A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A CONURBAÇÃO DA GRANDE FLORIANÓPOLIS E A ATUAÇÃO DO CAPITAL VICENTE NASPOLINI1 Resumo: Este trabalho apresenta o estágio atual da pesquisa sobre o tema do planejamento urbano da chamada “área conurbada da Grande Florianópolis”, a qual estrutura-se em três temas: a) o desenvolvimento da área conurbada e a atuação do Capital; b) a viabilidade do planejamento num contexto de fragmentação administrativa; c) o cotidiano entrelaçado das cidades conurbadas. O caráter disperso das cidades atuais acarreta na fusão dos tecidos urbanos e no entrelaçamento de seus cotidianos sem submeter-se a um planejamento e gestão integrados do território. Há perda da totalidade e do vínculo entre as ações e a realidade a que se destinam. Esta é a primeira fragmentação do espaço urbano: a institucional. Sob esta, opera uma segunda fragmentação, a operada pelo Capital. O crescimento urbano da região liga-se às formas que o Capital assume para se reproduzir, entendendo-se as dinâmicas impostas ao território numa contínua união e disputa entre essas formas. Palavras-chave: Planejamento Urbano; Conurbação; Capital Abstract: This paper presents the current state of the research on the topic of urban planning of the called "conurbation of Greater Florianópolis", which is divided into three themes: a) the development of the conurbation and the performance of the Capital; b) the feasibility of planning in the context of administrative fragmentation; c) the interlaced daily lives of conurbation cities. The dispersed nature of the current cities entails the merging of the urban fabric and the intertwining of their daily lives without undergoing the integrated planning and land management. There is loss of wholeness and the link between the actions and the reality to which they refer. This is the first fragmentation of urban space: institutional. Under this, it operates a second fragmentation, operated by the Capital. Urban growth in the region is bound to forms that Capital takes to breed, understanding the dynamics imposed to the territory on a continuous union and struggle between these forms. Key words: Urban Planning; Conurbation; Capital 1 – Introdução Oriundo de pesquisa destinada a futura formulação de tese de doutorado, este artigo pretende apresentar seu atual estágio de desenvolvimento, ainda na fase da fundamentação teórica. Trata-se de um estudo de caso da “conurbação da Grande Florianópolis”, constituída pelos municípios de São José, Palhoça e Biguaçu, além da própria capital catarinense que lhe dá o nome e em torno da qual se desenvolveu a aglomeração. O amplo tema no qual se insere o trabalho corresponde ao planejamento urbano de “cidades conurbadas”, por vezes designadas como “regiões metropolitanas”: viabilidade, necessidade e abrangência. 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGG-UFSC). E-mail de contato: [email protected] 976 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Pressupõe-se que o caráter disperso das cidades atuais, brasileiras ou não, acarreta na fusão dos tecidos urbanos de municípios vizinhos e no entrelaçamento de suas dinâmicas locais cotidianas. Entretanto, tal entrelaçamento não vem acompanhado de novas institucionalizações do planejamento e gestão do território. Apesar de ser um assunto já debatido há décadas, ainda se administram cidades conurbadas como um fato isolado, como um sistema fechado de lógicas internas próprias e cuja interligação com sistemas vizinhos se daria por lógicas externas de outra ordem. A região objeto aqui não foge a este paradigma. Busca-se aqui, então, contribuir à superação desse contexto. As quatro cidades da Grande Florianópolis, após anos de rápido crescimento populacional, dispersão territorial e amalgamento dos seus processos, formaram uma só cidade na prática cotidiana, mas não na sua gestão e, por isso, se veem impelidas a equacionar os variados problemas urbanos surgidos da fragmentação das políticas urbanas, intensificados sobremaneira a cada verão devido ao grande afluxo de visitantes. Numa época em que os municípios se veem obrigados a revisar seus Planos Diretores, torna-se