I João 2.1 – 6 Como esta é uma carta pequena, temos que considerar o propósito da carta como um todo, o que é expresso por João logo nos primeiros versículos 1.3 – 4: - Promover uma comunhão entre os homens e entre eles e Deus - Conhecimento correto de Deus - Felicidade plena O texto mais específico que estudaremos dentro desse propósito inicial do livro, demonstra que a comunhão com Deus depende completamente da obediência a Ele, e que somente quem o obedece é que é amado por Deus, e ama a Deus, e assim, portanto mantém comunhão com Ele. A obediência a Deus também eleva nosso conhecimento Dele, nos dando uma compreensão correta da vida e portanto quando andamos como Ele deseja encontramos plena alegria. Essa primeira afirmação (vs. 1 – 2) faz parte do parágrafo anterior, que vai de 1.5 – 2.2, e indica que a redenção produz uma obra completa e gera confiança para a obediência, pois evidencia uma profunda ligação com Deus por meio de Cristo levando o pecador a se afastar do pecado e a se purificar dele por meio da intercessão de Cristo junto ao Pai. Voc. NP Pron. 1ª Gen. MS Pron. Dem. Ac. NP 1ª S Pres. Ind. At. Pron. 2ª Dat. P Filhos! meus isto (eu) escrevo para vós Conj. Sub. Final Part. Neg. 2ª P Subj. 2º Aor. At. a fim de que não (vós) pequeis O escrito carinhoso de João, como de um pai para filho, tem como objetivo não pecar, ou seja, o fato de termos um advogado tão maravilhoso não deve nos levar ao desejo de necessitar Dele constantemente, mas sim a uma vida sem pecado. Essa afirmação vai diretamente de encontro ao que os gnósticos afirmavam, que se já somos salvos mesmo então não importa o que fazemos daqui para a frente. O verdadeiro cristão deve desejar viver uma vida sem pecado, ainda que tenha um advogado a disposição para defendê-lo caso Ele peque. Conj. Co. Ad. Conj. Sub. Cond. Pron. Indef. Nom. MS 3ª S Subj. 2º Aor. At. e (mas) se alguém (ele) pecar Ac. MS 1ª P Pres. Ind. At. Prep. Ac. Ac. MS Ac. MS Ac. MS Adj. Ac. MS advogado (nós) temos ao lado de o pai Jesus Cristo justo (parákletos) – Chamado, convocado a estar do lado de alguém, especialmente convocado a ajudar alguém. Alguém que pleitea a causa de outro diante de um juiz, intercessor, conselheiro de defesa, assistente legal, advogado, intercessor. Diz-se; de Cristo em sua exaltação à direita de Deus, súplica a Deus, o Pai, pelo perdão de nossos pecados, e do Santo Espírito, destinado a tomar o lugar de Cristo com os apóstolos (depois de sua ascensão ao Pai), a conduzi-los a um conhecimento mais profundo da verdade evangélica, a dar-lhes a força divina necessária para capacitá-los a sofrer tentações e perseguições como representantes do reino divino. 1 Conj. Co. Ad. Pron. Nom. MS Nom. MS 3ª S Pres. Ind. At. Prep. Gen. Gen. FP Pron. 1ª Gen. P e ele propiciação (ele) é acerca de dos pecados nossos (hilasmós) – Conciliação, aplacamento, meios de tranqüilizar, propiciação. (hilastérion) que se relaciona com uma conciliação ou expiação, obter aplacamento ou poder expiador, expiatório; forma de conciliação ou expiação, propiciação. Usado para referir-se à cobertura da arca da aliança no Santo dos Santos, aspergida com o sangue da vítima expiatória no dia anual de expiação (este rito significava que a vida do povo, a perda merecida por causa de seus pecados, era oferecida a Deus através do sangue da vítima, o sangue simbolizava a vida, e que Deus por esta cerimônia estava apazigüado e os pecados do povo expiados); por isso a tampa da expiação, o propiciatório. Um sacrifício expiatório. Part. Neg. Prep. Gen. Adj. Gen. FP Conj. Co. Adv. Adver. não acerca de dos nossos mas somente Conj. Co. Adv. Adver. Prep. Gen. Adver. Gen. MS Gen. MS mas também acerca de de todo do mundo Esta frase, de maneira nenhuma, pode ser entendida como uma frase universalista, pois, dentro do contexto vemos que somente em Cristo a propiciação de pecados, e defesa dos mesmos diante de Deus, acontece. Ou seja, quem não está em Cristo, continua debaixo da ira de Deus e sem justificação para seus pecados, são por natureza, condenados. Depois desta primeira seção que estabelece os alicerces da obediência, então