Enfrentamento ao Tráfico de Mulheres – Desafios no campo das práticas científicas e políticas públicas Aldevina Maria dos Santos1 Márcia Santana Tavares 2 RESUMO Com o objetivo de refletir sobre os desafios em torno das políticas de enfrentamento ao tráfico de mulheres no Brasil buscamos a literatura sobre o tema, selecionamos artigos e livros sobre o tráfico de mulheres em publicações feministas e várias áreas do conhecimento; Trata-se de um campo de estudo complexo, diversificado e permeado por deslocamentos, polêmicas e desafios. Para este estudo revisitamos antigas discussões feministas e abordamos o comércio do sexo. Neste campo, são frequentes poucos dados disponíveis, dificuldades metodológicas e éticas, entre outros. As polêmicas apareceram desde o século XIX, com o surgimento do “tráfico de escravas brancas”. Os países do norte do planeta queriam “proteger suas mulheres” dos “homens não civilizados” dos países exóticos. Esta abordagem racista e colonialista consta na literatura analisada. Naquele contexto de debates na sociedade e entre as feministas apareceram os primeiros tratados internacionais sobre o Tráfico de Mulheres. No final do século XX, com o surgimento do turismo sexual e aumento das migrações internacionais das mulheres para fins sexuais, os debates e novas legislações ressurgiram. No novo milênio, os direitos humanos foram incorporados nas legislações e nos consensos internacionais. No Brasil, os princípios do Plano e da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas são a prevenção, o cuidado às vítimas e a repressão. Relatos de negligências para com as ações dirigidas às mulheres são encontrados e as medidas repressivas são priorizadas. Acreditamos que as abordagens feministas podem contribuir para analisar estas políticas e que as reflexões devem considerar o interesse das mulheres envolvidas. Palavras-Chave: Políticas públicas; Políticas de Enfrentamento ao Tráfico de Mulheres; Violência contra Mulheres. 1 2 Doutoranda no PPGNEIM/UFBA Doutora no PPGNEIM/UFBA 1021 INTRODUÇÃO Este artigo examina as políticas de enfrentamento ao tráfico de mulheres no Brasil, no sentido de identificar alguns desafios e polêmicas no campo das práticas científicas e políticas públicas. A busca de literatura sobre o tema, a seleção de artigos e livros sobre o tráfico de mulheres priorizou as publicações feministas. Essa escolha se justifica por tratar-se de uma reflexão que aborda as possíveis conexões entre a produção da categoria tráfico de mulheres e algumas ideias que remetem ao ideário feminista de uma nova mulher. Considerando a perspectiva temporal, este artigo se situa nas viradas dos séculos XIX para o XX e do XX para o XXI, portanto, o intervalo exclui o período do sistema escravista no Brasil. Embora estudar este intervalo de tempo extenso e diverso seja difícil do ponto de vista metodológico e, pelas diferenças contextuais relacionadas ao longo período, também é complicado ignorar que, nesses momentos, surgiu a ideia de tráfico de escravas brancas; aumentou a migração internacional de mulheres para fins sexuais; surgiram e se avolumaram as legislações, recomendações de organismos internacionais e políticas nacionais para o enfrentamento do tráfico internacional de mulheres; cresceram as publicações feministas, acadêmicas, literárias e abordagens da temática em diferentes ‘medias’. Discussões e polêmicas nos movimentos entre feministas também compõem o quadro nos dois momentos históricos. O termo ‘escravas brancas’ se consolida a partir de 1870, no sentido de caracterizar a prostituição ou tráfico internacional de mulheres brancas europeias (PEREIRA, 2005). A campanha contra a escravidão branca foi construída como resultado das conjunturas e necessidades dos países do norte do planeta de ‘proteger suas mulheres’ dos ‘homens não civilizados’ dos países exóticos. O Brasil reproduziu essa campanha contra a escravidão branca aos moldes europeus. Como ex-colônia, à época, vivia num complexo contexto de mudanças na agricultura; de instalação de seu parque industrial; da chegada 1022 maciça de trabalhadores/as europeus; o país vivenciou um processo de alterações das paisagens urbanas3, ao mesmo tempo em que inaugurava a instalação da República, as lutas feministas pelo acesso à educação e direito ao voto e a libertação dos escravos pela Lei Áurea em 1888 - resultado das conquistas dos movimentos de libertação do mais longo regime escravista da modernidade. A campanha contra a escravidão branca, em solo brasileiro, deixou também suas marcas tanto no campo social, na abordagem da prostituição pela política sanitária e de segurança pública, quanto na ‘media’, literatura