1 EM BUSCA DA CONSAGRAÇÃO ARTÍSTICA: ESTRATÉGIAS DE

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V ENCON TRO DE PE SQUI SADORE S EM COMUNICAÇÃO E MÚ SICA POPULAR
Territórios e fronteiras da música mediática
29 a 31 de agosto de 2013 – Centur, Belém-PA
EM BUSCA DA CONSAGRAÇÃO ARTÍSTICA: ESTRATÉGIAS DE MÚSICOS
INDEPENDENTES NO SITE MYSPACE
Liliane de Lucena ITO1
Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru, SP)
Grupo 5 – Mídia, Música e Convergência Tecnológica
Resumo
Diante das novas tecnologias de comunicação e informação, músicos independentes podem,
hoje, tanto produzir quanto disseminar suas produções de maneira mais democrática, sem ter
que necessariamente estar vinculados à indústria fonográfica. Vivemos numa fase de
convergência midiática e cultural e, cientes de que o consumo de música também mudou, tais
artistas buscam no ambiente do site MySpace um canal gratuito e acessível de divulgação de
seu trabalho, sob a expectativa de um alcance nacional (ou global) e de repercussões que
ultrapassem limites geográficos, financeiros e mercadológicos. Este artigo expõe os
apontamentos principais da dissertação de mestrado da autora e atualiza aspectos referentes ao
site MySpace (objeto de pesquisa), uma vez que em junho de 2013 houve uma reformulação
profunda em seu funcionamento, entretanto, com a preservação de algumas de suas
características essenciais.
Palavras-chave: MySpace, músicos independentes, intermediários culturais, música digital
O MySpace como um subcampo de consagração artística
Bourdieu (2008) considera que a sociedade é permeada por diversos campos e cada
um deles possui sua natureza própria de funcionamento, com regras e leis que lhe são válidas.
Para o autor, no caso do campo cultural, a consagração artística estaria atrelada a lutas
constantes pelo poder entre aqueles que buscam o reconhecimento.
A figura do intermediário cultural, nesse contexto, se coloca como fundamental nos
processos de legitimação artística. É ela quem atesta o valor de uma obra ou artista e pode ser
relacionada a profissionais como produtores musicais, editores especializados, críticos de
música e, atualmente, até mesmo blogueiros formadores de opinião. Isto porque é preciso
lembrar que, mesmo sem vislumbrar a fase mundialmente conectada e de convergência
cultural e midiática que se testemunha hoje, Bourdieu já atentava para o fato de que a
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Mestra em Comunicação Midiática pela Unesp-Bauru. E-mail: [email protected]
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atribuição de valor está totalmente ligada ao funcionamento de cada campo e, desta forma, é
passível de atualizações, como a figura dos intermediários culturais em cada época:
(...) o que faz as reputações não é (...) a “influência” de fulano ou sicrano, esta ou
aquela instituição, revista, publicação semanal, academia, cenáculo, marchand,
editor, nem sequer o conjunto do que, às vezes, se chama de “personalidades do
mundo das artes e das letras”, mas o campo da produção como sistema das relações
objetivas entre esses agentes ou instituições e espaço das lutas pelo monopólio do
poder de consagração em que, continuamente, se engendram o valor das obras e a
crença neste valor (BORDIEU, 2008, p. 25)
Sendo assim, o poder de um determinado agente seria algo mutável, dinâmico, como
um crédito temporário a ele atribuído e pelo qual ele também necessita lutar constantemente.
Para isso, ele precisa conhecer e obedecer às regras implícitas no campo onde atua.
Ao salientar as diferenças entre os campos artísticos de alta cultura e o da indústria
cultural, Bourdieu lembra que, assim como o público consumidor é díspar em ambos os
casos, o intermediário cultural também o é, sendo que no campo de produção cultural popular
o que vale é o reconhecimento do grande público: a demanda “é externa, social e
culturalmente inferior” (BOURDIEU, 2008, p. 151).
