COMENTÁRIOS SOBRE O SÉCULO II

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 2
I – TEOLOGIA DOS PAIS DA IGREJA _____________________________________ 5
1.1.
Comentários sobre o século II_____________________________________________ 5
1.1.1. CLEMENTE__________________________________________________________________ 7
1.1.2. ORÍGENES __________________________________________________________________ 8
1.1.3. JUSTINO ___________________________________________________________________ 10
1.1.4. INÁCIO DE ANTIOQUIA _____________________________________________________ 11
1.1.5. POLICARPO ________________________________________________________________ 12
1.1.6. IRINEU DE LEÃO ___________________________________________________________ 13
1.1.7. TERTULIANO DE CARTAGO _________________________________________________ 14
1.1.8. “BARNABÉ” ________________________________________________________________ 15
1.2.
“De Roma para constantinopla” _________________________________________ 17
1.3.
A controvérsia ariana e o concílio de nicéia ________________________________ 18
1.3.1. Atanásio ____________________________________________________________________ 19
1.3.2. Apolinário___________________________________________________________________ 21
1.3.3. Nestório ____________________________________________________________________ 22
1.3.4. Cirilo ______________________________________________________________________ 23
1.3.5. Agostinho ___________________________________________________________________ 24
II – TEOLOGIA MEDIEVAL ______________________________________________ 26
2.1.
Escolasticismo, misticismo e biblicismo ____________________________________ 29
2.2.
Controvérsias teológicas da idade média ___________________________________ 31
2.2.1. Fé e Razão __________________________________________________________________ 31
2.2.2. Nominalismo e Realismo _______________________________________________________ 33
III - TEOLOGIA DA REFORMA PROTESTANTE____________________________ 34
3.1.
Antecedentes históricos _________________________________________________ 34
3.2.
Panorama histórico da reforma: o jovem lutero _____________________________ 36
3.3.
A reforma protestante __________________________________________________ 38
3.4.
Lutero e sua teologia ___________________________________________________ 40
3.4.1. A palavra de Deus (Bíblia) ______________________________________________________ 40
3.4.2. O conhecimento de Deus (Teologia da Cruz)________________________________________ 41
3.4.3. A Lei e o evangelho ___________________________________________________________ 41
3.4.4. A Igreja e os sacramentos _______________________________________________________ 42
3.4.5. Os dois reinos ________________________________________________________________ 43
3.5.
Calvino: o sistematizador da teologia protestante ___________________________ 44
3.5.1. Teologia de Calvino ___________________________________________________________ 47
3.5.2. Diferenças teológicas entre os reformadores ________________________________________ 49
BIBLIOGRAFIA_________________________________________________________ 51
FATAB – FACULDADE DE TEOLOGIA AVIVAMENTO BÍBLICO
2
INTRODUÇÃO
“Não temos como objetivo apenas contar a
história da Igreja Cristã, mas, interpretar
seu longo e conflituoso processo de
1
construção teológica”.
Dividiremos este trabalho em quatros pilares fundamentais: o primeiro deles é o período
patrístico, influenciado pelos “grandes pais da igreja” que terão uma contribuição essencial
para a história da teologia na preservação e na defesa da fé contra correntes que ameaçaram
– e por que não dizer – quase destruíram os ensinamentos dos pais apostólicos; o segundo
grande pilar que trabalharemos é o período medieval, caracterizado por grandes cismas,
pela manutenção e compreensão dos escritos patrístico, além do mais é marcadamente
influenciado pela escolástica, proporcionando assim a tradução dos ensinamentos originais
do cristianismo a população leiga; já o terceiro pilar que trabalharemos nesta pesquisa é o
da reforma protestante, que tem em seu centro a figura de Lutero, e que promoveu a ruptura
com o mundo medieval proporcionando assim o advento da era moderna; e por fim, o
quarto e último pilar será analisar o que representou o advento da reforma para a história da
1
Todas as discussões aqui apresentadas fazem parte das aulas ministradas na FATAB – Faculdade de
Teologia Avivamento Bíblico em São Caetano do Sul/SP, no primeiro semestre de 2005. Portanto, esta
citação é uma tentativa de apresentar a proposta da disciplina, bem como demonstrar sua importância para a
história do pensamento teológico contemporâneo.
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teologia, quais as conseqüências para a teologia contemporânea, e como se dá o processo de
construção da história da teologia no “período moderno”.
Compreender dois mil anos da construção da teologia cristã não configura tarefa das mais
fáceis, entretanto, é possível vê-la de forma panorâmica, bem como seu desenvolvimento
teológico, pelo menos no ocidente. Vale ressaltar que os acontecimentos teológicos não
surgem em meio ao vazio, por isso, é que analisaremos como ocorreu o desenvolvimento
da teologia em meio ao mundo, , a partir da interação dos pensamentos teológicos com a
cultura, com a sociedade, com as instituições religiosas, e principalmente com os sujeitos.
Desta forma, propomo-nos a compreender a história da teologia cristã em seu processo
dialético, reativo e conflituoso, para que possamos compreender o atual estado da questão
da teologia cristã, especificamente dentro do contexto brasileiro, que certamente será nosso
campo de atuação.
Gostaríamos de lembrar que o aprofundamento teológico racional, no que diz respeito ao
discurso sobre Deus, não extingue nossa capacidade enquanto ser humano de sermos
dotados de espiritualidade, pelo contrário, esta capacidade é uma dádiva que só o ser
humano tem, foi destinada somente a ele. Enganam-se aqueles que afirmam que a
intelectualidade afasta o indivíduo do Ser Supremo, se tais heresias fossem deixadas de
lado, talvez não vivêssemos num mundo violentamente influenciado por “bobagens
teológicas”, em que muitas vezes – como que por mágica – pão se transforma em carne, e
vinho se transforma em sangue; e que Deus – sem misericórdia, sem amor, possuidor de um
sentimento mesquinho e vingativo – elegesse apenas alguns para a salvação.
O que apresentaremos agora não é fruto de um pensamento isolado, e de uma criatividade
excepcional da autora, mas, o diálogo com diversos autores que nos ajudaram neste
audacioso trabalho de pesquisa bibliográfica. Portanto, muitas das idéias aqui contidas
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estão citadas em nossa bibliografia, que esperamos que venha fazer parte do
aprofundamento teológico dos leitores e das leitoras, uma vez que nossa pesquisa não deve
limitar a profundidade do conhecimento sobre a história da teologia cristã, dada sua
brevidade. Boa leitura!
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I – TEOLOGIA DOS PAIS DA IGREJA
1.1.
Comentários sobre o século II
A Escola de Alexandria era uma espécie de centro teológico, quem mais se destacou nesta
escola foi Orígenes, e o primeiro grande mestre foi Clemente. Alexandria era influenciada
pelo estoicismo, mais que pelo platonismo. Tinham a concepção do logos como mediador
de todas as coisas, e agente da mente humana, que jamais se ausenta de seu povo.
É considerado o centro mais antigo de teologia da história do cristianismo. Sua fundação
estava baseada na preocupação primeira de apresentar a fé de maneira sistemática e global,
por isso, é caracterizada pela investigação e formulação metafísica da fé (Platão), e pela
interpretação alegórica das escrituras. O sistema neoplatônico desenvolve-se em
Alexandria.
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6
Tillich afirma que o fim da filosofia grega se dá quando a filosofia se transforma em
religião, e a religião por sua vez se torna em filosofia mística. No período do NT a filosofia
estava repleta de assuntos religiosos, portanto, o nome desta filosofia religiosa é
neoplatonismo. Na verdade, o neoplatonismo ansiava pelo surgimento de uma nova
religião, baseada nos ensinamentos platônicos, aristotélicos e estóicos. Muitos dos filósofos
tornaram-se místicos. O neoplatonismo influenciou diretamente na teologia cristã clássica,
nas concepções de Deus, do mundo e da alma, logo, o sistema neoplatônico foi um desafio
para o Cristianismo.
Para compreendermos o pensamento grego dos primeiros séculos, é fundamental
compreendermos a noção de alma, pois, segundo Tillich “a alma é o princípio de vida em
todo o pensamento grego”. Ela não é uma substância imortal, mas o princípio do
movimento, logo, tudo que existe tem alma (universo, estrelas, animais, plantas, corpos).
“A alma do mundo se realiza em muitas almas individuais”. As almas são mortais e
imortais, quem as organiza é o logos que tem a capacidade organizadora, é uma força
ordenadora, tanto moral quanto natural. Para a alma atingir sua plenitude passa pela virtude
e pelo ascetismo para voltar-se a Deus, portanto, o maior objetivo é tornar-se semelhante a
Deus, ou seja, ela tornaria para o Uno eterno (alvo das religiões de mistério) – este é o
esquema do pensamento alexandrino.
Os teólogos alexandrinos não eram filósofos independentes, mas, membros da igreja cristã.
Desta forma na escola de Alexandria o cristianismo foi colocado no ápice da educação.
O segundo século é marcado pela influência do gnosticismo, um movimento que abala o
cristianismo e com o tempo o ameaça destruir. O gnosticismo era uma tentativa de se
“juntar” a Deus por meio de diversas experiências e pensamentos, envolvendo uma
mixagem de crenças e pensamentos filosóficos da época. Esta corrente abalou as estruturas
cristãs, mas, foi responsável pela grande produção teológica dos primeiros séculos. Os pais
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da igreja, preocupados com as idéias que ameaçavam abalar as estruturas cristãs se viram
obrigados a defender a fé contra este movimento. Nenhum outro movimento foi tão
ameaçador para a igreja quanto o gnosticismo.
1.1.1. CLEMENTE
Nasceu no ano 150 d.C., em Atenas. Não sabemos ao certo as circunstâncias de sua
conversão. Decidiu residir em Alexandria por causa do pensamento teológico e filosófico.
Foi diretor de Alexandria, quando depois de 200 foi obrigado a fugir para o Egito por causa
da perseguição imperial (Sétimo Severo), onde morreu em 215.
