UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO EM CÃES E GATOS REVISÃO DE LITERATURA LÍGIA HENZ SILVA CURITIBA - PARANÁ 2009 LÍGIA HENZ SILVA ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO EM CÃES E GATOS REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada à Universidade Federal do Semi-Árido- UFERSA, Departamento de Ciências Animais, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais Orientadora: Dra. Carla Molento CURITIBA – PARANÁ 2009 RESUMO Esta revisão tem como objetivos descrever a ansiedade por separação em cães e gatos; estabelecer os diagnósticos diferencial e definitivo, determinar os sinais precoces, definir o tratamento e discutir o manejo da síndrome. A ansiedade de separação afeta um considerável percentual de cães. Devido à complexidade e diversidade de sinais relacionados às reações à separação foi introduzido o termo síndrome de ansiedade por separação (SAS). A SAS prejudica o bem-estar dos cães e donos, por implicar em sofrimento para os cães e pelos problemas associados (destruição de pertences e queixas de vizinhos) que levam à rejeição, abandono e eutanásia. A SAS é caracterizada por sinais clínicos comportamentais que podem incluir destruição, vocalização, eliminação imprópria de urina e fezes, anorexia e salivação excessiva na ausência do dono. O diagnóstico da SAS e feito após descartar outras causas para esses sinais tais como falha na aprendizagem, tédio, causas metabólicas de eliminação inapropriada, marcação territorial, problemas cognitivos devido à idade avançada. A hipervinculação é um fator necessário para o diagnóstico da SAS. O tratamento mais eficaz para a SAS é a terapia comportamental aliada a um fármaco, pois faz com que o proprietário se envolva no tratamento, diminuindo o risco de desistência. Palavras-chave: cães, ansiedade, separação, gatos. ABSTRACT The present review has as objectives describe the separation anxiety in dogs and cats, establish the differential and definitive diagnosis, determine early signs, define the treatment and discuss the control of the illness. The separation anxiety affects a considerable percentage of dogs. Due to the complexity and diversity of signs related to the separation reactions the term separation anxiety syndrome (SAS) was introduced. The SAS harms the welfare of dogs and owners and cause suffering to the dogs and because of the associated problems (belongings destruction and neighbor complaint) that lead to rejection, abandon and euthanasia. The SAS is characterized by behavioral signs that include destruction, vocalization, urine and feces improper elimination, anorexia and excessive salivation in the absence of the owner. The diagnosis of SAS is done after discard other causes of these signs like learning fail, boring, metabolic causes of improper elimination, territory marking and age- related cognitive problem. The hypervinculation is a necessary factor for the diagnosis of SAS. The most efficient treatment for SAS is a behavior therapy allied to a drug because helps the involvement of the owner to the treatment, reducing the desistance. Key-words: dogs, anxiety, separation, cats. 1. INTRODUÇÃO O comportamento é uma área que necessita de maior atenção por parte dos clínicos de pequenos animais. Muitos clientes acreditam que se trata de uma área que não compete ao médico veterinário. Entretanto, é do nosso conhecimento que um conceito mais amplo de saúde abrange mais do que somente a saúde física. O estudo do comportamento animal, mais especificamente dos distúrbios de comportamento dos animais de companhia, é uma das áreas mais interessantes e instigantes da medicina veterinária. Embora a origem da observação e do estudo de comportamento dos animais domésticos se perca nos primórdios da história, só muito recentemente na medicina veterinária se iniciou o estudo sistemático, científico e em nível clínico dos distúrbios comportamentais dos animais de companhia. A população em geral e mesmo certo contingente de médicos veterinários, manifesta sua estranheza e até certo descrédito ao ouvir falar em terapia comportamental aplicada ao cão e ao gato, por se tratar de algo relativamente novo, sobretudo no Brasil (PEREIRA, 1996). Nos últimos anos tem se tornado cada vez mais comum para os veterinários encontrarem na prática médica animais que apresentam problemas comportamentais (BEAVER, 2004). Tem-se estimado que na prática veterinária nos Estados Unidos um mínimo de 14% dos pacientes caninos exibem sinais de ansiedade de separação (OVERALL, 2001 b). Horwitz (2000) afirma que casos de ansiedade de separação ocupam de 5 a 21% dos casos clínicos. Mas, de acordo com Seksel e Lindeman (2001), esse percentual pode alcançar 40%, sendo um dos três problemas de comportamento mais freqüentes apresentados na Clínica de Comportamento Animal da Universidade de Cornell (EUA), juntamente com agressões aos proprietários e a estranhos (TAKEUCHI et al., 2001). Um estudo (SOARES, 2007) encontrou 59,22% dos cães acometidos por essa síndrome na população de cães de apartamento do bairro de Icaraí e de outros com as mesmas características em Niterói-RJ. Embora o cão apresente uma elasticidade comportamental considerável, muitas vezes dele se exige mais que ele pode realizar. Surgem então os distúrbios que, na maioria das vezes, são comportamentos espécie-específicos normais, porém inaceitáveis para o ser humano. Assim, não é apropriado classificar esse tipo de comportamento como “anormal”, termo este que deve ser reservado para padrões comportamentais que são realmente decorrentes de má-adaptação e aparentemente sem finalidade (PEREIRA, 1996). Em parte, isso reflete a mudança importante no papel do cão na sociedade, de um Formatado: Tabulações: 17 cm, À esquerda + 18 cm, À esquerda + 18,25 cm, À esquerda animal de trabalho em fazenda ou habitante de quintal para um membro da família. Os proprietários podem não saber qual é o comportamento canino normal ou podem ter expectativas irreais em relação ao cão, pois eles só conheceram cães individuais como membros de família e não observaram os aspectos mais universais dos comportamentos caninos (BEAVER, 2004). Em conseqüência, a existência de um comportamento animal reputado como inaceitável pelo dono, leva a deterioração da relação “proprietárioanimal”, tornando o animal de companhia não uma fonte de prazer e bem-estar, mas sim uma “cruz que se é obrigado a carregar” (PEREIRA, 1996). A ansiedade de separação é um problema comportamental comum em cães, pois cães são animais sociais e o apego é fundamental para a socialibidade do cão, e em conseqüência, para sua sobrevivência. Esse vínculo pode ser tão próximo que o cão se torna extremamente ansioso quando separado de seu dono ou outra figura de ligação (objeto de afeto) na família (HORWITZ, 2002). Esse problema ocorre quando o proprietário não está em casa, ou quando ele está, mas o acesso do cão a ele está bloqueado. É um problema comportamental aflitivo, com sérias conseqüências para o proprietário e para o animal (LANDSBERG et al., 2004). Embora não se saiba exatamente como os animais se sentem, a ansiedade de separação tem sido comparada com alguns comportamentos de dor em jovens crianças quando se perdem de seus pais em um shopping. Cães com ansiedade de separação apresentam verdadeiro sofrimento e requerem tratamento comportamental e possível intervenção médica (HORWITZ, 2002). É uma doença mais comum do que boa parte dos clínicos tem conhecimento e que poderia ser melhor diagnosticada e tratada se a importância do aspecto psicológico para a saúde dos pacientes não fosse subestimada. O presente trabalho busca a melhor compreensão da SAS, através da literatura atual sobre o assunto, na busca de meios para seu diagnóstico, prevenção e tratamento. 2. DIAGNÓSTICO O levantamento do histórico comportamental é o centro da terapia de comportamento de animais de companhia (LANDSBERG et al., 2004). Na maioria dos casos comportamentais, a maior parte das informações virá a partir da história. O objetivo principal é obter uma descrição precisa de todos os aspectos importantes do problema, incluindo informações relevantes acerca do animal de estimação, dos seres humanos associados e do ambiente (BEAVER, 2004). A descrição, feita por um membro da família, de como o animal passa um dia habitual pode ser relevante. O clínico deve perguntar onde o animal é mantido quando a família está em casa, fora ou dormindo, assim como onde ele passa o tempo quando há visitas e amigos. Se o animal fica confinado longe dos convidados, é importante descobrir por que isso é feito. Na maior parte dos casos, o animal é separado dos visitantes em razão de algum problema comportamental. Perguntar também sobre quanto exercício o animal faz, se ele tem brinquedos preferidos, quando e o que ele come, qual a natureza social do animal (incluindo como ele se dá com outros animais e se ele fica relaxado, nervoso ou agressivo quando encontra pessoas não familiares) (LANDSBERG et al., 2004). Pistas sutis, como alerta excessivo, agressão em direção a qualquer coisa que se mova, postura da cauda, interação entre proprietário e cão, marcha anormal e relutância em romper o contato visual, proporcionam muitas informações complementares. Podem-se armar situações para observar melhor as reações do cão. Pode-se tentar fazer o cão encontrar outro, fitar o cão e oferecer comida no chão. Até deixar que cães não agressivos vaguem na sala de exame fornece um discernimento sobre como eles se comportam e como seus proprietários reagem. Outro objetivo consiste em