SUMÁRIO INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 2 I – TEOLOGIA DOS PAIS DA IGREJA _____________________________________ 5 1.1. Comentários sobre o século II_____________________________________________ 5 1.1.1. CLEMENTE__________________________________________________________________ 7 1.1.2. ORÍGENES __________________________________________________________________ 8 1.1.3. JUSTINO ___________________________________________________________________ 10 1.1.4. INÁCIO DE ANTIOQUIA _____________________________________________________ 11 1.1.5. POLICARPO ________________________________________________________________ 12 1.1.6. IRINEU DE LEÃO ___________________________________________________________ 13 1.1.7. TERTULIANO DE CARTAGO _________________________________________________ 14 1.1.8. “BARNABÉ” ________________________________________________________________ 15 1.2. “De Roma para constantinopla” _________________________________________ 17 1.3. A controvérsia ariana e o concílio de nicéia ________________________________ 18 1.3.1. Atanásio ____________________________________________________________________ 19 1.3.2. Apolinário___________________________________________________________________ 21 1.3.3. Nestório ____________________________________________________________________ 22 1.3.4. Cirilo ______________________________________________________________________ 23 1.3.5. Agostinho ___________________________________________________________________ 24 II – TEOLOGIA MEDIEVAL ______________________________________________ 26 2.1. Escolasticismo, misticismo e biblicismo ____________________________________ 29 2.2. Controvérsias teológicas da idade média ___________________________________ 31 2.2.1. Fé e Razão __________________________________________________________________ 31 2.2.2. Nominalismo e Realismo _______________________________________________________ 33 III - TEOLOGIA DA REFORMA PROTESTANTE____________________________ 34 3.1. Antecedentes históricos _________________________________________________ 34 3.2. Panorama histórico da reforma: o jovem lutero _____________________________ 36 3.3. A reforma protestante __________________________________________________ 38 3.4. Lutero e sua teologia ___________________________________________________ 40 3.4.1. A palavra de Deus (Bíblia) ______________________________________________________ 40 3.4.2. O conhecimento de Deus (Teologia da Cruz)________________________________________ 41 3.4.3. A Lei e o evangelho ___________________________________________________________ 41 3.4.4. A Igreja e os sacramentos _______________________________________________________ 42 3.4.5. Os dois reinos ________________________________________________________________ 43 3.5. Calvino: o sistematizador da teologia protestante ___________________________ 44 3.5.1. Teologia de Calvino ___________________________________________________________ 47 3.5.2. Diferenças teológicas entre os reformadores ________________________________________ 49 BIBLIOGRAFIA_________________________________________________________ 51 FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 2 INTRODUÇÃO “Não temos como objetivo apenas contar a história da Igreja Cristã, mas, interpretar seu longo e conflituoso processo de 1 construção teológica”. Dividiremos este trabalho em quatros pilares fundamentais: o primeiro deles é o período patrístico, influenciado pelos “grandes pais da igreja” que terão uma contribuição essencial para a história da teologia na preservação e na defesa da fé contra correntes que ameaçaram – e por que não dizer – quase destruíram os ensinamentos dos pais apostólicos; o segundo grande pilar que trabalharemos é o período medieval, caracterizado por grandes cismas, pela manutenção e compreensão dos escritos patrístico, além do mais é marcadamente influenciado pela escolástica, proporcionando assim a tradução dos ensinamentos originais do cristianismo a população leiga; já o terceiro pilar que trabalharemos nesta pesquisa é o da reforma protestante, que tem em seu centro a figura de Lutero, e que promoveu a ruptura com o mundo medieval proporcionando assim o advento da era moderna; e por fim, o quarto e último pilar será analisar o que representou o advento da reforma para a história da 1 Todas as discussões aqui apresentadas fazem parte das aulas ministradas na FATAB – Faculdade de Teologia Avivamento Bíblico em São Caetano do Sul/SP, no primeiro semestre de 2005. Portanto, esta citação é uma tentativa de apresentar a proposta da disciplina, bem como demonstrar sua importância para a história do pensamento teológico contemporâneo. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 3 teologia, quais as conseqüências para a teologia contemporânea, e como se dá o processo de construção da história da teologia no “período moderno”. Compreender dois mil anos da construção da teologia cristã não configura tarefa das mais fáceis, entretanto, é possível vê-la de forma panorâmica, bem como seu desenvolvimento teológico, pelo menos no ocidente. Vale ressaltar que os acontecimentos teológicos não surgem em meio ao vazio, por isso, é que analisaremos como ocorreu o desenvolvimento da teologia em meio ao mundo, , a partir da interação dos pensamentos teológicos com a cultura, com a sociedade, com as instituições religiosas, e principalmente com os sujeitos. Desta forma, propomo-nos a compreender a história da teologia cristã em seu processo dialético, reativo e conflituoso, para que possamos compreender o atual estado da questão da teologia cristã, especificamente dentro do contexto brasileiro, que certamente será nosso campo de atuação. Gostaríamos de lembrar que o aprofundamento teológico racional, no que diz respeito ao discurso sobre Deus, não extingue nossa capacidade enquanto ser humano de sermos dotados de espiritualidade, pelo contrário, esta capacidade é uma dádiva que só o ser humano tem, foi destinada somente a ele. Enganam-se aqueles que afirmam que a intelectualidade afasta o indivíduo do Ser Supremo, se tais heresias fossem deixadas de lado, talvez não vivêssemos num mundo violentamente influenciado por “bobagens teológicas”, em que muitas vezes – como que por mágica – pão se transforma em carne, e vinho se transforma em sangue; e que Deus – sem misericórdia, sem amor, possuidor de um sentimento mesquinho e vingativo – elegesse apenas alguns para a salvação. O que apresentaremos agora não é fruto de um pensamento isolado, e de uma criatividade excepcional da autora, mas, o diálogo com diversos autores que nos ajudaram neste audacioso trabalho de pesquisa bibliográfica. Portanto, muitas das idéias aqui contidas FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 4 estão citadas em nossa bibliografia, que esperamos que venha fazer parte do aprofundamento teológico dos leitores e das leitoras, uma vez que nossa pesquisa não deve limitar a profundidade do conhecimento sobre a história da teologia cristã, dada sua brevidade. Boa leitura! FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 5 I – TEOLOGIA DOS PAIS DA IGREJA 1.1. Comentários sobre o século II A Escola de Alexandria era uma espécie de centro teológico, quem mais se destacou nesta escola foi Orígenes, e o primeiro grande mestre foi Clemente. Alexandria era influenciada pelo estoicismo, mais que pelo platonismo. Tinham a concepção do logos como mediador de todas as coisas, e agente da mente humana, que jamais se ausenta de seu povo. É considerado o centro mais antigo de teologia da história do cristianismo. Sua fundação estava baseada na preocupação primeira de apresentar a fé de maneira sistemática e global, por isso, é caracterizada pela investigação e formulação metafísica da fé (Platão), e pela interpretação alegórica das escrituras. O sistema neoplatônico desenvolve-se em Alexandria. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 6 Tillich afirma que o fim da filosofia grega se dá quando a filosofia se transforma em religião, e a religião por sua vez se torna em filosofia mística. No período do NT a filosofia estava repleta de assuntos religiosos, portanto, o nome desta filosofia religiosa é neoplatonismo. Na verdade, o neoplatonismo ansiava pelo surgimento de uma nova religião, baseada nos ensinamentos platônicos, aristotélicos e estóicos. Muitos dos filósofos tornaram-se místicos. O neoplatonismo influenciou diretamente na teologia cristã clássica, nas concepções de Deus, do mundo e da alma, logo, o sistema neoplatônico foi um desafio para o Cristianismo. Para compreendermos o pensamento grego dos primeiros séculos, é fundamental compreendermos a noção de alma, pois, segundo Tillich “a alma é o princípio de vida em todo o pensamento grego”. Ela não é uma substância imortal, mas o princípio do movimento, logo, tudo que existe tem alma (universo, estrelas, animais, plantas, corpos). “A alma do mundo se realiza em muitas almas individuais”. As almas são mortais e imortais, quem as organiza é o logos que tem a capacidade organizadora, é uma força ordenadora, tanto moral quanto natural. Para a alma atingir sua plenitude passa pela virtude e pelo ascetismo para voltar-se a Deus, portanto, o maior objetivo é tornar-se semelhante a Deus, ou seja, ela tornaria para o Uno eterno (alvo das religiões de mistério) – este é o esquema do pensamento alexandrino. Os teólogos alexandrinos não eram filósofos independentes, mas, membros da igreja cristã. Desta forma na escola de Alexandria o cristianismo foi colocado no ápice da educação. O segundo século é marcado pela influência do gnosticismo, um movimento que abala o cristianismo e com o tempo o ameaça destruir. O gnosticismo era uma tentativa de se “juntar” a Deus por meio de diversas experiências e pensamentos, envolvendo uma mixagem de crenças e pensamentos filosóficos da época. Esta corrente abalou as estruturas cristãs, mas, foi responsável pela grande produção teológica dos primeiros séculos. Os pais FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 7 da igreja, preocupados com as idéias que ameaçavam abalar as estruturas cristãs se viram obrigados a defender a fé contra este movimento. Nenhum outro movimento foi tão ameaçador para a igreja quanto o gnosticismo. 