os municípios
2831
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
de Campos, Carapebus, Conceição de Macabu e Quissamã exibiram, ainda que
timidamente, um incremento da população rural. A região Norte Fluminense passou
no período 1980-1991 por um êxodo rural mais intenso que o estado do Rio de
Janeiro, provavelmente devido à estagnação da atividade açucareira (CRUZ, 2005).
Mapa 02: Grau de urbanização e População total no ano de 2010.
Segundo Cruz (2005), o município de Macaé apresentou o maior crescimento
populacional (46%) nos anos 1980, pois foi o receptor direto dos recursos para a
exploração petrolífera. Contudo, o referido autor pontua que, nas décadas
subsequentes, o crescimento foi menor, pois os investimentos pesados do setor
petrolífero “já haviam se realizados em décadas anteriores” (CRUZ, 2005, p. 82). No
mapa 02 é possível observar que o município de Macaé apresentou a maior taxa de
urbanização (98,1%) em 2010; em contrapartida, São Francisco de Itabapoana, a taxa
foi a menor, 51%, cuja economia local depende, além do setor de serviços, também
da fruticultura e das olerícolas.
As mudanças no perfil demográfico regional podem ser analisadas a partir de
três aspectos. Primeiro, a crise do setor açucareiro (1970) e sua reconversão com as
políticas agrícolas (PRO-ALCOOL), no final dos anos 1970. Segundo, o início da
exploração na Bacia de Campos, no final dos anos 1970, e a consolidação nas
décadas seguintes. Terceiro, a emancipação dos municípios de Carapebus, São
Francisco de Itabapoana e Quissamã (CRUZ, 2005).
2832
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
Com a implantação do polo de extração do petróleo e gás em Macaé, na Bacia
de Campos, no final dos anos de 1970, a região torna-se “produtora de petróleo,
sendo responsável por mais de 80% da produção brasileira” (CRUZ, 2005, p. 56). No
bojo desse processo, a atividade petrolífera suplanta a açucareira na dinâmica
econômica regional. Nos anos 1990, com as mudanças na legislação, houve aumento
dos royalties às regiões produtoras, o que levou ao incremento dos recursos
destinados aos municípios da Bacia de Campos.
Tabela 03 – Valor adicionado bruto total e participação da agropecuária, segundo os
municípios da região Norte Fluminense, 2011.
Município
Cardoso Moreira
Carapebus
Campos dos Goytacazes
Conceição de Macabu
Macaé
Quissamã
São Fidelis
São Francisco de Itabapoana
São João da Barra
Norte Fluminense
Valor adicionado
total
124,326
754,534
36.363,261
204,133
11.166, 217
3.843,826
428,572
676,984
5.888,212
59.450,071
% da agropecuária no valor
adicionado
11,8
0,9
0,3
3,2
0,4
0,7
7,0
14,8
0,4
0,6
Fonte: CEEP/CEPERJ
Org: Erika Moreira (2015).
Os dados da tabela 03 apontam que o valor adicionado bruto agropecuário tem
uma participação ínfima nos municípios dessa região. Apenas Cardoso Moreira e São
Francisco de Itabapoana, apresentam um percentual razoável de 11,8% e 14,8%,
respectivamente. Vale mencionar que são os municípios que conseguiram
emancipação nos anos de 1990. Cardoso Moreira tem uma produção agrícola voltada
à cana e à pecuária mista, enquanto São Francisco de Itabapoana tem como carroschefes o abacaxi, a mandioca, o maracujá, a goiaba e a cana-de-açúcar. Na década
de 1970, as elites agroindustriais e agropecuárias assumiram “o controle dos recursos
passados à região, graças a um bem-sucedido processo de obtenção de
reconhecimento e da legitimidade para assumir a posição de representantes dos
interesses regionais” (CRUZ, 2005, p. 66).
Nos dias atuais, a elite agrária se metamorfoseou em elite imobiliária. Muitas
áreas utilizadas pelas antigas usinas de açúcar se transformaram em condomínios
residenciais ou vazios urbanos à espera de valorização imobiliária. A elite que outrora
concentrava terra e capitais estendeu o seu domínio sobre a terra, os capitais e o
2833
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
poder político. A inserção da indústria petrolífera no cenário regional representou uma
nova dinâmica de crescimento econômico, baseada na transição das principais
atividades econômicas, sobretudo a agropecuária.