e legislação da época. Neste sentido, a ideia de tráfico de mulheres brancas tornou-se pauta de matérias nos jornais da Bahia4. Rago (1991), e Pereira (2005) analisaram a presença das mulheres europeias inseridas no mercado do sexo no Rio de Janeiro e, Santos Júnior (2005) fez o mesmo em Manaus. A literatura brasileira que analisa o tráfico de mulheres brancas, neste período, demonstra pouca preocupação em considerar a situação das mulheres escravas e/ou que, recém-libertas, estavam inseridas no cotidiano de violências sexuais nos mercados sexuais e/ou como vítimas da escravidão5, que também era sexual. Assim, há que registrar a ausência ou a pequena visibilidade de publicações sobre as escravas sexuais não brancas e não europeias também sujeitas à escravidão para fins sexuais. Resquícios dessa abordagem, hoje entendida como racista e colonialista, ainda pode ser encontrada em parte da literatura contemporânea. Em meio a calorosos debates, na sociedade e entre as feministas, os primeiros Tratados Internacionais sobre o Tráfico de Escravas Brancas foram 3 No século XIX, as cidades se modificavam a partir das influências europeias, eugenistas e dos interesses econômicos dos mercados. 4 Levantamento em jornais da Bahia do século XIX até 1940. 5 Kopytoff (1982, p. 221-22) não seciona a experiência do escravo da experiência do forro, encara a escravização, a situação de escravidão e a manumissão como partes de um mesmo processo institucional. “a escravidão não deve ser definida como um status, mas sim como um processo de transformação de status que pode prolongar-se uma vida inteira e inclusive estender-se para as gerações seguintes. O escravo começa como um estrangeiro [outsider] social e passa por um processo para se tornar um membro [insider]. Um indivíduo, despido de sua identidade social prévia, é colocado à margem de um novo grupo social que lhe dá uma nova identidade social. A estraneidade [outsidedness], então, é sociológica e não étnica” 1023 acordados. Em 1909, Emma Goldman (2011) denunciou que o debate sobre o tráfico de mulheres envolvia os interesses do capitalismo, as questões morais relacionadas à sexualidade e à opressão das mulheres. O pensamento dessa anarquista prefigura naquilo que chamamos hoje de interseccionalidade, já que se trata de uma crítica aguda da situação das mulheres e de suas interações com outras categorias de ordenação social (BLANCHETE, 2011, p. 298). A questão foi pouco visível após 1940, mas, voltou a ser objeto de discussão com o surgimento do turismo sexual, a crise econômica dos anos 1980 e o aumento das migrações internacionais das mulheres para fins sexuais. No Brasil, as mulheres trabalhadoras do sexo ganharam destaque nas medias em países do primeiro mundo. Este contexto marca o retorno dos debates6, das denúncias7 e novas legislações8 que ressurgiram, desta feita, incorporando aspectos relacionados aos direitos humanos. Na segunda década do século XXI, o debate sobre a prostituição ou o trabalho sexual continua em evidência – a visibilidade alcançada é semelhante ao período anterior – de forma que chegou ao Congresso Brasileiro. Trata-se de um projeto que propõe o reconhecimento do trabalho sexual. Mesmo que a legislação seja votada, aprovada ou não, com certeza não resolverá as polêmicas na sociedade e nos movimentos feministas, já que persistem as diferentes abordagens sobre a Prostituição e o Tráfico de Mulheres. 6 O retorno do debate sobre o tráfico de mulheres no Brasil, surgiu, na Bahia, vinculado ao turismo sexual. Diante da constatação do grande número de brasileiras envolvidas em casos do tráfico internacional de mulheres e na necessidade de estabelecer políticas de prevenção, o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM) da UFBA desenvolveu um projeto para tratar do tema. Neste processo criou uma extensão chamada Centro Humanitário de Apoio à Mulher – CHAME em 1994, em Salvador. Este processo foi resultado de uma parceria com o Centro de Informação para Mulheres – FIZ (Fraueninformationszentrum) da Suíça. Posteriormente, o CHAME se desvinculou e se tornou uma ONG (NEIM, 2014). 7 Um exemplo de denuncia: Em 1996, João José Felipe percorria as cidades de Goiânia e Brasília, em incontáveis contatos, inclusive no Itamaraty e na Polícia Federal, para descobrir o que acontecera com sua filha Simone Borges Felipe, que fora trabalhar na Espanha e lá morreu. A luta do pai contra o tráfico internacional de pessoas deixou marcas na cidade. (NETP/Go,2012). O Ministério da Justiça, em 2010, escolheu o nome dela para um concurso “Abraçando o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: Simone Borges Felipe”. 