Atualmente, tanto as mídias tradicionais, unidirecionais e passivas, quanto as
contemporâneas, colaborativas e interativas, coexistem, conversam e, em alguns momentos,
colidem. Estamos inseridos em um momento de transformação, onde novos sistemas de
distribuição tendem a interagir com antigos de maneiras cada vez mais complexas. Este é um
dos pontos da chamada convergência midiática. Entretanto, a convergência não está
circunscrita à relação entre mídias velhas e atuais. Jenkins (2008), salienta que este é um
fenômeno de dimensão muito maior do que o puramente tecnológico, uma vez que acontece
na mentalidade de cada pessoa e também em interações sociais com outros indivíduos.
Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes
midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento
migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte
em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma
palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais
e sociais (...) (JENKINS, 2008, p. 27)
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Para o autor, a convergência de mídia implica em mudanças tanto na forma de
produzir quanto na forma de consumir informação.
Na cibercultura, a ação de internautas participativos tem tornado evidente que a voz
ativa proporcionada e amplificada pelas novas tecnologias e pela sociedade em rede pode se
transformar em um poderoso intermediário cultural. Sem face, sem assinatura, sem contrato,
sem pagamento formal, mas que, em uníssono, representa um agente cultural tão importante
(ou até mais) do que aqueles que por muito tempo detiveram o poder de disseminar seus
escolhidos (como majors e suas apostas: bandas, músicos, melodias, composições). Com o
diferencial de, agora, esta intermediação cultural estar na atribuição de valor oriunda de
coletivos com afinidades e informações em comum.
Parte-se, então, do pressuposto de que, na atualidade, a figura do intermediário cultural
se amplia para os coletivos colaborativos em rede na internet. Exemplos de artistas outrora
independentes que souberam conquistar um fandom (coletivo de fãs) apaixonado existem no
Brasil e no exterior. É a partir da popularidade gerada por esse fandom que o interesse da
mídia inicia o ciclo de consagração artística e abre o caminho para que o artista independente
ganhe ainda mais visibilidade, inclusive fora dos terrenos virtuais.
No Brasil, dois casos emblemáticos de artistas outrora independentes que alcançaram a
legitimação popular a ponto de se lançarem comercialmente no mercado fonográfico são o da
cantora Mallu Magalhães e o da banda Restart. Em comum, eles têm o fato de iniciarem suas
divulgações no site MySpace. Este, por sua vez, traz em seu funcionamento protocolos únicos
que atestam a aceitação de seus usuários diante do que é nele veiculado – e, sendo assim,
defende-se que o site pode ser considerado um subcampo de consagração musical.
Mallu e Restart: do MySpace para o mainstream
É importante ressaltar que a versão analisada do MySpace neste estudo é anterior à
mais atual (que entrou em vigor em 11 de junho de 2013 no mundo todo). Entretanto, certas
características se mantiveram, como a possibilidade de um artista independente competir por
audições e ganhar posições no ranking interno do site, além da manutenção do mesmo como
rede social.
Foram eliminados da versão anterior opções como blogs pessoais, fotologs e games. O
layout foi inteiramente reformulado e explora muito mais as imagens do que antes. Houve
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uma simplificação no sistema de busca (basta digitar algo na tela e automaticamente o sistema
procura termos relacionados ao conteúdo). Incluiu-se um player em que facilmente é possível
fazer uma conexão com uma música ou artista, bem como tecer comentários a respeito e se
conectar a outros usuários que gostem do mesmo som.
Entretanto, apesar das dramáticas reformulações de layout e de sistema (que, sem
dúvida alguma, melhoraram a navegação e a usabilidade do site que, agora, se assemelha a
uma rádio customizada on-line), o que interessa a esta pesquisa é voltar as atenções ao
rankeamento de artistas cadastrados no MySpace. Adiante, serão expostas as principais
modificações observadas neste novo ambiente mas, agora, será evidenciado como o ranking
do MySpace pode ser especialmente interessante a artistas independentes que buscam a
consagração artística popular e comercial.
