Relatório do projeto: “As água tá acabando”: arqueologia e ecologia do uso de recursos hídricos por populações tradicionais da Mata Atlântica Este projeto é objeto de apoio financeiro do CNPq . (Edital MCT/CNPq 14/2009 – Universal, processo 472525/2009-3). O presente relatório diz respeito às atividades relativas à pesquisa de iniciação científica desenvolvida por mim, Gabriel Paes da Silva Sales (curso Geografia e Meio Ambiente), sob a orientação do Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira. No período de vigência da bolsa participei de vários trabalhos de campo e, ao mesmo tempo, tive a oportunidade de participar, na condição de co-autor do artigo Perda de funções ecológicas em florestas de encosta de Angra dos reIs, RJ. O mesmo foi aceito para publicação no periódico Pesquisas Botânicas, da UNISINOS. Em uma etapa inicial do projeto foram feitos estudos relativos à disponibilidade de recursos hídricos no Maciço da Pedra Branca (Oliveira et al. 2011). Nessa ocasião foi constatado que a floresta apresenta numerosos vestígios que estão diretamente ligados ao seu uso pretérito. O presente relatório traz o resultado de pesquisa feito em populações da carrapeta (Guarea guidonia), um espécie arbórea cuja população, segundo esta mesma pesquisa, pode servir como indicadora de idade das florestas, de acordo com alguns de seus atributos. Além disso, nos trabalhos de campo foram evidenciados diversos vestígios arqueológicos que, em conjunto com os dados estruturais da vegetação, permitem um levantamento da história social daquela floresta. Os principais resultados encontram-se descritos a seguir: Ecologia histórica e dinâmica de populações da carrapeta (Guarea guidonia (L.) Sleumer), em uma floresta urbana do Rio de Janeiro Introdução Guarea guidonia, é uma árvore conhecida como carrapeta e é uma espécie da família das Meliáceas. Sua distribuição ocorre em diversos países da América Central e América do Sul, dentre os quais podemos destacar a Costa Rica e o Panamá na América Central e o Paraguai, Argentina e o Brasil na América do Sul. Ocorre em quase todas as florestas do território brasileiro e pode atingir aproximadamente até 25 metros, com 40 a 60 centímetros de diâmetro. Suas folhas compostas de 30-40 centímetros de comprimento, com 6-10 pares de folíolos de 15 a 20 centímetros. É uma espécie pioneira, ou seja, sua germinação se dá apenas em áreas abertas, em condição de sol pleno. Na situação das florestas urbanas do Rio de Janeiro, a mesma é uma espécie extremamente frequente em função de seu uso pretérito para plantio de cana e café a partir do século XIX. A paisagem florestal pode ser considerada como um documento histórico que evidencia a dinâmica das populações pretéritas com os ecossistemas, sendo assim, deve ser interpretada de maneira adequada. Nesse sentido, a carrapeta tem muito a nos revelar, pois a partir do momento em que, como foi dito anteriormente, sua germinação se dá apenas em áreas abertas e, hoje em dia, encontramos indivíduos em áreas completamente fechadas é por que algo temos a descobrir. Para que essa análise seja realizada de maneira correta contamos com a Ecologia histórica. Esta que constitui um novo campo de pesquisa interdisciplinar que busca compreender as dimensões temporais e espaciais das relações das sociedades humanas com os ambientes assim como os efeitos globais desses relacionamentos (BALÉE, 2006). Em uma perspectiva histórica é evidente que a paisagem que nos chegou até hoje é produto das relações de populações passadas com o seu ambiente. Neste particular é conveniente lembrar que não há como se conceber os sistemas ecológicos como “naturais”, desconectados das atividades humanas que se passaram em diversas escalas de tempo. Há, portanto, a necessidade de se incluir o legado da atividade humana como parte do enfoque ecológico nas investigações sobre a paisagem, e, portanto, não se limitar a interpretar a sua estrutura e funcionamento a partir de um ponto de vista exclusivamente “natural” (GARCÍA-MONTIEL, 2002; OLIVEIRA, 2008). Trata-se de uma sub-disciplina adequada à análise de ecossistemas que apresentem um longo histórico de presença humana, como é o caso da Mata Atlântica. Objetivos A presente pesquisa objetiva realizar um estudo sobre a ecologia história de Guarea guidonia, associando a suas populações às características topográficas e relativas a usos do solo pretéritos. Procedimentos metodológicos Área de estudos: O