8 Em 1904, Tratado Internacional para Eliminação do Tráfico de Escravas Brancas. Em 1949, a Convenção para Eliminação do Trafico de Pessoas e Exploração da Prostituição de Outrem. Em 2000, Protocolo Adicional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças. No Brasil, é conhecido como Protocolo de Palermo. 1024 As semelhanças, as divergências, as ausências e as influências analíticas persistiram, assim como o sofrimento de muitas mulheres. Blanchete (2011, p. 296) considera desmoralizante perceber que, após um século, “ainda lutamos para fazer aparecer as coordenadas básicas que Emma Goldman enxergava com tanta clareza”. A HISTORICIDADE DA CATEGORIA TRÁFICO DE MULHERES Na Antiguidade, em todo o mundo ocidental, a chamada escravatura – a prática social que conferia direitos de propriedade a um ser humano sobre outro – foi comum. Na primeira modernidade, no final do século XV, com o crescimento da Europa e a constituição do sistema-mundo (MIGNOLO, 2000), o tráfico para a escravidão era realizado por meio das rotas intercontinentais que cruzavam o Atlântico. Na história, Gilroy (1992) o considera como um fluxo econômico e migratório constitutivo da modernidade. Santos, Gomes e Duarte (2009) observam que a abolição dos sistemas escravistas não terminou com o tráfico humano e, ainda que de forma periférica, ocupa seu lugar na economia e migração da modernidade. Como ilegal e vinculado ao crime, difere da centralidade daquele sistema anterior. O tráfico humano é relevante nos fluxos transnacionais, em suas lógicas de ganhos econômicas, sem qualquer consideração à autodeterminação das pessoas. Outrora central, hoje o tráfico humano não é primordial nos mercados globais transnacionais, acomoda-se às enormes desigualdades entre Norte e Sul, nas injustiças da concentração de bens (SANTOS, 2007). Desde a época em que era chamado de tráfico de escravas brancas, até hoje, esse tipo tráfico se confunde com a prostituição e o mercado do sexo. Está relacionado com os processos de migração internos e internacional, com a exploração do trabalho, situações de ilegalidade e criminalidade. Segundo Kempadoo (2005), as causas estruturais globais que produzem este tipo de tráfico são a globalização, o patriarcado, o racismo, os conflitos e as guerras étnicas, a devastação ecológica e ambiental e a perseguição política e 1025 religiosa. Este é apenas um entre os vários entendimentos sobre as causas deste fenômeno. Aliás, essa busca causal é motivo de muitas polêmicas entre estudiosas/os e entre as próprias feministas e, refere-se aos posicionamentos sobre o tráfico de mulheres, a prostituição e o mercado sexual. O termo tráfico de mulheres para fins sexuais, como o conhecemos a partir do Protocolo de Palermo9, aparecia no século XIX como escravidão branca, tráfico de brancas, abolicionismo. Essas expressões descreviam as dinâmicas internacionais da prostituição forçada de mulheres europeias em outros continentes, inclusive no Brasil. O termo escravas brancas legitimava moralmente a intervenção política a favor das vítimas (PEREIRA, 2005). A metáfora da escravidão outorgava um sentido de atraso e violência às práticas de prostituição, ao mesmo tempo em que revelava uma abordagem que se propunha como moderna e civilizada. Vale lembrar que, à época, a ideia de escravidão branca já era bastante polêmica e complexa, como já havia sido descrito por Goldman (2011). Na Inglaterra de 1830, as metáforas sobre escravidão eram empregadas nos movimentos proletários para denunciar a exploração capitalista do trabalho assalariado, especialmente o trabalho feminino e infantil, como uma nova escravidão voluntária. A contextualização dos significados de tais metáforas, naquele momento histórico, é necessária, pois o conceito de escravidão assumia significados diferentes para as abordagens marxistas, anarquistas, feministas (PEREIRA, 2005) e dos jornais. Outro aspecto a ser considerado é a posição geopolítica dos países colonizadores e dos colonizados e seus discursos. As diferenças nesses olhares sobre a questão são importantes, já que a situação das mulheres em países como o Brasil e os EUA (para citar apenas dois) que, por séculos, 9 Em 2000, o Protocolo de Palermo definiu o tráfico de pessoas como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento, ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça, ao uso de força, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade, à entrega e aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa para fins de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à servidão ou remoção de órgãos. Este Protocolo estabelece princípios para a prevenção, repressão e punição ao tráfico de pessoas. 