1.1.1. CLEMENTE Nasceu no ano 150 d.C., em Atenas. Não sabemos ao certo as circunstâncias de sua conversão. Decidiu residir em Alexandria por causa do pensamento teológico e filosófico. Foi diretor de Alexandria, quando depois de 200 foi obrigado a fugir para o Egito por causa da perseguição imperial (Sétimo Severo), onde morreu em 215. Um homem de grandes conhecimentos, que ultrapassavam o espaço teológico, tentou converter a fé em um sistema de pensamento teológico com uma forte impregnação da filosofia helenista. Entre suas principais obras estão: “Exortação aos Helenos”, cuja função principal era convencer os indivíduos da futilidade do paganismo; “O Pedagogo”, uma introdução à fé cristã; e “Tapices”, em que trata de uma série de temas relacionados com o cristianismo a partir de uma perspectiva filo-helenista, que leva, por exemplo, a afirmar que a contribuição da filosofia grega para a revelação é similar à do AT. Clemente acreditava que inúmeros elementos da filosofia se misturavam com os ensinamentos bíblicos, por isso introduziu no cristianismo não só a filosofia, mas o modo de viver filosófico. Os filósofos gregos acreditavam que para Pholosophein, deveria viverse o mais próximo de Deus, que era o esforço da vida perfeita. Clemente considerava que deveríamos viver segundo o Logos, com uma vida de novos significados (conversão, fé, esperança), ou seja, todos os pressupostos do Cristianismo. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 8 A influencia do estoicismo e da filosofia no Cristianismo culminaram numa tradição cristã baseada no conhecimento para desenvolvimento da fé. Não se trata de um conhecimento baseado em pressupostos teóricos, mas, em experiência com o Logos. Este conhecimento é a Gnósis – conhecimento místico. Entretanto, esta Gnósis só é atingida mediante a tradição do cânon, ou seja, por meio da norma de vivência cristã, e por meio da igreja que é a grande mãe de todos. A eclesiologia de Clemente admite a hierarquia em três estratos: episcopado, presbiterato e diaconato. Considera a igreja como a “Única Virgem-Mãe”. Segundo ele o batismo é renascimento e regeneração, entretanto, negou o caráter sacrificial da eucaristia, interpretando as referências a carne e ao sangue de Cristo como símbolos do Espírito Santo e do Verbo. Negava a possibilidade de perdão para pecados cometidos voluntariamente depois do batismo, apesar de que com o passar do tempo reformulou sua opinião, ao considerar que o pecado voluntário implica em negação da reconciliação com Deus. Segundo Clemente o homem casado era superior ao solteiro, visto que o matrimônio era um dever para com a pátria – apesar de se opor as segundas núpcias. 1.1.2. ORÍGENES Nasceu por volta de 185 d.C. em uma família cristã em Alexandria, seu pai morreu mártir durante a perseguição (Severo 202). Com a morte de seu pai, viu-se obrigado a dar aulas para sustentar sua família na escola de catecûmenos em Alexandria, uma vez que todos os bens da família haviam sido confiscados pelo império. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 9 Dirigiu as aulas demonstrando uma vida exemplar, neste período que aconteceu sua autocastração. De 203 a 231 d.C. dirigiu a escola de Alexandria, entretanto, Demétrio convocou um Sínodo em que argumentava que um castrado não poderia ser ordenado sacerdote. Orígenes foi excomungado. Cansado de recorrer à igreja para seu retorno, começou uma nova etapa em sua vida, partiu para Cesaréia da Palestina, em que o bispo do local o convidou para fundar uma escola de teologia, morreu em Tiro em 253 d.C.. Suas idéias não eram bem aceitas, e até após sua morte sua idéias foram discutidas e negadas pelos Sínodos. Conta-se que Orígenes escreveu mais de seis mil obras, que se perderam (ou foram perdidas?) por causa principalmente das heresias. Sua grande atenção se dava para com os textos bíblicos, desta forma escreveu comentários sobre todos os textos bíblicos do AT e do NT, além de redigir inúmeras obras dogmáticas. No que diz respeito à doutrina da divindade Orígenes utilizou o termo trindade, indo contra ao modalismo que não distinguia entre as três pessoas divinas. Insiste que: 1) O Filho não teve princípio, e nem houve um tempo em que não existiria; 2) Deu origem ao termo “consubstancial” (mesma substância com o Pai); e 3) Supôs a ordem hierárquica na trindade (subodinacionismo). Mariologicamente denominou “mãe de Deus” (theotokos) a Maria, não há fundamentação para esta afirmação, entretanto, afirma que recebeu a Maria para compreender o Evangelho. Eclesiologicamente defende o batismo de crianças como meio de perdoar o pecado no qual já nascem. A idolatria, o adultério e a fornicação estão limitados ao perdão sacerdotal, precedido por excomunhão pública e prolongada. Acreditava em uma só remissão dos pecados: no batismo, e em mais sete meios de arrependimento: martírio, esmola, perdoar os que ofendem, conversão, amor, confissão pública ou particular (segundo sacerdote). FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 10 A Eucaristia é interpretada por Orígenes de forma alegórica, ou seja, o corpo e o sangue de Cristo são escriturais como o ensinamento (representação), mediante a oração o pão se converte em corpo, segundo ele a interpretação literal é comum na igreja para as almas simples, e a simbólica é para os sábios. O método alegórico de Orígenes colocava nas Escrituras a única fonte de autoridade, por isso, a Bíblia expressava três sentidos: sentido literal; sentido moral, e sentido espiritual. Sua escatologia negava o castigo eterno dos condenados, ao invés disso chamava de fogo purificador para todos (incluindo Satanás e seus demônios) como um processo de restauração cósmica, junto com a pré-existência das almas (Platão), e junto com a idéia alegórica de que antes da queda o ser humano tinha um estado espiritual, sem corpo físico. Estas idéias foram combatidas pela igreja. 1.1.3. JUSTINO É considerado o mais importante apologista grego do século II, nasceu em Siquém, em uma família pagã. Cansado das diversas escolas filosóficas, converteu-se ao Cristianismo influenciado, ao menos em parte, pela atitude cristã mediante o martírio. Após inúmeras viagens, instalou-se em Roma, onde morreu decapitado com outros seis cristãos em 165 d.C. As obras de Justino que chegaram até nós são: “Apologias” e “Dialogo com o judeu Trifão”. Cristologicamente Justino estava convencido de que Cristo é Deus, e que por isso merece adoração. Filosoficamente, utilizava a tese joanina para afirmar que o logos ilumina todos os seres humanos (João: 1,9). FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 11 Mariologicamente foi o primeiro autor cristão que traçou um paralelismo EVA -MARIA. Sacramentalmente, Justino reconheceu só o batismo de adultos – talvez só por imersão – precedido de instrução catequética. A eucaristia é para Justino carne e sangue do mesmo Jesus encarnado. Em virtude da oração o pão e o vinho se transformam em corpo e sangue de Cristo (transubstanciação). A eucaristia, por outro lado, é celebrada no domingo, não sendo lícito a um cristão guardar o sábado. Discute-se se Justino considera a eucaristia um sacrifício, pois considera as orações e ações de graça dos homens como sacrifício a Deus, utilizando o conceito que aparece na “Didaqué”. Escatologicamente Justino é milenarista, embora reconheça que nem todos os seus correligionários compartilhem deste ponto de vista. Crê no inferno como lugar de castigo eterno para os demônios e condenados. Quanto aos demônios insiste em que seu pecado foi manter relações sexuais com mulheres, o que é um eco de gênesis 6. Embora eles possam desviar os seres humanos, o certo é que o nome de Jesus tem poder suficiente para subjugalos. 1.1.4. INÁCIO DE ANTIOQUIA Nasceu entre 30 e 35 d.C. e morreu por volta de 107, já ancião, acusado de não adorar os deuses do Império. Neste período a perseguição não era tão generalizada, entretanto, acontecia caso houvesse denúncia2. 2 É interessante que os cristãos do primeiro séculos eram considerados pelos gentios como pessoas ignorantes. As acusações que pesavam sobre eles eram de que seus cultos envolviam rituais de orgias e matança de meninos para comer carne e beber o sangue. Tais acusações se originaram da necessidade que os cristãos FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 12 A caminho do martírio (de Antioquia a Roma), escreveu sete cartas3 – que segundo González (1985), constitui um dos mais valiosos documentos do cristianismo antigo. Inácio foi o segundo bispo em Antioquia, após Evódio, portanto, devido ao seu carisma – baseado na proximidade dos pais apostólicos – tinha muita autoridade na Igreja Antiga. Dessa forma, no caminho ao Martírio muitos cristãos o acompanhavam. Acreditava piedosamente que o martírio o tornaria um verdadeiro discípulo de Cristo, demonstrando que Inácio era um homem de seu tempo, ou seja, podemos considerar que para os cristãos do segundo século ser levado ao martírio por causa da devoção ao Cristo, representava motivo de orgulho e uma tentativa de purificação espiritual. Somente pela morte, assim como fizera o Messias pela humanidade, seria possível se tornar um legítimo cristão. 1.1.5. POLICARPO Policarpo também foi bispo, só que diferentemente de Inácio, em Esmirna (155). Foi orientado por Inácio de Antioquia. Também foi acusado de não querer se prostrar aos deuses do império. Entretanto, num primeiro momento, foge do martírio, por considerar que não havia chegado sua hora. Segundo González (1980, 70), após a insistência do juiz pela troca de adoração de Cristo pelo Imperador, Policarpo exclamou: “Vivi oitenta e seis anos servindo-lhe[Cristo], e nenhum mal me fez. Como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou”. tinham de se esconder das autoridades imperiais nos lares e catacumbas, num momento de severa perseguição. 3 Para leitura das sete cartas escritas por Inácio à caminho do martírio, recomendamos acessar o site: www.veritatis.com.br. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 13 Devido a sua declaração, Policarpo foi queimado vivo como mártir. González (1980, 72) considera que uma questão interessante na ata do martírio4 de Policarpo é a preocupação com o martírio pedido por Deus, e aquele feito pela vontade da “carne”. Ou seja, o martírio se tornou o que podemos chamar hoje de “moda” – para algumas pessoas. Ao cristão que se dava em martírio, tornava-se socialmente reconhecido pela sociedade cristã e também pela pagã. Dessa forma, pelo entusiasmo muitos se “auto-denunciavam”5 para sofrerem o martírio, entretanto, no exato momento da execução se aterrorizavam, e acabavam publicamente desistindo de “entregar a vida por amor de Cristo”, isso configurava uma vergonha para o cristianismo. Daí o medo de Policarpo, de ser levado ao martírio por sua própria vontade, e não pela “vontade de Deus”. 1.1.6. IRINEU DE LEÃO Nasceu 130 d.C. em Leão, era discípulo do bispo Policarpo (mártir) e presbítero da Igreja. Sua teologia estava centrada na perspectiva bíblico-pastoral, logo, não fazia grandes especulações filosóficas, mesmo porque sua intenção maior era ensinar os cristãos. Com relação a influência dos outros pais ele não inova a teologia, mas, reproduz os ensinamentos dos outros mestres. Suas principais obras são: “A demonstração da fé apostólica”, que é uma instrução sobre a fé cristã; e “A refutação da Falsa gnósis” – melhor conhecida como “Contra as Heresias” – uma refutação contra os gnósticos. 