Um homem de grandes conhecimentos, que ultrapassavam o espaço teológico, tentou
converter a fé em um sistema de pensamento teológico com uma forte impregnação da
filosofia helenista. Entre suas principais obras estão: “Exortação aos Helenos”, cuja função
principal era convencer os indivíduos da futilidade do paganismo; “O Pedagogo”, uma
introdução à fé cristã; e “Tapices”, em que trata de uma série de temas relacionados com o
cristianismo a partir de uma perspectiva filo-helenista, que leva, por exemplo, a afirmar que
a contribuição da filosofia grega para a revelação é similar à do AT.
Clemente acreditava que inúmeros elementos da filosofia se misturavam com os
ensinamentos bíblicos, por isso introduziu no cristianismo não só a filosofia, mas o modo
de viver filosófico. Os filósofos gregos acreditavam que para Pholosophein, deveria viverse o mais próximo de Deus, que era o esforço da vida perfeita. Clemente considerava que
deveríamos viver segundo o Logos, com uma vida de novos significados (conversão, fé,
esperança), ou seja, todos os pressupostos do Cristianismo.
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A influencia do estoicismo e da filosofia no Cristianismo culminaram numa tradição cristã
baseada no conhecimento para desenvolvimento da fé. Não se trata de um conhecimento
baseado em pressupostos teóricos, mas, em experiência com o Logos. Este conhecimento é
a Gnósis – conhecimento místico. Entretanto, esta Gnósis só é atingida mediante a tradição
do cânon, ou seja, por meio da norma de vivência cristã, e por meio da igreja que é a grande
mãe de todos.
A eclesiologia de Clemente admite a hierarquia em três estratos: episcopado, presbiterato e
diaconato. Considera a igreja como a “Única Virgem-Mãe”. Segundo ele o batismo é
renascimento e regeneração, entretanto, negou o caráter sacrificial da eucaristia,
interpretando as referências a carne e ao sangue de Cristo como símbolos do Espírito Santo
e do Verbo.
Negava a possibilidade de perdão para pecados cometidos voluntariamente depois do
batismo, apesar de que com o passar do tempo reformulou sua opinião, ao considerar que o
pecado voluntário implica em negação da reconciliação com Deus.
Segundo Clemente o homem casado era superior ao solteiro, visto que o matrimônio era um
dever para com a pátria – apesar de se opor as segundas núpcias.
1.1.2. ORÍGENES
Nasceu por volta de 185 d.C. em uma família cristã em Alexandria, seu pai morreu mártir
durante a perseguição (Severo 202). Com a morte de seu pai, viu-se obrigado a dar aulas
para sustentar sua família na escola de catecûmenos em Alexandria, uma vez que todos os
bens da família haviam sido confiscados pelo império.
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Dirigiu as aulas demonstrando uma vida exemplar, neste período que aconteceu sua
autocastração. De 203 a 231 d.C. dirigiu a escola de Alexandria, entretanto, Demétrio
convocou um Sínodo em que argumentava que um castrado não poderia ser ordenado
sacerdote. Orígenes foi excomungado. Cansado de recorrer à igreja para seu retorno,
começou uma nova etapa em sua vida, partiu para Cesaréia da Palestina, em que o bispo do
local o convidou para fundar uma escola de teologia, morreu em Tiro em 253 d.C..
Suas idéias não eram bem aceitas, e até após sua morte sua idéias foram discutidas e
negadas pelos Sínodos. Conta-se que Orígenes escreveu mais de seis mil obras, que se
perderam (ou foram perdidas?) por causa principalmente das heresias. Sua grande atenção
se dava para com os textos bíblicos, desta forma escreveu comentários sobre todos os textos
bíblicos do AT e do NT, além de redigir inúmeras obras dogmáticas.
No que diz respeito à doutrina da divindade Orígenes utilizou o termo trindade, indo contra
ao modalismo que não distinguia entre as três pessoas divinas. Insiste que: 1) O Filho não
teve princípio, e nem houve um tempo em que não existiria; 2) Deu origem ao termo
“consubstancial” (mesma substância com o Pai); e 3) Supôs a ordem hierárquica na
trindade (subodinacionismo).
Mariologicamente denominou “mãe de Deus” (theotokos) a Maria, não há fundamentação
para esta afirmação, entretanto, afirma que recebeu a Maria para compreender o Evangelho.
Eclesiologicamente defende o batismo de crianças como meio de perdoar o pecado no qual
já nascem. A idolatria, o adultério e a fornicação estão limitados ao perdão sacerdotal,
precedido por excomunhão pública e prolongada. Acreditava em uma só remissão dos
pecados: no batismo, e em mais sete meios de arrependimento: martírio, esmola, perdoar os
que ofendem, conversão, amor, confissão pública ou particular (segundo sacerdote).
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A Eucaristia é interpretada por Orígenes de forma alegórica, ou seja, o corpo e o sangue de
Cristo são escriturais como o ensinamento (representação), mediante a oração o pão se
converte em corpo, segundo ele a interpretação literal é comum na igreja para as almas
simples, e a simbólica é para os sábios.
O método alegórico de Orígenes colocava nas Escrituras a única fonte de autoridade, por
isso, a Bíblia expressava três sentidos: sentido literal; sentido moral, e sentido espiritual.
Sua escatologia negava o castigo eterno dos condenados, ao invés disso chamava de fogo
purificador para todos (incluindo Satanás e seus demônios) como um processo de
restauração cósmica, junto com a pré-existência das almas (Platão), e junto com a idéia
alegórica de que antes da queda o ser humano tinha um estado espiritual, sem corpo físico.
Estas idéias foram combatidas pela igreja.
1.1.3. JUSTINO
É considerado o mais importante apologista grego do século II, nasceu em Siquém, em uma
família pagã. Cansado das diversas escolas filosóficas, converteu-se ao Cristianismo
influenciado, ao menos em parte, pela atitude cristã mediante o martírio. Após inúmeras
viagens, instalou-se em Roma, onde morreu decapitado com outros seis cristãos em 165
d.C. As obras de Justino que chegaram até nós são: “Apologias” e “Dialogo com o judeu
Trifão”.
Cristologicamente Justino estava convencido de que Cristo é Deus, e que por isso merece
adoração. Filosoficamente, utilizava a tese joanina para afirmar que o logos ilumina todos
os seres humanos (João: 1,9).
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11
Mariologicamente foi o primeiro autor cristão que traçou um paralelismo EVA -MARIA.
Sacramentalmente, Justino reconheceu só o batismo de adultos – talvez só por imersão –
precedido de instrução catequética.
A eucaristia é para Justino carne e sangue do mesmo Jesus encarnado. Em virtude da
oração o pão e o vinho se transformam em corpo e sangue de Cristo (transubstanciação). A
eucaristia, por outro lado, é celebrada no domingo, não sendo lícito a um cristão guardar o
sábado. Discute-se se Justino considera a eucaristia um sacrifício, pois considera as orações
e ações de graça dos homens como sacrifício a Deus, utilizando o conceito que aparece na
“Didaqué”.
Escatologicamente Justino é milenarista, embora reconheça que nem todos os seus
correligionários compartilhem deste ponto de vista. Crê no inferno como lugar de castigo
eterno para os demônios e condenados. Quanto aos demônios insiste em que seu pecado foi
manter relações sexuais com mulheres, o que é um eco de gênesis 6. Embora eles possam
desviar os seres humanos, o certo é que o nome de Jesus tem poder suficiente para subjugalos.
1.1.4. INÁCIO DE ANTIOQUIA
Nasceu entre 30 e 35 d.C. e morreu por volta de 107, já ancião, acusado de não adorar os
deuses do Império. Neste período a perseguição não era tão generalizada, entretanto,
acontecia caso houvesse denúncia2.
2
É interessante que os cristãos do primeiro séculos eram considerados pelos gentios como pessoas ignorantes.
As acusações que pesavam sobre eles eram de que seus cultos envolviam rituais de orgias e matança de
meninos para comer carne e beber o sangue. Tais acusações se originaram da necessidade que os cristãos
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12
A caminho do martírio (de Antioquia a Roma), escreveu sete cartas3 – que segundo
González (1985), constitui um dos mais valiosos documentos do cristianismo antigo. Inácio
foi o segundo bispo em Antioquia, após Evódio, portanto, devido ao seu carisma – baseado
na proximidade dos pais apostólicos – tinha muita autoridade na Igreja Antiga. Dessa
forma, no caminho ao Martírio muitos cristãos o acompanhavam.
Acreditava piedosamente que o martírio o tornaria um verdadeiro discípulo de Cristo,
demonstrando que Inácio era um homem de seu tempo, ou seja, podemos considerar que
para os cristãos do segundo século ser levado ao martírio por causa da devoção ao Cristo,
representava motivo de orgulho e uma tentativa de purificação espiritual. Somente pela
morte, assim como fizera o Messias pela humanidade, seria possível se tornar um legítimo
cristão.
1.1.5. POLICARPO
Policarpo também foi bispo, só que diferentemente de Inácio, em Esmirna (155). Foi
orientado por Inácio de Antioquia. Também foi acusado de não querer se prostrar aos
deuses do império. Entretanto, num primeiro momento, foge do martírio, por considerar
que não havia chegado sua hora.
Segundo González (1980, 70), após a insistência do juiz pela troca de adoração de Cristo
pelo Imperador, Policarpo exclamou: “Vivi oitenta e seis anos servindo-lhe[Cristo], e
nenhum mal me fez. Como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou”.
tinham de se esconder das autoridades imperiais nos lares e catacumbas, num momento de severa
perseguição.
3
Para leitura das sete cartas escritas por Inácio à caminho do martírio, recomendamos acessar o site:
www.veritatis.com.br.
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13
Devido a sua declaração, Policarpo foi queimado vivo como mártir. González (1980, 72)
considera que uma questão interessante na ata do martírio4 de Policarpo é a preocupação
com o martírio pedido por Deus, e aquele feito pela vontade da “carne”. Ou seja, o martírio
se tornou o que podemos chamar hoje de “moda” – para algumas pessoas.