Basicamente, há dois tipos de perfis no MySpace (de usuários não-músicos e usuários
músicos). A característica que os distingue é o player de canções. É por meio dele que o
artista disponibiliza o áudio de suas faixas a serem ouvidas via streaming. Não é preciso ter
nenhum pré-requisito para criar um cadastro no MySpace, nem pagar qualquer taxa.
A gratuidade da plataforma, que permite ao usuário músico disponibilizar várias faixas
de autoria própria, além de itens como agenda de shows, fotos e vídeos, tornou o site uma boa
opção para artistas independentes. É possível customizar alguns itens das páginas pessoais e,
portanto, até mesmo a identidade visual pode ser ali mostrada.
Há a sincronização com redes sociais, como Twitter, Facebook e YouTube e, portanto,
o que é colocado no MySpace tem chances de transitar em outros canais de mídia, seja via o
próprio autor como também por meio de compartilhamentos de seus ouvintes/espectadores.
Existe um ranking interno do site que coloca os artistas mais acessados/ouvidos em
destaque. Essa parada do MySpace considera artistas por categorias e são determinadas
através de um algoritmo que leva em consideração dois fatores: acessos ao perfil e streams
(plays das músicas que estão no player do artista) durante as últimas 24 horas. “Logo, para
um artista subir nas paradas, ele precisa promover seu perfil entre seus fãs e colocar o maior
número de hits de autoria própria no player, pois quanto mais músicas o artista disponibiliza
no seu perfil, maiores são as chances dele em acumular plays (streams)”, explica Marcelo
Cataldi, diretor geral de publicidade da .FOX, empresa que administra o MySpace no Brasil 2.
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Em entrevista a esta pesquisa feita por e-mail em janeiro de 2011.
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As paradas diárias, no layout analisado, eram subdivididas em gênero e mostravam a
porcentagem de crescimento de popularidade nas últimas 24 horas. Os gêneros eram: hip-hop,
rock, pop, alternativa, country, indie, rap, R&B, metal, punk, hardcore, eletrônica, techno,
reggae, latino, jazz, rock clássico, blues, folclórica, gospel e progressivo. Os nove artistas que
mais se destacavam apareciam no topo do ranking, com links para suas páginas no MySpace.
Era possível filtrar os dados por país e também por “tipo” de artista: os que tinham
contrato com gravadoras (principais), os que tinham álbuns lançados por selos ou estúdios
pequenos (indie) e os que ainda não possuíam nenhum tipo de assinatura de contrato (nãoassinado). Além do ranking de artistas, havia também o de músicas e o de vídeos.
Assim, obviamente, artistas que conseguiam um bom volume de audições e visitações
de suas páginas automaticamente subiam na parada e passavam a obter mais atenção do
público. Em consequência, mais e mais usuários entravam em contato com suas músicas.
Este foi o caso da banda Restart que iniciou a carreira com shows de pequeno porte em
colégios e matinês na cidade de São Paulo. Após gravarem quatro canções em estúdio, de
maneira independente, as faixas foram disponibilizadas no MySpace da banda, que já nasceu
com identidade visual, idealizada por um dos integrantes com conhecimentos de design
gráfico. Quem visitava o site encontrava, então, um grupo praticamente “completo”, com
logotipo, perfil dos integrantes, canções, contato:
Dessa vez, lembra o Pe Lu, “a gente já começou o nosso trabalho com planejamento.
Marcamos o primeiro show da banda na Tribe House para um mês depois do
lançamento na internet, para dar tempo de divulgar, a galera ouvir, conhecer e, quem
sabe, ir até o show para nos conhecer”. O MySpace era, na época, o único site que
os meninos podiam ter sem precisar pagar domínio ou contratar um programador. O
Koba começou a estudar o funcionamento do MySpace e desenhou a página da
Restart. Eles fizeram uma primeira sessão de fotos experimentais com uma amiga
que estava começando a fotografar (...) (GIGLIOTTI, 2011, p. 43).