imperativo haver uma avaliação e resolução conjunta, “supramunicipal”, dos problemas e fenômenos urbanos que implicam processos e usos do território que desconsideram os limites administrativos oficialmente constituídos. Essa conjunção de esforços possibilita a apreensão das dinâmicas a partir da perspectiva da totalidade pois ao não se fragmentar a gestão do território não se fragmenta a base de efetivação dessas dinâmicas. Hoje, ao contrário, devido ao processo de planejamento e gestão territoriais ficarem confinados nos limites municipais, há a perda da totalidade e, portanto, do vínculo entre as ações e a realidade a que se destinam. A premissa fundamental e justificadora do trabalho é a consideração da conurbação em tela como um todo maior do que a soma das suas partes constituintes e encontra ressonância nas palavras de Peluso Jr. que, já em 1981, afirmou que “Florianópolis, mercê do aumento de sua população, deixou de ser cidade individual, podendo, presentemente, ser compreendida, apenas, pela conurbação de que faz parte com São José, Palhoça e Biguaçu” (PELUSO JR, 1981, p. 29, grifo nosso). 977 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A hipótese a ser defendida é a de que, com um “Plano Diretor Integrado”, de escala urbana e territorial, entre os quatro municípios, as políticas e os projetos públicos estariam mais próximos da realidade que buscam modificar, mas, para efetivá-lo, é necessária a configuração de uma instância administrativa “supramunicipal” responsável pelos planejamentos territoriais. 2 – Procedimentos metodológicos Reconhecendo a pesquisa como uma “aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados” (SILVA; MENEZES, 2001, p. 20), propõe-se realizar, no trabalho em desenvolvimento, uma busca pela compreensão da complexidade do objeto em estudo através de suas frações constituintes. Antes de tudo, deve-se construir o objeto de forma a produzir um conhecimento que o transcenda, como sustenta Corrêa (2003). Segundo ele, as frações ou segmentos da realidade, se tornam objetos ao serem construídos a partir das suas identificações e problematizações consistentemente articuladas entre si. Cada objeto carregará consigo características singulares e universais que o vinculam ao todo do qual foi destacado intelectualmente. A identificação do objeto surge dos “recortes” temático (o tema nitidamente delineado), espacial (os limites do espaço e localização do tema) e temporal (o momento e o contexto do tema espacialmente definido). Mesmo assim, a identificação temático-espaciotemporal do objeto não é suficiente pois não há a identificação do problema a ser investigado. A problematização do objeto é apreendida quando se responde à questão “por quê?”. Assim sendo, podemos identificar e problematizar o objeto construído por este trabalho respondendo clara e suscintamente às quatro perguntas acima: a) Recorte temático: Planejamento urbano de cidades conurbadas; b) Recorte espacial: Área conurbada da Grande Florianópolis (quatro municípios: Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu); 978 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO c) Recorte temporal: para contextualizar o tema definido espacialmente, o ideal é entender a região desde o começo da ocupação do território, mas aprofundando do século XX em diante, até os dias atuais. d) Problematização: A constatação de que a fusão do cotidiano das quatro cidades não recebe um planejamento urbano que dê conta da complexidade inerente. A realidade do fenômeno urbano atual exige um planejamento não fragmentado, territorial, que compartilhe diretrizes comuns e projetos independentes das divisões administrativas. A fim de fundamentar a problematização do objeto, questionamentos precisam ser feitos. Por se tratar de um trabalho na área da Geografia, deve-se compatibilizar a questão central com o objeto. Como afirma Gomes (2009, p. 27): “o tipo de questão construído pela ciência geográfica é aquele que se interroga sobre a ordem espacial [dos fenômenos]” Pode-se utilizar, como sugestão, as características de um contexto geográfico dadas por Gomes: a) como se dá o arranjo físico das