2.1- Estrutura fundiária e produtiva: concentração e estratégias fundiárias
O panorama da estrutura fundiária aponta para um processo de concentração
fundiária, fruto de uma estrutura marcada por grandes extensões de terras voltadas
ao cultivo da cana-de-açúcar. Os dados dos Censos Agropecuários de 1996 e 2006
indicam que o problema fundiário não só continuou, mas também agudizou nos
últimos anos. O mapa 03 apresenta as mudanças nas variáveis área e número de
estabelecimentos. Dois municípios estão sem os dados de 1996, por conta do
processo emancipatório, Carapebus (1997) e São Francisco de Itabapoana (1995).
Mapa 03: Variação do número de estabelecimentos agropecuários e da
área (%), entre 1996 e 2006, na Mesorregião Geográfica Norte
Fluminense.
Entre 1996 e 2006, o Norte fluminense teve movimentos distintos em relação à
área ocupada e ao número de estabelecimentos agropecuários, que convergiram,
indiscutivelmente, na concentração fundiária, como podemos acompanhar no mapa
03. Apenas Cardoso Moreira, emancipado de Campos em 1993, teve ampliação do
número e da área dos estabelecimentos. Campos dos Goytacazes e São Fidélis,
municípios áreas tradicionais do cultivo da cana, tiveram redução da área total dos
2834
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
estabelecimentos, mas ampliaram, sutilmente, o número de estabelecimentos
agropecuários. Todavia, a ampliação se deu justamente nos estabelecimentos
agropecuários com até 50 hectares. Em situação diferente estão os municípios de
Conceição de Macabu, Macaé, São João da Barra e Quissamã, que apresentaram
redução da área e do número de estabelecimentos, primeiro com a emancipação de
Carapebus e de São Francisco de Itabapoana e, segundo, pela redução da área
colhida com a atividade canavieira.
Essas mudanças retratadas na estrutura fundiária estão vinculadas aos
modelos produtivos adotados. A cana de açúcar foi durante alguns séculos, o carrochefe da economia regional. A competitividade com novas áreas produtoras,
os
problemas na transmissão hereditária, o sucateamento dos antigos engenhos e as
novas estratégias da elite agrária, são alguns fatores que levaram a crise do setor e
agonizou as relações de trabalho no campo.
Em âmbito geral, a região norte
fluminense
ocupado
ampliou
o
número
de
pessoal
nos
estabelecimentos
agropecuários e o número de proprietários. Apenas o município de Campos dos
Goytacazes apresentou ampliação nessas duas variáveis. Com exceção de São
Francisco de Itabapoana e Carapebus, os restantes (seis) reduziram o quadro de
pessoal ocupado e da condição de produtor na qualidade de proprietário.
No sentido de apreender as mudanças na estrutura produtiva, escolhemos três
lavouras temporárias, o abacaxi perola a mandioca (aipim) e a pecuária leiteira. Para
cada produto, levamos em consideração a distribuição dentro da região norte
fluminense entre 1990 e 2013. A produção do abacaxi vem desde o limiar do século
XXI ampliando áreas e mercados. Um incentivo para tal ocorreu com o Programa
Frutificar5. Segundo Pinheiro da Silva (2006, p. 16), o referido programa foi financiado,
no ano de 2000, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). “Este
Programa financiou linhas de crédito para estimular o potencial exportador da
fruticultora no estado, com recursos totais que chegaram à cifra de R$ 350 milhões,
em 1999 (BNDES, 2005 apud PINHEIRO DA SILVA, 2006, p. 16).”.
5
Programa financia a implantação das seguintes culturas: Abacaxi, Banana, Caju, Citros (Laranja,
Limão e Tangerina), Coco Verde, Goiaba, Manga, Maracujá, Pêssego e Uva. Consulta em
http://www.rj.gov.br/web/seapec/exibeconteudo?article-id=167019
2835
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
Para ter uma ideia dessa ampliação, em 1990, São João da Barra respondia
por 70% da área total destinada ao cultivo do abacaxi. Em 16 anos, a área foi
ampliada em mais de dez vezes, alcançando 4.100 hectares, sendo o grande produtor
o município de São Francisco de Itabapoana (85%), desmembrando de São João da
Barra no ano de 1995 (tabela 04). A produção do abacaxi é consumida na própria
região, nos mercados de Campos dos Goytacazes e de Macaé, e nos grandes
centros (Rio de Janeiro, Niterói e Vitória).
Tabela 04: Área colhida do abacaxi na Mesorregião Norte Fluminense - 1990 e 2013.
Norte Fluminense
Carapebus
Campos dos Goytacazes
Cardoso Moreira
Conceição de Macabu
Macaé
Quissamã
São Francisco de Itabapoana
São Fidélis
São João da Barra
1990
434
80
25
30
299
2013
4.100
290
30
3.500
280
Fonte: Produção agrícola municipal (PAM) de 1990 e 2013 no SIDRA/IBGE
Org: Erika Moreira (2015)
Com a produção da mandioca ocorre um processo semelhante, o maior
produtor é o município de São Francisco de Itabapoana, seguido por Campos dos
Goytacazes e Quissamã (tabela 05). A produção é escoada para os mercados da
região norte, uma parte destinada aos grandes centros, Rio de Janeiro e Niterói.