A postagem das músicas aconteceu no dia cinco de agosto de 2008. Uma semana
depois, o MySpace da Restart já alcançava os 10 mil plays, número impressionante para tão
pouco tempo no site. Graças à divulgação dos garotos entre seu público já cativo dos
primeiros shows paulistanos, o link da banda foi ganhando popularidade na rede mundial de
computadores inclusive entre usuários que até então nunca haviam ouvido falar da Restart. No
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final daquela semana, a banda ficou em primeiro lugar no Top 10 Brasil do MySpace e
chegou a figurar na 36ª posição mundial.
Figura 1. A parada diária do MySpace no modelo analisado: baseada em quantidade de acessos aos
sites e o número de plays que cada artista consegue nas últimas 24 horas
Para se manter popular no MySpace, a Restart contou com a ajuda de um coletivo de
adolescentes apaixonado pela banda. Cientes do poder de seu fandom, todos os integrantes
mantêm, até hoje, perfis atualizados e conversam com os fãs de maneira próxima. Sempre que
possível, dão feedback a petições (como pedidos por shows em determinadas cidades) e
alimentam os fãs de conteúdo novo (profissional e pessoal) constantemente.
Assim, sempre nas primeiras posições do ranking, a Restart chamou a atenção de um
produtor musical influente da indústria fonográfica. Por meio de uma amiga, funcionária da
EMI Music Brasil, o MySpace da banda foi apresentado a Marcos Maynard, veterano do meio
e ex-presidente de gravadoras como Sony, EMI, Abril Music e Polygram. Impressionado, ele
decidiu assistir a um show dos garotos em São Paulo. Constatado o sucesso também na
apresentação ao vivo, o empresário decidiu apostar as fichas no grupo que, hoje, tem mais de
500 produtos licenciados com sua marca, além de disco de platina e várias premiações
conquistadas por votação popular.
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Foi também por meio do MySpace que a cantora Mallu Magalhães passou a ser
conhecida junto ao público. A diferença, em relação à Restart, é que o link para o perfil de
Mallu circulou inicialmente entre um público de nicho e passou a ser pauta de blogs
especializados, como o Don’t Touch My Moleskine (donttouchmymoleskine.com) e o Vitrola
(vitrola.blogspot.com).
A opinião de blogueiros sobre as quatro canções postadas no MySpace de Mallu eram,
geralmente, nitidamente divididas entre aqueles que entendiam a garota como uma meninaprodígio e os que a consideravam uma farsa. Mallu, na época com 15 anos, ganhara de
presente de aniversário do pai um valor em dinheiro para gravar quatro canções de sua autoria
em estúdio. Depois de postar as faixas no MySpace, as músicas ficaram conhecidas primeiro
no círculo de amigos da estudante e, depois, com a ajuda de um amigo influente, o perfil de
Mallu passou a ganhar visibilidade e galgar posições no ranking.
O amigo influente, na verdade seu melhor amigo na época, era Mané, apelido de
Manoel Brasil Orlandi, então com 18 anos, neto de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o
Boni, ex-executivo da Rede Globo.
Mané já havia agenciado algumas bandas anteriormente, mas a ação com Mallu foi
realizada apenas na base da amizade, sem a pretensão de assinatura de contratos, acordos ou
pagamento em dinheiro. Mané se considerava, no caso de Mallu, um “facilitador”.
O “facilitador”, entretanto, foi de grande ajuda para Mallu. Todo artista popular em
início de carreira sabe que a maior dificuldade é tornar sua obra conhecida entre um mundo de
concorrentes, modismos e diante de uma mídia que acha mais seguro apostar sempre nos
mesmos tipos de artista – os de hits.
Entretanto, a sorte também esteve ao lado da garota, uma vez que foi ao acaso que
Mané conseguiu mostrar suas músicas para um contato que traria uma boa exposição do som
da cantora. Mané foi ao Tim Festival, como espectador, e na ocasião, em determinado
momento, o “facilitador” pôde contar a Rafael Rossatto Bifi, ex-guitarrista da banda Bidê ou
Balde e publicitário responsável por encontrar novos talentos musicais para publicidades
diversas, sobre os talentos de Mallu.