coisas, pessoas e fenômenos?; b) quais planos, coerências, lógicas ou razões que orientaram e orientam a dispersão desses elementos sobre o espaço?; c) como estrutura-se a trama locacional dos elementos que compõem o objeto de estudo geográfico? Considerando essas questões, o problema a ser analisado é a compartimentalização do planejamento em territórios de municípios limítrofes que, apesar de independentes politicamente entre si, formam uma aglomeração urbana integrada espacial, social e economicamente em seu cotidiano. Ou seja, enquanto a realidade concreta dos fenômenos urbanos apresenta mais que uma simples aglomeração e sim uma única grande cidade, a divisão administrativa do controle e planejamento espaciais geram uma “policefalia” que impede a visão da totalidade e, por conseguinte, fragmenta as ações públicas e seus efeitos sobre o território. Outro cuidado que um trabalho geográfico deve ter, segundo Gomes, é não se confundir com um trabalho de engenharia, pois este não envolve questões epistemológicas. O objetivo deve ser o estudo científico do fenômeno de modo a lhe conhecer por dentro, “discutir o complexo sistema de posições e de localização, tentar desvendar o papel e a importância desse sistema na estrutura dos fenômenos e demonstrar o valor dessa análise para a compreensão deles” (GOMES, 2009, p. 979 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 30). Não objetiva aplicar algum conhecimento prévio a fim de solucionar problemas práticos. Considerando que o autor tem formação em Arquitetura e Urbanismo, a tendência a ir além de compreender os problemas estudados na pesquisa e buscar resolvê-los tecnicamente é grande e, portanto, essa ressalva é fundamental. O maior desafio de uma pesquisa é não distorcer a essência de um objeto de estudo na busca de simplificá-lo. Seguindo o princípio “hologramático” de Edgar Morin, “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte” (MORIN, 2005, p. 181), portanto a complexidade inerente à realidade deve transparecer no objeto independentemente do tipo e da extensão dos recortes da sua construção. Isso obriga o pesquisador a levar em conta os “desafios” de lidar com um objeto complexo como o do acaso e da desordem, da transgressão da abstração universalista, das inúmeras interações e retroações, da unidade e da multiplicidade concomitantes, da crise de conceitos fechados e claros e, talvez o mais instigante, a volta do observador na sua observação. Esses desafios são inerentes ao processo analítico obrigatório na construção do objeto e na condução da pesquisa. Como ensina Milton Santos, tal processo analítico deve ser dialético e contínuo, partindo da prática humana para as teorias e destas para a práxis. Essa relação entre a teoria e o concreto também foi abordada por Althusser (1978) quando afirma ser o “fim último” do discurso teórico o conhecimento dos objetos concretos e singulares, “quer a sua individualidade (a estrutura de uma formação social), quer os modos de uma individualidade (as conjunturas sucessivas nas quais existe esta formação social) ” (ALTHUSSER, 1978, p.16). No entanto, tal conhecimento não é um dado imediato: O conhecimento destes objetos reais, concretos, singulares, é o resultado de todo um processo de produção de conhecimento, cujo resultado é aquilo a que Marx chama “a síntese de uma multiplicidade de determinações”, sendo esta síntese o “conhecimento concreto” de um objeto concreto. (ALTHUSSER, 1978, p.17) Neste processo, cumpre papel essencial a síntese operada pela categoria de “formação econômica e social” por priorizar justamente a formação sobre a forma, numa determinada época e espaço. As relações de interdependência funcionais e estruturais entre os diversos elementos desse tempo-espaço devem ser 980 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO tomadas para além da abordagem causal, organizando-as num todo estruturado que, só a partir dele, pode-se extrair seus significados. A operacionalização da pesquisa (o como?) depende da construção do objeto, ou seja, da sua identificação problematizada. Como alerta Corrêa, as informações qualitativas ou quantitativas, as técnicas e os