identificar as conseqüências imediatas do comportamento, compreender o desenvolvimento do comportamento, e descobrir outros problemas relacionados que podem estar presentes. No entanto, no caso dos problemas vistos tipicamente em uma situação de consulta, os proprietários geralmente descreverão o problema como eles o vêem. (BEAVER, 2004). O terapeuta pode ter de confiar em informações incompletas vindas de um proprietário emocionalmente envolvido, que pode ver o animal de uma forma antropomórfica demais e pode não ter estado presente quando boa parte do comportamento indesejável ocorreu. Isso pode dificultar um diagnóstico sólido em alguns casos e impossibilitá-lo em outros (LANDSBERG et al., 2004). Pode ser útil começar essas discussões por perguntas aos proprietários acerca de onde eles adquiriram o animal de estimação e se eles sabem alguma coisa sobre seus pais. Depois, perguntar sobre a descrição da história vital do animal de estimação até o presente. As quatro questões gerais a serem respondidas em qualquer sessão de anamnese são o quê acontece, onde acontece, quando ocorre e quando começou (BEAVER, 2004). Outra pergunta pertinente é “Por que você acha que o animal faz isso?” Os proprietários devem fornecer um relato detalhado do que o animal faz, incluindo posturas corporais e expressões faciais (LANDSBERG et al., 2004). A filmagem do cão após a saída do proprietário pode ser útil para determinar a extensão verdadeira do problema (HORWITZ, 2002) e ajudar a descartar outras causas dos mesmos sinais (BEAVER, 2004). A família deve descrever todos os métodos que têm sido usados para corrigir o problema e quais resultados foram observados (LANDSBERG et al., 2004). O conhecimento de que uma terapia específica já foi tentada apropriadamente significa que ela não precisa ser realizada novamente. Em alguns casos, essa informação pode descartar determinadas possibilidades em uma lista de diagnósticos diferenciais. Caso se tenha tentado uma terapia, mas ela foi interrompida antes que pudesse mostrar resultados ou se a obediência ao protocolo aceito foi fraca, pode-se tentá-la novamente com ênfase nos métodos corretos (BEAVER, 2004). Perguntas sobre punição devem ser feitas de maneira cuidadosa. Se o terapeuta perguntar “Você já bateu no animal para corrigir o problema?”, o proprietário pode ficar relutante em admitir isso e responder “Não”. Pode ser melhor perguntar, de forma trivial “Bater no animal ajudou?” (LANDSBERG et al., 2004). O histórico médico deve se concentrar nos sinais que podem ser indicativos de um processo patológico ou um estado de ansiedade crônica (como taquicardia, taquipnéia, salivação, distúrbios gastrintestinais, dermatopatias, comportamentos autolesivos, e evacuação induzida por estresse e excitação). Aumento de sede e micção, alteração no apetite, obesidade, perda de peso acentuada, alterações na higiene, diminuição de responsividade a estímulos e alterações no padrão de sono podem ser todos indicativos de distúrbios médicos ou comportamentais mais generalizados (LANDSBERG et al., 2004). Depois de se obter uma história completa, o passo seguinte é um exame físico completo. Como é normalmente feito, o animal deve ser avaliado com relação ao peso corporal, a temperatura, a respiração e o pulso. O abdome deve ser palpado e o tórax deve ser auscultado. Pode-se precisar colocar uma ênfase particular em uma avaliação neurológica, um exame ocular, uma avaliação musculoesquelética, um exame prostático e uma avaliação de qualquer lesão cutânea ou dos sacos anais. Os problemas físicos devem ser observados e avaliados no contexto total. As afecções médicas podem ser fatores de risco comuns em cães trazidos à clínica por problemas comportamentais. (BEAVER, 2004). Antes de realizar a consulta comportamental efetiva, é muito importante que se realize um exame físico completo e que afecções médicas subjacentes sejam descartadas ou tratadas. Por exemplo, o uso de modificação comportamental no caso de um gato com micção inapropriada seria contra produtivo se a causa subjacente fosse uma doença do trato urinário inferior (LANDSBERG et al., 2004). 2.1. SINAIS CLÍNICOS Segundo Overall (2001 b) a ansiedade é a antecipação apreensiva de perigo futuro acompanhado de um sentimento de disforia em humanos e sinais somáticos de tensão, tais como vigilância, hiperatividade, atividade motora aumentada e tensão. A autora aponta como condição necessária para o diagnóstico de ansiedade de separação sinais clínicos ou comportamentais de distresse exibidos pelo animal somente na ausência do dono ou na impossibilidade de acesso a ele. Uma resposta natural dos cães ao abandono é o aumento na atividade de vocalização (VOITH, 1989), micção e defecação inapropriada, mastigação destrutiva e escavação. Outros sinais clínicos incluem comportamento medroso, tremores, vômito, diarréia, lambedura excessiva, automutilação, procura excessiva por atenção, agressão direcionada ao dono no momento em que este deixa a casa (BEAVER, 2004) salivação, eliminação e destruição exibidas somente na ausência real ou virtual do cliente (HORWITZ, 2002; OVERALL, 1997). Além dos comportamentos citados, podem se desenvolver comportamentos compulsivos, que caracterizam o transtorno compulsivo (TC) e são definidos como movimentos repetidos intensamente e fora de contexto, atribuídos a uma tentativa de reduzir a ansiedade (BEAVER, 2004). Estes comportamentos são mais severos no momento mais próximo da separação, e muitos comportamentos relacionados à ansiedade podem se tornar aparentes quando o dono demonstra que vai sair de casa (OVERALL, 2001 b). Dos sinais, a vocalização excessiva é possivelmente um dos mais incômodos, pois afeta diretamente não só aos proprietários como toda a vizinhança. O latido de um cão pode atingir mais de 100 decibéis (dB) e, mesmo com o cão latindo em área externa, para um ouvinte dentro de um ambiente fechado pode chegar a 55 dB, o que ainda é muito comparado a um nível de ruído aceitável, abaixo de 40 dB (BEAVER, 2004). Proprietários freqüentemente relatam que essas vocalizações são diferentes daqueles feitas pelo cão em outros momentos e descrevem os sons como tristes (HORWITZ, 2000). O tom é tipicamente um pouco mais agudo que o observado em outros tipos de latido (LANDSBERG et al., 2004). Os donos de cachorros com ansiedade de separação geralmente não sabem que os seus cães vocalizam na hora da partida. Tipicamente, o dono parte muito depressa para ouvir ou há outros barulhos como o motor do carro ou a porta da garagem abrindo e fechando, que impedem o dono de ouvir as vocalizações do cachorro (HORWITZ, 2002). Um registrador auditivo ou vídeo podem ser úteis em casos nos quais o dono não saiba ao certo se a vocalização ocorre ou não (HORWITZ, 2002). Animais com síndrome de ansiedade de separação (SAS) em geral evacuarão na casa todas as vezes que o proprietário sair (LANDSBERG et al., 2004), sendo que a eliminação só ocorrerá quando o dono não estiver em casa (HORWITZ, 2002). Uma exceção a isso pode ocorrer quando o proprietário está fisicamente presente, mas mentalmente ausente. Isso pode acontecer quando o proprietário está ignorando o cão e prestando atenção a um novo bebê ou parceiro social (LANDSBERG et al., 2004). Tipicamente a eliminação acontece até 30 minutos após a partida do dono e não tem conexão a um período excessivamente longo desde o último acesso para o local de eliminação normal do cão. Quando ambas as formas de eliminação acontecem durante o mesmo episódio e só na ausência do dono, é provável que o diagnóstico seja ansiedade de separação porque poucas condições médicas resultam em tais sinais clínicos simultâneos. Entretanto, se o cão não é completamente treinado para ficar em casa, então micção e defecação podem ocorrer de forma concomitante (HORWITZ, 2002). Em casos de SAS, a destruição acontece só na ausência da figura de ligação ou objeto de afeto (HORWITZ, 2002). Boa parte do comportamento destrutivo também começa logo após a saída do proprietário. Esse é um momento em que a ansiedade do animal e o nível de excitação são mais altos (LANDSBERG et al., 2004). Alguns proprietários estão convencidos de que os comportamentos de destruição são propositalmente direcionados a eles, pois o animal está “se vingando” por ter sido deixado sozinho ou confinado. Parte desse raciocínio se deve ao fato de que os objetos comumente danificados incluem itens pessoais do proprietário (como livros, roupas, sapatos e assentos de sofá). O que esses objetos têm em comum é o fato de serem manipulados pelo proprietário com freqüência e de conterem o odor do proprietário. O contato com esses itens pode servir para o animal lembrar-se do proprietário ausente, causando ansiedade, o que provoca comportamento de deslocamento destrutivo (LANDSBERG et al., 2004). Outros alvos comuns de destruição por parte do cão são pontos de saída da casa. Portas e bordas de janelas são arranhadas ou mastigadas, janelas podem ser quebradas e suas molduras arrancadas, tapetes e pavimentos podem ser arranhados. A destruição pode acontecer como resultado de tentativa do cão em se reunir com o dono (HORWITZ, 2002). Nem todos os cães afetados pela síndrome exibem os mesmos sinais, ou exibem sinais com a mesma intensidade. Sialorréia ocorre em uma porcentagem pequena de cães que exibem SAS. O dono pode achar poças de saliva no chão ou o cão se apresenta molhado com sua própria saliva, ou ambos. Outros sinais às vezes associados à ansiedade de separação são: o cão tenta fisicamente bloquear a saída do dono; lambedura excessiva; perda