Dias depois, Rossato recebeu o link do MySpace de Mallu por e-mail, gostou, e
ofereceu a oportunidade da música J1 ter o clipe financiado pela marca Levi’s . Proposta
aceita, a mesma música seria depois vendida para a marca Vivo, que a exibiu em um dos seus
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comerciais de telefonia móvel. A Vivo também adquiriu os direitos da canção Tchubaruba e a
veiculou em outro comercial. Com o valor obtido na transação (que também fora
intermediada por Rossato) foi possível financiar a gravação do primeiro CD independente de
Mallu Magalhães.
Antes da gravação do CD, vieram as participações em shows. Seu début nos palcos foi
ao abrir o show da banda indie Vanguart, de quem Mallu é fã. Ao lado da banda Something
Blue, a garota de ar tímido e que costumava, até então, tocar sem um repertório fixo definido,
foi criando um público seu, interessado em sua persona intrigante: aos 15, consumidora e
produtora de uma cultura bastante diferente da que a maior parte dos adolescentes consome e
produz, vestida com figurinos folk e divulgando sua obra gratuitamente na internet.
Reflexões
Tais casos observados levam a crer que, atualmente, não é primordial haver a figura de
um intermediário cultural tradicional no processo de consagração artística. Artistas
independentes possuem um canal de divulgação que, por possuir um sistema de ranking
específico e desvinculado de gravadoras, denota a aceitação popular de seu trabalho. A
visibilidade alcançada no MySpace é a melhor propaganda e traz consigo a vantagem de atrair
ainda mais ouvintes/espectadores interessados em descobrir um novo artista ou canção.
Comparando-se à fase do mercado de hits exposto por Anderson (2006), a etapa atual
é muito mais democrática a artistas independentes em nível mundial. O autor denomina o
cenário contemporâneo como a economia da abundância, onde não há mais “gargalos” entre
produtores e consumidores. Com a enorme variedade oferecida ao público, transforma-se não
só o consumo, mas também a cultura. Não são mais apenas os hits que imperam: há a
possibilidade de se apostar em nichos, e o mercado interessado nesses nichos pode ser tão
interessante quanto o mercado dos hits.
O autor coloca o termo “cauda longa” para designar exatamente o ponto numa curva
de consumo onde não há intermediários entre quem oferece um produto e quem o consome.
Para Anderson, o crescimento do comércio de música digital também é interessante
para a indústria fonográfica. A não necessidade de se comprar um CD inteiro é positiva tanto
para o consumidor quanto para as empresas, que não precisam mais dispor de armazenamento
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físico de grande parte do acervo. A margem, na música digital, aumenta, já que esse tipo de
custo não existe. Por isso, é possível encontrar nichos tão variáveis na música, hoje.
Para o músico, a cauda longa abre portas. Se antes era uma barreira ter seu trabalho
chancelado por uma gravadora e distribuído em grandes redes de varejo, hoje ele pode se
lançar no MySpace. E, além disso, grandes lojas virtuais de música não apostam só nos
sucessos de venda, pois sua capacidade de arquivamento não é limitado por questões de
localidade e espaço físico.
Esses novos negócios com espaço infinito nas prateleiras efetivamente aprenderam
as lições da nova matemática: um número muitíssimo grande (os produtos que se
situam na Cauda Longa) multiplicado por um número relativamente pequeno (os
volumes de vendas de cada um) ainda é igual a um número muito grande. E, ainda
mais uma vez, esse número muitíssimo grande está ficando cada vez maior
(ANDERSON, 2006, p. 23).
A abundância de nichos também é um fator que precisa ser levado em conta ao se
analisar os números de queda da indústria fonográfica. Com uma oferta muito mais variada de
música, as pessoas consomem mais (digitalmente) e não estão mais presas àquilo que é
oferecido massivamente pelas majors.