Ao cristão que se dava em martírio, tornava-se socialmente reconhecido pela sociedade
cristã e também pela pagã. Dessa forma, pelo entusiasmo muitos se “auto-denunciavam”5
para sofrerem o martírio, entretanto, no exato momento da execução se aterrorizavam, e
acabavam publicamente desistindo de “entregar a vida por amor de Cristo”, isso
configurava uma vergonha para o cristianismo. Daí o medo de Policarpo, de ser levado ao
martírio por sua própria vontade, e não pela “vontade de Deus”.
1.1.6. IRINEU DE LEÃO
Nasceu 130 d.C. em Leão, era discípulo do bispo Policarpo (mártir) e presbítero da Igreja.
Sua teologia estava centrada na perspectiva bíblico-pastoral, logo, não fazia grandes
especulações filosóficas, mesmo porque sua intenção maior era ensinar os cristãos.
Com relação a influência dos outros pais ele não inova a teologia, mas, reproduz os
ensinamentos dos outros mestres. Suas principais obras são: “A demonstração da fé
apostólica”, que é uma instrução sobre a fé cristã; e “A refutação da Falsa gnósis” –
melhor conhecida como “Contra as Heresias” – uma refutação contra os gnósticos.
4
É possível sabermos atualmente a história dos martírios por causa das “Atas de Martírio” que eram escritas
no momento do “sacrifício”.
5
Para os mártires que se auto-denunciavam recebiam o nome de “espontâneos”.
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14
Sua teologia concebe Deus como pastor amoroso, que dirige sua criação até a consumação
final. Logo, a coroa da criação é a humanidade. O casal do paraíso não era perfeito, mas,
como crianças (um dia superariam os anjos). Sua concepção teológica envolve a crença em
anjos, entretanto, em nenhum momento os anjos superam os seres humanos, na verdade são
tutores.6
O propósito de Deus é a “divinização”, ou seja, cada vez mais nos tornar
semelhantes a ele.
Para o crescimento humano Deus contava com duas mãos: O Verbo e o Espírito Santo
(ensinar a comunhão). A encarnação de Cristo não é resultado do pecado, mas, o desejo de
união de Deus para com os seres humanos, após a queda se tornou em remédio.
Em nenhum momento nega o Antigo Testamento, pelo contrário, considera que o N.T. é
continuação dos propósitos revelados por Deus na história de Israel, e quem está unido a
Jesus pela fé, pelo batismo e pela comunhão participa da vitória de Jesus contra Satanás.
Segundo sua teologia, quando se consumar o Reino, Deus não terminará seu propósito,
mas, começará a verdadeira comunhão, continuando o processo de “divinização”.
1.1.7. TERTULIANO DE CARTAGO
Nasceu em 150 na cidade de Cartago, escreveu as defesas em latim (ocidente). Era jurista,
mas, aos quarenta anos se converteu ao Cristianismo (Roma). Dedicou-se a escrever em
defesa da fé contra os pagãos, e em defesa da ortodoxia contra os hereges.
6
González compara esta relação de tutoria com um rei menino, ou seja, um rei menino precisa de um tutor,
entretanto, quando se tornar maior, o tutor será subalterno do rei. Da mesma forma acontecerá com os anjos.
Atualmente são tutores dos seres humanos, mas, quando atingirmos a maturidade que Deus reservou a sua
criação, os anjos serão inferiores.
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Argumenta, baseado no legado apostólico contra as correntes que ameaçavam o
cristianismo, que as escrituras são propriedades da igreja (posteriormente este argumento
foi utilizado pelos católicos na Reforma Protestante), e ela representava uniformidade na
interpretação, logo, se as escrituras são propriedade da igreja, os hereges não têm o direito
de discuti-las.
Segundo ele, ao encontrar a fé cristã o cristão deve cessar de buscar, visto que era contra
especulações filosóficas (ao contrário de Clemente) – considerava que a curiosidade é
deveras perigosa para a doutrina cristã, portanto, a pergunta fundamental deve ser de fato o
que Deus já fez, e não especular o que ele fará.
A formação jurídica forneceu a Tertuliano argumentos sólidos para defender a fé cristã, sua
retórica e habilidade com as palavras e jurisprudência, conferiam-lhe o título de “imbatível”
nas questões a respeito da fé. Sua teologia está profundamente marcada pela doutrina da
Trindade ao elaborar sua própria fórmula para compreender esta relação. Segundo ele
Cristo é “uma pessoa”, portadora de “duas substâncias ou naturezas” (GONZÁLEZ, 1985,
127).
Em 207 o inimigo dos hereges se converte ao montanismo (uma nova era do Espírito,
profecias). Sua conversão ao montanismo pode estar associada ao legalismo deste
movimento, que aparentava uma ordem perfeita, por causa da inflexibilidade com relação a
vivência cristã e a espiritualidade. Entretanto, no fim da sua vida fundou uma seita
denominada “tertulianistas”, por considerar que até os montanistas se tornaram flexíveis.
1.1.8. “BARNABÉ”
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Não sabemos ao certo quem foi Barnabé. Seus escritos parecem de um alexandrino, judeucristão, helenizado. Na tradição bíblica, especificamente em Atos 4,36, temos a
apresentação do companheiro de Paulo, na viagem missionária a Antioquia. Entretanto,
todas as evidências revelam que não seja exatamente este Barnabé que estamos falando.
Vale considerar que nos primeiros séculos era comum escrever cartas e colocar a autoria
dos pais apostólicos, como forma de legitimar a autoridade da carta, bem como demonstrar
um certo comprometimento apostólico.
Como temos notícia de que um “Barnabé” contribuiu para a construção da teologia dos
primeiros séculos? Por causa de um achado: a Epístola de Barnabé (Clemente de
Alexandria fala a respeito de uma tradição “barnabéia” à carta; bem como Orígenes a
considera canônica em seus escritos).
É uma epístola Apócrifa (justificava-se autoria por intermédio dos escritos apostólicos). É
dividida em duas partes: a primeira delas é dogmática (teologia); e a segunda de
ensinamentos morais (prática).
Esta epístola apócrifa7 não tem data nem local especificada em seu corpo de texto, foi
encontrada no século XIX na região do Sinai. Provavelmente tenha sido escrita no segundo
século, segundo Roque Frangiotti, uma vez que fala da destruição de Jerusalém por
Adriano.
Das características da carta podemos considerar teologicamente que a epístola sustenta a
pré-existência de Cristo; a adoção dos filhos de Deus pelo batismo; solicita guardar o
7
A primeira e a segunda epístola de “Barnabé” estão disponíveis on-line, na internet, no site:
www.veritatis.com.br.
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domingo, pois é o dia da ressurreição; é defensora de uma escatologia milenarista; além de
ser o primeiro texto cristão contrário ao aborto (XIX, 5).
1.2.
“De Roma para constantinopla”8
Constantino torna-se o único dono do ocidente após inúmeros conflitos, e estabelece o fim
da perseguição aos cristãos, construiu o que poderia se chamar de uma nova Roma:
Constantinopla (cidade de Constantino). Para o cristianismo do século IV, a unificação
trazida por Constantino representou o fim das perseguições e dos martírios.
A conversão ao cristianismo lhe trouxe inúmeras benesses, mesmo porque não se submeteu
às autoridades pastorais, por se considerar, segundo González (1991, 30) “bispo dos
bispos”. Recebeu o batismo só no leito de morte, para não se submeter a outras
autoridades, e faleceu aproximadamente em 337.
A união entre igreja e império estabelecida por Constantino fez com que o cristianismo se
tornasse a religião oficial do império, cuja expressão maior se dá na teologia oficial:
Eusébio de Cesaréia.
Aparentemente, esta paz trazida aos cristãos por intermédio de Constantino, nada mais
significava para o imperador do que uma unificação do império, apesar de sua “conversão”
à nova religião. Por isso, alguns cristãos fugiram para o deserto em busca de uma
espiritualidade digna, pois, consideravam que o cristianismo enquanto religião do império
havia se tornado apóstata.
8
Título extraído da obra de González. A Era dos Gigantes.
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18
As conseqüências desta unificação foram aparentes, o culto assumiu a “pompa imperial”,
ao contrário da forma como era celebrado (catacumbas, casas) nos primeiros séculos. Da
mesma forma os templos construídos e as roupas destinadas aos bispos expressavam
características imperiais.
Daí a fuga de muitos cristãos para o deserto, pois, todas as formas de expressão do
cristianismo assumiram características do império, e no deserto buscou-se viver uma
espiritualidade mais simples e voltada ao ascetismo.
1.3.
A controvérsia ariana e o concílio de nicéia
Tanto durante como após o império de Constantino, a unidade da igreja era um elemento
fundamental para a manutenção e ordem do império. Portanto, quaisquer problemas que
procurassem dividir a religião oficial, seria diretamente combatido pelo império, visto que
afetaria diretamente o império.
Entretanto, no século IV surge uma outra ameaça para o cristianismo: o arianismo, uma
tentativa de incluir no cristianismo um novo pensar teológico, que abalaria as bases dos
ensinamentos dos pais apostólicos.
Segundo Ário somente Deus Pai seria eterno e não gerado, logo, o Cristo seria mera
criatura, não existira na eternidade. A teologia de Ário considerava que Cristo era diferente
da natureza divina. Segundo Tillich (2000, 86) “... Jesus não teria sido completamente
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homem dono de alma humana natural. Maria concebera um meio-Deus, nem plenamente
Deus, nem plenamente homem” . 9
A teologia proposta por ário configurou numa grande ameaça para o cristianismo (similar
ao gnosticismo), entretanto, foi combatida pelos pais da igreja que trataremos a seguir.
Uma das formas encontradas para se prevenir contra as ameaças do arianismo foram os
concílios. Em 325, o Concílio de Nicéia nega a cristologia apresentada por Ário, ao
afirmar:
“Cremos em um só Deu, Pai Onipotente, Criador de todas as coisas
visíveis e invisíveis... E, um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus;
gerado do Pai, unigênito da essência do Pai... gerado não feito,
consubstancial (homonousios)” (Tillich: 2000, 87);
Portanto, o arianismo foi uma das correntes de pensamento que mais abalaram as estruturas
do cristianismo. Por outro lado, forçou a igreja a se defender das heresias lançadas por Ário.