1026 viveram a escravidão, têm significados diferentes (dos países colonizadores) para as experiências locais relacionadas à escravidão branca. E vale perguntar, como os países que conviveram durantes séculos com as mulheres negras escravizadas, que eram violentadas sexualmente receberam e reagiram à campanha contra a escravidão branca à época? É neste campo, permeado por significados, preocupações e ações diferentes, que lançamos nossos olhares, hoje, em um tempo histórico cujo vocábulo escravidão é significado em outro contexto. Nos últimas décadas, nos contextos internacional e nacional, os jornais, sites e revistas destacam entrevistas com especialistas, alteração de legislações, realização de eventos, ações policiais de combate ao tráfico de pessoas, campanhas antitráfico entre outras. A visibilidade do tráfico de mulheres, para fins de exploração sexual, também tem sido construída por episódios de séries televisivas norte-americanas10, filmes, novelas, romances e publicações específicas de várias áreas do conhecimento. As imagens e visibilidades relacionadas ao Tráfico Internacional de Mulheres, ao mesmo tempo em que dão a maior visibilidade a esse tipo de tráfico, geram polêmicas e contribuem com a construção de estereótipos e ambiguidades (raciais, do trabalho sexual, de ser estrangeiro entre outras) e contribuem para a construção do chamado ‘pânico moral’. Goldman (2011, p.247), refletindo sobre o tráfico de escravas brancas, denunciou o resultado daquela cruzada nos jornais contra o tráfico. Ela descreveu uma situação de pânico moral11 contra a prostituição e, de como os legisladores planejariam ‘uma nova batelada de leis para conter o horror’. O Grupo Davida (2005), a partir de estudos das antropólogas americanas Carol Vance e Gayle Rubin, 10 Episódios das séries: The Mentalist, CIS, CIS Miami, Law & Order, Criminal Mind entre outras. 11 Goldman não usou a expressão pânico moral, mas o descreveu com detalhes. Essa expressão foi cunhada, anos depois, por Stanley Cohen, e se refere ao processo pelo qual a mídia e pessoas instigam inquietações populares, em escalas maciças, sobre determinadas questões sociais. Esses problematizam essas questões e sugerem modificações nas leis. Em casos extremos, são transformadas em uma cruzada moral, um movimento social que promove campanhas políticas em torno de questões morais e simbólicas, sem levar em conta a resolução justa e democrática do problema focalizado. (GRUPO DAVIDA, 2005). 1027 sobre esse tipo de pânico relacionado à ansiedade gerada por questões sexuais, sugere que a luta contra o tráfico de mulheres demonstraria características típicas de uma variante do pânico moral, o pânico sexual. Os olhares sobre ‘tráfico de mulheres para fins sexuais’ na produção do conhecimento são encontrados, em maior ou menor quantidade, em publicações do direito, da história, antropologia, sociologia, geografia, literatura, dos estudos migratórios, estudos feministas, das políticas públicas, relações exteriores entre outros. Mesmo não sendo possível, neste artigo, situar historicamente como cada disciplina aborda a temática, a partir das diversas perspectivas teóricas. Reafirmamos que as construções científicas de cada disciplina e objeto12 têm a sua historicidade também. Os estudos sobre ‘tráfico de mulheres para fins sexuais’, muitas vezes, são construídos de forma a distanciá-lo de alguns contextos socioculturais e aproximá-lo de outros. Por exemplo, a ideia de ‘sexuais’, aqui, aproxima-o dos mercados sexuais e o afasta das transformações dos comportamentos sexuais, pelas quais passaram as sociedades ocidentais na última metade do século XX. Considerando as dificuldades e limites das construções das pesquisas atuais, e como a especialização do conhecimento, por exemplo, sobre tráfico de mulheres, impulsiona o/a pesquisador/a um olhar mais profundo e complexo sobre o objeto, ao mesmo tempo em que o afasta do contexto, por exemplo, das mudanças dos comportamentos sexuais registradas, também, no Brasil. De forma semelhante, a prostituição e o Tráfico de Mulheres para fins sexuais pouco são considerados nos estudos sobre intimidades, sexualidades, novas mulheres emancipadas, matrimônios, transformações familiares entre outros. Se, do ponto de vista das delimitações dos estudos, é difícil fazer este cruzamento, por outro, como menosprezar as conquistas e transformações que os movimentos sociais, especialmente os feministas, inauguraram no século XX, e suas repercussões na compreensão desse objeto de estudo? 12 Esta diversidade também é observada na construção do objeto, na lógica da investigação, na justificativa teórico- metodológica, nos caminhos metodológicos, nas categorias analisadas, nas técnicas e fontes escolhidas. 