João aponta seu foco para as consequências dele não obediência. Esta seção contém três reivindicações do conhecimento íntimo de Deus, expressas pelos três particípios gregos (ho legôn – “aquele que diz”) no início dos vs. 4, 6 e 9. Tal como acontece com as três cláusulas condicionais que começam com eán eípômen – “se dissermos”) na seção anterior (1.6, 8, 10), estes particípios refletem indiretamente as pretensões dos adversários de João. Essas 6 clausulas são seguidas por uma avaliação de João destas reivindicações hipotéticas (ou não) e suas implicações1. Enquanto geralmente se espera que haja uma continuação da seção anterior, João muda o foco da consciência e reconhecimento do pecado para a obediência dos mandamentos de Deus. Pois, é através da obediência que o cristão pode ter a garantia da autenticidade de seu próprio relacionamento com Deus. O conceito de “luz” (em contraste com a “trevas”), introduzido em 1.5 aparece de novo (pela última vez em 1 João) em 2.8 – 11. O conceito de “comunhão”, introduzido no prólogo (1.4) e discutido em 01.08 – 02.02 já não aparece nesta seção, mas é substituído por uma ênfase no “conhecer” e no “amor” de Deus, juntamente com a própria fé pessoal (2.3, 4, 5, 10). 1 As notas exegéticas contidas em todo este texto são de W. Hall Harris III no artigo Exegetical Commentary on 1 John 2:3 – 11 extraído de http://bible.org/seriespage/exegetical-commentary-1-john-23-11, com algumas interações pessoais. 2 Conj. Co. Re. Prep. Dat. Pron. Dem. Dat. NS agora em isto 1ª P Pres. Ind. At. Conj. Sub. Int. 1ª P Perf. Ind. At. Pron. 1ª Ac. MS (nós) sabemos que (nós) temos conhecido a ele O tempo perfeito indica que o estado presente de conhecimento de Deus é derivado da ação passada da obra redentora dEle. Conj. Sub. Cond. Ac. FP Pron. 3ª Gen. MS 1ª P Pres. Subj. At. se os mandamentos dele (nós) guardarmos (teréô) – Atender cuidadosamente a, tomar conta de, guardar, observar. Metaforicamente; manter, alguém no estado no qual ele esta. Reservar: experimentar algo. O significado da conjunção (kaí – “agora”) é importante para a compreensão do argumento, porque uma utilização semelhante da conjugação ocorre em 1.5. O uso aqui não é apenas um simples continuativo ou conjuntivo, mas tem mais a força (resumptiva) de retornar à ideia anterior para reforça-la, apontando novamente para 1.5. O autor, depois de discutir três questões hipotéticas dos gnósticos em 1.6, 8, e 10, e apresentar três respostas refutando-as em 1.7, 9 e 2.1, agora volta ao tema de Deus como luz introduzida em 1.5. Onde discute agora, como um cristão pode ter certeza de que conhece a Deus que é luz, novamente em contraste com os gnósticos que fazem a mesma afirmação de conhecer a Deus, mas falta a realidade de tal conhecimento, como seu comportamento deixa claro. – Esse tipo de frase preposicional ocorre 14 vezes em 1 João (2.3 – 5 duas vezes, 3.10, 16, 19, 24, 4.2, 9 – 10, 13, 17 e 5.2). Além de duas destas utilizações que se referem às pessoas (2.4 e 5), todas as ocorrências apresentar dificuldades para o intérprete. O significado é “neste” ou “por meio deste”, mas o que o “isto” se refere é difícil determinar: se refere a declarações anteriores ou as afirmações seguintes? Aparentemente, nos casos em que há uma cláusula subordinada seguinte introduzida por (hoti), hína), (eán), (hótan), ou (ek), esta cláusula subordinada parece estar ligada a (toútôi), e a frase (en toútôi) refere-se a cláusula subordinada seguinte. Este seria o caso em 1 João 2.3, 3.16, 24, 4.09 – 10, 13, e 5.2. Por outro lado, nos casos em que não há oração subordinada seguinte, , ou a oração subordinada claramente não tem nada a ver com o , então pode se referir tanto ao que a precede quanto ao que se segue, e cada caso deve ser decidido individualmente com base no contexto. Exemplos desta situação ocorrem em 1 João 2.5c, 3.10 e 4.2. Às vezes, é discutível se uma oração subordinada que se segue tem ou não relação com . Este é o caso em 1 John 3.19 e 4.17. Aqui em 2.3 a oração subordinada que se segue é introduzido por (eán). A intervenção de (hóti) é uma cláusula de discurso indireto, relacionada ao verbo (ginóskomen – “sabemos") e não tem nada a ver com (toútôi). Assim, (en toútôi, “por isso” ou “nisto”) é explicada pela oração subordinada (“se guardamos os seus mandamentos”) com o significado resultante, da seguinte forma: “... (se guardamos os teus mandamentos) sabemos que temos conhecido...”