estudo foi feito no Maciço da Pedra Branca, que está localizado na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Apesar de atualmente este maciço ser revestido por densa Mata Atlântica, existe no seu interior inúmeros vestígios que atestam o seu uso anterior seja em empreendimentos agrícolas (como para a produção de açúcar nos séculos XVII a XIX) ou por populações periféricas à economia central como pequenos sitiantes, carvoeiros ou quilombolas. Materiais e métodos: A partir de explorações preliminares da vertente meridional do Maciço da Pedra Branca (encostas a montante dos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e Curicica) foram identificadas seis distintas áreas de ocorrência de Guarea. Em cada uma delas foi realizado um transecto em forma de cruz com as dimensões de cada “braço” de 200 x 10 m. Ao total foram inventariados 13.500 m2 (ou 1,35 ha). Em cada área foram obtidos dados de altura, perímetro, % de árvores mortas e densidade relativa das Guarea. O critério de inclusão foram os indivíduos arbóreos ou arbustivos com diâmetro igual ou superior a 5 cm. A pesquisa foi complementada com a busca por vestígios arqueológicos e por consultas a moradores mais antigos. Resultados Na busca por vestígios arqueológicos foram encontradas duas garrafas que foram utilizadas por populações pretéritas. Tal fato nos mostra que, a floresta que hoje se encontrada fechada e que parece nunca ter sofrido a ação antrópica em algum momento do passado foi à residência de homens e mulheres. Por isso é de extrema importância incluir a atividade humana pretérita no momento em que estivermos estudando as paisagens florestais que temos atualmente. Figura 1 - Garrafa encontrada durante a pesquisa. Marca: Ramos Pinto, de vinho do Porto possivelmente do período 1860-1890. Figura 2 - Outra garrafa de vinho do Porto que foi encontrada durante a pesquisa nas áreas de prospecção florestal. Figura 3 - Todas as garrafas encontradas reunidas. Na tabela abaixo temos os resultados das seis áreas que foram estudadas até agora. Nela encotramos os valores de: i) densidade total; ii) densidade relativa de Guarea; iii) área basal total; iv) dominância relativa de Guarea. É possível observarmos que algumas áreas por possuírem determinadas características foram encontrados um maior número de indivíduos de Guarea. Transecto densidade densidade relativa total (ind./ha) de Guarea área basal total (m²/ha) dominância relativa de Guarea 1 770 31,2% 28.5 38,8% 2 1.320 1,9% 42.80 12,2% 3 1.325 1,1% 37.79 5,2% 4 1.244 2,0% 34.18 4,8% 5 1.800 0,7% 26.23 1,3% 6 1.016 48,0% 25.33 45,1% 1) Vargem Grande; 2) Serra do Macaco leste; 3) Serra do Macaco oeste; 4) Morro da Mesa; 5) Divisor de drenagem Caçcambe; 6) Fundo de Vale Caçambe Conclusões a) Guarea guidonia é uma espécie pioneira, que dificilmente germina em clareiras naturais. Nas condições de campo estudadas não foi observado o recrutamento; b) Apesar de pioneira e de crescimento rápido, é longeva, podendo chegar a mais de 150 anos; c) Os exemplares remanescentes de grande porte e encontrados em baixas densidades nasceram em condição de clareiras artificiais (exploração do carvão no século XIX ou roças); c) A sua dominância parece ser em função da geomorfologia – a sua densidade é influenciada pela posição topográfica (fundo de vale); d) Guarea guidonia é uma espécie indicadora do histórico de intervenção do homem sobre o ambiente florestado. O fato de se tratar de uma espécie longeva (pode chegar a mais de 150 anos) contribui para que se possa conhecer e mapear áreas utilizadas a partir de meados do século XIX. e) A paisagem pode ser lida como um documento histórico, como atesta a dinâmica de populações da carrapeta no Maciço da Pedra Branca. Referências OLIVEIRA, R. R. Environmental History, Traditional Populations,and Paleo-territoires in the Brazilian Atlantic Coastal Forest. Global Environment, p. 176-191, 2008. GARCÍA-MONTIEL, D.C. El legado de la actividad humana en los bosques neotropicales contemporáneos. In: GUARIGUATA, M.R. & KATTAN, G.H. (orgs.). Ecología y conservación de bosques neotropicales. Cartago: LUR. p.97 – 116. 2002. BALÉE, W. The Research Program of Historical Ecology. Annual Revue of. Anthropology,v. 35, p.:75–98, 2006. OLIVEIRA, R. R. ; FRAGA, J.S. ; BERCK, D.E. . Uma floresta de vestígios: metabolismo social e a atividade de carvoeiros nos séculos XIX e XX no Rio de Janeiro, RJ. INTERthesis (Florianópolis), v. 8, p. 286-315, 2011.