Computadores poderão ter “consciência”? Alexandre da Silva Simões* Muito se fala sobre a possibilidade de desenvolvermos computadores “conscientes”. Uma formulação intuitiva para esta questão pode ser feita da seguinte maneira: o cérebro está para o hardware assim como a mente está para o software; portanto, deve ser possível desenvolver programas que tornem os computadores conscientes. Vejamos: imagine-se trancado em uma sala cheia de caixas com símbolos em chinês (a base de dados). Suponha agora que você recebe símbolos chineses (perguntas em chinês) de algumas pessoas de fora do quarto. Eu não entendo chinês e parto do princípio de que você também não. Sua tarefa é procurar em um manual (o programa) o que deve fazer quando recebe aqueles símbolos. Você realiza algumas operações descritas no manual (executa as etapas do programa) e entrega de volta alguns outros símbolos aos que se encontram fora do quarto. Você fez exatamente o que faz um computador executando um programa, sem compreender nada sobre o que estava fazendo. Este é o famoso argumento do quarto chinês de John R. Searle, que pode ser entendido da seguinte forma: programas são disposições de símbolos; mentes têm capacidade de compreender significados; a disposição de símbolos não é por si só suficiente para garantir compreensão, logo, programas não são mentes. Nossa associação está refutada. Se programas não são o caminho para tornar as máquinas conscientes, partamos do princípio: é possível uma máquina ser consciente? Imagine-se em algum lugar no futuro onde exista a perfeita compreensão dos neurônios do cérebro humano. Suponha que, nesse lugar hipotético, os médicos recomendem a um paciente com algum tipo de moléstia substituir um certo neurônio defeituoso. Imagine que existem dispositivos eletrônicos capazes de imitar perfeitamente o funcionamento dos neurônios biológicos. Finalmente, imagine que existe alguma técnica milagrosa capaz de implantar o neurônio artificial no cérebro do paciente. A grande pergunta: você acredita que a consciência desse indivíduo seria afetada após a cirurgia? Se o neurônio for capaz de imitar com perfeição as descargas elétricas do neurônio biológico, é difícil encontrar alguma razão fisiológica para dizer que esse indivíduo seria de alguma forma “alterado”. É pouco provável que essa pessoa seja diferente de um paciente com um coração artificial ou com uma prótese de qualquer natureza. Se a presença de um único neurônio artificial não alteraria a personalidade desse indivíduo, então o que você diria se fossem substituídos 10 ou 1000 ou todos os neurônios desse indivíduo? O argumento da prótese cerebral, também proposto por Searle, leva-nos a refletir sobre a seguinte colocação: o cérebro é uma máquina - uma máquina biológica - que é consciente. Portanto, existem máquinas conscientes. O que garante, então, que outras máquinas - cérebros artificiais feitos de silício, por exemplo - não possam ser conscientes? Se é possível uma máquina ser consciente, como então surgiria a consciência? Muitos pesquisadores teorizam que a consciência pode emergir naturalmente sempre que um conjunto possivelmente muito grande - de elementos seja organizado de alguma forma particular. Exemplificando: a forma como as células da glândula salivar encontram-se organizadas tem como conseqüência a produção de saliva. É algo natural. Segundo esta hipótese, o funcionamento de um conjunto de elementos - por exemplo neurônios - de uma forma organizada causaria o rompimento da “barreira da consciência”, algo similar ao que ocorre com um condutor elétrico quando a “barreira da supercondutividade” é rompida, provocando alterações em suas propriedades. Nada até o momento aponta que apenas elementos de natureza biológica teriam esta suposta propriedade. Obviamente, estamos tratando de uma hipótese. Certamente você tem uma crença ou ao menos uma opinião pessoal sobre este assunto. Quero me manter afastado de discussões de caráter religioso (sobretudo da discussão materialismo1 x dualismo2), e, justamente por isso, peço que considere o seguinte: “escolher a cor dos olhos” ou “conferir a uma planta resistência a certas pragas” já foram tarefas atribuídas exclusivamente a Deus e, hoje, a maior parte das ordens religiosas vê com naturalidade sua explicação científica sem abdicar de sua crença. Por fim, vale lembrar que há décadas argumenta-se que “uma máquina nunca poderá X”. Embora atualmente X assuma valores como: “ser consciente” ou “ter senso de humor”, Alan Turing - um dos maiores teóricos da história da computação - observa que já houve um tempo em que X assumia valores como “solucionar equações”, “predizer trajetórias balísticas” ou mesmo “voar”. 1 Teoria que defende o cérebro e a mente totalmente subordinados às leis da física; 2 Teoria que defende a alma como algo que extrapola o domínio científico; (*) Professor do curso de Eng. de Controle e Automação da UNESP e pesquisador na área de Inteligência Artificial ([email protected]). Este texto baseia-se no livro “The mistery of consciousness” de John R. Searle e nas opiniões pessoais do autor.