. Assim, neste exemplo, (en toútôi) não tem praticamente nenhuma relação com o que precede, a relação com o texto anterior é indicado pela conjunção (kaí), que é resumptivo de 1.5. Referente ao Pronome (autón – literalmente “Ele”; traduzida como “Deus” na NET Bible) em 2.3. Aqui, mais uma vez o pronome de terceira pessoa é difícil de determinar, se refere-se a Deus o Pai ou a Jesus Cristo. Muitos intérpretes sustentam que esta é uma referência a Jesus Cristo, porque Ele é mencionado em 2.1 e o pronome no início de 2.2 claramente remete a Ele. Usos anteriores de (autón) em 1.6, 7 e 10 se referem a Deus Pai, que foi explicitamente mencionado em 1.5 (“Deus é luz” deve se referir a Deus, o Pai). Parece mais provável que Deus é o referente do pronome (autón) aqui, pelas seguintes razões: 3 a. A garantia de que o autor está tratando aqui é a garantia que se tem vindo a conhecer Deus, não a vindo a conhecer Jesus Cristo. Todas as afirmações dos gnósticos que João combate nesta carta, introduzidas em 1.05 – 2.11, demonstram que a preocupação é de conhecer e ter comunhão com Deus que é luz (1 João 2.8 – 9 compare com 1.5). b. Quando Jesus Cristo é explicitamente mencionada como um exemplo a imitar em 1 João 2.6, o pronome (ekeînos – literalmente “aquele”; traduzido como “Jesus” na NET Bible) é usado para distingui-lo das referências anteriores com (autós). c. A conjunção (kaí – literalmente “e”; traduzida como “agora” na NET Bible), que começa 2.3 é paralela à conjunção (kaí), que começa 1.5, sugerindo que o autor, depois de discutir (um pouco indiretamente) três afirmações dos adversários e colocando a frente três refutações em 1.6 – 2.2 e agora está voltando para a discussão de “Deus como luz” introduzida em 1.5. O autor irá discutir agora como um cristão pode ter certeza de que conhece a Deus que é luz. O significado do perfeito (egnôkamen – “nós viemos saber” ou “nós temos conhecido”) em 2.3. R. Brown, aparentemente, não crê que aqui esteja sendo usado o significado do presente para o pretérito perfeito: “Variedade de tempo é, em parte, um dispositivo estilístico”. Brown refere-se a um artigo de JP Louw em que Louw alega que, em geral, não há distinção em importância entre aoristo e o perfeito, ambos podem ser usados para transmitir a ideia de uma ação no passado. Louw pode até ser precisos na medida em que desenvolve a ideia. Mas o ponto de vista da Louw diz respeito a equivalência dos dois tempos do passado (aoristo e perfeito), enquanto Brown aqui, aparentemente, quer trocar o presente pelo passado. Parece mais provável que haja algum significado no uso do perfeito aqui que vai além do tempo presente, especialmente porque é uma sequência que culmina em algo presente. Este verbo é provavelmente melhor entendido como um resultativo do perfeito, que envolve a ação passada completa, mas enfatizando os resultados existentes no presente. É claro que, de qualquer forma, João estava interessado em tranquilizar aqueles que ele considera já serem crentes: eles conheceram a Deus, em algum momento no passado, e agora o autor está escrevendo para tranquilizá-los quanto à realidade (resultando) deste conhecimento. O significado de (eán – “se”) em relação à observância dos mandamentos de 2.3. Poderíamos esperar que (hóti) fosse usado aqui, uma vez que a oração subordinada que se segue é explicativa ou aposicional em relação a (en toútô) como discutido acima. Blass-Debrunner’s standard reference grammar pontua que se a cláusula explicativa refere-se a uma realidade atual, em João uso de (hóti) é o preferido, mas se o fato é apenas presumido, (eán) ou (hótan) são usados. A implicação disso é que João pelo uso desta construção está crendo que seus leitores são crentes genuínos e vão realmente guardar os mandamentos de Deus, mas não