Dentre as produções que restam deste período totalmente criativo para a historia da teologia
cristão, temos os credos, o relato dos inúmeros concílios realizados pela igreja, e os escritos
de Atanásio, Apolinário, Cirilo, Nestório e Agostinho.
1.3.1. Atanásio
É considerado um grande bispo alexandrino. Segundo Altaner (1988, 275) “... o primeiro
defensor da fé de Nicéia, na luta contra os adversários arianos e o poder imperial... ”.
Nasceu em 295, em Alexandria.
9
Idéia perfeitamente aceita na mitologia grega. Em que os deuses desciam à terra para manter relações
sexuais com as mulheres, e estas por sua vez geravam semideuses.
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20
Passou muito tempo exilado por causa de suas idéias, seus escritos eram apologéticos e
dogmáticos, sua obra mais importante consta de três livros “Orationes contra Arianos”.
Em que defende no primeiro livro a doutrina Nicena sobre a origem eterna do Filho gerado
do Pai, “e a consubstancialidade do Filho com o Pai”; o segundo livro e o terceiro tratam
das justificativas bíblicas utilizadas pelos arianos, em defesa de seus ideais (ALTANER:
1988, 277).
A importância de Atanásio está em sua dogmática10, uma vez que iluminou o caminho da
compreensão da Trindade para igreja, principalmente no que diz respeito à idéia do logos.
Defendeu a homoousia do Filho com o Pai, tornand-se um grande oponente de Ário.
Segundo ele, Cristo não é gerado, pois, não é criatura, é eterno com o Pai, têm a mesma
natureza (phusis). Atanásio afirmava que “Nenhum semi-deus, herói ou poder de ser
limitado e relativo seria capaz disso. Somente, enquanto ser histórico, Deus poderia mudar
a história e, somente enquanto divino, poderia conceder a eternidade.” (TILLICH: 2000,
89).
Portanto, o Cristo só é entendido mediante o poder do Espírito Santo (que também não é
criatura). Deus divinizou a humanidade, ao unir-se com ela, portanto, a encarnação de
Cristo é fundamental no processo de Redenção. Segundo Altaner (1988, 282) Atanásio cria
que o Filho é fonte imediata do Espírito Santo, ou seja, “... o Espírito Santo procede do Pai
pelo Filho.”.
10
Entendemos por dogmática uma posição conceitual em que não há dúvida (HESSEN, Johannes. Teoria do
Conhecimento. 1978, p. 37)
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21
As idéias de Ário trouxeram muitos seguidores que eram batizados e o seguiam, por isso,
Atanásio considerava que o batismo realizado pelos arianos não era válido, visto que não
batizam em nome da verdadeira Trindade.
Após inúmeras discussões a respeito do uso adequado dos termos para estabelecer a relação
na Trindade, Atanásio aceita o chamado “acordo teológico”, ou seja, as pessoas aceitaram o
credo niceno por medo de afirmar que o Filho era da mesma substância que o Pai. Segundo
Gonzalez (1991, 121),
“Por fim, um Sínodo reunido em Alexandria em 362, Atanásio e seus
seguidores declararam que era aceitável falar do Pai, do Filho e do
Espírito Santo como “uma substância” (hipóstasis), sempre que não se
entendesse isto como se não houvesse nenhuma distinção entre os três, e
também com “três substâncias” (três hipostasis), sempre que não se
entendesse isso como se houvesse três deuses.”
Neste sentido, podemos considerar que uma das figuras mais importantes na defesa da fé
cristã do século IV é Atanásio, visto que foi um dos maiores defensores da fé nicena contra
as heresias de Ário.
1.3.2. Apolinário
Segundo Altaner (1988, 316), Apolinário nasce em aproximadamente 310, em Laodicéia
(Síria), em 361 torna-se bispo na comunidade nicena, após formação dentro dos princípios
antioquenos. Apesar de pertencer a uma escola teológica diferente, era amigo de Atanásio,
portanto, lutou também contra o arianismo ao evitar seus erros trinitários, entretanto, não
evitou os erros cristológicos.
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22
Sob a influência do arianismo “... Apolinário negou a perfeita natureza humana de Cristo
e, apoiando-se na tricotomia platônica, não negou ao Redentor...”, ou seja, um misto de
Deus e homem, sem alma racional, neste caso confundindo a pessoa e a natureza,
reconheceu apenas uma natureza em Cristo (ALTANER: 1988, 316). Sua idéia foi
condenada até por Constantinopla em 381.
Dentre suas mais importantes obras estão: comentários sobre o AT e o NT; obras
Apologéticas contra Porfírio e o imperador Juliano; Dogmáticas contra Orígenes; e cânticos
e composições. Segundo Altaner (1988, 317) “Apolinário está tão longe da interpretação
literal dos antioquenos quanto da alegoria dos alexandrinos. Como teólogo dogmático,
empenha-se por evidenciar, em primeiro lugar, o sentido doutrinal da Epístola.”.
1.3.3. Nestório
Nasce após 381, fora educado na escola de Antioquia, local onde se iniciou ao sacerdócio.
Perseguiu arduamente os hereges, entretanto em 431 foi deposto por pregar a cristologia
antioquena. Escreveu muitas obras, e sob o mandado de Teodósio II teve suas obras
queimadas.
No início do século XX, F.Loofs conseguiu juntar a obra de Nestório, e a única peça íntegra
foi “Bazar de Heráclides de Damasco”. Por causa deste achado sua obra tem peso
teológico para os pais da igreja, pois, dentre os assuntos tratados estão: a afirmação de que
Maria não poderia ser considerada Theotokos por considerar a humanidade de Cristo, logo,
Maria era mãe de Jesus e não de Deus; além do mais encontramos em seus escritos a
afirmação de que em Cristo há duas pessoas encarnadas, a humana e a divina.
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23
Portanto, as concepções teológicas de Nestório enquanto pai da igreja contribuiu para a
concepção contemporânea da cristologia: a concepção de que Cristo foi cem por cento
homem, mas também foi cem por cento Deus.
1.3.4. Cirilo
A data de seu nascimento é incerta, sabe-se que sua origem é de Alexandria. Foi contra o
episcopado do Nestório em Constantinopla (428), uma vez que não concordava com sua
teologia sobre Maria. Entretanto, Após inúmeras rivalidades entre Nestório e Cirilo,
Teodósio II exila e excomunga ambos.
Quanto às obras de Cirilo, podemos dividi-las em duas partes: a primeira delas é contra os
arianos; e a segunda (428) contra o nestorianismo, em que escreveu o “Tratado contra as
blasfêmias de Nestório”, contra os que não querem confessar que Maria é mãe de Deus; os
demais escritos são cartas pascais, epístolas, sermões, e comentários sobre o AT e o NT.
Sua teologia é inovadora no momento em que não utiliza apenas dos escritos canônicos
para a teologia, mas, também os pais da igreja (método escolástico). Segundo Manzanares
(1995, 68) “... as provas derivadas da razão de manter sua tese, sua cristologia inicial não
foi senão uma cópia da de Atanásio... antecipando a dualidade das naturezas existentes em
Cristo”. Segundo Cirilo Maria deveria ser mãe de Deus, pois, quem nasce é o Cristo divino
e não o Jesus humano.
Não sabemos ao certo se o conflito estabelecido entre Cirilo e Nestório tem fundamento
teológico ou ideológico, mesmo porque faziam parte de escolas teológicas diferentes:
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24
Escola de Antioquia e Escola de Alexandria. E como sabemos, tais escolas estavam
fundamentadas em argumentos – até o que sabemos – diferentes.
1.3.5. Agostinho
Sob a autoridade do consenso, Agostinho é considerado um dos maiores teólogos da
antiguidade. Aurélio Agostinho nasce em 354 em Roma. Filho de pai pagão, e uma mãe
cristã convicta e fervorosa, que não impediu seu filho de abandonar o cristianismo pelos
prazeres mundanos.
Foi bispo de Hipona aproximadamente no século V. Posicionou-se contra os maniqueus
que consideravam o mal enquanto substância. De acordo com Frangiotti (1992, 82) nas
obras antidonatistas Agostinho declarava que “... A Igreja é comunidade visível de santos e
de pecadores; a eficácia dos sacramentos não depende das disposições morais do
ministro.”
Contra os pelagianos11, Agostinho escreveu muito sobre o pecado original e sobre a graça,
contrariando assim a moral pelagiana. Segundo ele, o pecado vem da hereditariedade, logo,
as crianças nascem na mesma condição de Adão.
Sua obra “As Confissões” é uma das maiores obras primas da literatura mundial, revela sua
incapacidade e fraqueza diante da vida, entretanto, sua exposição dá idéia de como
Agostinho entendia a predestinação e a graça. Segundo ele a graça não elimina a liberdade
humana.
11
A salvação é mérito humano.
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25
Sua teologia considera que algumas pessoas são predestinadas à salvação mediante a
vontade divina, e não por méritos humanos. Sua influência é totalmente platônica, pois
considera que a queda é um problema cosmológico, de desajuste com o Logos.
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26
II – TEOLOGIA MEDIEVAL
A teologia medieval é influenciada por uma cosmovisão transcendental, manifestada
principalmente por uma instituição particular, neste caso a igreja. Desta forma, a influência
da igreja sobre a sociedade gerou uma sociedade sacralizada, em que cultura, natureza, e
vida perpassam pelo crivo religioso.
Deus é a causa primeira, e enquanto influencia agostiniana é entendido como vontade.
Neste período, a teologia não O compreende enquanto pessoa, mas, enquanto personae, ou
seja, a concepção trinitária está baseada nas pessoas enquanto “faces” ou “semblantes”.
Frangiotti aponta algumas características básicas do período medieval:

Influência dos Padres
contextualização);

Influência da Teologia da Agostinho (universo subordinado à ciência
sagrada, e a cosmovisão teocêntrica – tudo é revelação e salvação);

A teologia e a especulação filosófica (sujeição de tudo a crítica – fé x razão);

Teologia sob a influência da filosofia aristotélica (método dialético);
da
Igreja
(exegese,
método
alegórico
e
Ao contrário do que muitos afirmam, não é um período de dominação da igreja sobre seus
fiéis. Segundo Tillich, o período medieval não deve ser entendido com base nos parâmetros
que conhecemos, o período da modernidade não é superior ao medieval.