Tabela 05: Área Colhida de mandioca (hectares) na Mesorregião Norte Fluminense - 1990 e 2013.
Norte Fluminense
Carapebus
Campos dos Goytacazes
Cardoso Moreira
Conceição de Macabu
Macaé
Quissamã
São Francisco de Itabapoana
São Fidélis
São João da Barra
1990
3.702
0
567
0
50
180
65
0
30
2.810
2013
5.420
55
570
50
95
150
410
4.000
40
50
Fonte: Produção agrícola municipal (PAM) de 1990 e 2013 no SIDRA/IBGE
Org: Erika Moreira (2015)
A produção de leite também é uma atividade estratégica que foi adotada pelos
produtores prejudicados com a crise da atividade canavieira. Entre 1990 e 2013, a
2836
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
produção regional saltou de 47 para 105 mil litros. O produto é escoado para os
laticínios localizados na região, na região noroeste fluminense e no sul do Espírito
Santo. Os municípios de Campos dos Goytacazes, São Fidélis e São Francisco de
Itabapoana são os principais produtores de leite da região.
Essa breve caracterização das estruturas produtiva e fundiária permite afirmar
que o norte fluminense tem passado por alguns processos no campo. Primeiro, a elite
agrária vem criando estratégias e alianças com outros setores (imobiliários, serviços),
assim, a terra não é só um meio para produzir, mas também para especular.
Segundo, o setor sucroalcooleiro passa por uma reconversão industrial, com a
participação de grandes grupos do ramo. Terceiro, os conflitos agrários e a
implantação de assentamentos rurais são ações políticas de resistência no campo.
2.2 - Questão agrária: novos atores em velhos dilemas
No caso de Campos dos Goytacazes, o aumento da população rural está
vinculado à implantação de assentamentos rurais por meio do Movimento dos Sem
Terra (MST), conforme os dados da CPT. Entre 2004 e 2010, foram implantados 5
assentamentos rurais no município e, atualmente, existem 9 assentamentos.
Data de
Tipo
o
N . de famílias Organização
criação
Campos dos Gotacazes
24/5
50
FETAERJ
Acampamento
2005
São João da Barra
23/7
100
MST
Acampamento
Campos dos Gotacazes
s/i
170
s/i
Área de conflito
2006
Cardoso Moreira
s/i
80
s/i
Área de conflito
São Francisco de Itabapoana
s/i
85
s/i
Área de conflito
Campos dos Gotacazes
s/i
100
s/i
Área de conflito
2007
Cardoso Moreira
s/i
150
s/i
Área de conflito
São Francisco de Itabapoana
s/i
53
s/i
Área de conflito
Campos dos Gotacazes
14/7
525
FETAG
Acampamento
2011
Campos dos Gotacazes
30/7
52
MST
Acampamento
Campos dos Gotacazes
s/i
552
s/i
Área de conflito
2011 São Francisco de Itabapoana
s/i
12
s/i
Área de conflito
São João da Barra
s/i
450
s/i
Área de conflito
Campos dos Gotacazes
s/i
200
s/i
Área de conflito
Campos dos Gotacazes
s/i
1
s/i
Área de conflito
2012
Campos dos Gotacazes
s/i
50
s/i
Área de conflito
São João da Barra
s/i
450
s/i
Área de conflito
Quadro 01: Acampamentos e áreas de conflito no norte fluminense, entre 2005 e 2014.
Fonte: CPT
s/i: sem informação
Org: Erika Moreira (2015)
Ano
Município
2837
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
O quadro 01 mostra que o norte fluminense é marcado pelos conflitos
agrários, fruto de uma estrutura fundiária concentrada. “ Os assentamentos rurais da
região, em sua maioria, são oriundos de ocupações realizadas em fazendas
pertencentes a antigas usinas de cana-de-açúcar, que vivenciaram um processo
falimentar a partir da década de 1980 (AQUINO, 2008, p.18)”.
A partir dessas informações, observamos, em linhas gerais, que há um
impasse entre o Estado (via políticas públicas) e a elite agrária (fundiária e imobiliária,
no contexto atual). Mesmo com uma economia regional marcada, principalmente,
pelos royalties do petróleo e gás, os indicadores sociais ainda mostram os graves
problemas atinentes a essa questão. “Em um cenário „caótico de falência e
fechamento de usinas, desemprego, que o MST retoma, a partir dos anos 1990, suas
ações no Estado do Rio de Janeiro e volta sua atenção para a região Norte
Fluminense. Havia ali uma vasta extensão de terras improdutivas em função das
sucessivas falências ocorridas (MACEDO, 2006 apud AQUINO, 2008, p.18)”.