modelos utilizados devem ser compatíveis com os questionamentos formulados. As pesquisas a serem feitas a respeito dos variados elementos, sejam eles a população, as firmas ou as infraestruturas, devem ser historicizadas e especializadas, ou seja, precisamente inseridas na história do lugar a fim de mensurar corretamente os seus valores. Pretende-se, então, abordar e problematizar subtemas que se interpenetram mutuamente e configuram o objeto na sua complexidade. São esses subtemas: a) a história do desenvolvimento urbano da região conurbada e as formas assumidas pelo Capital nessa evolução; b) a viabilidade do planejamento urbano em situações de conurbação ou metropolização e a possibilidade de efetivação de organização territorial num contexto de fragmentação administrativa; c) o cotidiano entrelaçado como efeito da contínua fusão urbana. Neste artigo, nos deteremos no primeiro subtema. Já como procedimentos específicos pretende-se utilizar: • Revisão bibliográfica sobre os diversos temas que dizem respeito ao objeto da tese: planejamento urbano, geografia urbana, administração pública e outros; • Pesquisa histórica acerca da evolução socioespacial da região em questão; • Contextualização da situação local e regional nas realidades nacional e mundial; • Pesquisa acerca das leis e normas institucionais que intervieram no processo; • Levantamento de dados e pesquisa de campo que possam detalhar os diversos elementos relevantes em sua evolução; • Produção de mapas e ilustrações que explicitem os conteúdos qualitativos e quantitativos presentes no texto. 3 – Resultados e Discussão O rápido crescimento urbano da região em vista está muito ligado às formas que o Capital assume para se reproduzir. Este atua num determinado 981 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO território tornando-o locus daquele modo de produção que lhe auferir o maior rendimento possível. Conhecendo-se a realidade brasileira como um exemplo de desenvolvimento desigual e combinado, “esdrúxula combinação de atraso, tradição, modernidade, subdesenvolvimento, relações pré-capitalistas e capitalismo” (CANO, 2010, p. 4), pode-se entender as dinâmicas impostas ao território pelo Capital em suas mais diversas formas, as quais às vezes se aliam, em outras disputam entre si. A Grande Florianópolis pode ser analisada também sob essa perspectiva: a da ação territorial dos diversos segmentos do Capital. Até meados do século XX, vigorava por aqui uma economia de base agropesqueira pouco expressiva associada a pequenas unidades manufatureiras e ao funcionalismo público das esferas municipal, estadual e federal. Devido à sua estruturação baseada em pequenas propriedades e terras comunais, além de uma população diminuta, a região não consolidou um Capital Mercantil (comercial) de origem agrária capaz de dominar os rumos do desenvolvimento. Também não foi capaz de resistir às investidas do Capital Industrial quando este ganha impulso no Brasil a partir dos anos 50. É nessa época que Florianópolis recebe o seu primeiro Plano Diretor buscando transformá-la a partir da industrialização e da urbanização. Segundo Reis, “o plano revela a influência das políticas preconizadas pela CEPAL, com ênfase colocada no desenvolvimento econômico da cidade, através do incentivo a atividades industriais dinâmicas e modernas” (REIS, 2012, p. 171). Durante o regime militar, essa ótica chega ao seu ápice ao expandir os planos industrializantes para a região circundante pois, “de caráter nitidamente desenvolvimentista, tinha como objetivo básico a transformação de Florianópolis num grande e moderno centro urbano, num polo de desenvolvimento integrado por rodovias ao estado” (REIS, 2012, p. 173). O Estado se apresentava, então, como o promotor e organizador do estabelecimento do Capital Industrial. O Capital Mercantil, em segundo plano mas já crescendo em importância, se metamorfoseia, deixa de ser agrário e assume “funções especializadas” (CANO, 2010). Passa a ser, então, fundiário, ou melhor, imobiliário e mira no turismo que começava a despontar na região, principalmente na Ilha de Santa Catarina, como pedra de toque da expansão urbana. 