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27
A teologia medial não foi um emaranhado de acontecimentos vergonhosos e obscuros para
a história do cristianismo, pelo contrário, seus acontecimentos contribuíram para o
surgimento da teologia da reforma e contemporânea. Para uma melhor compreensão
metodológica, separaremos o período medieval em quatro períodos distintos, assim
classificados por muitos estudiosos deste período:
1) Período de Transição, que podemos classificar entre os anos 600 e 1000 d.C. é
um momento importante, se considerarmos que é o começo da substituição da tradição
antiga para a medieval. É considerado um período de conservação da teologia dos pais da
igreja, e da tradição canônica;
2) Primeira Idade Média, que compreende os anos 1000 a 1200. É um período de
criatividade profunda, em se superou a fase de conservação anterior, agora se começa o
desenvolvimento de elementos teológicos novos. Ou seja, o período de transição foi
marcado pela conservação da teologia antiga, agora, nesta fase procura-se reinterpretar a
tradição da igreja. Apesar de que não devemos entender esta fase como inovação do
pensamento teológico.
3) Alta Idade Média, compreende os anos de 1200 a 1300. Neste período da idade
média foi desenvolvido o sistema escolástico, que trataremos posteriormente. Entretanto,
para compreendermos a importância da escolástica, podemos considera-la como a teologia
deste período.
4) Idade Média Posterior, começa o processo de desintegração, ou seja, o
surgimento de movimentos religiosos de revolta e questionamento da teologia e estrutura
da igreja. Neste período a centralidade da religião na sociedade medieval começa a ser
desestruturada. É neste período que muitos autores nomeiam enquanto “idade das trevas”,
período de profundas mudanças, que fizeram como que a igreja reagisse de forma drástica
para manutenção de sua autoridade política e religiosa.
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28
Tratados e esclarecidos a forma como é constituído (metodologicamente) o período
medieval, podemos agora compreender sua teologia, o escolasticismo, bem como outras
tendências teológicas que surgem neste período.
Particularmente, os séculos XII e XIII segundo a maioria dos autores com os quais
trabalhamos12 reconhecem que este período é o mais importante para a medievalidade.
Segundo Tillich (2000, 186) “o destino inteiro do mundo ocidental foi decidido nessa
época”.
Alguns eventos dão a estes séculos suas particularidades. Este período é o das cruzadas,
momento em que se promove um primeiro contato entre árabes e cristãos, este contato de
culturas contribuiu de forma significativa para a teologia do século XIII, uma vez que os
filósofos árabes apresentam os escritos genuínos de Aristóteles13.
A descoberta destes escritos representou para a teologia medieval uma nova forma de
interpretar a vida (teologia), até então escondida. Os escritos apresentavam uma
cosmovisão “secularizada”, logo, independente do poder religioso, um sistema que
englobava vários sentidos da vida: ética, natureza, política, etc,. Utilizava também
categorias filosóficas como: forma e matéria; ato e potência; análise ontológica14 da
realidade.
12
Vide Bibliografia.
O surgimento dos escritos autênticos de Aristóteles, abalaram as estruturas dos agostinianos, uma vez que
boa parte da obra de agostinho levou em consideração os pseudos-escritos aristotélicos.
14
“Segundo o aristotelismo, parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do
ser, apartada da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza
plena e integral; metafísica ontológica” (verbete do dicionário eletrônico Houaiss).
13
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2.1.
29
Escolasticismo15, misticismo e biblicismo
Podemos considerar que o escolasticismo é a teologia da idade média, pode ser definido
como a “explicação metodológica da doutrina cristã” (TILLICH: 2000, 146).
Na verdade, o escolasticismo não pretendia tornar a fé cristã num emaranhado de “teses
científicas”, pelo contrário, sua intenção era abarcar as situações da experiência religiosa e
transforma-la em perspectiva teológica.
Todos os pensamentos elaborados pelos teólogos escolásticos representaram uma mudança
na espiritualidade medieval. Os textos eram produzidos em latim, uma linguagem destinada
à classe alta da sociedade medieval (clero). Devido à inacessibilidade das camadas mais
populares a teologia escolástica, ela foi traduzida por intermédio dos: ofícios religiosos, da
liturgia, da pintura e da música.
Os teólogos escolásticos eram antes de tudo místicos, e tentavam escrever o que de fato
viviam na espiritualidade – na verdade, o escolasticismo era representante da experiência
que se traduzia à mensagem para o povo. Portanto, não era uma fé intelectualizada. O
misticismo representava uma atitude teológica baseada na experiência espiritual das
pessoas, logo, misticismo e escolasticismo não se separam.
De outro lado, temos uma outra atitude teológica, o biblicismo que estava profundamente
preocupado com a tradição bíblica. Este movimento será um dos precursores da reforma
protestante. Na verdade esta atitude teológica buscou na fundamentação bíblica a
orientação para os leigos.
15
Escolasticismo significa filosofia da escola.
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30
Em muitos momentos estas atitudes teológicas entravam em conflito, mas, se formos
analisar, podemos considera-las interdependentes, mesmo porque para o escolasticismo não
há separação entre teologia, tradição bíblica e experiência religiosa com o sagrado.
Se considerarmos que a autoridade do período medieval é somente a tradição viva
interpretada e transmitida pela igreja (expressa por intermédio dos pais, dos concílios,
credo, do cânon) e que o indivíduo nasce nesta sociedade em que tais tradições são naturais,
visto que não há outro caminho ou opção, o método escolástico – com sua especulação –
representou um risco para a autoridade da igreja.
O grande argumento utilizado pelos antidialéticos contra o método escolástico foi
justamente a de que este método interpretaria – pela razão – a autoridade “natural” da
igreja. Entretanto, Tillich (1988, 137) demonstra que para Tomás de Aquino “a razão não
precisa ser destruída para interpretar o significado da tradição viva”.
Por isso, que no início do período medieval a autoridade da igreja era algo perfeitamente e
normal, visto que o indivíduo nascia neste único e natural sistema de pensamento e
realidade. Entretanto, o período final da idade média é reconhecido enquanto “idade das
trevas” pela necessidade de imposição da autoridade (autoritarismo), isto associado à perda
de plausibilidade religiosa.
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2.2.
31
Controvérsias teológicas da idade média
2.2.1. Fé e Razão
A partir do século XI tudo passa a ser passível de crítica, isso inclui o fazer teológico
baseado na tradição canônica e nos escritos dos pais da igreja. Dessa forma, estabelece-se
um conflito entre aqueles que eram favoráveis unicamente à utilização da fé para
compreensão do mundo, enquanto outros criam que era possível utilizar a razão para
interpretação teológica.
Aqueles que se destinavam a defender a razão para compreensão teológica eram os
dialéticos, por considerarem que a razão era mediadora do fazer teológico. Dentre as
expressões mais importantes deste movimento temo São Tomás de Aquino (nasce em 1225
e morre em 1274), membro da ordem dominicana, tinha influência marcadamente
aristotélica. Segundo ele o aristotelismo não prova a existência de Deus, mas tem a
capacidade de revelar seus atributos, segundo este método é argumentativo, teológico e
racional.
Segundo Tomás de Aquino, a revelação não tem a capacidade de anular a razão, mas,
cumpre a função de sistematizar o dogma. Dentre os principais escritos estão: as sumas16
teológicas. Seus objetivos teológicos eram a primazia da suficiência da razão, logo, a
teologia é interpretada enquanto uma ciência argumentativa.
Tomás de Aquino é figura central na compreensão da teologia do século XIII, sistematizou
as idéias de sua época a respeito da fé, por isso é considerado uma grande personalidade da
16
As sumas se caracterizam pela exposição teológica e sintética dos dogmas e doutrinas da igreja.
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32
escolástica (retomou o pensamento aristotélico), foi direto às fontes reatualizando a tradição
da igreja.
Aqueles que se destinaram defender a fé como única fonte de revelação foram os
antidialéticos, que rejeitavam toda e qualquer aproximação da fé com a razão. E uma das
figuras mais marcantes deste movimento é Duns Scoto (1265), pertencente à ordem
franciscana.
Scoto também era um escolástico, entretanto não aceita a razão enquanto instrumento para
apresentar a verdade, por considerar que o conhecimento não revela a Trindade e muito
menos a salvação, demonstrando a insuficiência da razão natural para interpretar as
revelações de Deus.
Suas principais obras são: Caráter prático da teologia e caráter científico da filosofia.
Primava pela teologia, e considerava que os homens só podem ser bons por causa de Deus,
logo, intelecto e vontade são princípios supremos.
Teologicamente para Tomás de Aquino os princípios supremos estão baseados no intelecto,
logo, somente o intelecto poderia ser o poder dominante. Por outro lado, Scoto considerava
a vontade como poder predominante, logo, primeiramente Deus é vontade, o mundo foi
criado pela vontade. Portanto, um grande impasse teológico se estabeleceu: a discussão
teológica sobre a vontade e o intelecto.
As concepções de Tomás de Aquino e Duns Scoto culminam em duas tendências:
1)
Escotismo: místicos, franciscanos, baseados nos escritos de agostinho e
Platão;
2)
Tomismo: racionais, dominicanos, baseados nos escritos de Aristóteles.
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33
2.2.2. Nominalismo e Realismo
“Para se entender o que significava realismo, na Idade Média, basta
traduzir o termo por “idealismo”. O realismo medieval é o que
chamamos de idealismo se não o entendermos em sentido moral ou num
sentido epistemológico especial, mas em termos de idéias ou essências
das coisas possuidoras de realidade e de poder de ser. O realismo
medieval é quase o oposto do que chamamos hoje de realidsmo, e o que
entendemos hoje por realismo é quase idêntico ao que os medievais
chamavam de nominalismo. Os universais, as essências, a natureza do
homem, a natureza das coisas, a natureza da verdade etc, são, para os
medievais, poderes que determinam o que os seres individuais, tais como
árvores e pessoas, vão se tornar quando, afinal, se desenvolverem... Essas
potencialidades podem, naturalmente, não se desenvolver ou serem
destruídas, mas estão em todos os indivíduos (...) O nominalismo
pensava exatamente o contrário: só existem este Pedro e este Paulo”
(TILLICH: 2000, 152).