3- Considerações finais
No contexto da região norte fluminense, buscamos evidenciar que o movimento
migratório campo – cidade foi intenso entre os anos de 1970 e 2000, decorrente da
crise no setor usineiro e a decadência da cana de açúcar; também se configura
importante o movimento cidade – campo, a partir do limiar do século XXI, com as
estratégias utilizadas pelos movimentos sociais e instituições publicas. Essas
mudanças na estrutura produtiva, com o decréscimo na produção da cana-de-açúcar
e o cultivo de raízes e frutas, não levaram a alteração de um problema estrutural, a
concentração de terras e, consequentemente, o poderio da elite agrária.
Na região norte fluminense, com ressalva de Campos dos Goytacazes, demais
municípios apresentaram redução no pessoal ocupado e no número de proprietários
entre 1996 e 2006. Alem disso, em decorrência da queda da renda agrícola, muitos
agricultores buscaram entradas monetárias não-agrícolas em atividades vinculadas as
plataformas da Petrobras. Em suma, o rural na região norte fluminense vem passando
por mudanças, seja na redução da área cultivada com lavouras, seja na redução do
quadro de pessoas ocupadas, enfim, alterações que não afetaram estruturalmente a
concentração fundiária.
2838
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
3 – Referências
AQUINO, Silvia Lima; MENGEL, Alex Alexandre. Migração para o campo através da
Reforma Agrária: uma análise dos papéis da família nesse processo. Revista
Campo-Território. Uberlândia, v. 8, n. 15, p. 1-33, 2013.
AQUINO, Silvia Lima. A Caminho do Campo: As Relações entre Reforma Agrária e
Migrações rural-urbano-rural e urbano-rural. Um Estudo de Caso em Campos dos
Goytacazes – RJ. 2008. Dissertação (Mestre em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade). CPDA, UFRRJ, Rio de Janeiro.
LENTEJANO, Paulo R.R. A evolução do espaço agrário fluminense. Geographia. Ano
7 -NO 13 -2005, p. 49-70.
BIAZZO, Pedro Paulo. Trajetórias institucionais e as regionalizações oficiais do
Estado
do
Rio
de
Janeiro.
2012,
24p.
Disponível
em:
posgeo.uff.br/index.php/EG/article/download/16/15 . Acesso em 26 de jun. 2015
CRUZ, José Luis Vianna. Os desafios da região brasileira do petróleo. IN: CRUZ,
José Luis Vianna (Org). Brasil, o desafio da diversidade: Experiências de
desenvolvimento regional. Rio de Janeiro: SENAC, 2005, p. 49-104.
LIMA, Maria do Socorro B.; FILHO, Marcio Jose Miranda S.; NEY, Vanuza Pereira.
Dinâmica e ocupação territorial do norte fluminense: o caso do município de Campos
dos Goytacazes – RJ. 2013, 26p. Anais do VI Simpósio Internacional de
Geografia Agrária - VII Simpósio Nacional de Geografia Agrária 1a. Jornada de
Geografia das Águas.
MARAFON, Gláucio. Agricultura familiar, pluriatividade e turismo: reflexões a partir do
território fluminense. Revista Campo-Território. Uberlândia, v. 1, n. 1, p. 17-60,
2006.
NEVES, Delma Pessanha. Assentamento rural: reforma agrária em migalhas.
Niterói: EdUFF, 1997.
NEVES, Delma Pessanha. Lavradores e pequenos produtores de cana. Rio de
janeiro: Zahar, 1981.
PINHEIRO DA SILVA, Augusto Cesar. As estratégias de modernização do espaço
rural Fluminense: técnica, planejamento e gestão no campo do Rio de Janeiro.
Revista Campo-Território. Uberlândia, v. 1, n. 2, p. 92-122, 2006.
PIQUET, Rosélia P. S. Mudanças econômicas e o novo recorte regional do Norte
Fluminense. 2003. 20p.
Disponível em http://www.royaltiesdopetroleo.ucamcampos.br/index.php/artigos. Acesso em 28 de junho de 2014.
PIQUET, Rosélia P. S. Norte Fluminense: mudanças e incertezas na era do petróleo.
Revista de Desenvolvimento Econômico, v.6, n. 9, p. 27-35, .2004,
Sites:
www.sidra.ibge.gov.br
www.portaldatransparencia.gov.br
http://inforoyalties.ucam-campos.br/
2839
Download