1028 Não se trata de propor uma abordagem universal, em que se perde o conhecimento situado, o questionamento que fazemos, ao pensar esta categoria de forma multidisciplinar, é trilhar um caminho que possibilite a apreensão do fenômeno sem dissociá-lo de seu contexto, das possibilidades das mulheres ali situadas e considerar os marcadores sociais de classe, raça, geração, localização entre outros. Enfim, o tráfico de mulheres para fins sexuais envolve uma problemática multidimensional e multifacetada, que se reflete na trajetória das investigações. Piscitelli (2005) e o Grupo Davida (2005), entre outros/as apresentam uma série de questionamentos conceituais e metodológicos às pesquisas sobre a temática desenvolvidas no Brasil. As fragilidades de dados13 que fundamentam os estudos são as mesmas que justificam as políticas públicas de enfrentamento e as legislações. Essas, aliadas às campanhas contra o tráfico internacional de mulheres, impactam o cotidiano das trabalhadoras sexuais. Tais impactos têm sido denunciados por ONGs, entidades e organizações das trabalhadoras do mercado sexual, por estudiosos como Castilho (2014), Venson e Pedro (2013), Piscitelli (2013). A produção do conhecimento sobre tráfico de mulheres, para fins sexuais, ainda é frágil. Creditamos essa fragilidade às dificuldades e lacunas nas pesquisas existentes e aos poucos dados confiáveis. A complexidade deste campo de estudo diversificado e difícil, ainda é clivada por deslocamentos, polêmicas e desafios. 13 As dificuldades nessas investigações são de várias ordens: às fontes, aos sujeitos das pesquisas, às agências financiadoras, aos tipos de estudo. É complicado porque envolve mulheres em situação migratória (às vezes por meios ilegais ou clandestinos), trata-se de uma violência e de crime, e está vinculada às questões raciais, de gênero, classe, geração, sexualidades, prostituição entre outros. Assim, as pesquisas são permeadas por diferenças e interesses (locais,nacionais e internacionais, legais e ilegais, financeiros, morais, políticos). Os olhares e os discursos científicos dizem sobre as várias posicionalidades envolvidas (das mulheres que viveram a situação de traficadas, das/ dos operadoras/es de políticas, as pessoas que trabalham em entidades de proteção). Enfim, os dados e as informações sobre este tipo de tráfico são parciais e envolvem muitas perspectivas. 1029 O IDEÁRIO FEMINISTA DE UMA NOVA MULHER E O TRÁFICO DE MULHERES Há possíveis conexões entre a produção da categoria tráfico de mulheres e algumas ideias que remetem ao ideário feminista ocidental sobre uma nova mulher, desenvolvidas principalmente a partir dos anos 1960. Para Dietz (2003), o movimento feminista afiança as mulheres como sujeito e, expressa seus princípios de igualdade, direitos, liberdade, autonomia, dignidade, autorrealização, reconhecimento, respeito, justiça, ao mesmo tempo em que identifica a sujeição e objetificação das mulheres, por meio das relações marcadas pelo gênero. Entrelaçar as ideias de tráfico de mulheres para fins sexuais e de mulheres independentes e autônomas, requer iniciar uma visita14 às mudanças relacionadas aos feminismos15 e às sexualidades nas sociedades ocidentais e, particularmente, no Brasil. Os inegáveis esforços feministas para a conquista de uma cidadania plena das mulheres, no sentido de sua libertação, segundo Beauvoir (1980), para a construção da autonomia pessoal e cidadania em um mundo desigual trilharam vários caminhos, alcançando algumas mudanças. Ávila (2005) considera que os controles da fecundidade e da sexualidade pelas próprias mulheres, o acesso e o aumento de sua escolaridade são os pilares para a emancipação feminina. A educação e o trabalho qualificado e remunerado são percebidos como centrais à autonomia das mulheres. A partir de meados dos anos 1960, são identificadas modificações nas formas e estruturas familiares (BOZÓN, 1995), o declínio do número de casamentos legalizados (década de 1980) e a lei do divórcio é aprovada (1977). Neste contexto, se o controle da fecundidade é possível e a mulher 14 Esta é uma tarefa, maior que o espaço deste artigo, assim vamos refletir sobre um possível caminho para pensar esta relação. 15 Feminismos, no plural, com suas distinções ou filiações teóricas (liberal, radical, marxista e socialista) pode ser entendido como o movimento de lutas coletivas de mulheres que buscam igualdade de direitos em todos os planos da existência. Segundo Mary Dietz (2003, p.399), trata-se de um movimento político e social, local e global, constituído historicamente como uma proposta emancipatória e um conteúdo normativo. 