do apetite; inatividade quando separado da figura de ligação (objeto de afeto); diarréia ou vômito. Muitos cães também têm ataque de pânico, durante os quais eles desesperadamente tentam escapar do local onde estão (HORWITZ, 2002). Soares (2007) encontrou também uma alta incidência de quadros depressivos (31,15%). Beaver (2004) afirma que os quadros da SAS estão associados ao surgimento de comportamentos compulsivos em cães. Uma alteração no padrão de comportamento foi observada (SOARES, 2007) nos animais mais velhos. O grupo de animais considerado positivo para SAS e com mais de sete anos de idade mostrou um padrão de reações à partida do dono diferente daquele apresentado pelo grupo de positivos para SAS com menos de sete anos. O grupo de idosos, ao antecipar a partida do proprietário, comportou-se de maneira mais passiva, se isolando em um local específico e remoto da casa, o que pode sugerir uma forma de adaptação a uma realidade imutável para esses animais. Acredita-se que gatos também possam vir a desenvolver ansiedade de separação. Segundo Beaver (2005), alguns gatos demandam atenção particular desde a infância. Esses gatos podem perambular e vocalizar caso o dono não esteja prontamente disponível, até o ponto de interferir no sono do proprietário. O comportamento de apego excessivo pode aumentar à medida que o gato envelhece, sendo considerado uma das principais causas de eutanásia de gatos idosos, porém saudáveis (HOUPT, 2001). Um estudo (SCHWARTZ, 2003) realizado com 136 registros médicos coletados ao longo de dez anos, de gatos com sinais clínicos da síndrome (eliminação inapropriada, vocalização excessiva, destruição ou automutilação) foram analisados. Defecação inapropriada estava presente em uma percentagem maior em fêmeas castradas do que em machos. Setenta e cinco por cento dos gatos que apresentavam eliminação imprópria urinavam exclusivamente na cama do dono. A ansiedade decorrente da separação foi apenas recentemente definida como um problema em gatos, apesar de ser conhecida desde que foi descrita em cães (BEAVER, 2005). O diagnóstico da SAS pode ser difícil porque os sinais mais óbvios, tais como vocalização, eliminação imprópria e destruição, podem ser vistos em muitas outras desordens comportamentais. Isso ficou evidente no estudo de Flannigan; Dodman (2001). Eles criaram e desenvolveram um índice para ajudar a diagnosticar a ansiedade por separação que não se encaixava nesses comportamentos óbvios. Em vez disso, os três comportamentos usados para gerar um índice foram: comportamento de recepção aumentado, ansiedade causada por sinais de despedida, e comportamento de acompanhar exageradamente o dono. Eles foram graduados em uma escala de 0 a 5 (0= ausente, 5=extremo). Os autores sugeriram que um diagnóstico de ansiedade por separação é viável para índices de 10 a 15. Mesmo assim, um bom julgamento clínico é indispensável. O índice é apenas um auxílio para se diagnosticar problemas comportamentais corretamente, com o propósito de assegurar o correto tratamento. Overall et al. (2001) também buscaram um meio de diagnosticar corretamente problemas comportamentais em seu estudo de caso comparando a presença de ansiedade por separação e fobias de barulho e de tempestades em cães. O estudo mostrou que cães acometidos por ansiedade de separação mais provavelmente teriam também fobia de barulho e de tempestades assim como cães com fobia de barulho e de tempestades eram aqueles que mais provavelmente teriam ansiedade de separação. Isso indica que para se tratar os cães corretamente e melhorar seu bem-estar, reduzindo medo e ansiedade, é uma boa idéia investigar as duas outras desordens se um cão é apresentado com uma das três. Alguns animais podem apresentar sinais clínicos da SAS somente em algumas ocasiões e outros podem não exibir tais sinais por serem deixados sozinhos raramente ou nunca (SOARES, 2007). 2.2. FATORES DE RISCO As pesquisas sobre SAS têm se concentrado na compreensão dos comportamentos e fatores de risco, prevenção de problemas comportamentais, detecção e tratamento precoces da ansiedade por separação com a terapia comportamental associada com a droga correta, quando é recomendável associar uma droga. As causas da SAS geralmente envolvem experiências negativas precoces (abandono e abrigo de animais), apego excessivo ao dono, experiências traumáticas que ocorreram quando o cão estava sozinho, uma mudança na família ou meio, a necessidade de convívio social inerente à espécie, ou uma alteração na quantidade de tempo que o proprietário e o cão gastam juntos. 2.2.1 Necessidade de convívio social Um fator que deve ser levado em consideração é a necessidade que o cão tem, desde seus ancestrais selvagens, de viver em grupo (BEAVER, 2004), bem como uma predisposição genética, haja visto que cães são criados para serem socialmente dependentes e devotados aos humanos. Além disso muitas vezes o comportamento dependente e infantilizado dos cães é, mesmo que de forma não intencional, encorajado e reforçado pelos donos. 2.2.2. Idade É comum filhotes apresentarem sinais de ansiedade de separação, pois estes estão se adaptando a uma nova realidade, já foram separados dos irmãos de ninhada, da mãe e dos primeiros humanos com que tiveram contato. Nesta fase também podem ocorrer as maiores dificuldades para o diagnóstico da SAS, pois esta pode estar associada a quadros de mastigação infantil e educação sanitária incompleta (BEAVER, 2004). A média de idade dos cães quando do surgimento dos sinais de SAS é de cerca de um ano e meio (TAKEUCHI et al., 2001). Um estudo (LUND et al., 1996) realizado em 2.238 cães relatou que cerca de 80% dos problemas comportamentais foram relatados dentro dos três primeiros anos de vida. Para alguns cães, os primeiros sinais da SAS ocorrem ocasionalmente; então se intensificam com o passar do tempo – possivelmente quando o cão torna-se mais velho. Porém cães idosos são mais suscetíveis ao desenvolvimento da síndrome em virtude das alterações metabólicas decorrentes da idade. Distúrbios de eliminação decorrentes da perda (total ou parcial) de controle dos esfíncteres anal e uretral provocam reações dos donos, que passam a manter o cão preso em canil ou restringir seu acesso aos espaços de convívio mais íntimo com a família. Estudos sugerem que até 50% de cães idosos podem exibir algum comportamento de SAS (HORWITZ, 2001). Sabe-se também que existem mudanças idiopáticas que ocorrem em cães mais velhos e, sem nenhuma razão aparente, um cão que era capaz de permanecer sozinho por toda sua vida não pode mais ser deixado sozinho (OVERALL, 2001 b). 2.2.3. Idade de adoção De acordo com Beaver (2004), o aprendizado estável começa com oito a nove semanas de idade em cães e as experiências traumáticas para o cão nessa fase da vida não são esquecidas e podem afetar seu comportamento e bem-estar. Em certos casos, o comportamento começa pouco depois que o cão ingressa na família. Em outros casos, nenhuma causa pode ser identificada (HORWITZ, 2002). Riva et al. (2008), comparando 20 cães ansiosos com um grupo controle de 13 cães normais, observaram uma correlação significativa (P < 0.05) entre ansiedade e adoções tardias. Enquanto no grupo controle 77% dos cães foram adotados no período considerado correto - entre 60 e 90 dias (OVERALL, 1997), no grupo dos cães ansiosos 40% desses cães foram adotados após três meses de idade. No entanto Soares (2007) observou uma relação inversa a esta. Uma relação significativa entre a idade de aquisição e o desenvolvimento da SAS foi observada, mostrando assim que animais adquiridos até os três meses de idade mostraram-se mais predispostos para a síndrome. Outro achado foi a relação estatisticamente significativa entre ter pedigree e o desenvolvimento da SAS. Tal achado pode ser explicado pelo [U1] Comentário: Como assim? Se fossem mais velhos, a incidência diminuiria? Então é uma correlação inversa à de Riva? É necessáiro explicar melhor este parágrafo. seguinte fato: dentre os 36 animais com pedigree, 29 (80,0%) foram adquiridos dentro do período de socialização primária (três primeiros meses de vida) e desses, 22 (61,1%) foram considerados positivos para SAS. [U2] Comentário: Em geral, para porcentuais utiliza-se somente uma casa decimal. Apesar desses autores terem encontrado resultados opostos, ambos apontam para a importância do período de sociabilização primária nos cães, no qual os cães formam vínculos e são mais suscetíveis a traumas. Esses resultados conflitantes poderiam ser explicados pela diferente origem dos animais dos grupos de cães ansiosos em relação ao grupo de cães normais estudados por Riva et al. (2008). 