Percebe-se que o nominalismo e o realismo elaboram diferentes maneiras de compreender a
realidade, que influenciou diretamente na concepção teológica do período medieval. Logo,
muda-se a forma de conceber o indivíduo no universo, as relações entre os grupos sociais e
o conceito de individualidade, que viria posteriormente se desenvolver nas sociedades
modernas.
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34
III - TEOLOGIA DA REFORMA PROTESTANTE
Os livros de história nos informam que a reforma protestante se deu no dia 31 de outubro
de 1517. Contudo, devemos compreender que os acontecimentos históricos não se resumem
a um dia específico, mas, são resultado de uma evolução de acontecimentos que culminam
naquilo que a história chama de “o dia de”.
Um grande acontecimento histórico, como é o caso da reforma protestante, não é fruto de
um dia, localidade, e um homem específico. Pelo contrário, é um movimento que culmina
num determinado acontecimento, que para os livros de história, faz-se necessário datar.
Não estamos querendo dizer que a reforma não teve sua importância, e que Lutero não é o
grande reformador do século XVI. Ele é o grande reformador do século XVI, e teve sua
importância histórico-social para este século, entretanto, o que estamos afirmando é que
outros o precederam como é o caso de Wicliff e Huss no período medieval.
3.1.
Antecedentes históricos
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35
A reforma protestante marca a fase de transição do período medieval para a era moderna.
Entretanto para que se chegasse a reforma inúmeros fatos históricos, econômicos e sociais,
anteriores ao século XVI, aconteceram.
A relação entre a igreja e o estado era um tanto tensa na idade média, entretanto,
fundamental para manutenção do poder entre as instituições. Poder religioso e poder estatal
eram interdependentes, entretanto, após o cisma (1378-1417; 1449) e depois do Concílio de
Basiléia os papas tiveram que buscar, segundo Dreher (2002, 14), reconhecimento junto aos
príncipes, imperadores e reis, ou seja, o Estado passa a ter grande influência sobre a igreja.
Portanto, o final do século XV é marcado pela influência secular na vida da igreja, ou seja,
surgem igrejas territoriais que poderiam ser governadas até mesmo pelos líderes
municipais.
Com a liderança das igrejas assumidas pelos reis, príncipes, e imperadores, o poder se
consolidava a ponto de ser fonte de autoridade definitiva sobre a vida dos indivíduos em
sociedade. Da mesma forma, os líderes eclesiásticos eram escolhidos de acordo com a
fidelidade política, logo, a vocação espiritual dos clérigos era questionada, se
considerarmos que suas ambições políticas vinham em primeiro lugar.
Mesmo com a instituição do papado, a igreja só poderia tomar algumas atitudes com a
autorização do principado, logo, o príncipe passou a controlar as ofertas e bens simbólicos
do sagrado. As indulgências só eram permitidas, caso o príncipe tivesse participação nos
lucros. Portanto, as igrejas, conventos, e mosteiros eram administrados pelas cidades em
que estavam inseridas.
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3.2.
36
Panorama histórico da reforma: o jovem lutero
Dependendo do ponto que focamos nosso olhar, Lutero pode ser considerado um
anarquista, da mesma forma que pode ser um herói da história da igreja. Entretanto, o que
nos propomos a analisar são os reais motivos pelos quais este protagonista de nossa história
ousou desafiar um poder tão efetivo quanto o do final da idade medieval.
Na história de muitos movimentos, principalmente os religiosos contemporâneos,
encontramos impresso a marca de seu líder, e a reforma protestante não é diferente. Caso
estudássemos a fundo a vida e obra de Lutero, bem como sua teologia, concluiríamos que
sua teologia é expressão de sua vida e de suas inquietações.
Lutero nasceu na Alemanha do final do século XV, especificamente em 1483. González
(1983, 46) nos conta que sua vida não foi muito feliz,
“... Seus pais eram extremamente severos com ele, e muitos anos mais
tarde ele contava com amargura alguns dos castigos que lhe tinham sido
impostos. Durante toda a sua vida foi presa de períodos de depressão e
angústia profunda, e há quem pense que isso se deve em boa parte à
austeridade excessiva exigida na sua infância. Na escola suas primeiras
experiências não foram melhores, pois também posteriormente se
queixava de como o tinham golpeado por não saber suas lições.... não
resta dúvidas que essas situações deixaram marcas permanentes no
caráter do jovem Martinho.”
Ingressou no mosteiro agostinho de Erfurt em 1505, após uma experiência pessoal
aterrorizante, e contrariando a vontade de seu pai que insistia que fosse advogado. Seu
interesse pelo hábito estava diretamente associado ao interesse pela salvação e o medo da
condenação, temas atuais da época do jovem estudante.
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37
O jovem Lutero se dedicou plenamente ao serviço da igreja. Entretanto, o medo de Deus
não lhe abandonara, continuava pensando que Deus se assemelhava a seus pais e
professores, ou seja, Deus era um Deus carrasco e impiedoso, e que todos os meios de
graça não eram suficientes para obter seu perdão.
A religiosidade de Lutero era tamanha, que nunca se sentia perdoado, seu sentimento
pecaminoso o cercava a todo o momento e o tornava o pior de todos os homens. Seu
utópico desejo de se tornar um monge perfeito não se concretizava nem mesmo com as
demasiadas confissões e boas obras, até mesmo elas eram insuficientes para apagar seus
pecados. Diante de tais sentimentos, seu confessor o enviou à Universidade de Wittenberg,
para dirigir cursos sobre as escrituras.
Quando Lutero começou em 1515 a dar conferências sobre a epístola de Romanos,
percebeu que a justiça de Deus não se referia as obras praticadas, mas ao dom gratuito de
Deus. Neste momento sua vida tomou um novo rumo, percebeu que a justiça de Deus não
era impiedosa, mas, amorosa. Daí em diante toda a Bíblia foi re-significada para ele, e ele
entendeu o amor de Deus. Parece que sua luta espiritual, travada há muito tempo, estava
solucionada, entretanto, o espirituoso Lutero assumiu outras lutas, que definitivamente
mudaria sua vida.
Lutero casou-se com uma ex-freira, teve filhos e filhas. No final de sua vida, encontramos
um homem depressivo e sem muitas vontades para com a vida, entretanto, continuava seu
trabalho reformador. Os livros de história datam a morte de Lutero no dia 18 de fevereiro
de 1546, em que a causa mortis seria um ataque do coração.
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3.3.
38
A reforma protestante
Como falamos anteriormente, a reforma protestante não é fruto de um único só homem.
Porém, faz-se necessário afirmar que Lutero foi o homem certo, no momento certo, e no
lugar certo. Ou seja, a reforma protestante é atribuída a Lutero porque ele apareceu no
momento em que todas as circunstâncias políticas, sociais e econômicas estavam
preparadas para a reforma.
Apesar de sua fidelidade para com a igreja, Lutero começou a perceber que a vocação da
igreja não estava sendo cumprida, ou seja, a vocação de libertar o ser humano por
intermédio de Jesus Cristo, uma vez que o retorno financeiro das indulgências não
correspondiam as verdades bíblicas17.
Neste momento a venda das indulgências havia sido autorizada pelo papa Leão X, um papa
corrupto que só almejava sua glória pessoal. A metade das vendas das indulgências eram
destinadas a sua obra na basílica de São Pedro, ostentando por este ambicioso papa. João
Tetzel foi o grande responsável pela venda de indulgências na Alemanha Central, e
afirmava sem escrúpulos que as indulgências deixavam o pecador:
“... “mais limpo do que quando saia do batismo”, “mais limpo que Adão
antes de cair”, “ que a cruz do vendedor de indulgências tinha tanto
poder quanto a cruz de Cristo”, “e que quando se comprava indulgências
para um parente morto, tão pouco a moeda caísse no cofre, a alma saia
do purgatório”” (Gonzalez, 1983).
17
O acesso às escrituras era um privilégio dos clérigos, considerados os detentores do saber, enquanto que o
povo não tinha acesso. Desta forma criou-se um clericalismo que tornava o povo ignorante. A teologia da
idade medieval era de grande incerteza. Mesmo porque os líderes da igreja estavam preocupados mais com o
dinheiro do que com suas vidas espirituais.
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39
Com tais afirmações Teztel representava para os humanistas, o reflexo do que tinha se
transformado a igreja. A aversão humanista18 com relação às indulgências estava
diretamente relacionada com a percepção da exploração romana sobre o povo alemão
(sentimento nacionalista).
Indignado com esses acontecimentos, Lutero decide escrever em latim 95 teses, que sem
esperar, assumem uma proporção gigantesca na Europa do século XVI. Ao escreve-las,
Lutero criticou arduamente as indulgências, e o poder daqueles que estavam por trás delas,
ou seja, o poder político-religioso deste contexto. Portanto, as noventa e cinco teses
representavam em poucas linhas:
Um protesto contra a exploração romana, uma vez que o amor de Deus era
dom gratuito;
Um ataque direto contra a venda das indulgências, por considerar que o papa
deveria tirar do próprio bolso para dar aos empobrecidos, e não ao contrário,
para construir sua Basílica;
18
“O Humanismo (1418-1527) caracteriza-se por uma nova visão do homem em relação a Deus e, em relação
a si mesmo. Essa nova visão decorre diante da nova realidade social e econômica vivida na época. A pirâmide
social da era Medieval, já não existe mais ( essa pirâmide era formada pelos Nobres / Clero / e Povo ), graças
ao surgimento de uma nova classe social: a Burguesia, cujo nome se origina da palavra burgos que quer dizer
cidade. O surgimento das cidades deve-se ao incremento do comércio que era a base de sustentação dessa
nova classe social. As cidades por sua vez, oferecem uma nova opção de vida para os camponeses que
abandonam o campo. Esse fato iniciou o afrouxamento do regime feudal de servidão. Nessa época também
tem início as grandes navegações, que levam as pessoas a valorizar crescentemente as conquista humanas.