1030 pode fazê-lo, ter ou não filhos virou uma opção, assim como postergar a maternidade (PINNELLI, 2004), o casamento ou escolher ficar solteira. A essa conjuntura, adiciona-se o aumento das expectativas de vida, associado com o declínio dos índices de fecundidade, que criou um grave problema populacional. No caso da Europa e outros países desenvolvidos, os índices ficam abaixo da taxa de reposição da população e a migração é, entre as possibilidades disponíveis, a que tem sido usada para resolução da questão (STOLCKE, 1994). Autoras como Berquó e Oliveira (1992) relacionaram as mudanças acima com a emancipação feminina. As mudanças nos modelos conjugais, familiares, o aumento de mulheres solteiras e chefes de famílias têm sido analisadas na trama de várias interseccionalidades, por diversas perspectivas e campos de conhecimento, inclusive feministas (GONÇALVES, 2007; TAVARES, 2008; MACEDO, 2008). Destacamos o interessante percurso que Piscitelli (2013) fez, ao investigar as mulheres inseridas no mercado transnacional do sexo e do matrimônio, considerando várias das questões analisadas acima. Entre outras, ela analisou as mudanças no mundo da intimidade dessas mulheres, seus projetos migratórios e, buscou ressaltar a agência delas em todo o percurso migratório, assim como, prestou atenção às persistentes desigualdades de gênero, geração, raça, nacionalidade e classe social, entre outros marcadores sociais. Um desenho metodológico que primou por entender aquelas mulheres a partir daquele ideário feminista citado. Este ideário e as questões relacionadas ao tráfico de escravas brancas, na época, também foi analisado por Emma Goldman. Ela situou o problema no contexto da exploração capitalista do trabalho feminino, da falta de acesso à educação das mulheres, inclusive da educação sexual. Conforme sinalizou Goldman (2011, p.247) a “prostituição feminina continuaria crescendo, apesar das leis e das cruzadas morais contra ela”. O cenário educacional é uma boa mostra das mudanças da situação das brasileiras. No final do século XIX e início do XX, as feministas lutavam para que as mulheres tivessem acesso à educação, na primeira década do novo 1031 milênio (XXI), no contexto de uma melhoria da educação da população como um todo, as mulheres são a maioria no ensino universitário brasileiro. No entanto, os avanços educacionais das mulheres negras ainda não são bastante significativos nos níveis mais elevados (SOTERO, 2013) O processo de redução das desigualdades raciais no campo educacional e a superação dos padrões diferenciados de participação no mercado de trabalho, considerando atributos adscritos como cor e sexo, ainda é uma necessidade da sociedade brasileira. O perfil da participação da população economicamente ativa no Brasil pouco foi alterado considerando questões raciais, de classe e gênero.16(LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013) Hoje, podemos avaliar que o alcance dos pilares da emancipação das mulheres – controle da fecundidade e da sexualidade pelas próprias mulheres, o acesso e o aumento de sua escolaridade – oportunizou a algumas mulheres a inserção ao mundo do trabalho com direitos, uma carreira profissional mais qualificada e a autonomia financeira. Mas há que registrar que essa possibilidade não está disponível para todas as mulheres. São as mulheres do norte do planeta, as brancas, as de classe média e alta, que conseguem acessar com mais facilidade os requisitos básicos para uma oportunidade de cidadania completa. As questões aqui levantadas carecem de análises mais detalhadas, outros olhares e espaços para aprofundar a reflexão. Neste sentido, acreditamos que as epistemologias feministas podem contribuir com análises diversas sobre esta conexão. Dietz (2003:422) destaca que o campo feminista reconhece a “multiplicidade, a heterogeneidade, o hibridismo, a pluralidade, a posicionalidade, a interseccionalidade na produção científica feminista”. 