2.2.4. Origem dos animais Riva et al. (2008) encontraram uma diferença significativa (P < 0.05) em relação a origem dos cães: 35% dos 20 cães ansiosos tinham vindo de um abrigo para cães ou canil ou foram encontrados por acaso contra 0% dos 13 cães não ansiosos do [U3] Comentário: Explique grupo controle. [U4] Comentário: Que vinha de onde? Flannigan et al. (2001) descobriram que cães adotados da rua ou de um abrigo desenvolveram ansiedade de separação mais comumente do que cães adquiridos de um criador, amigo ou pet shop. Parte do risco de se relocar um cão proveniente de um abrigo em outro lar está provavelmente associado ao fato de que os sinais associados com a ansiedade de separação são um dos mais comuns motivos do abandono desses animais (BEAVER, 2005; FLANNIGAN; DODMAN, 2001; HORWITZ, 2000). Segurson (2003) desenvolveu um teste com o objetivo de determinar a adotabilidade de um cão, bem como para determinar se o cão é um risco à saúde publica e para determinar quando pode ser feita alguma coisa para aumentar a adotabilidade de um cão. Segurson et al. (2005) analisaram um questionário comportamental utilizado em abrigos animais quanto à presença de resultados equivocados. Proprietários que abandonaram seus cães e concordaram em completar o questionário comportamental foram alternadamente separados em dois grupos. Esses proprietários foram alertados se as informações por eles providas seriam confidenciais ou não. Os dados das informações confidenciais e não confidenciais foram comparados e os primeiros foram comparados com um grupo de cães domiciliados. Análises revelaram diferenças significativas em duas áreas do comportamento relatado entre o grupo de informações confidenciais e o de não confidenciais: agressão direcionada ao dono e medo direcionado a estranhos. Comparados aos dados de cães domiciliados, mais cães abandonados em abrigos no grupo de informações confidenciais foram relatados apresentando agressão direcionada ao dono, agressão direcionada a cães ou medo, agressão direcionada a estranhos, medo de estranhos, fobia não social e comportamentos relacionados à separação. Esses resultados sugerem que questionários comportamentais podem algumas vezes prover informação com pouca acurácia em um abrigo, mas as informações podem ainda ser úteis quando se avalia o comportamento de cães abandonados. 2.2.5. Erros na educação do cão A SAS geralmente é provocada por uma falha na socialização primária do cão, quando o vínculo primário não é quebrado como deveria naturalmente acontecer ou quando os proprietários reforçam comportamentos ansiosos dos cães. Takeuchi et al. (2001) analisaram muitas variáveis em casos de problemas comportamentais em cães (78 casos de SAS). Descobriram que somente 36,6% tinham sido treinados para obediência. Beaver (2004) afirma que cães treinados para obediência apresentam uma incidência diferente de problemas comportamentais, incluindo a ansiedade de separação, do que cães sem treinamento. Takeuchi et al. (2001) apontam também que 70% dos cães com a doença receberam apenas punições verbais em seu processo de educação. Então pode-se concluir que a falta de uma educação correta e consciente é um fator predisponente para a ansiedade de separação. 2.2.6. Relação ser humano-animal e hipervinculação A maioria dos animais com SAS vive em apartamentos na área urbana (TAKEUCHI et al., 2001). Na maioria dos casos de ansiedade de separação, uma ligação muito íntima existe entre o cão e seu dono ou outro membro da família (objeto de afeto) (HORWITZ, 2002). Tal ligação exagerada tem sido chamada de hipervinculação (KING, 2000). Quando o proprietário está em casa, o animal pode mantê-lo continuamente dentro de seu campo de visão ou pode ficar o tempo todo ao seu lado. Porém, esse não é um achado consistente já que há alguns animais com ansiedade de separação que não buscam contato físico contínuo quando os membros da família estão em casa (LANDSBERG et al., 2004). O principal candidato a esse tipo de problema é um cão com temperamento ligeiramente ansioso, que solicita a atenção do proprietário com sucesso sempre que quiser, e é bastante sensível a alterações ambientais. A presença ou adição de outro animal de estimação não diminui os sinais de ansiedade de separação (HORWITZ, 2000). Quando a figura de ligação se prepara para partir, esse cão pode se tornar crescentemente ansioso e apreensivo, demonstrando sinais como ganido, procura de atenção do proprietário, ou postura imóvel. O animal pode também em vez disso, parecer triste ou deprimido, recusando-se a pegar petiscos, podendo apresentar ainda alterações físicas como vômito, taquicardia, sialorréia e ofegação (HORWITZ, 2002). Esses sinais ocorrem em resposta a dicas de partida reconhecíveis, como pegar a chave do carro, vestir um casaco, pegar uma maleta, dentre outras (LANDSBERG et al, 2004). Quando a figura de ligação retorna à casa, o cão demonstra excitação extrema por períodos prolongados. O comportamento extravagante [U5] Comentário: Melhorar a frase, escreva com mais cuidado... Exemplos em uma frase necessitam de formato coerente – ou sempre verbos no infinitivo, ou sempre verbos conjugados, ou sempre substantivos, etc. de saudação como correr, saltar e vocalizar pode persistir durante 10 minutos ou mais. O comportamento extremo de saudação pode eventualmente ocorrer quando a figura de ligação deixa a casa só brevemente. Freqüentemente, figuras de ligação exacerbam esse comportamento ao ceder uma quantia irregular de atenção ao cão no retorno, recompensando indevidamente o animal por seu comportamento entusiasmado. Em alguns casos, o cão não exibe sinais de ansiedade de separação todas as vezes que o dono deixa a casa (HORWITZ, 2002). Riva et al. (2008) observaram mais cães ansiosos em relação ao grupo controle [U6] Comentário: Estudos não encontram... (50% vs. 10%; P < 0.05) vivendo com um casal ao invés de uma família com criança. A estrutura familiar parece, de fato, ter relação com distúrbios de comportamento ansiosos no cão, o que também pode interferir nos planos de tratamento (FLANNIGAN; DODMAN, 2001). Muitas vezes o cão pode ser tratado como um bebê. Este estudo de Riva et al. (2008) também mostrou uma diferença significativa (P < 0.005) em relação ao local onde o cão dorme. Dentro do grupo de cães ansiosos, 45% dormiam no sofá ou na cama, 45% na cesta própria para o cão e 10% em outros lugares comparados com todos os cães do grupo controle que dormiam na cesta. A cesta deveria representar um local relaxante e protetor para o cão. Outro achado no mesmo estudo (RIVA et al., 2008) foi que cães do grupo controle não tinham sempre comida a disposição, enquanto 35% dos cães ansiosos tinham comida continuamente à disposição (P<0.05). Acreditase distribuição de comida em séries de atos regulares e rítmicos permite uma clara hierarquia entre o cão e seu proprietário (HORWITZ, 2002). Soares (2007) encontrou um número elevado de animais (71,43%) caracterizado como negativo para a SAS, mas que apresentava hipervinculação. Embora essa característica seja necessária para o diagnóstico da SAS (HORWITZ, 2001) ela pode ocorrer sem que a síndrome ocorra. A hipervinculação é uma característica da relação ser humano-cão e se torna um complicador para o tratamento da SAS por envolver o emocional do proprietário (SOARES, 2007). 2.2.7. Níveis plasmáticos de hormônios e neurotransmissores Hennessy et al. (2001) realizaram um estudo em cães de um abrigo, após a adoção desses cães, para procurar fatores predisponentes para problemas [U7] Comentário: Ou se põe o valor de P ou se fala "estatisticamente" – são duas formas de se expressar a mesma idéia. comportamentais. Eles usaram níveis de cortisol plasmático e um teste comportamental que seria útil para selecionar cães para a adoção e para aumentar o bem-estar detectando quais cães precisam de terapia comportamental. Os primeiros poucos dias em um abrigo para animais são supostamente muito estressantes para os cães, então os níveis de cortisol foram medidos nos dias dois e nove. Foram também testadas as reações de cada cão em relação a ficar sozinho, com pessoas e a vários estímulos. Questionários para acompanhamento foram entregues a novos proprietários duas vezes após a adoção. O primeiro questionário foi entregue duas semanas após a adoção e o segundo após seis meses de adoção. Foram realizadas análises estatísticas sobre todos os dados coletados. Descobriram que filhotes que tiveram contato com estímulos ameaçadores no teste tiveram os maiores problemas comportamentais em casa. Também se descobriu que cães com menores níveis de cortisol plasmático exibiram os comportamentos mais indesejáveis mais tarde. Uma correlação paralela a essa já havia sido feita na medicina humana envolvendo baixos níveis de cortisol e problemas comportamentais em crianças. Isto nos dá a primeira indicação de que seria possível usar uma mensuração endócrina para prever problemas comportamentais em cães incluindo a SAS. Entretanto precisam ser feitos mais trabalhos dentro desse conceito, com mais cães e acompanhamento mais detalhado. Tem-se estudado a correlação entre problemas comportamentais e neurotransmissores. Dois dos neurotransmissores, serotonina e norepinefrina, são importantes no desenvolvimento de respostas emocionais. Níveis de serotonina aumentados em certas partes do cérebro reduzirão angústia e medo, sinais associados em cães com ansiedade de separação (HORWITZ, 2000). A correlação entre a serotonina e o comportamento agressivo foi experimentalmente obtida através de lesões na células serotoninérgicas da rafe em ratos de laboratório: animais foram se tornando irritáveis, reagindo de forma exagerada a estímulos leves (MICZEK e DONAT, 1989 apud RIVA et al., 2008). Níveis de norepinefrina aumentados em certas partes do cérebro podem aumentar a capacidade de aprender de alguns cães, melhorarando o resultado da terapia de modificação de comportamento (HORWITZ, 2002). Acredita-se que dopamina esteja envolvida no processo cognitivo da memória do trabalho (BEAVER, 2004), e em padrões de comportamento ativo como comportamento sexual e agressão. Segundo Riva et al. (2008) níveis plasmáticos de dopamina e serotonina são significativamente maiores em cães ansiosos, enquanto os níveis de norepinefrina são semelhantes aos observados em cães não ansiosos. As concentrações plaquetárias de serotonina mostram uma tendência a menores níveis de concentração nos cães ansiosos em comparação aos cães controle. Tais resultados demostram que os sistemas serotoninérgico e dopaminérgico podem desempenhar um importante papel em relação a exibição de problemas relacionados a comportamentos de ansiedade. No entanto Riva et al.apontaram para o fato de não se saber ao certo a possibilidade de níveis plasmáticos dos neurotransmissores avaliados refletirem o que está acontecendo em nível cerebral. Então essa hipótese precisa ser confirmada em uma amostra maior de cães na qual os níveis plaquetários de serotonina devam ser comparados aos níveis de serotonina no sistema nervoso central. 