Esses fatores combinados levam a um processo que atinge seu ponto máximo no Renascimento. Como
conseqüência dessa nova realidade social, o Teocentrismo pregado e defendido durante tantos anos pelas
classes anteriores, passa a dar lugar para o Antropocentrismo, nova visão onde o homem se coloca como
sendo o centro do Universo. Na cultura, esse processo de mudanças também tem efeitos culturais pois, o
homem passa a se encarar como ser humano, e não mais como a imagem de Deus. Todas as Artes passam a
expressar novas partículas que apareceram com essa nova visão, as pinturas os poemas e as músicas da época
por exemplo, tornam-se mais humanas, passam a retratar mais o ser humano em sua formação. Essa nova
concepção, não significa que a religião estava acabando mas, apenas que agora os artistas passavam a embutir
em suas obras também o lado humano derivado desse novo regime social. As obras dessa época, vão refletir
em sua formação esse momento de transição de uma mentalidade para outra, ou seja, a passagem de uma
visão Teocêntrica para a visão antropocêntrica do mundo. Portanto o Humanismo é considerado como um
período de transição. A prosa, a poesia e principalmente o teatro produzidos nesse período refletem essa
transição.” (Extraído da internet em 01/02/2005 - http://www.estudiologia.hpg.ig.com.br/humanismo_4.htm;
http://geocities.yahoo.com.br/veluhdias/humanismo.)
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3.4.
40
Lutero e sua teologia
Dois fatores contribuem para a formação da teologia de Lutero, o primeiro deles é sua
experiência pessoal com Deus, e o segundo diz respeito a sua formação teológica que tinha
como principal base o aprofundamento bíblico somado a ministração de suas aulas no
seminário, que certamente contribuíram para sua reflexão mais aprofundada da Bíblia.
É claro que não temos como colocar em breves momentos toda a teologia de Lutero,
entretanto tentaremos abordar aquelas que significaram uma mudança na vida dos
“protestantes” em relação à religiosidade católica romana.
3.4.1. A palavra de Deus (Bíblia)
Toda a autoridade de sua teologia está na palavra de Deus, uma vez que a palavra é o
próprio Deus. Lutero estava baseado no Evangelho de João, e em Gênesis onde a palavra
tem força criadora. Não acreditava que a Bíblia fosse infalível, entretanto cria que Deus
havia inspirado alguns escolhidos para propaga-la, e que pela Bíblia conhecemos a Jesus
Cristo.
Lutero tinha dificuldades em aceitar a Epístola de Tiago no Cânon, uma vez que a
considerava secundária e apenas continha em seu conteúdo regras de comportamento,
entretanto, não a retirou do Cânon. Segundo González, Lutero afirmava que a igreja não
tinha autoridade sobre as escrituras (livre interpretação da Bíblia), e que também a
autoridade final não estava na Bíblia, nem na igreja, mas no Evangelho, na mensagem de
Jesus Cristo, que é a própria palavra de Deus encarnada.19
19
A forte ênfase da reforma protestante no que diz respeito a palavra, trouxe uma das maiores calamidades da
história da humanidade. Na primavera de 1522, em Wittenberg, é determinado a retirada das imagens das
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41
3.4.2. O conhecimento de Deus (Teologia da Cruz)
Com base na teologia tradicional, Lutero concordava que é possível conhecer a Deus pela
razão, isto dá capacidade ao homem em saber que Deus existe, entretanto qualquer esforço
humano para conhecer a Deus é inútil. Segundo ele não basta pensar como Deus é, sua
revelação não se dará neste momento de reflexão, mas só tem um lugar – a cruz de Cristo,
portanto, a Teologia de Lutero é por uma teologia da Cruz. Não devemos buscar ver em
Deus o que queremos (nossas próprias vontades), mas onde Deus se revela.
3.4.3. A Lei e o evangelho
Como afirmamos anteriormente, Lutero considerava que só é possível conhecer a Deus por
meio da revelação que vem da cruz, entretanto, há dois modos distintos que Deus se faz
conhecer: pela Lei e pelo Evangelho (Palavra de Deus). Não significa que Lutero
estigmatizava o Antigo Testamento enquanto Lei, e o Novo enquanto Graça, mas, que a
revelação de Deus se dá de uma única só vez, ou seja, no mesmo momento em que é
anunciado a condenação é anunciado a graça. Isto equivale dizer que Deus não fecha os
olhos para os nossos pecados, porque Ele é Santo, entretanto somos justificados por sua
graça, que é dom gratuito de Deus, somos justificados pela fé. Segundo ele, a Lei é
esmagadora, entretanto, o Evangelho é libertador. Há uma dialética entre lei e evangelho,
justamente a crise pela qual Lutero se vê durante sua vida, ou seja, por um lado era pecador,
entretanto quando compreendeu a epístola aos Romanos foi liberto de suas inquietudes.
igrejas. Um momento de grande violência e intolerância. Os iconoclastas queimaram e quebraram obras de
arte, e incendiavam tudo o que viam pela frente. O ideal da reforma trouxe a idéia de que somente a palavra
venceria, e com o iconoclasmo os templos protestantes tornaram-se vazios e sem arte, conclusão, a arte
deixou de ter motivos religiosos.
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3.4.4. A Igreja e os sacramentos
Apesar da primeira impressão que temos de Lutero ser a de um rebelde, contrário a igreja,
não devemos nos esquecer que em nenhum momento foi sua intenção romper com a igreja,
mas, abrir-lhes os olhos contra os erros de seus filhos. Segundo González Lutero sempre
pensou na Igreja como parte essencial da mensagem cristã, uma vez que a igreja era uma
comunidade de irmãos e não uma “individualidade”. A doutrina do “sacerdócio universal
de todos os crentes” não limitava o indivíduo a uma espiritualidade individual, pelo
contrário, responsabilizava cada crente a trabalhar para o Reino de Deus em comum. Além
do mais é por intermédio da igreja que recebemos os meios de graça, os sacramentos.
Segundo Lutero, para que um rito fosse reconhecido como verdadeiro sacramento, deveria
ter sido instituído por Jesus por meio dos Evangelhos. Portanto, Lutero reconheceu apenas
dois sacramentos: o batismo e a ceia. Segundo González (1983, 70 – 71),
“O batismo é o sinal da morte e ressurreição do cristão, com Jesus Cristo.
Porém é muito mais que um sinal, pois por ele e nele fomos feitos
membros do corpo de Cristo. O batismo e a fé andam estreitamente
unidos, pois o rito sem a fé não é válido, porém isto não deve ser
entendido no sentido de que temos que ter fé antes de ser batizados, e
que portanto não se possa batizar as crianças. Se dissermos tal coisa,
cairíamos no erro daqueles que crêem que a fé é uma obra humana, e não
um dom de Deus. Na salvação a iniciativa é sempre de Deus, e isto é o
que anunciamos ao batizar crianças tão pequeninas que são incapazes de
entender do que se trata. Além disso, o batismo não é somente o começo
da vida cristã, mas é o fundamento e o contexto dentro do qual toda essa
vida tem lugar. O batismo é valido, não só no momento de ser
administrado, mas para toda a vida.”
Segundo Lutero, a eucaristia era o centro do culto cristão, ou seja, de suma importância
para a vida do crente. E por isso combateu arduamente a doutrina da transubstanciação,
uma vez que a ceia não era repetição do sacrifício de Cristo (missa). E mediante sua
posição frente à ceia teve que debater com católicos e até protestantes, mas, nunca afirmou
que a ceia era simplesmente um símbolo das realidades espirituais, sua posição era de que,
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“... na ceia os fiéis participavam verdadeiramente e literalmente do corpo
de Cristo. Isto não indica, como na transubstanciação, que o pão se
converta em corpo, e o vinho em sangue. O pão continua sendo pão, e o
vinho, vinho. Porém agora estão também neles o corpo e o sangue do
Senhor, e o crente se alimenta deles ao tomar o pão e o vinho. Se bem
que mais tarde se deu a essa doutrina o nome de “consubstanciação”,
Lutero nunca pensou assim, e preferia sim chamá-la de a presença de
Cristo em, com, debaixo, ao redor, e por trás do pão e do vinho.”
(González: 1983, 73)
A controvérsia a respeito da ceia gerou inúmeras divisões entre os luteranos, calvinistas, e
entusiastas, que consideravam uma presença simbólica de Cristo na ceia, em muitos
momentos Lutero se viu em dúvida com relação a transubstanciação católica (sua origem
religiosa) e a simbologia de Calvino.
3.4.5. Os dois reinos
Um tema pertinente para a época em que viveu o reformador é a relação entre a Igreja e o
Estado. Segundo Lutero,
“... Deus tinha estabelecido dois reinos, um sob a lei, e outro sob o
Evangelho. O estado opera debaixo da lei, e seu principal propósito é pôr
limites ao pecado humano. Sem o estado os maus não teriam freios. Os
crentes por outra parte, pertencem ao segundo reino, e estão debaixo do
evangelho... porém não esqueçamos que os crentes, ao mesmo tempo que
são justificados pela fé, continuam sendo pecadores. Portanto, enquanto
somos pecadores, todos estamos sujeitos ao estado.” (González: 1983)
A relação estabelecida por Lutero é um tanto confusa, o que nos consta é que até mesmo
Lutero não tinha certeza de como estado e igreja deveriam relacionar-se. Em muitos
momentos, quando se sentiu ameaçado, chamou seus seguidores a pegar as armas, portanto
não foi um pacifista. Da mesma forma que quando os camponeses “rebeldes” e anabatistas
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ameaçaram seus ideais, afirmou que as autoridades civis tinham o dever de reprimi-los com
autoridade.20
Lutero é considerado pelos historiadores o fundador do período moderno e do racionalismo,
uma vez que suas idéias romperam com o período medieval, destruíram a hegemonia
católica, e promoveram o processo de secularização.
3.5.