4 É possível sabermos atualmente a história dos martírios por causa das “Atas de Martírio” que eram escritas no momento do “sacrifício”. 5 Para os mártires que se auto-denunciavam recebiam o nome de “espontâneos”. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 14 Sua teologia concebe Deus como pastor amoroso, que dirige sua criação até a consumação final. Logo, a coroa da criação é a humanidade. O casal do paraíso não era perfeito, mas, como crianças (um dia superariam os anjos). Sua concepção teológica envolve a crença em anjos, entretanto, em nenhum momento os anjos superam os seres humanos, na verdade são tutores.6 O propósito de Deus é a “divinização”, ou seja, cada vez mais nos tornar semelhantes a ele. Para o crescimento humano Deus contava com duas mãos: O Verbo e o Espírito Santo (ensinar a comunhão). A encarnação de Cristo não é resultado do pecado, mas, o desejo de união de Deus para com os seres humanos, após a queda se tornou em remédio. Em nenhum momento nega o Antigo Testamento, pelo contrário, considera que o N.T. é continuação dos propósitos revelados por Deus na história de Israel, e quem está unido a Jesus pela fé, pelo batismo e pela comunhão participa da vitória de Jesus contra Satanás. Segundo sua teologia, quando se consumar o Reino, Deus não terminará seu propósito, mas, começará a verdadeira comunhão, continuando o processo de “divinização”. 1.1.7. TERTULIANO DE CARTAGO Nasceu em 150 na cidade de Cartago, escreveu as defesas em latim (ocidente). Era jurista, mas, aos quarenta anos se converteu ao Cristianismo (Roma). Dedicou-se a escrever em defesa da fé contra os pagãos, e em defesa da ortodoxia contra os hereges. 6 González compara esta relação de tutoria com um rei menino, ou seja, um rei menino precisa de um tutor, entretanto, quando se tornar maior, o tutor será subalterno do rei. Da mesma forma acontecerá com os anjos. Atualmente são tutores dos seres humanos, mas, quando atingirmos a maturidade que Deus reservou a sua criação, os anjos serão inferiores. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 15 Argumenta, baseado no legado apostólico contra as correntes que ameaçavam o cristianismo, que as escrituras são propriedades da igreja (posteriormente este argumento foi utilizado pelos católicos na Reforma Protestante), e ela representava uniformidade na interpretação, logo, se as escrituras são propriedade da igreja, os hereges não têm o direito de discuti-las. Segundo ele, ao encontrar a fé cristã o cristão deve cessar de buscar, visto que era contra especulações filosóficas (ao contrário de Clemente) – considerava que a curiosidade é deveras perigosa para a doutrina cristã, portanto, a pergunta fundamental deve ser de fato o que Deus já fez, e não especular o que ele fará. A formação jurídica forneceu a Tertuliano argumentos sólidos para defender a fé cristã, sua retórica e habilidade com as palavras e jurisprudência, conferiam-lhe o título de “imbatível” nas questões a respeito da fé. Sua teologia está profundamente marcada pela doutrina da Trindade ao elaborar sua própria fórmula para compreender esta relação. Segundo ele Cristo é “uma pessoa”, portadora de “duas substâncias ou naturezas” (GONZÁLEZ, 1985, 127). Em 207 o inimigo dos hereges se converte ao montanismo (uma nova era do Espírito, profecias). Sua conversão ao montanismo pode estar associada ao legalismo deste movimento, que aparentava uma ordem perfeita, por causa da inflexibilidade com relação a vivência cristã e a espiritualidade. Entretanto, no fim da sua vida fundou uma seita denominada “tertulianistas”, por considerar que até os montanistas se tornaram flexíveis. 1.1.8. “BARNABÉ” FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 16 Não sabemos ao certo quem foi Barnabé. Seus escritos parecem de um alexandrino, judeucristão, helenizado. Na tradição bíblica, especificamente em Atos 4,36, temos a apresentação do companheiro de Paulo, na viagem missionária a Antioquia. Entretanto, todas as evidências revelam que não seja exatamente este Barnabé que estamos falando. Vale considerar que nos primeiros séculos era comum escrever cartas e colocar a autoria dos pais apostólicos, como forma de legitimar a autoridade da carta, bem como demonstrar um certo comprometimento apostólico. Como temos notícia de que um “Barnabé” contribuiu para a construção da teologia dos primeiros séculos? Por causa de um achado: a Epístola de Barnabé (Clemente de Alexandria fala a respeito de uma tradição “barnabéia” à carta; bem como Orígenes a considera canônica em seus escritos). É uma epístola Apócrifa (justificava-se autoria por intermédio dos escritos apostólicos). É dividida em duas partes: a primeira delas é dogmática (teologia); e a segunda de ensinamentos morais (prática). Esta epístola apócrifa7 não tem data nem local especificada em seu corpo de texto, foi encontrada no século XIX na região do Sinai. Provavelmente tenha sido escrita no segundo século, segundo Roque Frangiotti, uma vez que fala da destruição de Jerusalém por Adriano. Das características da carta podemos considerar teologicamente que a epístola sustenta a pré-existência de Cristo; a adoção dos filhos de Deus pelo batismo; solicita guardar o 7 A primeira e a segunda epístola de “Barnabé” estão disponíveis on-line, na internet, no site: www.veritatis.com.br. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 17 domingo, pois é o dia da ressurreição; é defensora de uma escatologia milenarista; além de ser o primeiro texto cristão contrário ao aborto (XIX, 5). 1.2. “De Roma para constantinopla”8 Constantino torna-se o único dono do ocidente após inúmeros conflitos, e estabelece o fim da perseguição aos cristãos, construiu o que poderia se chamar de uma nova Roma: Constantinopla (cidade de Constantino). Para o cristianismo do século IV, a unificação trazida por Constantino representou o fim das perseguições e dos martírios. A conversão ao cristianismo lhe trouxe inúmeras benesses, mesmo porque não se submeteu às autoridades pastorais, por se considerar, segundo González (1991, 30) “bispo dos bispos”. Recebeu o batismo só no leito de morte, para não se submeter a outras autoridades, e faleceu aproximadamente em 337. A união entre igreja e império estabelecida por Constantino fez com que o cristianismo se tornasse a religião oficial do império, cuja expressão maior se dá na teologia oficial: Eusébio de Cesaréia. Aparentemente, esta paz trazida aos cristãos por intermédio de Constantino, nada mais significava para o imperador do que uma unificação do império, apesar de sua “conversão” à nova religião. Por isso, alguns cristãos fugiram para o deserto em busca de uma espiritualidade digna, pois, consideravam que o cristianismo enquanto religião do império havia se tornado apóstata. 8 Título extraído da obra de González. A Era dos Gigantes. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 18 As conseqüências desta unificação foram aparentes, o culto assumiu a “pompa imperial”, ao contrário da forma como era celebrado (catacumbas, casas) nos primeiros séculos. Da mesma forma os templos construídos e as roupas destinadas aos bispos expressavam características imperiais. Daí a fuga de muitos cristãos para o deserto, pois, todas as formas de expressão do cristianismo assumiram características do império, e no deserto buscou-se viver uma espiritualidade mais simples e voltada ao ascetismo. 1.3. A controvérsia ariana e o concílio de nicéia Tanto durante como após o império de Constantino, a unidade da igreja era um elemento fundamental para a manutenção e ordem do império. Portanto, quaisquer problemas que procurassem dividir a religião oficial, seria diretamente combatido pelo império, visto que afetaria diretamente o império. Entretanto, no século IV surge uma outra ameaça para o cristianismo: o arianismo, uma tentativa de incluir no cristianismo um novo pensar teológico, que abalaria as bases dos ensinamentos dos pais apostólicos. Segundo Ário somente Deus Pai seria eterno e não gerado, logo, o Cristo seria mera criatura, não existira na eternidade. A teologia de Ário considerava que Cristo era diferente da natureza divina. Segundo Tillich (2000, 86) “... Jesus não teria sido completamente FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 19 homem dono de alma humana natural. Maria concebera um meio-Deus, nem plenamente Deus, nem plenamente homem” . 9 A teologia proposta por ário configurou numa grande ameaça para o cristianismo (similar ao gnosticismo), entretanto, foi combatida pelos pais da igreja que trataremos a seguir. Uma das formas encontradas para se prevenir contra as ameaças do arianismo foram os concílios. Em 325, o Concílio de Nicéia nega a cristologia apresentada por Ário, ao afirmar: “Cremos em um só Deu, Pai Onipotente, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis... E, um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus; gerado do Pai, unigênito da essência do Pai... gerado não feito, consubstancial (homonousios)” (Tillich: 2000, 87); Portanto, o arianismo foi uma das correntes de pensamento que mais abalaram as estruturas do cristianismo. Por outro lado, forçou a igreja a se defender das heresias lançadas por Ário. Dentre as produções que restam deste período totalmente criativo para a historia da teologia cristão, temos os credos, o relato dos inúmeros concílios realizados pela igreja, e os escritos de Atanásio, Apolinário, Cirilo, Nestório e Agostinho. 1.3.1. Atanásio É considerado um grande bispo alexandrino. Segundo Altaner (1988, 275) “... o primeiro defensor da fé de Nicéia, na luta contra os adversários arianos e o poder imperial... ”. Nasceu em 295, em Alexandria. 9 Idéia perfeitamente aceita na mitologia grega. Em que os deuses desciam à terra para manter relações sexuais com as mulheres, e estas por sua vez geravam semideuses. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 20 Passou muito tempo exilado por causa de suas idéias, seus escritos eram apologéticos e dogmáticos, sua obra mais importante consta de três livros “Orationes contra Arianos”. Em que defende no primeiro livro a doutrina Nicena sobre a origem eterna do Filho gerado do Pai, “e a consubstancialidade do Filho com o Pai”; o segundo livro e o terceiro tratam das justificativas bíblicas utilizadas pelos arianos, em defesa de seus ideais (ALTANER: 1988, 277). A importância de Atanásio está em sua dogmática10, uma vez que iluminou o caminho da compreensão da Trindade para igreja, principalmente no que diz respeito à idéia do logos. Defendeu a homoousia do Filho com o Pai, tornand-se um grande oponente de Ário. Segundo ele, Cristo não é gerado, pois, não é criatura, é eterno com o Pai, têm a mesma natureza (phusis). Atanásio afirmava que “Nenhum semi-deus, herói ou poder de ser limitado e relativo seria capaz disso. Somente, enquanto ser histórico, Deus poderia mudar a história e, somente enquanto divino, poderia conceder a eternidade.” (TILLICH: 2000, 89). Portanto, o Cristo só é entendido mediante o poder do Espírito Santo (que também não é criatura). Deus divinizou a humanidade, ao unir-se com ela, portanto, a encarnação de Cristo é fundamental no processo de Redenção. Segundo Altaner (1988, 282) Atanásio cria que o Filho é fonte imediata do Espírito Santo, ou seja, “... o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho.”. 10 Entendemos por dogmática uma posição conceitual em que não há dúvida (HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. 1978, p. 37) FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 21 As idéias de Ário trouxeram muitos seguidores que eram batizados e o seguiam, por isso, Atanásio considerava que o batismo realizado pelos arianos não era válido, visto que não batizam em nome da verdadeira Trindade. Após inúmeras discussões a respeito do uso adequado dos termos para estabelecer a relação na Trindade, Atanásio aceita o chamado “acordo teológico”, ou seja, as pessoas aceitaram o credo niceno por medo de afirmar que o Filho era da mesma substância que o Pai. Segundo Gonzalez (1991, 121), “Por fim, um Sínodo reunido em Alexandria em 362, Atanásio e seus seguidores declararam que era aceitável falar do Pai, do Filho e do Espírito Santo como “uma substância” (hipóstasis), sempre que não se entendesse isto como se não houvesse nenhuma distinção entre os três, e também com “três substâncias” (três hipostasis), sempre que não se entendesse isso como se houvesse três deuses.” Neste sentido, podemos considerar que uma das figuras mais importantes na defesa da fé cristã do século IV é Atanásio, visto que foi um dos maiores defensores da fé nicena contra as heresias de Ário. 1.3.2. Apolinário Segundo Altaner (1988, 316), Apolinário nasce em aproximadamente 310, em Laodicéia (Síria), em 361 torna-se bispo na comunidade nicena, após formação dentro dos princípios antioquenos. Apesar de pertencer a uma escola teológica diferente, era amigo de Atanásio, portanto, lutou também contra o arianismo ao evitar seus erros trinitários, entretanto, não evitou os erros cristológicos. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 22 Sob a influência do arianismo “... Apolinário negou a perfeita natureza humana de Cristo e, apoiando-se na tricotomia platônica, não negou ao Redentor...”, ou seja, um misto de Deus e homem, sem alma racional, neste caso confundindo a pessoa e a natureza, reconheceu apenas uma natureza em Cristo (ALTANER: 1988, 316). Sua idéia foi condenada até por Constantinopla em 381. Dentre suas mais importantes obras estão: comentários sobre o AT e o NT; obras Apologéticas contra Porfírio e o imperador Juliano; Dogmáticas contra Orígenes; e cânticos e composições. Segundo Altaner (1988, 317) “Apolinário está tão longe da interpretação literal dos antioquenos quanto da alegoria dos alexandrinos. Como teólogo dogmático, empenha-se por evidenciar, em primeiro lugar, o sentido doutrinal da Epístola.”. 1.3.3. Nestório Nasce após 381, fora educado na escola de Antioquia, local onde se iniciou ao sacerdócio. Perseguiu arduamente os hereges, entretanto em 431 foi deposto por pregar a cristologia antioquena. Escreveu muitas obras, e sob o mandado de Teodósio II teve suas obras queimadas. No início do século XX, F.Loofs conseguiu juntar a obra de Nestório, e a única peça íntegra foi “Bazar de Heráclides de Damasco”. Por causa deste achado sua obra tem peso teológico para os pais da igreja, pois, dentre os assuntos tratados estão: a afirmação de que Maria não poderia ser considerada Theotokos por considerar a humanidade de Cristo, logo, Maria era mãe de Jesus e não de Deus; além do mais encontramos em seus escritos a afirmação de que em Cristo há duas pessoas encarnadas, a humana e a divina. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 23 Portanto, as concepções teológicas de Nestório enquanto pai da igreja contribuiu para a concepção contemporânea da cristologia: a concepção de que Cristo foi cem por cento homem, mas também foi cem por cento Deus. 1.3.4. Cirilo A data de seu nascimento é incerta, sabe-se que sua origem é de Alexandria. Foi contra o episcopado do Nestório em Constantinopla (428), uma vez que não concordava com sua teologia sobre Maria. Entretanto, Após inúmeras rivalidades entre Nestório e Cirilo, Teodósio II exila e excomunga ambos. Quanto às obras de Cirilo, podemos dividi-las em duas partes: a primeira delas é contra os arianos; e a segunda (428) contra o nestorianismo, em que escreveu o “Tratado contra as blasfêmias de Nestório”, contra os que não querem confessar que Maria é mãe de Deus; os demais escritos são cartas pascais, epístolas, sermões, e comentários sobre o AT e o NT. Sua teologia é inovadora no momento em que não utiliza apenas dos escritos canônicos para a teologia, mas, também os pais da igreja (método escolástico). Segundo Manzanares (1995, 68) “... as provas derivadas da razão de manter sua tese, sua cristologia inicial não foi senão uma cópia da de Atanásio... antecipando a dualidade das naturezas existentes em Cristo”. Segundo Cirilo Maria deveria ser mãe de Deus, pois, quem nasce é o Cristo divino e não o Jesus humano. Não sabemos ao certo se o conflito estabelecido entre Cirilo e Nestório tem fundamento teológico ou ideológico, mesmo porque faziam parte de escolas teológicas diferentes: FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 24 Escola de Antioquia e Escola de Alexandria. E como sabemos, tais escolas estavam fundamentadas em argumentos – até o que sabemos – diferentes. 1.3.5. Agostinho Sob a autoridade do consenso, Agostinho é considerado um dos maiores teólogos da antiguidade. Aurélio Agostinho nasce em 354 em Roma. Filho de pai pagão, e uma mãe cristã convicta e fervorosa, que não impediu seu filho de abandonar o cristianismo pelos prazeres mundanos. Foi bispo de Hipona aproximadamente no século V. Posicionou-se contra os maniqueus que consideravam o mal enquanto substância. De acordo com Frangiotti (1992, 82) nas obras antidonatistas Agostinho declarava que “... A Igreja é comunidade visível de santos e de pecadores; a eficácia dos sacramentos não depende das disposições morais do ministro.” Contra os pelagianos11, Agostinho escreveu muito sobre o pecado original e sobre a graça, contrariando assim a moral pelagiana. Segundo ele, o pecado vem da hereditariedade, logo, as crianças nascem na mesma condição de Adão. Sua obra “As Confissões” é uma das maiores obras primas da literatura mundial, revela sua incapacidade e fraqueza diante da vida, entretanto, sua exposição dá idéia de como Agostinho entendia a predestinação e a graça. Segundo ele a graça não elimina a liberdade humana. 11 A salvação é mérito humano. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 25 Sua teologia considera que algumas pessoas são predestinadas à salvação mediante a vontade divina, e não por méritos humanos. Sua influência é totalmente platônica, pois considera que a queda é um problema cosmológico, de desajuste com o Logos. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 26 II – TEOLOGIA MEDIEVAL A teologia medieval é influenciada por uma cosmovisão transcendental, manifestada principalmente por uma instituição particular, neste caso a igreja. Desta forma, a influência da igreja sobre a sociedade gerou uma sociedade sacralizada, em que cultura, natureza, e vida perpassam pelo crivo religioso. Deus é a causa primeira, e enquanto influencia agostiniana é entendido como vontade. Neste período, a teologia não O compreende enquanto pessoa, mas, enquanto personae, ou seja, a concepção trinitária está baseada nas pessoas enquanto “faces” ou “semblantes”. Frangiotti aponta algumas características básicas do período medieval: Influência dos Padres contextualização); Influência da Teologia da Agostinho (universo subordinado à ciência sagrada, e a cosmovisão teocêntrica – tudo é revelação e salvação); A teologia e a especulação filosófica (sujeição de tudo a crítica – fé x razão); Teologia sob a influência da filosofia aristotélica (método dialético); da Igreja (exegese, método alegórico e Ao contrário do que muitos afirmam, não é um período de dominação da igreja sobre seus fiéis. Segundo Tillich, o período medieval não deve ser entendido com base nos parâmetros que conhecemos, o período da modernidade não é superior ao medieval. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 27 A teologia medial não foi um emaranhado de acontecimentos vergonhosos e obscuros para a história do cristianismo, pelo contrário, seus acontecimentos contribuíram para o surgimento da teologia da reforma e contemporânea. Para uma melhor compreensão metodológica, separaremos o período medieval em quatro períodos distintos, assim classificados por muitos estudiosos deste período: 1) Período de Transição, que podemos classificar entre os anos 600 e 1000 d.C. é um momento importante, se considerarmos que é o começo da substituição da tradição antiga para a medieval. É considerado um período de conservação da teologia dos pais da igreja, e da tradição canônica; 2) Primeira Idade Média, que compreende os anos 1000 a 1200. É um período de criatividade profunda, em se superou a fase de conservação anterior, agora se começa o desenvolvimento de elementos teológicos novos. Ou seja, o período de transição foi marcado pela conservação da teologia antiga, agora, nesta fase procura-se reinterpretar a tradição da igreja. Apesar de que não devemos entender esta fase como inovação do pensamento teológico. 3) Alta Idade Média, compreende os anos de 1200 a 1300. Neste período da idade média foi desenvolvido o sistema escolástico, que trataremos posteriormente. Entretanto, para compreendermos a importância da escolástica, podemos considera-la como a teologia deste período. 4) Idade Média Posterior, começa o processo de desintegração, ou seja, o surgimento de movimentos religiosos de revolta e questionamento da teologia e estrutura da igreja. Neste período a centralidade da religião na sociedade medieval começa a ser desestruturada. É neste período que muitos autores nomeiam enquanto “idade das trevas”, período de profundas mudanças, que fizeram como que a igreja reagisse de forma drástica para manutenção de sua autoridade política e religiosa. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 28 Tratados e esclarecidos a forma como é constituído (metodologicamente) o período medieval, podemos agora compreender sua teologia, o escolasticismo, bem como outras tendências teológicas que surgem neste período. Particularmente, os séculos XII e XIII segundo a maioria dos autores com os quais trabalhamos12 reconhecem que este período é o mais importante para a medievalidade. Segundo Tillich (2000, 186) “o destino inteiro do mundo ocidental foi decidido nessa época”. Alguns eventos dão a estes séculos suas particularidades. Este período é o das cruzadas, momento em que se promove um primeiro contato entre árabes e cristãos, este contato de culturas contribuiu de forma significativa para a teologia do século XIII, uma vez que os filósofos árabes apresentam os escritos genuínos de Aristóteles13. A descoberta destes escritos representou para a teologia medieval uma nova forma de interpretar a vida (teologia), até então escondida. Os escritos apresentavam uma cosmovisão “secularizada”, logo, independente do poder religioso, um sistema que englobava vários sentidos da vida: ética, natureza, política, etc,. Utilizava também categorias filosóficas como: forma e matéria; ato e potência; análise ontológica14 da realidade. 12 Vide Bibliografia. O surgimento dos escritos autênticos de Aristóteles, abalaram as estruturas dos agostinianos, uma vez que boa parte da obra de agostinho levou em consideração os pseudos-escritos aristotélicos. 14 “Segundo o aristotelismo, parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do ser, apartada da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral; metafísica ontológica” (verbete do dicionário eletrônico Houaiss). 13 FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 2.1. 29 Escolasticismo15, misticismo e biblicismo Podemos considerar que o escolasticismo é a teologia da idade média, pode ser definido como a “explicação metodológica da doutrina cristã” (TILLICH: 2000, 146). Na verdade, o escolasticismo não pretendia tornar a fé cristã num emaranhado de “teses científicas”, pelo contrário, sua intenção era abarcar as situações da experiência religiosa e transforma-la em perspectiva teológica. Todos os pensamentos elaborados pelos teólogos escolásticos representaram uma mudança na espiritualidade medieval. Os textos eram produzidos em latim, uma linguagem destinada à classe alta da sociedade medieval (clero). Devido à inacessibilidade das camadas mais populares a teologia escolástica, ela foi traduzida por intermédio dos: ofícios religiosos, da liturgia, da pintura e da música. Os teólogos escolásticos eram antes de tudo místicos, e tentavam escrever o que de fato viviam na espiritualidade – na verdade, o escolasticismo era representante da experiência que se traduzia à mensagem para o povo. Portanto, não era uma fé intelectualizada. O misticismo representava uma atitude teológica baseada na experiência espiritual das pessoas, logo, misticismo e escolasticismo não se separam. De outro lado, temos uma outra atitude teológica, o biblicismo que estava profundamente preocupado com a tradição bíblica. Este movimento será um dos precursores da reforma protestante. Na verdade esta atitude teológica buscou na fundamentação bíblica a orientação para os leigos. 15 Escolasticismo significa filosofia da escola. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 30 Em muitos momentos estas atitudes teológicas entravam em conflito, mas, se formos analisar, podemos considera-las interdependentes, mesmo porque para o escolasticismo não há separação entre teologia, tradição bíblica e experiência religiosa com o sagrado. Se considerarmos que a autoridade do período medieval é somente a tradição viva interpretada e transmitida pela igreja (expressa por intermédio dos pais, dos concílios, credo, do cânon) e que o indivíduo nasce nesta sociedade em que tais tradições são naturais, visto que não há outro caminho ou opção, o método escolástico – com sua especulação – representou um risco para a autoridade da igreja. O grande argumento utilizado pelos antidialéticos contra o método escolástico foi justamente a de que este método interpretaria – pela razão – a autoridade “natural” da igreja. Entretanto, Tillich (1988, 137) demonstra que para Tomás de Aquino “a razão não precisa ser destruída para interpretar o significado da tradição viva”. Por isso, que no início do período medieval a autoridade da igreja era algo perfeitamente e normal, visto que o indivíduo nascia neste único e natural sistema de pensamento e realidade. Entretanto, o período final da idade média é reconhecido enquanto “idade das trevas” pela necessidade de imposição da autoridade (autoritarismo), isto associado à perda de plausibilidade religiosa. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 2.2. 31 Controvérsias teológicas da idade média 2.2.1. Fé e Razão A partir do século XI tudo passa a ser passível de crítica, isso inclui o fazer teológico baseado na tradição canônica e nos escritos dos pais da igreja. Dessa forma, estabelece-se um conflito entre aqueles que eram favoráveis unicamente à utilização da fé para compreensão do mundo, enquanto outros criam que era possível utilizar a razão para interpretação teológica. Aqueles que se destinavam a defender a razão para compreensão teológica eram os dialéticos, por considerarem que a razão era mediadora do fazer teológico. Dentre as expressões mais importantes deste movimento temo São Tomás de Aquino (nasce em 1225 e morre em 1274), membro da ordem dominicana, tinha influência marcadamente aristotélica. Segundo ele o aristotelismo não prova a existência de Deus, mas tem a capacidade de revelar seus atributos, segundo este método é argumentativo, teológico e racional. Segundo Tomás de Aquino, a revelação não tem a capacidade de anular a razão, mas, cumpre a função de sistematizar o dogma. Dentre os principais escritos estão: as sumas16 teológicas. Seus objetivos teológicos eram a primazia da suficiência da razão, logo, a teologia é interpretada enquanto uma ciência argumentativa. Tomás de Aquino é figura central na compreensão da teologia do século XIII, sistematizou as idéias de sua época a respeito da fé, por isso é considerado uma grande personalidade da 16 As sumas se caracterizam pela exposição teológica e sintética dos dogmas e doutrinas da igreja. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 32 escolástica (retomou o pensamento aristotélico), foi direto às fontes reatualizando a tradição da igreja. Aqueles que se destinaram defender a fé como única fonte de revelação foram os antidialéticos, que rejeitavam toda e qualquer aproximação da fé com a razão. E uma das figuras mais marcantes deste movimento é Duns Scoto (1265), pertencente à ordem franciscana. Scoto também era um escolástico, entretanto não aceita a razão enquanto instrumento para apresentar a verdade, por considerar que o conhecimento não revela a Trindade e muito menos a salvação, demonstrando a insuficiência da razão natural para interpretar as revelações de Deus. Suas principais obras são: Caráter prático da teologia e caráter científico da filosofia. Primava pela teologia, e considerava que os homens só podem ser bons por causa de Deus, logo, intelecto e vontade são princípios supremos. Teologicamente para Tomás de Aquino os princípios supremos estão baseados no intelecto, logo, somente o intelecto poderia ser o poder dominante. Por outro lado, Scoto considerava a vontade como poder predominante, logo, primeiramente Deus é vontade, o mundo foi criado pela vontade. Portanto, um grande impasse teológico se estabeleceu: a discussão teológica sobre a vontade e o intelecto. As concepções de Tomás de Aquino e Duns Scoto culminam em duas tendências: 1) Escotismo: místicos, franciscanos, baseados nos escritos de agostinho e Platão; 2) Tomismo: racionais, dominicanos, baseados nos escritos de Aristóteles. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 33 2.2.2. Nominalismo e Realismo “Para se entender o que significava realismo, na Idade Média, basta traduzir o termo por “idealismo”. O realismo medieval é o que chamamos de idealismo se não o entendermos em sentido moral ou num sentido epistemológico especial, mas em termos de idéias ou essências das coisas possuidoras de realidade e de poder de ser. O realismo medieval é quase o oposto do que chamamos hoje de realidsmo, e o que entendemos hoje por realismo é quase idêntico ao que os medievais chamavam de nominalismo. Os universais, as essências, a natureza do homem, a natureza das coisas, a natureza da verdade etc, são, para os medievais, poderes que determinam o que os seres individuais, tais como árvores e pessoas, vão se tornar quando, afinal, se desenvolverem... Essas potencialidades podem, naturalmente, não se desenvolver ou serem destruídas, mas estão em todos os indivíduos (...) O nominalismo pensava exatamente o contrário: só existem este Pedro e este Paulo” (TILLICH: 2000, 152). Percebe-se que o nominalismo e o realismo elaboram diferentes maneiras de compreender a realidade, que influenciou diretamente na concepção teológica do período medieval. Logo, muda-se a forma de conceber o indivíduo no universo, as relações entre os grupos sociais e o conceito de individualidade, que viria posteriormente se desenvolver nas sociedades modernas. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 34 III - TEOLOGIA DA REFORMA PROTESTANTE Os livros de história nos informam que a reforma protestante se deu no dia 31 de outubro de 1517. Contudo, devemos compreender que os acontecimentos históricos não se resumem a um dia específico, mas, são resultado de uma evolução de acontecimentos que culminam naquilo que a história chama de “o dia de”. Um grande acontecimento histórico, como é o caso da reforma protestante, não é fruto de um dia, localidade, e um homem específico. Pelo contrário, é um movimento que culmina num determinado acontecimento, que para os livros de história, faz-se necessário datar. Não estamos querendo dizer que a reforma não teve sua importância, e que Lutero não é o grande reformador do século XVI. Ele é o grande reformador do século XVI, e teve sua importância histórico-social para este século, entretanto, o que estamos afirmando é que outros o precederam como é o caso de Wicliff e Huss no período medieval. 