2.2.8. Eventos predisponentes A doença pode se desenvolver gradualmente, ou rapidamente quando associada a um evento traumatizante, como permanecer no meio de um incêndio, ou em casa durante um assalto. Cães nessas situações podem ter uma experiência pior do que aqueles cães nos quais a doença se desenvolve de forma gradual e podem se beneficiar de um tratamento imediato com medicamentos ansiolíticos combinados com modificação comportamental (OVERALL, 2001 b). 2.2.9. Mudança no cotidiano Em muitos casos de SAS, o comportamento inapropriado só é aparente após uma mudança no cotidiano. A princípio, o cão está bem até as 17h30 ou 18h00 quando o cliente está acostumado a chegar a sua casa. Se a rotina do cliente muda e ele agora não está em casa até as 20h00, o cão pode começar a exibir sinais de pânico as 18h00 (OVERALL, 2001 b). Soares (2007) observou que dentre 45 cães avaliados como positivos para a SAS, sete (15,56%) apresentaram histórico de desenvolver os sinais de SAS apenas em condições específicas e quatro relataram que seus cães apresentavam os sinais quando havia mudanças na rotina. 2.2.10. Raça e sexo Acredita-se que haja predisposição genética para diversos problemas comportamentais e que esta possa estar relacionada aos níveis de neurotransmissores e/ou à eficiência de seus receptores no SNC, causando o surgimento de ansiedade, entre outros problemas (TAKEUCHI; HOUP, 2003). Flannigan; Dodman (2001) também procuraram fatores predisponentes para a SAS em um estudo de caso de 200 cães afetados. Descobriram que dentre 131 raças puras com a síndrome, a maioria foi de Pastor Alemão, seguido por um número significativo de Labradores, Golden Retrievers, English Springer Spaniels e English Cocker Spaniels. Takeuchi et al. (2001) descobriram que um alto percentual de raças puras com ansiedade por separação eram raças de caça e tiro. Já Lund et al. (1996) encontraram resultados diferentes destes em seu um estudo de caso-controle. Nesse estudo compararam 13 raças ou grupos raciais incluindo raças mestiças com um grupo de referência formado unicamente por animais da raça Labrador Retriever e encontraram um maior risco para a ansiedade em Poodles e Fox Terriers, em relação ao grupo controle, de Labradores. Relataram também que Dachshunds, terriers com exceção do Fox Terrier e raças mestiças parecem ter menor risco para ansiedade e maior risco para problemas relacionados à falha de treinamento e todos os tipos de agressão. Beaver (2004) afirma que ocorrem diferenças raciais com relação ao comportamento, no entanto, podem ocorrer problemas com uma raça particular, de acordo com a sua popularidade, sua localização geral e o tempo. Ocorrem tendências nacionais, mas o fato de que determinadas raças se posicionam no topo da lista de cãesproblema pode não ser significativo. A incidência relativa de um problema comportamental específico em uma raça pode variar com a localização. Uma razão é que, algumas vezes, uma raça é mais popular em uma área que em outras. A incidência de um problema comportamental dentro de uma raça pode variar com o tempo (BEAVER, 2004). O que se pode concluir a respeito do alto percentual das raças acima citadas dentre os animais acometidos por SAS é que essas raças foram originalmente criadas para desempenhar um trabalho, como caça e tiro. Supõe-se que esses cães tornem-se estressados sem a atividade mental que eles naturalmente usariam se estivessem desempenhando tais funções. Há descrição de um número maior de machos desenvolvendo SAS (KING et al., 2000; TAKEUCHI et al., 2001). Entretanto Soares (2007) encontrou uma predominância estatisticamente significativa de fêmeas castradas em relação aos machos, em um estudo realizado em cães de apartamento em Niterói. 2.2.11. Interação com o proprietário Soares (2007) avaliou a interatividade a partir de dois parâmetros: a rotina de passeios e um índice que denominou interação mínima desejável. A interação considerada com a mínima desejável incluiu brincadeiras ou escovações diárias ou quatro passeios diários de 20 minutos. Foi observado que o número de casos de SAS foi menor no grupo de cães que passeavam diariamente e maior no grupo em que animais interagiam menos com seus “donos”. Tais achados sugerem que a interação com o proprietário interfere de forma positiva, diminuindo os riscos de desenvolvimento de problemas relacionados a separação. 3. TRATAMENTO De acordo com boa parte dos autores a melhor opção é usar a terapia comportamental e modificação ambiental em conjunção com uma droga (HORWITZ, 2000; KING, 2000; LANDSBERG et al., 2005; SEKSEL; LINDEMAN, 2001; SIMPSOM, 2000, ; TAKEUSHI et al., 2000; ). Apesar da terapia comportamental sozinha, em médio e longo prazo, obter resultados positivos na redução dos sinais de SAS, o uso de medicamentos tem algumas vantagens. A terapia medicamentosa pode reduzir em até três vezes o tempo de tratamento e, com isso, estimular os proprietários a continuarem com a terapia comportamental (KING et al, 2003). Além disso, a terapia medicamentosa diminui o nível de ansiedade do paciente, favorecendo a resposta para terapia comportamental (HORWITZ, 2000). Os princípios da terapia comportamental incluem não castigar (por exemplo, por destruição ou eliminação dentro de casa), incrementar o exercício, reduzir a emoção nos momentos de partida ou reuniões sociais, não associar nenhum evento com a saída do dono, bem como dessensibilizar o cão às saídas e ausências do dono (TAKEUSHI et al., 2000). A melhora quanto à destruição, defecação ou micção foi comunicada em 5057% dos cães dentro dos três primeiros meses da terapia comportamental (KING, 2000). Uma dificuldade que se encontra é que os donos, na prática, muitas vezes não têm vontade ou condições de implementar programas completos de terapia comportamental (TAKEUSHI et al., 2000). Tais programas exigem tempo e disciplina dos proprietários. Outro fator a ser levado em consideração é o lado emocional do cliente. Pode ser traumático tanto para o cão quanto para o proprietário quebrar o vínculo excessivo. Uma vez que esses clientes são muito apegados ao seus animais, ignorá-los pode ser muito difícil para eles. As medidas corretivas para os comportamentos indesejáveis devem ser baseadas nos fatores que os geraram. Não se obtém bons resultados simplesmente punindo o cão por ele latir, sujar ou destruir a casa. As coleiras anti-latido contêm um dispositivo que gera um impulso elétrico ou desprende uma pequena porção de líquido como a citronela, ambos causam uma sensação desagradável no cão no momento em que este começa a latir. Nos casos de ansiedade de separação o uso dessas coleiras como técnica punitiva é contra-indicado. Apesar dessas coleiras serem eficientes em diminuir os latidos, elas aumentam significativamente o estresse do animal (BEAVER, 2004). O simples confinamento do animal em uma caixa ou canil não constitui uma solução em curto ou longo prazo, pois esses cães podem ficar extremamente ansiosos e destruir o canil, podendo machucar suas patas ou boca tentando sair (BEAVER, 2004). 3.1. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO A intervenção farmacológica pode ser um tratamento auxiliar muito importante para cães com problemas graves. No caso de situações em que um proprietário frustrado não consegue mais tolerar o comportamento do animal, ela pode salvar a vida do cão. Exames físicos e avaliações laboratoriais pré-tratamento são importantes, já que a maior parte das medicações psicoativas requer funções hepática e renal normais para garantir um metabolismo apropriado (LANDSBERG et al., 2004). No tratamento da ansiedade de separação canina, o objetivo do medicamento é reduzir o nível de ansiedade global do paciente. Quando o nível de ansiedade do paciente é diminuído, a resposta para terapia de comportamento deve ser maior e mais rápida (HORWITZ, 2000). Em gatos, o tratamento da ansiedade de separação pode ser mais dependente de fármacos que o tratamento típico destinado aos cães. Segundo os proprietários, vários gatos afetados são muito ansiosos e nervosos, de modo que drogas como antidepressivos tricíclicos (TCA) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI) são apropriadas. A dessensibilização gradativa à saída do proprietário pode ser ensinada, podendo ser associada ao fornecimento de alimento, como um fator contra condicionador. É necessário descartar a possibilidade de desvio de ciclo sono-vigília, que pode ser tratado com melatonina, e disfunção cognitiva felina. Caso o diagnóstico seja de ansiedade de separação, a terapia comportamental pode propiciar ao gato tolerância aos curtos períodos de ausência do proprietário, podendo a duração de tais períodos ser aumentada gradativamente (BEAVER, 2005). A droga mais comumente usada e documentada para o tratamento de cães com ansiedade de separação é o cloridrato de clomipramina, com a administração adicional de benzodiazepínicos em casos severos (KING, 2000). A dose da clomipramina é 1 a 2 mg/kg PO