declara isso como um fato absoluto. Referente ao uso de (autoû – “dele” ou “seu”). Os mandamentos aos quais o autor se refere, são de Jesus Cristo, ou de Deus, o Pai? No Evangelho de João 13.34 – 35 e 15.12 Jesus diz que está dando aos discípulos novo mandamento, e em 14.15, 21 e 15.10, Jesus fala “os meus mandamentos”. No entanto, Ele também fala de um mandamento que Ele próprio “recebeu” do Pai (João 10.18, 12.49 – 50, 14.31 e no plural em 15.10). As referências a: “seu(s) mandamento(s)” ocorrem 8 vezes em 1 João (2.3 – 4, 3.22 – 24, 5.2 – 3 neste último, duas vezes), juntamente com uma referência a um mandamento “Dele” (4.21). Em dois destes casos (3.23 e 4.21) o contexto imediato deixa claro que se refere a mandamentos de Deus, o Pai. Por uma questão de coerência para melhor compreender as demais passagens convencionou-se entender “seu(s) mandamento(s)” como se referindo a Deus Pai, bem como, incluindo 2.3 e o verso seguinte (2.4). Isto não é um absoluto, porém, é outro exemplo da ambiguidade que perpassa muitas passagens nestas cartas e tem atormentado os intérpretes ao longo dos séculos. Nem neste verso, nem no seguinte, João explicita quais são estes “mandamentos” que os crentes devem obedecer. Poderíamos assumir imediatamente que o Decálogo (os Dez Mandamentos da lei mosaica, Êxodo 20.2 – 17) está em vista aqui, e de fato tanto Brown quanto Strecker têm sugerido que o autor de 1 João fez algum tipo de referência ao Decálogo em 2.3 – 4. No entanto, não há indicação em qualquer outro lugar em I João (a menos que em 5.21, com a proibição de idolatria) que o autor esteja preocupado com que seus leitores não obedeçam aos comandos da Lei Mosaica. No fim da carta, em 3.23 há algo sobre isso: “Agora este é o Seu mandamento: que creiamos no nome de Seu Filho Jesus Cristo e amemos uns aos outros, assim como ele nos ordenou”. A frase “amar uns aos outros” é uma alusão ao “novo mandamento” de João 13.34, que é um dos temas principais de João (cf. I João 2.8, II João 4 – 6). Esta última é provavelmente a melhor maneira de entender a que mandamentos João se referia, usando aqui do artifício de apenas introduzir um conceito (“mandamentos” aqui em 2.3), sem especificá-lo no momento, só para voltar a ele mais tarde esclarecendo o que significa (neste caso, em 3.23). 4 Ptc. Pres. At. Nom. MS Conj. Sub. Int. 1ª S Perf. Ind. At. Pron. 1ª Ac. MS aquele que fala que (eu) tenho conhecido a ele Conj. Co. Ad. Ac. FP Pron. 3ª Gen. MS Part. Neg. Ptc. Pres. At. Nom. MS Nom. MS 3ª S Pres. Ind. At. e os mandamentos dele não guardando mentiroso (ele) é Conj. Co. Ad. Prep. Dat. Pron. Dem. Dat. MS Nom. FS Part. Neg. 3ª S Pres. Ind. At. e em este a verdade não (ele) está “a verdade” pode referir-se a Cristo, pois é coerente com não conhecer a Deus. A primeira das três questões hipotéticas levantadas pelos gnósticos em 2.3 – 11 são novamente encontradas aqui, expressas pela frase: (hó légôn hóti – “aquele que diz que...”). Os gnósticos afirmavam que eu conheciam a Deus, mas não obedeciam os mandamentos de Deus. Segundo João, essa afirmação de que eles conheciam a Deus é falsa. O indivíduo descrito aqui é um mentiroso em quem a verdade não reside. O significado dos três particípios gregos (hó légôn – “aquele que diz”) em 2.04, 6 e 9 em relação às afirmações dos gnósticos. São três particípios presentes masculinos nominativos no singular, cada um precedido pelo artigo. Como na seção anterior (1.5 – 2.2), estes três, expressam três afirmações gnósticas, porém com alguma diferença, a frase usada anteriormente foi (eán eípômen – “se dissermos”), e aqui temos (ho légôn – “aquele que diz”). Alguns comentaristas cogitam que os particípios usados aqui indicam que a ameaça é mais real do que a expressa pelas orações de terceira classe (eán eípômen – “se dissermos”) em 1.5 – 2.2. Mas se há alguma diferença entre os dois conjuntos de reivindicações, ela provavelmente está na mudança do uso da primeira pessoa do plural (“se nós dissermos...”) em 1.5 – 2.2 e da terceira pessoa do singular (“a aquele que diz...”) aqui. Isso move o segundo grupo de afirmações em 2.4 – 9 um passo