Com uma base de fãs ativa e números que atestem sua popularidade, a consagração,
traduzida em rankings de popularidade, ultrapassa o campo da web e chega a outros campos,
como o da música não-digital. São vários os exemplos (nacionais e internacionais) de artistas
que tiveram seu impulso inicial na rede mundial de computadores mas que, hoje, realizam
shows, vendem CDs e, até mesmo, conseguiram assinar contratos interessantes com grandes
gravadoras. Suhr (2009) lembra que a questão da popularidade virtual é crucial para o acesso
de bandas não-consagradas a níveis mais elevados de legitimação artística no caso específico
do MySpace:
A popularidade pode ser caprichosa e inconstante, no entanto, é importante
reconhecer que a questão principal não é necessariamente indivíduos específicos
sendo marcados. Em vez disso, no caso de artistas desconhecidos se tornando
populares, o que parece ser mais importante é aumentar o número de pessoas que
apoiam a música do artista ainda desconhecido. Só depois de isso acontecer é que a
grande mídia intervém para ampliar a popularidade através do mainstream (SUHR,
2009, p. 193)
A proximidade muito maior entre artista e consumidor de música faz repensar a ideia
de Canclini (2005) quando este argumenta que, apesar de sermos consumidores do século 21,
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permanecemos como cidadãos do século 18 porque o consumo dos bens simbólicos e
tecnológicos, entre outros, por si só, não traz a possibilidade de interferir na cadeia de
produção destes bens, que fica, novamente, centrada nas elites. Como a produção
independente no MySpace requer contato constante entre produtor e consumidor, existe
também o movimento de críticas e sugestões vindas de quem escuta as canções e muitos
artistas em começo de carreira observam atentamente tais manifestações, a ponto, em alguns
casos, de repensar estratégias e até mesmo direcionar suas produções de outra maneira.
Castells (2009) atenta para a necessidade de se analisar as relações ocorridas em rede
justamente por esta, hoje, ser o palco de lutas importantes, muitas vezes sociais:
As fontes de poder social no nosso mundo – violência e discurso, coação e
persuasão, dominação política e quadro cultural – não mudaram fundamentalmente
desde nossa experiência histórica, como têm teorizado alguns dos principais
pensadores do poder. Mas o terreno em que operam as relações de poder tem se
transformado de duas maneiras principais: está sendo construído ao redor da
articulação entre o global e o local e está organizado principalmente nas redes, não
em unidades individuais. Posto que as redes são múltiplas, as relações de poder são
específicas de cada rede (CASTELLS, 2009, p. 81) .
Assim, no caso das redes sociais como o MySpace e de ações coletivas em prol de um
artista (muitas vezes sem mesmo existir a intencionalidade por trás das mesmas), o volume de
aceitação popular resulta no poder de estar no topo do ranking e atrair a atenção de outras
instâncias, como a mídia e a própria indústria fonográfica.
O novo MySpace: descubra sua vizinhança
Em 2004, o MySpace era a rede social com mais usuários no mundo. Com o
diferencial de ter nascido como um reduto de bandas e músicos, o site sempre teve como
característica principal conectar usuários comuns e usuários artistas (como atores,
comediantes, apresentadores de tevê, mas, principalmente, músicos e bandas). Entretanto,
outras redes sociais foram surgindo e ganhando usuários, deixando o site para trás.
Um dos principais problemas do MySpace estava no sistema, muito pesado e que, por
vezes, se tornava lento demais. Assim, durante alguns anos, o site acabou se tornando
interessante para músicos e bandas divulgarem gratuitamente seu trabalho, mas não para
usuários comuns, interessados em rapidez, simplicidade, publicação de fotos e
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compartilhamento de conteúdo. Com a perda de usuários e o avanço de redes sociais como
Orkut e Facebook, cortes foram realizados e demissões em massa no mundo todo alardeavam
para um possível fim do MySpace.