BID, via oral (PETIT et al., 1999; KING, 2000). Overall (2001 a) afirma que amitriptilina é usada com sucesso no tratamento de ansiedade de separação e ansiedade generalizada, mas pelo fato dessa droga ser menos seletiva na recaptação da serotonina ela se apresenta menos efetiva e com mais efeitos sedativos e anticolinérgicos (KING, 2000). A dose da amitriptilina é 1-4 mg/kg – BID ou SID, via oral (MENTZEL, 2000). Outras drogas serotoninérgicas, como a fluoxetina (Reconsile®, Lilly, cujo uso foi aprovado pelo FDA no tratamento da ansiedade por separação) também têm indicação no tratamento da síndrome em conjunção com a terapia de modificação comportamental (OVERALL, 2001 b). A dose da fluoxetina é 1 mg /kg – SID, via oral (BEAVER, 2004). De acordo com Overall (2001), benzodiazepínicos são essenciais para o tratamento de eventos esporádicos envolvendo profunda ansiedade ou pânico (por exemplo: trovoadas, fogos, pânico associado a sinais de despedidas, alarmes). Para essas drogas serem eficazes, elas devem ser administradas no mínimo uma hora antes do estimulo antecipado, e minimamente após os pacientes exibirem sinais de distresse (SIMPSON, 2000). Benzodiazepínicos são potentes ansiolíticos e seu efeito se dá através da potencialização do neurotransmissor inibidor ácido α-amino-butírico. Eles não devem ser usados em longo prazo no tratamento dessa doença devido a seu efeito sobre a memória, com o qual se imagina que seja diminuída a receptividade do cão à terapia comportamental (SIMPSON, 2000; KING, 2000). Beaver (2004) afirma que os benzodiazepínicos podem causar reações paradoxais. O cloridrato de selegilina (Selgian ®) também conhecido como L-deprenyl (Anipryl®) é um inibidor da monoamina oxidase B e pode ajudar em alguns casos. Deve-se considerá-lo para uso em animais mais velhos, que também podem exibir sinais de disfunção cognitiva (LANDSBERG et al., 2005). King (2000) afirmou que não havia dados que provassem a eficácia do L-deprenyl na SAS. Apesar de o uso da selegilina em cães estar aprovado mundialmente , seu uso para tratar ansiedade de separação está aprovado apenas em alguns países da Europa. A dose do cloridrato de selegilina é 0,5-1 mg /kg – SID, via oral (MENTZEL, 2000). Já os fenotiazínicos podem proporcionar alguma sedação e reduzir a atividade, mas, em geral, não são escolhas eficazes contra a ansiedade. A dosagem exigida para interromper por completo comportamentos indesejáveis por parte de cães gravemente afetados causará, em geral, sedação excessiva (LANDSBERG et al., 2005). O Dog Apeasing Pheromone (D.A.P) é um feromônio tranqüilizante canino que também pode ajudar a acalmar o cão e reduzir sua ansiedade (LANDSBERG et al., 2005). É um produto com efeito calmante que se administra por meio de um difusor ambiental para uma superfície de 50-70 m2 (MENTZEL, 2000). A droga mais comumente usada e mais indicada para o tratamento da SAS é o cloridrato de clomipramina. Seksel e Lindeman (2001) testaram uma terapia comportamental combinada com a clomipramina em 24 cães com ansiedade por separação. O uso da droga reduziu o medo, permitindo uma aprendizagem com sucesso em um estado não-ansioso. Lem (2002) relatou um caso de ansiedade por separação em um Pointer Cross de dois anos de idade, tratado com sucesso com o uso da farmacoterapia (Cloridrato de clomipramina) aliada a um programa de modificação comportamental. Um estudo clínico (PETIT et al., 1999) comparou a eficácia de quatro doses de Clomipramina- 0,25 a 0,5 mg/kg, 0,51 a 1 mg/kg, 1,1 a 2 mg/kg e 2,1 a 4 mg/kg, em duas administrações diárias, contra um placebo em associação a terapia comportamental para ansiedade de separação. Foram incluídos cães de várias raças, sexo e idade. A ansiedade foi avaliada pelo veterinário e pelo proprietário nos dias 7, 14, 21, 28 e 60, em relação aos sinais de ansiedade (vocalização, destruições e maucomportamento) e sua relação com o proprietário. A dose mais eficaz encontrada foi a de 2 a 4 mg/kg por dia em duas administrações. A taxa de remissão dos sinais clínicos foi de 70% nessa dose contra 20 a 30 % nos outros grupos. A tolerância ao tratamento foi muito boa, em todas as doses da droga. Um estudo duplo-cego randomizado (KING et al., 2003) comparou a eficácia de uma dose padrão de clomipramina (1 a 2 mg/kg PO 12-12h) com uma dose reduzida da droga (0,5 a 1 ml/kg PO 12-12h) e um placebo (PO 12-12h). Os 95 cães randomizados entre os três grupos foram avaliados em quatro ocasiões (dias 0, 28, 56 e 84) após o início da terapia. Os cães que receberam a dose padrão de clomipramina mostraram progressos em relação a sinais de destruição, defecação e eliminação de urina. Não houve diferenças estatisticamente significativas quanto à vocalização. A dose reduzida não produziu efeitos estatisticamente significativos em relação ao placebo. Vômitos esporádicos e pouco severos foram os efeitos colaterais observados em um grupo pequeno de cães. Overall (2001 a) relata que a maioria dos cães tratados com clomipramina alcançou níveis séricos estáveis em três a cinco dias, atingindo picos de concentração plasmática em aproximadamente uma a três horas, com meia-vida de 1-16 horas do componente primário e 1-2 horas dos metabólitos intermediários ativos, sugerindo que cães podem requerer maiores dosagens ou dosagens mais freqüentes do que humanos tratados com tais medicações. O uso de antidepressivos tricíclicos é contra-indicado em animais com histórico de retenção urinária, e arritmias severas e não-compensadas e uma consulta cardíaca, incluindo um eletrocardiograma (ECG), pode ser parte de um exame inicial padrão. Os efeitos colaterais comuns dos tricíclicos manifestados ao ECG incluem ondas T achatadas, intervalos Q-T prolongados e segmentos S-T mais baixos. Em animais mais velhos ou com problemas concomitantes avaliações laboratoriais completas são requeridas pois sabe-se que altas doses de tricíclicos alteram níveis de enzimas hepáticas. Doses extremamente altas são associadas com convulsões, anormalidades cardíacas e hepatotoxidade. Antidepressivos tricíclicos podem interferir com a medicação utilizada no tratamento dos distúrbios da tireóide, necessitando de monitorização consciente se ambas as medicações são administradas concorrentemente. Gatos são mais freqüentemente sensíveis a todos os tricíclicos do que os cães porque os tricíclicos são metabolizados via glucoronização (OVERALL, 2001 a). Parece não haver uma necessidade de fazer uma diminuição gradual da dose de clomipramina no fim da terapia, já que a retirada súbita da droga depois de dois a três meses de tratamento não tem sido associado com algum efeito adverso. No entanto, tem-se observado a relação entre a retirada súbita dos tricíclicos, incluindo a clomipramina, e a piora das condutas estereotipadas em humanos. De acordo com esses dados, a redução gradual da dose depois de tratamentos prolongados é uma precaução prudente. Estudos clínicos tem mostrado que o índice de resposta é bom e o índice de recaída se apresenta quando a clomipramina é dada por dois a três meses e então retirada (KING, 2000; PETIT et al., 1999). Desse modo, pode-se recomendar um tempo de tratamento mínimo de dois meses, mas alguns cães podem requerer tratamentos mais longos. Se tratamentos em longo prazo forem necessários, pode ser necessário reduzir a dose até a mínima dose efetiva. Voith (1989) recomenda dividir pela metade a dose de drogas ansiolíticas depois de 15 a 20 saídas bem sucedidas do dono e retirar a droga uma vez que a dose seja tão baixa que possa provavelmente ser inefetiva. Simpson (2000) recomenda continuar com a Clomipramina por um a dois meses após os sinais terem sido controlados. 3.2. MODIFICAÇÃO COMPORTAMENTAL Em alguns cães com ansiedade de separação os comportamentos anormais podem cessar na presença de outra pessoa quando o seu dono encontra-se ausente. Tais cães podem ficar em creches para cães ou ter uma babá (BEAVER, 2004), mas tais ações não beneficiarão cães que precisam da presença de uma pessoa em especial e estes continuarão exibindo sinais de ansiedade mesmo na presença de outra pessoa (OVERALL, 2001 b). Alguns cães podem ser acalmados, durante o período em que o proprietário se ausenta, com objetos que contenham o odor do seu proprietário, como um pedaço de pano ou uma roupa que seu dono tenha usado (BEAVER, 2004). A modificação comportamental é o principal meio de correção ou controle de comportamentos indesejáveis. Portanto, é fundamental que os terapeutas entendam os princípios básicos de aprendizado e motivação, caso pretendam realizar aconselhamento comportamental na clínica (LANDSBERG et al., 2004). O veterinário pode ajudar o proprietário a entender a técnica de modificação de comportamento usada na terapia (HORWITZ, 2002). É também importante só recompensar comportamentos não relacionados a um estado ansioso (BEAVER, 2004). Takeuchi et al. (2001) acreditam que quanto mais cedo o cão é apresentado melhores serão os resultados dos tratamentos. Muitos cães com ansiedade de separação também exibem comportamento de chamar a atenção do proprietário constantemente. O proprietário é aconselhado a não responder as tentativas do cachorro de obter atenção. O cachorro não deve receber atenção ao mostrar comportamentos inadequados como ganidos ou bater com as patas no proprietário. O objetivo não é ignorar o cão, mas eliminar o comportamento indesejado. O cão só deve receber atenção quando estiver calmo, tranqüilo (HORWITZ, 2000). De acordo com Beaver (2004), a dessensibilização sistemática constitui a melhor maneira de tratar essa