3.1. Antecedentes históricos FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 35 A reforma protestante marca a fase de transição do período medieval para a era moderna. Entretanto para que se chegasse a reforma inúmeros fatos históricos, econômicos e sociais, anteriores ao século XVI, aconteceram. A relação entre a igreja e o estado era um tanto tensa na idade média, entretanto, fundamental para manutenção do poder entre as instituições. Poder religioso e poder estatal eram interdependentes, entretanto, após o cisma (1378-1417; 1449) e depois do Concílio de Basiléia os papas tiveram que buscar, segundo Dreher (2002, 14), reconhecimento junto aos príncipes, imperadores e reis, ou seja, o Estado passa a ter grande influência sobre a igreja. Portanto, o final do século XV é marcado pela influência secular na vida da igreja, ou seja, surgem igrejas territoriais que poderiam ser governadas até mesmo pelos líderes municipais. Com a liderança das igrejas assumidas pelos reis, príncipes, e imperadores, o poder se consolidava a ponto de ser fonte de autoridade definitiva sobre a vida dos indivíduos em sociedade. Da mesma forma, os líderes eclesiásticos eram escolhidos de acordo com a fidelidade política, logo, a vocação espiritual dos clérigos era questionada, se considerarmos que suas ambições políticas vinham em primeiro lugar. Mesmo com a instituição do papado, a igreja só poderia tomar algumas atitudes com a autorização do principado, logo, o príncipe passou a controlar as ofertas e bens simbólicos do sagrado. As indulgências só eram permitidas, caso o príncipe tivesse participação nos lucros. Portanto, as igrejas, conventos, e mosteiros eram administrados pelas cidades em que estavam inseridas. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 3.2. 36 Panorama histórico da reforma: o jovem lutero Dependendo do ponto que focamos nosso olhar, Lutero pode ser considerado um anarquista, da mesma forma que pode ser um herói da história da igreja. Entretanto, o que nos propomos a analisar são os reais motivos pelos quais este protagonista de nossa história ousou desafiar um poder tão efetivo quanto o do final da idade medieval. Na história de muitos movimentos, principalmente os religiosos contemporâneos, encontramos impresso a marca de seu líder, e a reforma protestante não é diferente. Caso estudássemos a fundo a vida e obra de Lutero, bem como sua teologia, concluiríamos que sua teologia é expressão de sua vida e de suas inquietações. Lutero nasceu na Alemanha do final do século XV, especificamente em 1483. González (1983, 46) nos conta que sua vida não foi muito feliz, “... Seus pais eram extremamente severos com ele, e muitos anos mais tarde ele contava com amargura alguns dos castigos que lhe tinham sido impostos. Durante toda a sua vida foi presa de períodos de depressão e angústia profunda, e há quem pense que isso se deve em boa parte à austeridade excessiva exigida na sua infância. Na escola suas primeiras experiências não foram melhores, pois também posteriormente se queixava de como o tinham golpeado por não saber suas lições.... não resta dúvidas que essas situações deixaram marcas permanentes no caráter do jovem Martinho.” Ingressou no mosteiro agostinho de Erfurt em 1505, após uma experiência pessoal aterrorizante, e contrariando a vontade de seu pai que insistia que fosse advogado. Seu interesse pelo hábito estava diretamente associado ao interesse pela salvação e o medo da condenação, temas atuais da época do jovem estudante. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 37 O jovem Lutero se dedicou plenamente ao serviço da igreja. Entretanto, o medo de Deus não lhe abandonara, continuava pensando que Deus se assemelhava a seus pais e professores, ou seja, Deus era um Deus carrasco e impiedoso, e que todos os meios de graça não eram suficientes para obter seu perdão. A religiosidade de Lutero era tamanha, que nunca se sentia perdoado, seu sentimento pecaminoso o cercava a todo o momento e o tornava o pior de todos os homens. Seu utópico desejo de se tornar um monge perfeito não se concretizava nem mesmo com as demasiadas confissões e boas obras, até mesmo elas eram insuficientes para apagar seus pecados. Diante de tais sentimentos, seu confessor o enviou à Universidade de Wittenberg, para dirigir cursos sobre as escrituras. Quando Lutero começou em 1515 a dar conferências sobre a epístola de Romanos, percebeu que a justiça de Deus não se referia as obras praticadas, mas ao dom gratuito de Deus. Neste momento sua vida tomou um novo rumo, percebeu que a justiça de Deus não era impiedosa, mas, amorosa. Daí em diante toda a Bíblia foi re-significada para ele, e ele entendeu o amor de Deus. Parece que sua luta espiritual, travada há muito tempo, estava solucionada, entretanto, o espirituoso Lutero assumiu outras lutas, que definitivamente mudaria sua vida. Lutero casou-se com uma ex-freira, teve filhos e filhas. No final de sua vida, encontramos um homem depressivo e sem muitas vontades para com a vida, entretanto, continuava seu trabalho reformador. Os livros de história datam a morte de Lutero no dia 18 de fevereiro de 1546, em que a causa mortis seria um ataque do coração. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 3.3. 38 A reforma protestante Como falamos anteriormente, a reforma protestante não é fruto de um único só homem. Porém, faz-se necessário afirmar que Lutero foi o homem certo, no momento certo, e no lugar certo. Ou seja, a reforma protestante é atribuída a Lutero porque ele apareceu no momento em que todas as circunstâncias políticas, sociais e econômicas estavam preparadas para a reforma. Apesar de sua fidelidade para com a igreja, Lutero começou a perceber que a vocação da igreja não estava sendo cumprida, ou seja, a vocação de libertar o ser humano por intermédio de Jesus Cristo, uma vez que o retorno financeiro das indulgências não correspondiam as verdades bíblicas17. Neste momento a venda das indulgências havia sido autorizada pelo papa Leão X, um papa corrupto que só almejava sua glória pessoal. A metade das vendas das indulgências eram destinadas a sua obra na basílica de São Pedro, ostentando por este ambicioso papa. João Tetzel foi o grande responsável pela venda de indulgências na Alemanha Central, e afirmava sem escrúpulos que as indulgências deixavam o pecador: “... “mais limpo do que quando saia do batismo”, “mais limpo que Adão antes de cair”, “ que a cruz do vendedor de indulgências tinha tanto poder quanto a cruz de Cristo”, “e que quando se comprava indulgências para um parente morto, tão pouco a moeda caísse no cofre, a alma saia do purgatório”” (Gonzalez, 1983). 17 O acesso às escrituras era um privilégio dos clérigos, considerados os detentores do saber, enquanto que o povo não tinha acesso. Desta forma criou-se um clericalismo que tornava o povo ignorante. A teologia da idade medieval era de grande incerteza. Mesmo porque os líderes da igreja estavam preocupados mais com o dinheiro do que com suas vidas espirituais. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 39 Com tais afirmações Teztel representava para os humanistas, o reflexo do que tinha se transformado a igreja. A aversão humanista18 com relação às indulgências estava diretamente relacionada com a percepção da exploração romana sobre o povo alemão (sentimento nacionalista). Indignado com esses acontecimentos, Lutero decide escrever em latim 95 teses, que sem esperar, assumem uma proporção gigantesca na Europa do século XVI. Ao escreve-las, Lutero criticou arduamente as indulgências, e o poder daqueles que estavam por trás delas, ou seja, o poder político-religioso deste contexto. Portanto, as noventa e cinco teses representavam em poucas linhas: Um protesto contra a exploração romana, uma vez que o amor de Deus era dom gratuito; Um ataque direto contra a venda das indulgências, por considerar que o papa deveria tirar do próprio bolso para dar aos empobrecidos, e não ao contrário, para construir sua Basílica; 18 “O Humanismo (1418-1527) caracteriza-se por uma nova visão do homem em relação a Deus e, em relação a si mesmo. Essa nova visão decorre diante da nova realidade social e econômica vivida na época. A pirâmide social da era Medieval, já não existe mais ( essa pirâmide era formada pelos Nobres / Clero / e Povo ), graças ao surgimento de uma nova classe social: a Burguesia, cujo nome se origina da palavra burgos que quer dizer cidade. O surgimento das cidades deve-se ao incremento do comércio que era a base de sustentação dessa nova classe social. As cidades por sua vez, oferecem uma nova opção de vida para os camponeses que abandonam o campo. Esse fato iniciou o afrouxamento do regime feudal de servidão. Nessa época também tem início as grandes navegações, que levam as pessoas a valorizar crescentemente as conquista humanas. Esses fatores combinados levam a um processo que atinge seu ponto máximo no Renascimento. Como conseqüência dessa nova realidade social, o Teocentrismo pregado e defendido durante tantos anos pelas classes anteriores, passa a dar lugar para o Antropocentrismo, nova visão onde o homem se coloca como sendo o centro do Universo. Na cultura, esse processo de mudanças também tem efeitos culturais pois, o homem passa a se encarar como ser humano, e não mais como a imagem de Deus. Todas as Artes passam a expressar novas partículas que apareceram com essa nova visão, as pinturas os poemas e as músicas da época por exemplo, tornam-se mais humanas, passam a retratar mais o ser humano em sua formação. Essa nova concepção, não significa que a religião estava acabando mas, apenas que agora os artistas passavam a embutir em suas obras também o lado humano derivado desse novo regime social. As obras dessa época, vão refletir em sua formação esse momento de transição de uma mentalidade para outra, ou seja, a passagem de uma visão Teocêntrica para a visão antropocêntrica do mundo. Portanto o Humanismo é considerado como um período de transição. A prosa, a poesia e principalmente o teatro produzidos nesse período refletem essa transição.” (Extraído da internet em 01/02/2005 - http://www.estudiologia.hpg.ig.com.br/humanismo_4.htm; http://geocities.yahoo.com.br/veluhdias/humanismo.) FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 3.4. 40 Lutero e sua teologia Dois fatores contribuem para a formação da teologia de Lutero, o primeiro deles é sua experiência pessoal com Deus, e o segundo diz respeito a sua formação teológica que tinha como principal base o aprofundamento bíblico somado a ministração de suas aulas no seminário, que certamente contribuíram para sua reflexão mais aprofundada da Bíblia. É claro que não temos como colocar em breves momentos toda a teologia de Lutero, entretanto tentaremos abordar aquelas que significaram uma mudança na vida dos “protestantes” em relação à religiosidade católica romana. 