mais distante dos leitores da Carta. R. Brown acha que temos aqui declarações que podem ser citações diretas dos gnósticos da época. Certamente, João parece menos disposto aqui, a cogitar a possibilidade de que seus leitores diriam coisas como estas. Do ponto de vista retórico este uso serve para distanciar os destinatários da carta de quem fazia declarações como estas. Marshall vê os pecados aludidos aqui como mais pecados de omissão do que pecados de ação (cf. 1.6), provavelmente devido à ligação com “mandamentos” aqui. Ele pode estar certo, mas este pensamento, assume que os mandamentos mencionados aqui são positivos (como: "amar uns aos outros") ao invés de negativos. O uso do pronome (autón – “Ele”) mais uma vez é ambíguo, e pode se referir a Deus o Pai ou a Jesus Cristo. Concluímos em nossa discussão acima no uso de (autón) em 2.3 que se tratava de uma referência ao Deus Pai, o paralelismo aqui é direto, pois temos o mesmo verbo (égnôka – “eu tenho conhecido”), no mesmo tempo verbal (perfeito), sendo que a referência é a mesma a Deus, o Pai. A pessoa que diz: “eu tenho conhecido a Deus”, e não guarda os mandamentos de Deus, é um mentiroso e a verdade não está em tal indivíduo. Essa afirmação segue o mesmo padrão de 1.06 – 2.2, temos aqui mais uma vez uma afirmação dos gnósticos, seguida de uma avaliação de João. A avaliação é dura e autoexplicativa: ao se dizer que uma pessoa é mentirosa significa também dizer que não se deve acreditar no que ela diz (esta é uma declaração nada sutil e polêmica contra os gnósticos separatistas com sua cristologia falsa). A frase “neste a verdade não está”, encontra luz de outras passagens no Evangelho de João, como 14.6 (onde Jesus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”) e 17.17 (“santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade” – note: “a tua palavra” no versículo seguinte, 1 João 2.5) mais uma vez aponta para a falsidade das alegações dos gnósticos. O pronome demonstrativo (en toútô – “neste” ou “nesta pessoa”) é uma expressão tipicamente joanina, mas a sua colocação no final da cláusula é enfática. 5 Pron. Rel. Nom. MS Conj. Co. Adv. Part. Modal 3ª S Pres. Subj. At. Pron. 3ª Gen. MS Ac. MS aquele que todavia # (supostamente) (ele) guarda dele a palavra Adver. Prep. Dat. Pron. Dem. Dat. MS Nom. FS Gen. MS 3ª S Perf. Ind. Pass. verdadeiramente em este o amor de Deus (ele) tem sido aperfeiçoado Prep. Dat. Pron. Dem. Dat. NS 1ª P Pres. Ind. At. Conj. Sub. Int. Prep. Dat. Pron. 3ª Dat. MS 1ª P Pres. Ind. At. por isto (nós) sabemos que em ele (nós) estamos Agora, João formula uma oração contrastante introduzida por (dé – “mas, todavia, entretanto”). A sua expressão é paralela aos “seus mandamentos” do verso anterior. Este porém se coloca numa posição de obediência a palavra de Deus e tem Seu amor aperfeiçoado nele. Novamente, a obediência supre o cristão com a garantia de estar Nele. A relação entre “a sua palavra” em 2.5 e “os seus mandamentos” no verso anterior (2.4), fazem a função de contraste, parece bastante provável que não haja nenhuma diferença entre as duas. A “Palavra” de Deus faz uma referência às exigências éticas de Deus, e torna obrigatório ao salvo obedecê-la (mas os gnósticos, provavelmente, moralmente indiferentes, não estão preocupados com obediência). A alternância é a mesma encontrada nas palavras de Jesus em João 14.21 e 23 entre “os meus mandamentos” e “minha palavra”, onde as duas frases são intercambiáveis, como estão aqui. Outra alternativa possível, é que o uso de (lógos – palavra) ao invés de (entolé – mandamento) usado anteriormente juntamente com a frase (“neste a verdade não está”) possa fazer um jogo de palavras indicando que João tinha em mente “o Verbo” encarnado do capítulo 1 de seu evangelho. O que daria a entender que aquele que não obedece aos mandamentos de Deus, é porque ainda não conheceu a Jesus Cristo, o Verbo, e, por conseguinte não é salvo, continua com os olhos fechados, não só quanto ao conhecimento de Deus como também impossibilitado de obedecê-Lo. Esse pensamento reforça a ideia de que as obras não salvam, e sim o conhecimento