doença, independentemente da utilização de uma terapia com drogas. Outra técnica de modificação comportamental é a extinção. Determinados comportamentos podem ser extintos por meio da remoção de todos os reforçadores. Os cães aprendem rapidamente que podem conseguir atenção de um proprietário para um comportamento específico, e a obtenção de atenção então reforça o comportamento. Através de uma interrupção simples da atenção, o proprietário também pode fazer com que o comportamento pare gradualmente. Por exemplo, o cão que late à noite é freqüentemente alvo de gritos por parte do proprietário. O cão aprende que os latidos resultam em uma interação com o proprietário, e talvez mesmo o proprietário aparecerá ou deixará o animal entrar em casa. A maneira mais simples de parar os latidos é que o proprietário o ignore. Inicialmente, isso pode ser difícil, e o cão pode na verdade latir mais. Quando o animal de estimação aprende que o efeito desejado não acontecerá, a quantidade de latidos diminui para níveis normais (BEAVER, 2004). Outra ferramenta útil é pedir que o cão responda a um comando, como “senta” antes de receber qualquer coisa. Todos os membros da família deveriam agir da mesma maneira nesse treinamento. Logo, o dono é instruído para chamar a atenção do cachorro quando o mesmo não estiver buscando atenção. Quando o cão responder aos comandos de “venha”, depois “senta” então o dono acaricia o cão. Desta maneira atenção é prestada ao cão quando o dono inicia a atenção, não quando o cão exige atenção (HORWITZ, 2002). 3.2.1. Treinamento de independência Geralmente, cachorros com ansiedade de separação são unidos fortemente aos seus donos. Esses cães constantemente seguem seus donos pela casa. Por isso, outro elemento do tratamento é treinar a “independência”. O proprietário é instruído para treinar o cachorro a permanecer a uma distância dele. Geralmente, o cão é treinado para ficar em outro quarto, longe do seu dono (HORWITZ, 2002). O animal deve se habituar a idéia de que nem sempre poderá estar com os membros da família (LANDSBERG et al., 2004). O dono é instruído para começar o treinamento de independência ensinando o cachorro a tolerar o comando “fica” por períodos curtos. Gradualmente, o dono movese para mais longe pelo quarto do cão durante o “fica”. O cão é recompensado com comida e elogios por manter o “fica”. À medida que o cachorro obedece constantemente o comando o dono parte para outro quarto durante “fica”. Em tempos, é estendido o período durante o qual o cão é deixado sozinho no quarto por 15 a 30 minutos (HORWITZ, 2002). 3.2.2. Aumento nas atividades Os proprietários são encorajados a passarem o tempo com seus cães em atividades estruturais que provêem exercício e companhia para cão, mas de uma maneira que reforce que o dono controla a situação. Obediência, exercícios de treinamento, caminhadas com a guia e buscar objetos são exemplos de atividades úteis apropriadas a esta meta (HORWITZ, 2002). Sessões freqüentes de exercícios têm efeito calmante, reduzem a ansiedade e proporcionam interação social adequada (LANDSBERG et al., 2004). 3.2.3. Habituação A maior parte dos cães com ansiedade de separação aprendeu a associar dicas específicas com a saída do proprietário. A presença dessas dicas de saída normalmente criará ansiedade acerca de uma iminente ausência do proprietário. Até que o animal tenha se habituado a essas dicas, estas devem ser evitadas sempre que possível durante as saídas reais (LANDSBERG et al., 2004). O proprietário é instruído para agir como se estivesse deixando a casa, mas não partindo de fato. O dono deve ir com precisão pela rotina de partida normal da mesma maneira como se realmente estivesse partindo (apanhar as chaves, vestir casaco, chapéu, caminhar para a porta), entretanto, guardar tudo e permanecer na casa. É importante incluir na sugestão de partida todos os sinais que o cão foi acostumado a presenciar (ver o dono se vestindo, sucessão de eventos, gestos físicos e sinais vocais, interação do proprietário com o animal). Quando o cão tem isso como um comportamento normal, o processo é repetido. O exercício inteiro deve ser feito três a cinco vezes pela noite (HORWITZ, 2002). A repetição do exercício deve ser feita até o cão não exibir mais o comportamento de ansiedade relacionado à atividade de partida do dono. Nesse momento, o dono deve sair brevemente e então voltar pra casa. Se o cão não exibe o comportamento de ansiedade de separação o tratamento pode progredir para partidas mais longas (HORWITZ, 2002). 3.2.4. Dessensibilização Quando um cão exibe uma quantidade excessiva de medo, sensibilidade ou reatividade a um estímulo, ele pode ser dessensibilizado a esse estímulo por meio do aprendizado. A dessensibilização pode ser obtida em duas maneiras gerais. Uma técnica é a habituação, na qual o estímulo provocado de reação é repetido até que não dispare mais uma resposta. No caso do cão que corre latindo para a porta em resposta a uma campainha que toca, pode-se tocar essa campainha repetidamente até que o cão pare de latir. A segunda técnica de dessensibilização introduz o estímulo, mas em uma quantidade tão pequena que não ocorre nenhuma reação. Aumenta-se gradualmente a quantidade de estímulo, mas nunca demasiadamente rápido para disparar uma resposta. O cão que tem medo de trovão pode ser dessensibilizado por meio da execução de gravações de sons bastante suavemente em um ambiente não ameaçador. O volume deve ser aumentado bastante lentamente. Uma dessensibilização como essa pode estar acoplada com um contra condicionamento através da adição de uma brincadeira ou de um estímulo comestível ao mesmo tempo em que se está aumentando o volume (BEAVER, 2004). 3.2.5. Contra condicionamento Condicionamento é o tipo de aprendizado que começa quando um estímulo nãocondicionado (ENC), provoca um comportamento, chamado de resposta nãocondicionada (RNC). Um estímulo neutro (EN) que não tem influência na resposta é associado repetidamente (bem antes do ENC), até que se torne um estímulo condicionado (EC), o qual é capaz de provocar a resposta por si só. A resposta a um EC é referida como uma resposta condicionada (RC) (LANDSBERG et al., 2004). Os reforçadores são geralmente utilizados junto com o condicionamento para modificar o comportamento (BEAVER, 2004). Beaver (2004) denomina como reforço qualquer tipo de recompensa ou punição se ele reforçar positiva ou negativamente um comportamento específico. Para que o animal associe a recompensa com o comportamento, a conseqüência satisfatória deve ocorrer entre 5 e 20 segundos do comportamento desejado. É essencial lembrar que a recompensa deve seguir imediatamente o comportamento. Nenhum outro comportamento deve ocorrer entre o comportamento desejado e a recompensa; ou senão o outro comportamento mais recente será reforçado (HORWITZ, 2002). Ansiedade com relação à rotina de partida pode ser diminuída por meio de contra condicionamento. O cão é treinado para sentar ou ficar em um local conhecido para que ele se sinta confortável enquanto o dono se prepara para partir. O dono sai então por alguns segundos e quando retorna, recompensa o cão por ficar (HORWITZ, 2002). Mudanças devem começar com o padrão de comportamento do proprietário quando ele deixa e retorna à casa. O cão deve ser ignorado durante 20 a 30 minutos antes da partida rápida e silenciosa do dono, que deve evitar dar sinais de partida para o cão. O retorno deve ser também silencioso, e o cão deve ser ignorado novamente por 20 a 30 minutos para que as recompensas por comportamento ansioso do animal sejam evitadas. Uma saudação entusiasmada e prolongada do cachorro não deve ser encorajada. Só o comportamento tranqüilo do cão deve ser recompensado. Todos os membros da família devem usar esse plano cada vez que deixam e retornam à casa (HORWITZ, 2002). Outra forma de contra condicionar é prover o cão com um brinquedo de mastigar, cheio de comida, enquanto o dono se prepara para uma partida diária de rotina. Com isso, o animal pode ficar menos ansioso quando o dono se prepara para partir, porque normalmente comer é uma atividade anti-ansiedade para os cães. Também, o cão pode exibir uma diminuição ou ausência de ansiedade de separação quando o dono partiu. O brinquedo de mastigar só deve ser usado como uma recompensa para compensar a partida do dono e deve ser removido assim que ele retorne (HORWITZ, 2002). 3. PREVENÇÃO Quando o proprietário prevê uma alteração significativa na rotina ou na quantidade de tempo gasto com o animal, deve-se fazer a mudança de sistema o mais lentamente possível. As alterações devem ser feitas de forma muito gradual, de maneira que possa ser facilmente tolerada pelo animal. Pode-se considerar uma medicação como preventivo, mas ela deve ser iniciada pelo menos quatro semanas antes de alterações importantes. Um pouco de antecipação ajudará a evitar a ansiedade que pode se desenvolver em associação com alterações súbitas e importantes na vida do animal (LANDSBERG et al., 2004). 