982 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Essa metamorfose do Capital Mercantil, plasmando uma “indústria” imobiliária, ocorrida na região objeto não é fenômeno isolado, mas generalizado, pelo menos nas cidades médias brasileiras, onde o fortalecimento dos mercados fundiários e imobiliários significam “um peso relativo cada vez mais acentuado […] no conjunto das atividades econômicas, maiores graus de complexidade dos processos de estruturação intraurbana e, em vários casos, nas dinâmicas de reestruturação” (MELAZZO, 2013, p. 30). Ao fim e ao cabo, o plano desenvolvimentista sofreu resistências das elites locais e teve implementado uma pequena parte de seus dispositivos, mostrando assim uma gradual guinada nos interesses hegemônicos. Como conclui Sugai, em sua análise dos investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis, […] a classe dominante dirigiu o processo de distribuição espacial das classes sociais na área conurbada de Florianópolis por meio da apropriação dos territórios nos quais pretendia concentrar e expandir as suas áreas residenciais e de lazer. Houve ocasiões em que ocorreram disputas entre as frações do capital como, por exemplo, na decisão de priorizar a construção da Via de Contorno Norte-Ilha em detrimento da Via Expressa Sul, na década de 1970, ou ainda, na polêmica sobre a localização do campus universitário da UFSC, no início dos anos 1960. Entretanto, nessas disputas também predominaram os interesses do grupo hegemônico. (SUGAI, 2015, p. 182) Passadas algumas décadas e planos de uso do território, após analisarmos a evolução e a conjuntura atual, vemos que a Grande Florianópolis está atrelada, não a um conflito, mas a uma cooperação entre os Capitais Mercantil e Industrial. Este expande sua área de atuação tanto no continente como na Ilha, com indústrias convencionais ou de alta tecnologia vinculadas às universidades. Aquele acompanha a expansão industrial e abre novas frentes para a migração com o apelo turístico aliado ao discurso da “qualidade de vida”, sempre se servindo dos investimentos públicos em suas áreas de atuação e, conforme expõe Cano, “ganharão destaques, entre outras, as benesses do poder público amparando o capital imobiliário regional, na construção civil, nas atividades imobiliárias, na especulação urbana, na construção da infraestrutura urbana, etc.” (CANO, p. 3). Fica claro esse aspecto ao se notar os inúmeros empreendimentos imobiliários (loteamentos e condomínios) implementados na região conurbada (“Bosque das Mansões”, “Cidade Pedra Branca”) e até em cidades mais distantes como Rancho 983 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Queimado, município de pouco mais de dois mil habitantes, onde na primeira década do século XXI foram implantados mais de vinte condomínios horizontais em suas terras agrícolas (MACARI, 2009). Isso vai ao encontro da interpretação dos fenômenos sob o “paradigma do conflito”. O território usado não é um dado natural e inerte, com valor intrínseco, mas construído e valorizado de acordo com as circunstâncias e correlação de forças da sociedade que o usa. “Assim, o mercado imobiliário seria dominado pelos interesses de grupos e classes, em vez dos consumidores individuais; o Estado não teria o papel de um árbitro neutro e passivo, mas, pelo contrário, seria um ativo agente” (FARRET, 1985, p. 81). A interferência do Estado gera o valor ao alocar investimentos e organizar o espaço nos moldes do Capital. “Nesta perspectiva, portanto, o espaço perde o caráter passivo diante dos processos sociais, de modo que a sua apropriação fica sujeita·aos conflitos e barreiras que caracterizam a alocação do produto social” (FARRET, 1985, p. 81). Ou seja, o planejamento urbano, quando presente na região, tem servido aos interesses do Capital em suas diferentes formas, abrindo caminho aos investimentos e garantindo a rentabilidade. 