Em junho de 2011, entretanto, o site foi vendido por 35 milhões de dólares à empresa
Specific Media e ao cantor Justin Timberlake. A nova administração foi responsável por
realizar vários testes na rede social até chegar à formatação de sua nova versão, oficialmente
lançada em 11 de junho de 2013. Para o lançamento, foi anunciada uma campanha de
marketing milionária3, além de aplicativo mobile, rádios streaming gratuitas e inclusão de
perfis de profissionais de outras áreas, como fotógrafos, modelos, designers e dançarinos. A
frase de apoio da homepage é clara quanto ao intuito de se tornar uma rede social mais ampla
em comparação ao modelo anterior: “Bem-vindo à vizinhança. Descubra, compartilhe e
conecte-se com cultura, criatividade, som, imagens e pessoas”4.
Em uma análise inicial, foi possível notar que o ranking não possui mais uma
separação em abas do site (que, aliás, não tem mais o sistema de abas – todo o conteúdo é
exposto horizontalmente, com rolagem também horizontal). Houve o enxugamento nítido de
gêneros musicais (antes eram 21, como exposto anteriormente. Agora, são 15: pop, rap, rock,
country, latina, R&B, eletrônica, alternativa/indie rock, heavy metal, reggae, blues, religiosa,
jazz, clássica, folk).
Apesar de não existir em uma página separada, o ranking está presente na
apresentação dos artistas. Quando o usuário clica no link “Discover” e, em seguida, em
“Music”, ele pode ainda escolher entre músicas, álbuns ou artistas. Para cada uma dessas
escolhas, é possível filtrar por gêneros e por “Músicas de Alta Rotação”, ou seja, populares
em número de audições; e “Músicas Recomendadas” pelo MySpace. Ainda não foi possível
compreender totalmente como funciona a seleção mostrada neste último caso, mas as músicas
de alta rotação são aquelas que mais se destacam (em termos de audições) na parada do dia,
em nível mundial.
3
O valor da campanha é alto: 20 milhões de dólares. Fonte:
<http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/myspace-renasce-e-lanca-campanha-milionaria>. Acesso em
18/6/13
4
Tradução livre para: “Welcome to the neighborhood. Discover, share and connect with culture, creativity,
sound, images and people.”
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Figura 2. O novo MySpace traz imagens maiores e a navegação é horizontal. Não existe link para o
ranking, como no modelo anterior, mas é possível filtrar por gênero e músicas de alta rotação e músicas
recomendadas. As de “alta rotação” são as que possuem mais audições, um sinal de que o rankeamento
continua presente no ambiente do site
Assim, artistas independentes ainda têm a chance de serem descobertos por usuários
do site mas, ao que tudo indica, apesar do aparente avanço no sistema e layout do MySpace,
ficará muito mais difícil se manter em evidência por conta da ausência dos filtros anteriores.
Um artista sem assinatura de contrato precisará competir por audições em peso de igualdade
com aqueles que já pertencem à indústria fonográfica, tornando não impossível, mas muito
mais árduo o caminho rumo à legitimação comercial nos moldes de casos como o de Mallu
Magalhães e Restart.
Entretanto, no momento, é arriscado traçar conclusões sobre o funcionamento do novo
MySpace, uma vez que isso depende de pesquisa exploratória e posterior observação
participante. Assim, um novo estudo netnográfico, capaz de apreender o funcionamento do
novo MySpace, parece essencial para que possa haver uma análise aprofundada desta nova
versão.
Considerações
Os casos apresentados neste artigo, de Mallu Magalhães e da banda Restart,
evidenciam que o MySpace é um ambiente utilizado por artistas independentes com o
objetivo de divulgar seu trabalho. Até a recente atualização do site, era nítido perceber
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músicos sem assinatura com gravadoras tentando competir por visibilidade neste que parece
ser um subcampo de legitimação artística popular.