3.4.1. A palavra de Deus (Bíblia) Toda a autoridade de sua teologia está na palavra de Deus, uma vez que a palavra é o próprio Deus. Lutero estava baseado no Evangelho de João, e em Gênesis onde a palavra tem força criadora. Não acreditava que a Bíblia fosse infalível, entretanto cria que Deus havia inspirado alguns escolhidos para propaga-la, e que pela Bíblia conhecemos a Jesus Cristo. Lutero tinha dificuldades em aceitar a Epístola de Tiago no Cânon, uma vez que a considerava secundária e apenas continha em seu conteúdo regras de comportamento, entretanto, não a retirou do Cânon. Segundo González, Lutero afirmava que a igreja não tinha autoridade sobre as escrituras (livre interpretação da Bíblia), e que também a autoridade final não estava na Bíblia, nem na igreja, mas no Evangelho, na mensagem de Jesus Cristo, que é a própria palavra de Deus encarnada.19 19 A forte ênfase da reforma protestante no que diz respeito a palavra, trouxe uma das maiores calamidades da história da humanidade. Na primavera de 1522, em Wittenberg, é determinado a retirada das imagens das FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 41 3.4.2. O conhecimento de Deus (Teologia da Cruz) Com base na teologia tradicional, Lutero concordava que é possível conhecer a Deus pela razão, isto dá capacidade ao homem em saber que Deus existe, entretanto qualquer esforço humano para conhecer a Deus é inútil. Segundo ele não basta pensar como Deus é, sua revelação não se dará neste momento de reflexão, mas só tem um lugar – a cruz de Cristo, portanto, a Teologia de Lutero é por uma teologia da Cruz. Não devemos buscar ver em Deus o que queremos (nossas próprias vontades), mas onde Deus se revela. 3.4.3. A Lei e o evangelho Como afirmamos anteriormente, Lutero considerava que só é possível conhecer a Deus por meio da revelação que vem da cruz, entretanto, há dois modos distintos que Deus se faz conhecer: pela Lei e pelo Evangelho (Palavra de Deus). Não significa que Lutero estigmatizava o Antigo Testamento enquanto Lei, e o Novo enquanto Graça, mas, que a revelação de Deus se dá de uma única só vez, ou seja, no mesmo momento em que é anunciado a condenação é anunciado a graça. Isto equivale dizer que Deus não fecha os olhos para os nossos pecados, porque Ele é Santo, entretanto somos justificados por sua graça, que é dom gratuito de Deus, somos justificados pela fé. Segundo ele, a Lei é esmagadora, entretanto, o Evangelho é libertador. Há uma dialética entre lei e evangelho, justamente a crise pela qual Lutero se vê durante sua vida, ou seja, por um lado era pecador, entretanto quando compreendeu a epístola aos Romanos foi liberto de suas inquietudes. igrejas. Um momento de grande violência e intolerância. Os iconoclastas queimaram e quebraram obras de arte, e incendiavam tudo o que viam pela frente. O ideal da reforma trouxe a idéia de que somente a palavra venceria, e com o iconoclasmo os templos protestantes tornaram-se vazios e sem arte, conclusão, a arte deixou de ter motivos religiosos. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 42 3.4.4. A Igreja e os sacramentos Apesar da primeira impressão que temos de Lutero ser a de um rebelde, contrário a igreja, não devemos nos esquecer que em nenhum momento foi sua intenção romper com a igreja, mas, abrir-lhes os olhos contra os erros de seus filhos. Segundo González Lutero sempre pensou na Igreja como parte essencial da mensagem cristã, uma vez que a igreja era uma comunidade de irmãos e não uma “individualidade”. A doutrina do “sacerdócio universal de todos os crentes” não limitava o indivíduo a uma espiritualidade individual, pelo contrário, responsabilizava cada crente a trabalhar para o Reino de Deus em comum. Além do mais é por intermédio da igreja que recebemos os meios de graça, os sacramentos. Segundo Lutero, para que um rito fosse reconhecido como verdadeiro sacramento, deveria ter sido instituído por Jesus por meio dos Evangelhos. Portanto, Lutero reconheceu apenas dois sacramentos: o batismo e a ceia. Segundo González (1983, 70 – 71), “O batismo é o sinal da morte e ressurreição do cristão, com Jesus Cristo. Porém é muito mais que um sinal, pois por ele e nele fomos feitos membros do corpo de Cristo. O batismo e a fé andam estreitamente unidos, pois o rito sem a fé não é válido, porém isto não deve ser entendido no sentido de que temos que ter fé antes de ser batizados, e que portanto não se possa batizar as crianças. Se dissermos tal coisa, cairíamos no erro daqueles que crêem que a fé é uma obra humana, e não um dom de Deus. Na salvação a iniciativa é sempre de Deus, e isto é o que anunciamos ao batizar crianças tão pequeninas que são incapazes de entender do que se trata. Além disso, o batismo não é somente o começo da vida cristã, mas é o fundamento e o contexto dentro do qual toda essa vida tem lugar. O batismo é valido, não só no momento de ser administrado, mas para toda a vida.” Segundo Lutero, a eucaristia era o centro do culto cristão, ou seja, de suma importância para a vida do crente. E por isso combateu arduamente a doutrina da transubstanciação, uma vez que a ceia não era repetição do sacrifício de Cristo (missa). E mediante sua posição frente à ceia teve que debater com católicos e até protestantes, mas, nunca afirmou que a ceia era simplesmente um símbolo das realidades espirituais, sua posição era de que, FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 43 “... na ceia os fiéis participavam verdadeiramente e literalmente do corpo de Cristo. Isto não indica, como na transubstanciação, que o pão se converta em corpo, e o vinho em sangue. O pão continua sendo pão, e o vinho, vinho. Porém agora estão também neles o corpo e o sangue do Senhor, e o crente se alimenta deles ao tomar o pão e o vinho. Se bem que mais tarde se deu a essa doutrina o nome de “consubstanciação”, Lutero nunca pensou assim, e preferia sim chamá-la de a presença de Cristo em, com, debaixo, ao redor, e por trás do pão e do vinho.” (González: 1983, 73) A controvérsia a respeito da ceia gerou inúmeras divisões entre os luteranos, calvinistas, e entusiastas, que consideravam uma presença simbólica de Cristo na ceia, em muitos momentos Lutero se viu em dúvida com relação a transubstanciação católica (sua origem religiosa) e a simbologia de Calvino. 3.4.5. Os dois reinos Um tema pertinente para a época em que viveu o reformador é a relação entre a Igreja e o Estado. Segundo Lutero, “... Deus tinha estabelecido dois reinos, um sob a lei, e outro sob o Evangelho. O estado opera debaixo da lei, e seu principal propósito é pôr limites ao pecado humano. Sem o estado os maus não teriam freios. Os crentes por outra parte, pertencem ao segundo reino, e estão debaixo do evangelho... porém não esqueçamos que os crentes, ao mesmo tempo que são justificados pela fé, continuam sendo pecadores. Portanto, enquanto somos pecadores, todos estamos sujeitos ao estado.” (González: 1983) A relação estabelecida por Lutero é um tanto confusa, o que nos consta é que até mesmo Lutero não tinha certeza de como estado e igreja deveriam relacionar-se. Em muitos momentos, quando se sentiu ameaçado, chamou seus seguidores a pegar as armas, portanto não foi um pacifista. Da mesma forma que quando os camponeses “rebeldes” e anabatistas FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 44 ameaçaram seus ideais, afirmou que as autoridades civis tinham o dever de reprimi-los com autoridade.20 Lutero é considerado pelos historiadores o fundador do período moderno e do racionalismo, uma vez que suas idéias romperam com o período medieval, destruíram a hegemonia católica, e promoveram o processo de secularização. 3.5. Calvino21: o sistematizador da teologia protestante González (1983, 104) afirma categoricamente que “Sem dúvida, o mais importante sistematizador da teologia protestante no século XVI foi João Calvino”. Ou seja, se por um lado Lutero foi responsável pelo início da reforma, por outro, Calvino foi responsável pela organização das doutrinas protestantes. Calvino nasceu na França do século XVI, em 10 de Julho de 150922, quando Lutero já ministrava suas aulas em Wittenberg, filho de uma família de classe média, seu pai era secretário do bispo, logo, conseguiu que a igreja custeasse os estudos de seu filho. Seus estudos em Paris o colocaram em contato com as idéias humanistas, logo, em contato com as idéias de Wicliff, Huss e Lutero. Além disso, estudou jurisprudência, e em 1530 recebeu autorização para praticar advocacia, entretanto os ideais humanistas pareciam estar entranhados no jovem advogado. 20 A rebelião dos camponeses se dá em 1525. O que os influenciou foi o forte sentimento nacionalista, e as pregações de Lutero e seus seguidores. Conta-se que cerca de cem mil camponeses morreram, quando Lutero pediu aos príncipes que controlasse repressivamente o movimento. Dos camponeses sobreviventes, muitos abandonaram o luteranismo. 21 Max Weber considera que a ética protestante do calvinismo (moral, comportamento, formas de estabelecimento econômico) gerou circunstâncias propícias para o surgimento do capitalismo. 22 A vida do intolerante reformador findou em 27 de maio de 1564. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 45 Não podemos afirmar com certeza os motivos pelos quais conduziram Calvino ao abandono do catolicismo, entretanto, supomos que as idéias humanistas o conduziram para a nova fé, esta decisão o obrigou a abandonar todos os benefícios econômicos que recebia da igreja católica. No reinado de Francisco I, a fé protestante era tolerada no império, entretanto, em 1534 o rei mudou sua política, portanto, Calvino fora obrigado a se exilar em Basiléia. Segundo Gonzalez (1983, 110) Calvino não almejava ser um dos reformadores, entretanto pretendeu resumir a fé cristã sob o ponto de vista protestante, “O que Calvino se propunha então era cobrir este vazio com um breve manual ao qual deu o título de Institutas da Religião Cristã” (1º ed. bolso: Basiléia, 1536). As institutas foram escritas em Latim, por isso, poderia ser lida por povos de quase todas as nacionalidades, além do mais, tinha fácil circulação por ser uma edição de bolso, tais fatores contribuíram para que rapidamente a edição se esgotasse. As institutas eram compostas por seis artigos que tratavam, respectivamente, da Lei, do Credo, do Pai Nosso, dos Sacramentos, dos Falsos Sacramentos, e da Liberdade Cristã. Após esta primeira edição, Calvino lançou outras edições, sempre acrescidas das polêmicas levantadas por grupos contrários as suas doutrinas. Gonzalez (1983, 111) chega a afirmar que para se conhecer o desenvolvimento teológico de Calvino, é muito simples, basta comparar todas as edições das institutas. Apesar de não ter se doutorado em teologia, assim como Lutero, Calvino demonstrava grande conhecimento da Bíblia e dos escritores clássicos da antiguidade, além do mais seus estudos sobre jurisprudência o influenciou certamente. Desta forma, as institutas da religião cristã são consideradas uma das maiores obras teológicas do século XVI. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 46 O que Calvino queria, como já falamos não era se tornar um reformador, queria apenas sossego para poder meditar e escrever. Contudo, seus planos não se concretizaram. Seu desejo era ir para Estrasburgo, onde a obra reformadora estava em alta, havia grandes discussões teológicas, podendo ser um excelente lugar para fincar raízes. Por motivos de guerra, para chegar a Estrasburgo seria necessário passar por Genebra23 . Farel, um árduo propagador do evangelho, pediu abruptamente que Calvino continuasse ficasse na cidade, e após muito relutar, decidiu ficar e se tornou o grande reformador de Genebra, apesar de receber muita relutância em sua forma de agir, pois, segundo Gonzalez (1983, 114), “Calvino insistia em que, para que a vida religiosa se conformasse verdadeiramente aos princípios reformadores, era necessário a excomungar os pecadores impenitentes.” Entretanto, o governo da cidade se negou a seguir o rigor de Calvino e o desterrou. Após ter ido à Estrasburgo e se casado, foi convidado a retornar a Genebra e reforma-la (1541). Quando retornou redigiu as “Ordenanças Eclesiásticas” desta vez com o aval do governo da cidade, nestas ordenanças constava que o “governo da igreja ficava principalmente nas mãos do Consistório”24. O poder da igreja nas mãos do Consistório representava, evidentemente, uma ameaça ao poder dos líderes da cidade, visto que este conselho agia com uma severidade extremada para com os costumes do povo. A situação política de Calvino, portanto, era difícil, sua intolerância era sem dúvida esmagadora, haja vista alguns eventos que ocorreram: Calvino, juntamente com o governo da cidade de Genebra, acusam o médico e teólogo Miguel de Servetto de heresia, pois, negava a doutrina da Trindade e do pecado original (Servetto já havia sido acusado pela inquisição, e fugia). Sua pena foi a fogueira, entretanto, Calvino achou que a decapitação seria uma pena menos cruel; 23 Genebra, após a incursão de missionários, havia se tornado protestante, e carecia de ajuda teológica e clériga para dar andamento aos ideais reformadores. 24 O consistório era formado pelos pastores e por doze leigos que recebiam o nome de anciãos, entretanto, este corpo sempre seguia as orientações de Calvino. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 47 Calvino expulsou da cidade de Genebra Sebastião Castellón, uma vez que interpretou o Cântico dos Cânticos como um poema de amor, e interpretou a descida de Cristo aos infernos; Jérôme Bolsec foi atingido pela intolerância de Calvino, ao negar a doutrina da predestinação. 3.5.1. Teologia de Calvino Calvino entendia que a presença de Cristo na ceia era real, porém, espiritual. Pois considerava que este ritual não era meramente simbólico ou devocional, mas que no momento da comunhão Deus agia verdadeiramente beneficiando a Igreja e seu corpo. Entretanto não significava que Cristo descia do céu, e participava onipresentemente de todas as mesas ao mesmo tempo, conforme afirma a teologia de Lutero. O que acontece é que na celebração da ceia os crentes são como que levados ao céu, como uma antecipação do banquete celestial. (Gonzalez: 1984, 117). Segundo Dreher (2002, 98) o centro do pensamento e da teologia de Calvino está “determinado pela teologia de Lutero: a radical pecaminosidade do ser humano, o cristocentrismo, a plena eficiência da graça, a justificação somente pela fé, a centralidade da palavra pregada”. Calvino acreditava que a palavra de Deus só pode ser encontrada na Escritura, da mesma forma que o conhecimento de Cristo, portanto, bíblia é o testemunho da relação histórica de Cristo. Por isso, o NT não elimina o Antigo, só o aperfeiçoa, por isso, não há oposição entre Lei e Evangelho. A interpretação da Bíblia só é possível dentro da Igreja, que tem seus representantes capacitados dogmaticamente para doutrinar os servos fiéis. Segundo Calvino a reforma não FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 48 é um cisma, mas a realização da vontade divina na vida da igreja. Portanto, a verdadeira igreja é aquela baseada nas doutrinas das escrituras. Na opinião dele toda igreja deveria estar equipada mediante a doutrina dos quatro ministérios, ou seja, segundo ele Jesus instituiu quatro ministérios para governar a comunidade local: pastores, mestres, presbíteros (anciãos) e diáconos. Calvino interpretava a nomeação pastoral como um “terceiro sacramento”25, tanto que as nomeações eram feitas pessoalmente por ele. Na elaboração da doutrina da predestinação, Calvino utilizou passagens bíblicas que falam da atuação de Deus na história, segundo Dreher (2002, 100) “Deus faz com que alguns obedeçam e os outros permaneceçam com seus corações endurecidos... a predestinação divina não é imposição; a responsabilidade humana permanece... O destino eterno do indivíduo não depende de causas externas, de seus méritos ou de sua dignidade, mas da decisão misteriosa e misericordiosa de Deus, que sempre é tomada face à obra redentora de Jesus Cristo... A certeza da salvação e eleição dos crentes depende de Cristo... O verdadeiro povo de Deus é formado apenas pelos eleitos.” A compreensão pneumatológica em Calvino é fundamental para compreendermos sua teologia eclesiológica e eucarística. Segundo Dreher (2002, 101) a teologia eucarística de Calvino é essencialmente pneumatológica, ou seja, somente pela ação do Espírito Santo é possível que Jesus que está em sua glória desça para se tornar alimento para os crentes. Come-se e bebe-se o pão e o vinho “espiritualmente”, entretanto é real, pois para Calvino o Espírito Santo era certamente real. 25 Não que fosse o terceiro sacramento, mas seria parecido, devido a importância deste ato para a vida da igreja. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 49 3.5.2. Diferenças teológicas entre os reformadores26 Ao contrário de Lutero, Calvino não teve formação teológica, sua preocupação estava principalmente na questão da santificação, enquanto que para Lutero a questão principal era a justificação, conforme afirma Dreher (2002, 101), “Em Calvino, a santificação é apresentada antes da justificação. Isto tem a finalidade de mostrar que a fé, único caminho através do qual nos é imputada a justiça de Cristo, não pode existir sem obras de santificação, boas obras. Enquanto a justificação ocorre de uma vez para sempre, a santificação se estende por toda a vida humana. Com o auxílio do Espírito Santo, dia a dia, nos é dada aquela vontade que nos possibilita assemelharmo-nos a Cristo e a readquirir a nossa imagem de Deus. Os “meios externos da salvação” são a pregação, os sacramentos, a oração, a disciplina, a comunidade eclesial visível. Eles também são os instrumentos do Espírito Santo, que é o Espírito de toda a Santificação.” Calvino atacou diretamente Lutero no que diz respeito à doutrina da consubstanciação. A presença de Cristo na ceia, segundo Calvino é espiritual, mediante a ação do Espírito Santo, enquanto que para Lutero, Cristo verdadeiramente se fazia presente na ceia. Ambas teologias são cristocêntricas. Entretanto, no que diz respeito à ceia há divergências. Além do mais, a concepção pneumatológica de Calvino é fundamental para sua compreensão eucarística. 26 Nesta apostila tratamos apenas de Lutero e Calvino, uma vez que consideramos o primeiro enquanto o iniciador da reforma e o segundo, sistematizador dos princípios da reforma. Isto não significa que figuras como Zwínglio e Melanchthon não sejam de fundamental importância para a história da teologia, e sua influência na contemporaneidade. Entretanto, enquanto parâmetro optamos por dois reformadores pela limitação do trabalho em apostila. Isto posto, indicamos para aprofundamento em todos os reformadores, incluindo Zwínglio e Melanchthon: BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Trad. Hemulth Alfred Simon. 1998. - DREHER, Martin N. A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. 2002. GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. 1993. GONZALEZ, Justo L. E até aos confins da terra: uma história ilustrada do Cristianismo - A Era dos Reformadores. 1983. FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 50 Agora que conhecemos, em parte, as teologias dos reformadores, cabe-nos questionar sobre a influência de tais teologias para os dias atuais. O que será que restou – em termos teológicos – da reforma para os nossos dias? FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 51 BIBLIOGRAFIA ALTANER, Berthold. & STUIBER, Alfred. Patrologia: vida, obras e doutrina dos Padres da Igreja. Trad. Monjas beneditinas. 2º ed. São Paulo: Paulinas. 1988. 540 p. (Coleção Patrologia). BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Trad. Hemulth Alfred Simon. 3º ed. São Paulo: Aste/Simpósio. 1998. 452 p. CESARÉIA, Eusébio. História Eclesiástica. Trad. Monjas Beneditinas.do Mosteiro Maria Mãe de Cristo. São Paulo: Paulus. 2000. 508 p. (Patrística) DREHER, Martin N. A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. 2º edição. São Leopoldo: Sinodal. 2002. 131 p. (Coleção História da Igreja; vol 3). FIGUEIREDO, Dom Fernando Antônio. Curso de Teologia Patrística II: a vida da igreja primitiva (século III). 2º edição. Petrópolis: Vozes. 1988. 129 p. FOLCH GOMES, Cirilo. Antologia dos santos padres: páginas seletas dos antigos escritores eclesiásticos. 2º ed. São Paulo: Paulinas. 1979. 457 p. FRANGIOTTI, Roque. História da Teologia: Período Patrístico. São Paulo: Paulinas. 1992. 109 p. (Patrística). __________. História da Teologia II: Período Medieval. São Paulo: Paulinas. 1992. 199 p. (Patrologia). GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudus e Valéria Fontana. São Paulo: Vida Nova. 1993. GONZÁLEZ, Justo L. A Era dos Gigantes. 1991. São Paulo: Vida Nova. 182 p. (E até os confins da terra: uma história ilustrada do cristianismo). __________. A Era dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova. 1983. 219 p. (E até aos confins da terra: uma história ilustrada do Cristianismo). FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO 52 __________. A Era dos Mártires. São Paulo: Ed. Vida Nova. 1980. (E até os confins da terra: uma história ilustrada do cristianismo). HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. 5ª. Ed. Trad. Mário L. Rehfeldt e Gladis Knak Rehfeldt. Porto Alegre: Condórdia Editora. 1995. 370 p. MANZANARES, Cezar Vidal. Dicionário de Patrística: (Séc. I – VI). Trad. Francisco Costa. Aparecida: Editora Santuário. 1995. 261 p. SPANNEUT, Michel. Os Padres da Igreja: séculos IV – VIII. Trad. João Paixão Netto. São Paulo: Loyola.. 2002. 367 p. (Vol II). TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. Trad. Jaci Maraschin. 2º ed. São Paulo: ASTE. 2000. 293 p. __________. 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