4 – Considerações finais A pesquisa encontra-se em seu estágio inicial. Ainda se faz necessário um levantamento de dados que quantifique e dimensione a dinâmica do Capital em suas diversas formas na Grande Florianópolis. Além disso, espacializar tais dados também é de fundamental importância para a compreensão da produção dos espaços urbanos na região conurbada. Esse levantamento deve ser inserido no contexto das últimas décadas de um Capitalismo financeirizado e desregulamentado, que insere as cidades num ambiente de competição regional, impõe o estudo das dinâmicas globais do Capital a fim de situar o significado e o caráter da produção recente do espaço urbano na Grande Florianópolis. A partir da Cidade de Florianópolis, também na condição de capital do Estado de Santa Catarina, pode-se perceber nas últimas décadas (desde o final do século passado e enveredando pelo século atual) como “nós” estratégicos e significativos de urbanização ora e curso operam e representam, nas devidas proporções, estágios de transformações 984 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO socioespaciais associados com tentáculos de “modernidades globalizantes”. (MACHADO, 2008, p. 229) Essa articulação no espaço local de lógicas externas e completamente estranhas à comunidade que o utiliza cotidianamente nos leva a levantar alguns questionamentos acerca do processo de planejamento e qualidade dos ambientes urbanos gerados por ele. O espaço da cidade sempre foi, sob o Capitalismo, mais considerado por seu valor de troca do que pelo valor de uso. No entanto, nos últimos tempos, tal abordagem tem ficado mais agressiva e se intensificado ao ponto de se criar toda uma nova terminologia que lhe dê conta. As cidades, agora, implementam um “planejamento estratégico” que, sendo “market oriented and friendly planning”, buscam dotá-la de um “city-marketing” capaz de promovê-la na “guerra das cidades” (VAINER, 2007). As intervenções urbanas têm vindo então a viabilizar os grandes eventos ou intensificar a carga imagética e publicitária, negligenciando os espaços cotidianos utilizados pela massa da população. Estes são deixados à iniciativa privada parcelar e empreender, fragmentando espacialmente uma realidade já fragmentada institucionalmente. 5 – Referências Bibliográficas Livros ALTHUSSER, Louis. Sobre o trabalho teórico. 2ª ed. Lisboa: Presença, 1978. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. REIS, Almir Francisco. Ilha de Santa Catarina: permanências e transformações. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012, 281p. SILVA, Edna Lúcia da; MENEZES, Estera Muszkat. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 3. ed. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, 2001. SUGAI, Maria Inês. Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis: Editora da UFSC, 2015. Capítulos de livros 985 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO FARRET, Ricardo Libanez. “Paradigmas da Estruturação do Espaço Residencial Intraurbano”. In: FARRET, Ricardo Libanez et al. O espaço da cidade: contribuição à análise urbana. São Paulo: Projeto, 1985. MACHADO, Ewerton Vieira. “(Re)Arranjos sócio-espaciais na produção da „Região Metropolitana‟ de Florianópolis: Trajetórias e tendências”. In: SOUZA, Maria Adélia (Org.). A Metrópole e o Futuro: Refletindo sobre Campinas. Campinas: Edições Territorial, 2008, pp. 229-243. Monografias, dissertações e teses MACARI, Anelise Christine. Condomínios fechados em áreas rurais: o caso de Rancho Queimado na Região Metropolitana de Florianópolis. Dissertação (Mestrado) - UFSC, CTC, PGAU-Cidade. Florianópolis: 2009. Revistas científicas CANO, Wilson. “Reflexões sobre o papel do capital mercantil na questão regional e urbana do Brasil”. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 27, p. 29-57, 2010. CORRÊA, Roberto Lobato. “Análise crítica de textos geográficos: Breves Notas”. Geo UERJ. Revista do Departamento de Geografia, Rio de Janeiro, nº. 14. pp. 0718, jul. 2003. GOMES, Paulo Cesar da Costa. “Um lugar para a Geografia: contra o simples, o banal e o doutrinário”. In: MENDONÇA, Francisco et al. (Orgs.) Espaço e tempo: complexidades e desafios do pensar e do fazer geográfico. Curitiba: ADEMADAN, 2009, pp. 13-30. MELAZZO, Everaldo Santos. Estratégias fundiárias e dinâmicas imobiliárias do Capital financeirizado no Brasil. Revista Mercator. 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