de Cristo, que como resultado leva às obras e assim comprovam que a salvação teve efeito. O uso do genitivo (toû theoû – “de Deus”) em 2.5, é o primeiro de outros 6, a frase (hé ágápe toû theoû – “o amor de Deus”) ocorre em 1 João (2.5, 15; 3.17; 4.9, 12, e 5.3). As possibilidades sintáticas mais prováveis são: a. Genitivo objetivo – “o nosso amor por Deus” (Dodd, Marshall, e Smalley). b. Genitivo Subjetivo – “o amor de Deus por nós” (Westcott, Bultmann, e Houlden). c. Genitivo objetivo e subjetivo (Maximilian Zerwick refere-se a este tipo de genitivo como “Genitivo Geral” e Wallace que usa o termo “Genitivo Pleno”). d. Genitivo Atributivo (Schnackenburg, que considera este como um genitivo de qualidade, denotando o tipo do amor de Deus). O cuidado é necessário porque é improvável que João tenha parado para pensar nas implicações de todas essas possibilidades ao escrever “o amor divino”, mas a frase fica mais harmônica com o contexto se tomarmos um genitivo subjetivo, enfatizando o amor de Deus por nós. Em um paralelo próximo, 1 João 4.12 fala “o amor Dele” ( – he agápe autoû), tendo sido aperfeiçoado em nós. Isto remete para “o amor de Deus” ( – he agápe toû theoû) em 4.9, onde é claro que a frase deve ser subjetiva, porque 4.9 explica a manifestação do amor de Deus como o envio de seu Filho ao mundo – algo que Deus fez em demonstração de Seu amor por nós. 6 Blass-Debrunner’s Standard Reference Grammar vê o perfeito (teteleíôtai – “tem sido aperfeiçoado”) deste verso como um exemplo do uso do pretérito perfeito em afirmações gerais ou exemplos imaginários, um uso bem estabelecido em grego clássico, mas raro no Novo Testamento. O uso aqui é ainda descrito como “futurista”(no sentido de um caso hipotético): “aquele que guarda a sua palavra, verdadeiramente nessa pessoa o amor de Deus será aperfeiçoado...”. A nuance futurista é baseada em uma premissa interpretativa e introduz uma ênfase futurista, no entanto, parece que de fato o objetivo de I João, seja a preocupação com o debate com os gnósticos, e parece estar mais centrada na realidade presente e não numa mera hipótese futura. Para João, a obediência à palavra de Deus (i.e. “aos seus mandamentos” vs. 4) é algo que caracteriza os destinatários fiéis da carta (ao contrário dos gnósticos), e através de sua obediência, o amor de Deus foi aperfeiçoado neles. No Evangelho de João, amor e obediência estão intimamente relacionados, bem como nas palavras de Jesus: “Se você me ama, você obedecerá meus mandamentos” (João 14.15). O passivo aqui indica que o aperfeiçoamento é uma obra de Deus, pelo Espírito Santo, por meio da Palavra, ou seja, é Deus quem salva e é também Ele quem aperfeiçoa o salvo, essa é a perseverança de Deus nos Santos. Podemos notar também que o genitivo subjetivo: “o amor de Deus”, aponta para o fato de que à medida que obedecemos a Deus, vamos sendo aperfeiçoados no amor Dele, ou seja, percebemos não só mais intensamente o amor Dele por nós como também aperfeiçoados neste amor conseguimos amar mais a Deus e aos outros do mesmo modo como Ele nos ama, pois o amor de Deus vindo pela obediência nos torna melhores em amar, tanto a Deus como os outros. O segundo uso de (en toútôi – “por isso”) na oração, seguido de (hoti – “que”) cláusula que dá sequência ao discurso indireto formado após o verbo (ginóskomen – “sabemos”), não há oração subordinada seguindo (en toútôi) para explicá-la. Assim, se encaixa na mesma categoria que o discutido acima em 2.3, e pode referir-se, tanto para o que se segue, quanto para o que a precede. Parece mais provável que a oração remeta à frase anterior, servindo como uma espécie de explicação ao uso em 2.3 e resumindo a réplica de João à primeira alegação dos gnósticos. O que se segue em 2.6 é a segunda afirmação dos gnósticos, e não parece haver nenhuma possibilidade de relacionar quem tem o conhecimento de Deus e o amor aperfeiçoado nele com ela. O final da frase, (en autôi – “nele”), está diretamente relacionado com a palavra (ménein – “habita”) na segunda alegação dos gnósticos, que segue em 2.6. Quanto questão, se (autôi) está se referindo