O campo da música e todas as suas instâncias – músicos, produtores, selos,
gravadoras, mídia especializada, público – foi sendo cada vez mais afetado pelas novas
tecnologias de produção (como o advento da música digital) e de distribuição (como o
compartilhamento P2P, o streaming e a venda digital customizada). Assim, o MySpace se
encontra inserido neste cenário contemporâneo de consagração artística e, por ser um
ambiente em que ocorrem situações únicas (as audições, o rankeamento, o contato direto com
os fãs) e que denotam sentido não só dentro dele (pois o valor visto no volume de audições é
também válido em outros ambientes), o site apresenta características de um subcampo de
legitimação, conforme a concepção de Bourdieu (2008).
O sistema de ranking, a possibilidade de compartilhamento de informações e,
principalmente, de faixas musicais, a conexão a outros canais de mídia são alguns dos
exemplos de que, dentro do site, há ferramentas disponíveis para que um artista busque se
destacar em meio à multidão de outros artistas com o mesmo intuito: serem reconhecidos.
Como a visibilidade vem do coletivo e não do individual – e é exatamente por isso que
o campo da música digital na internet pertence ao campo da cultura popular e não ao da alta
cultura – cada artista precisa provocar ações que gerem a ele popularidade. Isso é conseguido,
principalmente, com a conquista de uma base de fãs participativa, colaborativa, disposta a
trabalhar gratuitamente a favor de seu ídolo. É o caso da Restart e suas milhares de fãs
adolescentes que, unidas, consagram a banda em votações, prêmios e em redes sociais, como
as diversas vezes em que o grupo aparece nos Trending Topics do Twitter.
A base de fãs, com seus movimentos sobre e para o artista na internet, pode ser
entendida como uma nova configuração dos chamados intermediários culturais, uma vez que,
a partir dela, são gerados índices que atestam o interesse popular na obra artística. Esses
índices, nos dois casos estudados, estão no volume de informação trocada na internet sobre o
artista: enquanto a garota Mallu aguçou o olhar dos editores de cadernos culturais com suas
quatro canções postadas no MySpace que impressionaram meia dúzia de formadores de
opinião (e que culminaram, por sua vez, em acaloradas discussões em blogs), a Restart
conseguia extrair dos fãs de seus primeiros shows na capital paulista a mesma dedicação online, espalhando, assim, o link do MySpace para mais e mais internautas, o que gerou
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V ENCON TRO DE PE SQUI SADORE S EM COMUNICAÇÃO E MÚ SICA POPULAR
Territórios e fronteiras da música mediática
29 a 31 de agosto de 2013 – Centur, Belém-PA
posições cada vez melhores na parada geral do site. Os fãs participativos, seriam, então,
intermediários culturais alternativos, cujos interesses são completamente distintos dos
sustentados pelos intermediários culturais tradicionais.
Entretanto, por ser tratar de um estudo com objeto mutável, ligado a tecnologias em
constante evolução, o MySpace é passível de transformações ao longo de sua existência,
como a que ocorreu em junho de 2013. Assim, reconfigurações do tipo requerem novas
investigações, mostrando que o tema definitivamente não se esgota por aqui e pode ser
explorado em ocasiões posteriores.
Referências
ANDERSON, C. (2006). A Cauda Longa: do Mercado de massa para o Mercado de nicho.
Tradução Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2ª reimpressão.
BOURDIEU, P. (2008). A Produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens
simbólicos. Porto Alegre, Editora Zouk.
CANCLINI, N. (2005). Consumidores e Cidadãos. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
CASTELLS, M. (2009). Comunicación Y Poder. Tradução de María Hernández. Madrid:
Alianza Editorial.
GIGLIOTTI, F. (2011). Restart: Coração na Mão. São Paulo: Editora Benvirá
JENKINS, H. (2008). Cultura da Convergência. Tradução de Susana Alexandria. São Paulo:
Aleph.
SUHR, H. C. (2009). Underpinning the paradoxes in the artistic fields of MySpace: the
problematization of values and popularity in convergence culture. New Media & Society, Los
Angeles, London, New Delhi, Singapore e Washington Dc, v. 11, p.179-198, 1 fev. 2009.
Disponível em: <http://nms.sagepub.com>. Acesso em: 6 abr. 2009.
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