4. EDUCAÇÃO DO PROPRIETÁRIO Quando os clientes estão conscientes a respeito do que está acontecendo, percebem com mais clareza quais problemas têm maior probabilidade de serem eliminados por completo, quais provavelmente podem apenas ser reduzidos e quais não têm probabilidade de ser alterados. De acordo com um estudo realizado no Brasil (SOARES, 2007), os proprietários percebem os comportamentos característicos da síndrome, mas de forma equivocada. A maioria dos proprietários que percebe os sinais (58,7%) os associa à pirraça. Mesmo assim pode-se perceber que a SAS causa impacto na qualidade de vida dos proprietários, que em 50,8% dos casos positivos para SAS passaram a buscar recursos para que seus cães não ficassem sozinhos em casa, como, por exemplo, algum membro da família deixar de sair para fazer companhia ao cão. Uma vez que a família seja bem informada sobre a situação e as opções de tratamento, pode decidir conviver com o problema em vez de se instituir passos necessários para sua correção, embora outros possam decidir que doar ou sacrificar o animal são escolhas mais apropriadas e seguras para suas circunstâncias (LANDSBERG et al., 2004). 5. PROGNÓSTICO Antes de se poder dar um prognóstico ou mesmo se desenvolver um plano terapêutico, é importante determinar o nível de compreensão do proprietário e da família. Para isso, é útil perguntar aos proprietários quais são os seus sentimentos acerca de seus cães e quais são seus objetivos para o programa de tratamento comportamental (BEAVER, 2004). Se a família tiver objetivos irreais ou se houver pouca cooperação, as chances de resolução satisfatória se reduzirão (LANDSBERG et al., 2004). Se o plano terapêutico envolver um comprometimento importante de tempo e esforço, o proprietário precisará saber disso antecipadamente em vez de percebê-lo posteriormente e ficar possivelmente desencorajado. Ele deve não somente querer, mas também ser capaz de realizar o trabalho do programa (BEAVER, 2004). O sucesso torna-se mais provável se a família tiver um comprometimento forte com o animal e uma boa memória no seguimento de instruções. A família deve ter a capacidade de entender as condições que influenciaram a existência do problema e os princípios básicos do programa de tratamento. (LANDSBERG et al., 2004). A duração do problema determina freqüentemente quanto tempo levará para tratar o problema (BEAVER, 2004). Comportamentos que ocorrem com muita freqüência quase sempre se desenvolvem em hábitos que são difíceis de erradicar (LANDSBERG et al., 2004). Isso vale especialmente quando se envolve aprendizado, já que o animal terá de desaprender o comportamento inaceitável além de aprender o comportamento desejado. Se tiver uma duração longa, o comportamento levará mais tempo para ser desaprendido (BEAVER, 2004). No entanto, problemas que têm ocorrido com baixa freqüência também podem ser complicados. Por exemplo, alguns problemas destrutivos ocorrem com tão pouca freqüência que descobrir a(s) causa(s) exata(s) para o comportamento pode ser bem difícil e o prognóstico permanece de reservado a ruim (LANDSBERG et al., 2004). Um outro fator crítico é a obediência do proprietário. Quando a terapia consiste em uma pílula por dia, a obediência é razoável. Quanto mais complexo um plano de modificação comportamental se torna, mais baixa será a taxa de sucesso global. O ambiente em que os membros da família vivem pode ser importante, assim como sua capacidade de controlá-lo ou modificá-lo. A incapacidade para se controlar tempestades fortes, freqüentes e imprevisíveis torna o tratamento de fobias de trovoadas um desafio maior. No caso de alguns ambientes domésticos, não é possível melhorar o problema do animal para a satisfação de todas as partes preocupadas. Nesses casos, o proprietário e o terapeuta precisarão determinar se o a melhor opção para o animal é permancer no lar ou se a melhor opção é removê-lo desse ambiente doméstico. Há casos em que pode ser possível procurar um lar mais adequado para o animal, mas quando há risco de lesões, quando o animal está sofrendo, quando os donos não podem ou não conseguem lidar com a situação e não é possível achar um lar alternativo apropriado, muitos sugerem que a eutanásia é a opção que resta (LANDSBERG et al., 2004). Segundo Lund (1996) apenas para 5,5% dos cães que apresentaram problemas comportamentais foi sugerida a eutanásia ou ela foi realizada de fato. Supõe-se que esses cães podem ter levados a eutanásia por representarem um perigo a saúde física de pessoas. O fato de esses comportamentos terem sido gerados na maioria das vezes pelos donos talvez seja um argumento válido para dissuadir clientes em vias de desistir de seus cães. As expectativas do proprietário também são importantes. Algumas pessoas ficam agradecidas com uma melhora pequena, enquanto outras esperam milagres (BEAVER, 2004). A complexidade da situação é outro fator, já que um animal com um único problema comportamental tem melhores chances de ser tratado de forma bemsucedida que um animal com problemas múltiplos (LANDSBERG et al., 2004). No caso de problemas comportamentais, o exame minucioso do caso é importante. O acompanhamento com o proprietário proporciona uma experiência de aprendizado excelente para o veterinário acerca das respostas às várias terapias. Logo, pode aumentar o nível de experiência de um veterinário (BEAVER, 2004). O acompanhamento também é uma oportunidade importante para educar e interagir com a família. É essencial que o terapeuta continue a monitorar cada caso para se certificar de que a família está seguindo as recomendações de tratamento de maneira correta e que o caso está progredindo conforme o esperado. Isso proporciona também uma oportunidade para reunir mais informações sobre a situação em geral. Isso é particularmente importante quando há múltiplas opções de tratamento e o diagnóstico inicial foi feito de maneira experimental. Quando drogas foram administradas, torna-se essencial um acompanhamento regular. Em alguns casos, serão exigidos mais testes diagnósticos e informações do proprietário após consulta inicial, de forma que pode ser necessário uma consulta ou um acompanhamento telefônico formal. Na maioria dos casos, contatos de acompanhamento iniciais com duas, quatro e doze semanas proporcionam uma boa avaliação do progresso (LANDSBERG et al., 2004). Tais ações de acompanhamento asseguram ao proprietário que o veterinário se importa. Eles também fornecem um incentivo adicional para o proprietário continuar com o esforço (BEAVER, 2004). 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos os problemas comportamentais têm se tornado cada vez mais freqüentes. Apesar disso o comportamento dos animais no Brasil ainda não tem recebido a atenção que deveria por parte dos veterinários e seus clientes. A saúde de um indivíduo abrange também o seu bem-estar mental, e isso não é diferente nos animais. A prática clínica veterinária no Brasil mostra certo atraso no que diz respeito ao comportamento animal em relação a outros países. Como consequência os proprietários e a população em geral também possuem menos conhecimento sobre a área. A participação do médico veterinário nos meios de comunicação tem sido fraca, em relação ao provimento de informações para prevenir problemas comportamentais. O veterinário deveria informar as pessoas e ajudar a formar opiniões. Os donos precisam entender melhor a natureza do cão e respeitá-la, o que evitaria frustrações em ambas as partes, prevenindo distúrbios comportamentais. Essa consciência deveria existir nos proprietários mesmo antes da adoção de um animal. Tal medida ajudaria inclusive na escolha do animal, em relação a características típicas da espécie e raça ou a características do indivíduo. Diferentemente do que muitos veterinários pensam, gatos também podem ser acometidos pela SAS. Embora gatos sejam sociáveis por natureza, quando adultos eles não requerem contato com humanos ou outros gatos para sobreviver. Além disso, existe uma variação individual muito maior na sociabilidade entre gatos que entre cães, na qual alguns gatos são de fato solitários e outros são mais socialmente dependentes. Essa variedade social pode ser explicada em parte pelo fato de os gatos não terem sido sistematicamente domesticados, comparados aos cães. Da mesma forma que faz parte da natureza do cão se afeiçoar ao dono e sentir a sua falta, gostar de um animal que goste de nós e sinta nossa falta também faz parte da natureza humana. Alguns proprietários por desinformação ou desatenção permitem que se forme uma relação de dependência exagerada entre ele e seu animal, por meio de atitudes como satisfazer os desejos do animal o tempo todo e chamar o cão sempre que ele estiver fora de sua vista em vez de o estimular a ficar sozinho. É semelhante ao que acontece com as crianças mimadas. Grande parte dos cães com ansiedade de separação pertence a pessoas ansiosas, que se despedem calorosamente do cão e ao chegar em casa estimulam uma recepção calorosa. O cão é capaz de perceber que o dono está ansioso, o que por sua vez gera ansiedade no cão. Levando em consideração que a maioria dos maus comportamentos do cão foi permitida ou incentivada pelo proprietário, ele tem o dever de buscar uma solução para o problema, particularmente se o seu animal está sofrendo. A menos que o cão represente uma ameaça à saúde física das pessoas, a eutanásia não deveria ser considerada. Quando um cão é acolhido, o dono precisa saber que é responsável por toda a vida do animal, pois mesmo após atingir a idade adulta, o cão não é capaz de garantir sua adequada alimentação e segurança. A domesticação do cão trouxe como conseqüência a sua dependência em relação à espécie humana. Os seres humanos deveriam ser, de certa forma, considerados os responsáveis pelo bem-estar dos cães, em especial daqueles cães que eles abrigaram e educaram à sua maneira. REFERÊNCIAS BEAVER, B. V. Comportamento canino – um guia para veterinários. 1 ed. São Paulo SP: ROCA, 2004. BEAVER, B. V. Comportamento felino – um guia para veterinários. 2 ed. 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