a Deus, o Pai ou a Jesus Cristo, a frase no versículo seguinte parece ser esclarecedora, e indica referência a Deus, o Pai, já que em I João há uma ligação consistente do pronome (autón) com Deus, o Pai, e (ekeînos) com Jesus Cristo. Isto implica que a referência posterior em 2.6 é a Deus Pai, assim como aqui em 2.5. Assim, temos consistentemente interpretado todas as referências não especificadas dos pronomes de terceira pessoa entre 2.3 – 6 como se referindo a Deus o Pai. A frase elaborada na Primeira pessoa do plural aponta para o fato de que a medida de nossa obediência a Deus é também a confirmação para nós mesmos de nossa salvação. Ou seja, a obediência aos mandamentos de Deus, não só nos leva a intimidade com Ele, como também é testemunha dessa intimidade para nós mesmos e para os que vivem a nossa volta. 7 Ptc. Pres. At. Nom. MS Prep. Dat. Pron. 3ª Dat. MS Pres. Inf. At. aquele que fala em ele permanecer 3ª S Pres. Ind. At. Conj. Sub. Conf. Pron. Dem. Nom. MS 3ª S 1º Aor. Ind. At. (ele) deve conforme aquele (ele) andou [ ] Adv. Pron. Nom. MS Adv. Pres. Inf. At também ti mesmo desta forma (desta maneira) andar Este versículo contém a segunda das três reivindicações dos gnósticos que está expressa pela frase: (“aquele que diz...”). Eles afirmam permanecer em Deus, mas João afirma que a pessoa que faz tal afirmação, “deve... andar” (ou seja: comportar-se), assim como Jesus andou durante sua vida terrena e ministério. Jesus define o padrão e exemplo de comportamento para o cristão. O significado da frase (en autôi ménein – “ele pernanece\habita nele, traduzido como “ele habita em Deus” na NET Bible). Esta é a primeira ocorrência em 1 João do verbo (ménein – “morar, permanecer, ficar”), que é usado num total de 24 vezes na carta. Destes, 14 referem-se a permanência da relação entre Deus e o salvo (2.6, 3.24, 4.12 – 13, 15 – 16), entre Jesus e o crente (2.27 – 28, 3.6), ou ambos, Deus e Jesus com o crente (2.24). Dos 10 casos restantes, 5 referem-se a outras realidades que residem no crente: a palavra de Deus (2.14), a mensagem ouvida desde o início (2.24), a unção (2.27), e a semente de Deus (3.9). Mais dois se referem a realidades que não residem nos adversários: a vida eterna (3.15) e o amor de Deus (3.17). Os três últimos casos são mais variados: aquele que ama seu irmão reside na luz (2.10), aquele que não ama reside na morte (3.14), e aquele que reside no amor (4.16) reside em Deus. Este primeiro grupo de usos, referindo-se a permanência da relação entre Deus e o crente, Jesus e o crente, ou ambos, Deus e Jesus com o crente, são semelhantes ao conceito Paulino (en Cristôi – “em Cristo”). Como E. Malatesta aponta, nas cartas joaninas a frase (ménein em – “residir na”) é essencialmente equivalente a (einái en – “ser em”), e referem-se a relação recíproca da habitação divina do crente por um lado, e a relação “posicional” do crente em Deus ou em Cristo, do outro. O uso aqui em 2.6 se encaixa nesta categoria. O verbo grego (ménein) é comumente traduzido em português contemporâneo por “permanecer” ou “habitar”, mas ambas as traduções têm alguns problemas. Em alguns círculos, “habitar” tornou-se quase um termo técnico para uma espécie de comunhão íntima especial ou estreita relação entre o cristão e Deus, para que se possa falar de cristãos que são “cumpridores” e os que não são. Na medida em que a palavra “obedecer” indica um relacionamento íntimo (e permanente) entre o crente e Deus, não é impreciso, mas deve ser lembrado que, para o autor do Evangelho de João e das cartas joaninas, cada cristão genuíno tem este tipo de relacionamento com Deus, e a pessoa que não tem esse tipo de relacionamento não é um crente (mesmo que assim se proclame). Por outro lado, ao traduzir (ménein) como “permanecer” remove-se alguns destes problemas, mas cria outros: em certos contextos, essa tradução pode dar a impressão de que aqueles que atualmente “permanecer” neste relacionamento com Deus pode em algum momento optar por não “permanecer”, ou seja, pode optar por abandonar a sua fé e retornar a uma condição de não salvo. Embora se possa facilmente