16 Por exemplo, na categoria de empregadores, nota-se a segmentação racial e de gênero inalteradas, predomínio de homens brancos. Cabe realçar que as mulheres negras possuem baixa representação em categorias mais estáveis e de maior status, assim constata-se um predomínio de brancas entre o funcionalismo público e das negras nos empregos domésticos (LIMA, RIOS e FRANÇA, 2013) 1032 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES A construção das políticas públicas para as mulheres no Brasil foi ensaiada, segundo Costa (2005), no diálogo que fazia parte das práticas feministas durante o processo de luta e resistência à ditadura e de movimentos pela redemocratização, pois ali as feministas brasileiras aprenderam a criar e defender suas bandeiras, gestar e parir espaços para as mudanças democráticas e feministas. Sorj (2008) analisa que faz parte da cultura política do país, após o processo de redemocratização, um vínculo forte entre o Estado brasileiro e os movimentos feministas e de mulheres. Os últimos compreendem as políticas públicas como uma ferramenta para corrigir as desigualdades de gênero. Neste sentido, Costa (1998) alerta que as políticas públicas para as mulheres têm sido alvo de discussões, apropriações e disputas nos próprios movimentos feministas. A configuração própria que Sorj (2008), denomina de feminismo republicano brasileiro, caracteriza-se por demandas ao Estado: reivindicações de direitos de caráter social, inclusivas, transversais às classes sociais e demanda de intervenções estatais. A autora compara esse feminismo republicano com o liberal nos Estados Unidos, aquele enfatiza a liberdade entendida como autonomia individual. Ainda que o feminismo liberal e igualitário reconheça a necessidade de ‘certas condições que estão insuficientemente presentes na vida das mulheres’, não tem o Estado como importante para provisão dessas condições (SORJ, 2008). Das primeiras delegacias especializadas de atenção à mulher, que o Estado implantou na década 1980 à Política e o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2006 e 2008, respectivamente), há uma distância enorme, no sentido da quantidade de políticas e equipamentos para atendimentos. A implantação dos Núcleos para a Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) em vários estados, com o objetivo de implantar e efetivar as políticas estaduais de enfrentamento ao tráfico, é um exemplo de 1033 que estabelecer uma política de atendimento ao tráfico de pessoas, no Brasil, consiste em um desafio de complexidade técnica, cultural e política. O respeito à pessoa que ‘sofreu violência nem sempre é observado’. De acordo com as afirmações que constam do texto da apresentação da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências no Brasil (BRASIL, 2001, p. p. 21), “é comum mulheres serem responsabilizadas ou culpadas pela violência sofrida”. No Brasil, os serviços de repressão ao tráfico de pessoas, as ações de prevenção e as políticas sociais são frágeis, assim como a organização de serviços de atenção às pessoas vitimadas por esse crime. As Redes de Atenção às Mulheres em Situação de Violência ainda fazem esforços de aproximação na especificidade. O Ministério da Saúde do Brasil preconiza que a atenção às vítimas de violência deve ser realizada em redes, baseada em ações interdisciplinares, multiprofissionais e intersetoriais. No entanto, relatos de negligências para com as ações dirigidas às mulheres em situação de tráfico são encontrados. Apesar dos textos legais, as medidas repressivas são priorizadas em detrimento das preventivas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se o tráfico de escravas brancas, quando foi denunciado, não era uma novidade histórica para o século XIX, sua costumeira presença nas várias medias no século XXI tampouco o é. Esta visibilidade é inegável, assim como as tensões presentes na sociedade, entre pesquisadoras/es, trabalhadoras/es, gestoras/es, legisladores, nos movimentos feministas, entre as mulheres que trabalham no mercado sexual e entre aquelas que foram traficadas, as que costumeiramente têm suas vozes ausentes. No campo das políticas sociais, o tráfico de pessoas continua sendo um desafio, muitas vezes uma preocupação pouco considerada. Na área da pesquisa, as abordagens/as das ciências feministas reconhecem que suas lentes feministas contribuem para tornar as investigações mais complexas, 1034 neste campo que é diversificado, permeado por interesses, deslocamentos, polêmicas e desafios. Os poucos e questionáveis dados disponíveis refletem as dificuldades metodológicas e éticas que o fenômeno apresenta. Para um enfoque que priorize, de fato, a compreensão dos interesses das mulheres na Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e suas repercussões sobre essas pessoas, suas necessidades, seus sentidos e significados, é preciso se perguntar, seriamente, se essa política é ou não do interesse das mulheres, daquelas pensadas pelos feminismos como as novas mulheres. Independente do tamanho dos constrangimentos que esta pergunta desencadeia, acreditamos que ela precisa ser enfrentada. REFERÊNCIAS ÁVILA, Maria Betânia. Feminismo e sujeito político. In: SILVA, Carmem. (org.) Mulher eTrabalho. Recife, SOS Corpo, 2005. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980 BERQUÓ, Elza ; OLIVEIRA, Maria C, Casamento em tempos de crise. Rev Brasileira de Estudos de População, vol.9, nº 2, jul/dez 1992, pp. 155-167 BLANCHETE,T. Emma Vermelha e o espectro do ‘Tráfico de Mulheres’. CADERNOS PAGU/UNICAMP. Campinas. No. 37, jul-dez 2011 p.287-298. Dossiê: Violência: outros olhares BOZÓN, Michel. Amor, sexualidade e relações sociais de sexo na França contemporânea. Rev. Estudos Feministas, vol.3, nº 1, Rio de Janeiro, UFRJ, 1995, pp.122-135. CASTILHO. Ella E.. Tráfico de mulheres: Direito e Feminismos.IN:STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane R.; ZANELLO, Valeska (orgs).Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas [livro eletrônico].Florianópolis: Ed. Mulheres, 2014. PDF COSTA, Ana Alice Alcantara As donas no poder. Mulher e política na Bahia. Salvador::Assembléia Legislativa da Bahia, 1998. COSTA, Ana Alice Alcantara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção política Niterói, v. 5, n. 2, p. 9-35, 1. sem. 2005 1035 DAVIDA, Grupo. “Prostitutas, „traficadas. e pânicos morais; uma análise da produção de fatos em pesquisas sobre o „tráfico de seres humanos.”. Cadernos Pagu, Campinas, v. 25, p. 153-184, jul.-dez. 2005. DIETZ, Mary G. Current Controversies in Feminist Theory. Annual Review of Political Science. (6), 2003, pp.399-431 GILROY, Paul. The Black Atlantic: Modernity and Double Consciousness. Cambridge: Harvard. 1992 GOLDMAN, Emma (1909), M. Tráfico de Mulheres. CADERNOS PAGU UNICAMP. Campinas.no. 37 jul-dez 2011 p.247-262. . Dossiê: Violência: outros olhares (trad traduzido por RAGO, M.) GONÇALVES, Eliane. Vidas no singular: noções sobre “mulheres sós” no Brasil contemporâneo. Campinas, SP: 2007 (Tese de Doutorado) LIMA, Marcia; RIOS, Flávia; FRANÇA, Danilo. Articulando gênero e raça: a participação das mulheres negras no mercado de trabalho (1995- 2009). MARCONDES, Mariana M. et all . Dossiê mulheres negras: retrato das condições da vida das mulheres negras no Brasil. Brasilia. IPE:2012 p. 53-80 KOPYTOFF, Igor. "Slavery". Annual Review of Anthropology, vol.11, 1982. MACEDO, Marcia S. Na trama das interseccionalidades: mulheres chefes de família em Salvador. Doutorado em Ciências Sociais/UFBA. 2008. MIGNOLO, Walter D. (2000), Local Histories/Global Designs: Coloniality, Subaltern Knowledges, and Border Thinking. Princeton: Princeton University. NEIM/UFBA. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher. Projetos Institucionais. http://www.neim.ufba.br/wp/projetos-institucionais/ acesso: 21 ago 2014 PEREIRA Cristiana Schettini. Lavar, passar e receber visitas: debates sobre a regulamentação da prostituição e experiências de trabalho sexual em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, fim do século XIX. Cad. Pagu no.25 Campinas July/Dec. 2005 PINNELLI, Antonella. Gênero e Família nos países Demographicas (2),Campinas-SP, ABEP, 2004, pp.55-98. desenvolvidos. PISCITELLI Adriana 2005 Apresentação gênero no mercado do sexo Cad. Pagu no.25 Campinas July/Dec. 2005 1036 PISCITELLI, Adriana. TRÂNSITOS: Brasileiras nos mercados transnacional do sexo. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2013. 272p.(coleção: sexualidade, gênero e sociedade homossexualidade e cultura.) 2013 RAGO, Margaret. Os Prazeres da Noite. Prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890 – 1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. SANTOS JÚNIOR PM Pobreza e prostituição na obreza e prostituição na Belle Époque manauara: 1890 – 1917. Revista de História Regional 10(2):87-108, Inverno, 2005 SANTOS, Boaventura S. “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes”, Ver. Crítica de Ciências Sociais, 78, 2007. 3-46. SANTOS, Boaventura de Sousa; GOMES, Conceição; DUARTE, Madalena. Tráfico sexual de mulheres: Representações sobre ilegalidade e vitimação, Revista Crítica de Ciências Sociais, 87 | 2009, 69-94. SORJ, Bila. A Revista Estudos. Feministas e as políticas públicas: qual relação? Rev. Estud. Fem. v.16 n.1 Florianópolis jan./abr. 2008 SOTERO, Edilza C. Transformações no acesso ao ensino superios brasileiro, algumas implicações para os diferentes grupos de cor e sexo. MARCONDES, Mariana M. et all . Dossiê mulheres negras: retrato das condições da vida das mulheres negras no Brasil. Brasilia. IPE:2012 p. 35-52 STOLCKE, STOLCKE, Verona. Mães para uma nova pátria européia. Cadernos PAGU. no. 2 1994 375-386 TAVARES, Marcia Santana .Os Novos Tempos e Vivências da Solteirice em Compasso de Gênero: ser solteira/solteiro em Aracaju e Salvador, PPGNEIM/UFBA. 2008. VENSON, Anamaria M.; PEDRO, Joana M.. Tráfico de pessoas: uma história do conceito. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 33, nº 65, p. 61-83 1037