pensar em termos dos gnósticos que eles não “permaneceram” (como muitos intérpretes fazem), mas João torna inevitavelmente claro em 1 João 2.19 que estas pessoas, apesar de suas reivindicações de conhecer a Deus e estar em comunhão com Deus, nunca realmente foram crentes genuínos, ou seja, eles próprios nunca “permaneceram”, nem foram “habitados por Deus”. (ekeînos – literalmente “aquele” traduzido pela NET Bible como “Jesus”) em 2.6. Parece claro que (ekeînos) aqui não se refere à mesma pessoa que (autôi) em 2.6a. Discutimos em 2.3 acima que a referência do pronome da terceira pessoa lá (como em 2.4 – 5) é a Deus Pai, em vez de Jesus Cristo. E que isto também seria verdade para (autôi) em 2.6a. A mudança para (ekeînos) indica uma mudança quanto a pessoa, ou seja, uma referência a Jesus Cristo, o que é confirmado pelo verbo 8 (periepátesen – “andou”), uma atividade que só pode descrever a vida terrena e o ministério de Jesus, e este é um dos pontos de discórdia que João tem com os gnósticos. De fato, (ekeînos) ocorre 6 vezes em 1 João (2.6, 3.3, 5, 7, 16 e 4.7), e verifica-se que cada uma delas se refere a Jesus Cristo. A exigência ética implicita em 2.6, está no fato de que para João, não é suficiente alguém declarar que permanece em Deus. Tal afirmação (presumivelmente sendo feita aqui pelos gnósticos) traz consigo um requisito implícito ético, é preciso conduzir-se da mesma maneira que Jesus em sua vida terrena e seu ministério (“deve-se andar como Jesus andou”). O verbo no Presente mais o Infinitivo ... (ofeílei ... peripateîn – “deve... andar”) é uma metáfora comum para a conduta (que foi usada desta mesma forma anteriormente em 1.6 – 7). O comportamento e conduta do Jesus histórico é apresentado aqui como um modelo para os crentes imitarem, e isto pressupõe que os leitores desta carta tinham algumas informações sobre a vida terrena de Jesus e seu ministério para basear a sua imitação Dele. É razoável supor que a principal fonte de tal conhecimento seria o Evangelho de João (ou a tradição por trás dele), embora isto não exclua a possibilidade de conhecimento sobre a vida e ministério de Jesus a partir de outras fontes também. Esta chamada para os crentes para basear o seu comportamento no exemplo de Jesus vai ser repetida e ampliada em I João 3.16. Finalmente, à luz da terminologia “residir”, que remete para a relação recíproca da residência divina no crente por um lado, e o “relacionamento” posicional do crente em Deus ou em Cristo, do outro – um relacionamento que todos os verdadeiros cristãos possuem – a obrigação de conduzir-se da maneira que Jesus fez é igualmente imposta a todos os verdadeiros cristãos, não é uma opção para os cristãos não seguir o exemplo de Jesus. Podemos presumir, no entanto, que esta é uma parte importante da culpa que João atribui aos gnósticos – embora afirmando que “residem” em Deus, eles não estão seguindo o exemplo de Jesus em sua conduta. Em uma de suas pregações Francis Chan faz as seguintes perguntas que estão fortemente relacionadas com as questões vistas aqui em I João: Você realmente gosta de Jesus Então você não gostaria de ser exatamente como Eleô Você admira sua humildade Mas você quer realmente ser tão humilde assim? Você acha que é bonito que o Filho de Deus se ajoelhe e lave os pés de seus discípulo Mas esse é realmente o objetivo de sua vida? É nessa direção de servidão que você dirige a sua vida? Você é grato porque cuspiram e abusaram de Jesus, e Ele aceitou isso. Mas você aceitaria que algo assim acontecesse com você? Você ama o fato dele ter negado os direitos Dele. Mas, você passará sua vida inteira defendendo e lutando pelos seus, você abriria mão de seus direitos por Ele? Você o louva, canta canções para Ele, o ama, porque Ele te amou tanto que sofreu durante todo o tempo em que esteve na terra, pelo seu bem. Mas você fará questão de se divertir enquanto estiver por aqui, e fará tudo o que for preciso pela sua felicidade. Em resumo, você pensa que Jesus é um grande salvador. 2 Mas, não um grande modelo a ser seguido... 2 Francis Chan – http://www.youtube.com/watch?v=AhRswm124qE. 9