Calvino21: o sistematizador da teologia protestante
González (1983, 104) afirma categoricamente que “Sem dúvida, o mais importante
sistematizador da teologia protestante no século XVI foi João Calvino”. Ou seja, se por um
lado Lutero foi responsável pelo início da reforma, por outro, Calvino foi responsável pela
organização das doutrinas protestantes.
Calvino nasceu na França do século XVI, em 10 de Julho de 150922, quando Lutero já
ministrava suas aulas em Wittenberg, filho de uma família de classe média, seu pai era
secretário do bispo, logo, conseguiu que a igreja custeasse os estudos de seu filho. Seus
estudos em Paris o colocaram em contato com as idéias humanistas, logo, em contato com
as idéias de Wicliff, Huss e Lutero. Além disso, estudou jurisprudência, e em 1530 recebeu
autorização para praticar advocacia, entretanto os ideais humanistas pareciam estar
entranhados no jovem advogado.
20
A rebelião dos camponeses se dá em 1525. O que os influenciou foi o forte sentimento nacionalista, e as
pregações de Lutero e seus seguidores. Conta-se que cerca de cem mil camponeses morreram, quando Lutero
pediu aos príncipes que controlasse repressivamente o movimento. Dos camponeses sobreviventes, muitos
abandonaram o luteranismo.
21
Max Weber considera que a ética protestante do calvinismo (moral, comportamento, formas de
estabelecimento econômico) gerou circunstâncias propícias para o surgimento do capitalismo.
22
A vida do intolerante reformador findou em 27 de maio de 1564.
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45
Não podemos afirmar com certeza os motivos pelos quais conduziram Calvino ao
abandono do catolicismo, entretanto, supomos que as idéias humanistas o conduziram para
a nova fé, esta decisão o obrigou a abandonar todos os benefícios econômicos que recebia
da igreja católica.
No reinado de Francisco I, a fé protestante era tolerada no império, entretanto, em 1534 o
rei mudou sua política, portanto, Calvino fora obrigado a se exilar em Basiléia. Segundo
Gonzalez (1983, 110) Calvino não almejava ser um dos reformadores, entretanto pretendeu
resumir a fé cristã sob o ponto de vista protestante, “O que Calvino se propunha então era
cobrir este vazio com um breve manual ao qual deu o título de Institutas da Religião
Cristã” (1º ed. bolso: Basiléia, 1536).
As institutas foram escritas em Latim, por isso, poderia ser lida por povos de quase todas as
nacionalidades, além do mais, tinha fácil circulação por ser uma edição de bolso, tais
fatores contribuíram para que rapidamente a edição se esgotasse. As institutas eram
compostas por seis artigos que tratavam, respectivamente, da Lei, do Credo, do Pai Nosso,
dos Sacramentos, dos Falsos Sacramentos, e da Liberdade Cristã. Após esta primeira
edição, Calvino lançou outras edições, sempre acrescidas das polêmicas levantadas por
grupos contrários as suas doutrinas. Gonzalez (1983, 111) chega a afirmar que para se
conhecer o desenvolvimento teológico de Calvino, é muito simples, basta comparar todas
as edições das institutas.
Apesar de não ter se doutorado em teologia, assim como Lutero, Calvino demonstrava
grande conhecimento da Bíblia e dos escritores clássicos da antiguidade, além do mais seus
estudos sobre jurisprudência o influenciou certamente. Desta forma, as institutas da religião
cristã são consideradas uma das maiores obras teológicas do século XVI.
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46
O que Calvino queria, como já falamos não era se tornar um reformador, queria apenas
sossego para poder meditar e escrever. Contudo, seus planos não se concretizaram. Seu
desejo era ir para Estrasburgo, onde a obra reformadora estava em alta, havia grandes
discussões teológicas, podendo ser um excelente lugar para fincar raízes. Por motivos de
guerra, para chegar a Estrasburgo seria necessário passar por Genebra23 . Farel, um árduo
propagador do evangelho, pediu abruptamente que Calvino continuasse ficasse na cidade, e
após muito relutar, decidiu ficar e se tornou o grande reformador de Genebra, apesar de
receber muita relutância em sua forma de agir, pois, segundo Gonzalez (1983, 114),
“Calvino insistia em que, para que a vida religiosa se conformasse verdadeiramente aos
princípios reformadores, era necessário a excomungar os pecadores impenitentes.”
Entretanto, o governo da cidade se negou a seguir o rigor de Calvino e o desterrou.
Após ter ido à Estrasburgo e se casado, foi convidado a retornar a Genebra e reforma-la
(1541). Quando retornou redigiu as “Ordenanças Eclesiásticas” desta vez com o aval do
governo da cidade, nestas ordenanças constava que o “governo da igreja ficava
principalmente nas mãos do Consistório”24.
O poder da igreja nas mãos do Consistório representava, evidentemente, uma ameaça ao
poder dos líderes da cidade, visto que este conselho agia com uma severidade extremada
para com os costumes do povo. A situação política de Calvino, portanto, era difícil, sua
intolerância era sem dúvida esmagadora, haja vista alguns eventos que ocorreram:
Calvino, juntamente com o governo da cidade de Genebra, acusam o
médico e teólogo Miguel de Servetto de heresia, pois, negava a doutrina
da Trindade e do pecado original (Servetto já havia sido acusado pela
inquisição, e fugia). Sua pena foi a fogueira, entretanto, Calvino achou
que a decapitação seria uma pena menos cruel;
23
Genebra, após a incursão de missionários, havia se tornado protestante, e carecia de ajuda teológica e
clériga para dar andamento aos ideais reformadores.
24
O consistório era formado pelos pastores e por doze leigos que recebiam o nome de anciãos, entretanto, este
corpo sempre seguia as orientações de Calvino.
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47
Calvino expulsou da cidade de Genebra Sebastião Castellón, uma vez
que interpretou o Cântico dos Cânticos como um poema de amor, e
interpretou a descida de Cristo aos infernos;
Jérôme Bolsec foi atingido pela intolerância de Calvino, ao negar a
doutrina da predestinação.
3.5.1. Teologia de Calvino
Calvino entendia que a presença de Cristo na ceia era real, porém, espiritual. Pois
considerava que este ritual não era meramente simbólico ou devocional, mas que no
momento da comunhão Deus agia verdadeiramente beneficiando a Igreja e seu corpo.
Entretanto não significava que Cristo descia do céu, e participava onipresentemente de
todas as mesas ao mesmo tempo, conforme afirma a teologia de Lutero. O que acontece é
que na celebração da ceia os crentes são como que levados ao céu, como uma antecipação
do banquete celestial. (Gonzalez: 1984, 117).
Segundo Dreher (2002, 98) o centro do pensamento e da teologia de Calvino está
“determinado pela teologia de Lutero: a radical pecaminosidade do ser humano, o
cristocentrismo, a plena eficiência da graça, a justificação somente pela fé, a centralidade
da palavra pregada”.
Calvino acreditava que a palavra de Deus só pode ser encontrada na Escritura, da mesma
forma que o conhecimento de Cristo, portanto, bíblia é o testemunho da relação histórica de
Cristo. Por isso, o NT não elimina o Antigo, só o aperfeiçoa, por isso, não há oposição
entre Lei e Evangelho.
A interpretação da Bíblia só é possível dentro da Igreja, que tem seus representantes
capacitados dogmaticamente para doutrinar os servos fiéis. Segundo Calvino a reforma não
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é um cisma, mas a realização da vontade divina na vida da igreja. Portanto, a verdadeira
igreja é aquela baseada nas doutrinas das escrituras.
Na opinião dele toda igreja deveria estar equipada mediante a doutrina dos quatro
ministérios, ou seja, segundo ele Jesus instituiu quatro ministérios para governar a
comunidade local: pastores, mestres, presbíteros (anciãos) e diáconos. Calvino interpretava
a nomeação pastoral como um “terceiro sacramento”25, tanto que as nomeações eram feitas
pessoalmente por ele.
Na elaboração da doutrina da predestinação, Calvino utilizou passagens bíblicas que falam
da atuação de Deus na história, segundo Dreher (2002, 100)
“Deus faz com que alguns obedeçam e os outros permaneceçam com
seus corações endurecidos... a predestinação divina não é imposição; a
responsabilidade humana permanece... O destino eterno do indivíduo não
depende de causas externas, de seus méritos ou de sua dignidade, mas da
decisão misteriosa e misericordiosa de Deus, que sempre é tomada face à
obra redentora de Jesus Cristo... A certeza da salvação e eleição dos
crentes depende de Cristo... O verdadeiro povo de Deus é formado
apenas pelos eleitos.”
A compreensão pneumatológica em Calvino é fundamental para compreendermos sua
teologia eclesiológica e eucarística. Segundo Dreher (2002, 101) a teologia eucarística de
Calvino é essencialmente pneumatológica, ou seja, somente pela ação do Espírito Santo é
possível que Jesus que está em sua glória desça para se tornar alimento para os crentes.
Come-se e bebe-se o pão e o vinho “espiritualmente”, entretanto é real, pois para Calvino o
Espírito Santo era certamente real.
25
Não que fosse o terceiro sacramento, mas seria parecido, devido a importância deste ato para a vida da
igreja.
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49
3.5.2. Diferenças teológicas entre os reformadores26
Ao contrário de Lutero, Calvino não teve formação teológica, sua preocupação estava
principalmente na questão da santificação, enquanto que para Lutero a questão principal era
a justificação, conforme afirma Dreher (2002, 101),
“Em Calvino, a santificação é apresentada antes da justificação. Isto tem
a finalidade de mostrar que a fé, único caminho através do qual nos é
imputada a justiça de Cristo, não pode existir sem obras de santificação,
boas obras. Enquanto a justificação ocorre de uma vez para sempre, a
santificação se estende por toda a vida humana. Com o auxílio do
Espírito Santo, dia a dia, nos é dada aquela vontade que nos possibilita
assemelharmo-nos a Cristo e a readquirir a nossa imagem de Deus. Os
“meios externos da salvação” são a pregação, os sacramentos, a oração, a
disciplina, a comunidade eclesial visível. Eles também são os
instrumentos do Espírito Santo, que é o Espírito de toda a Santificação.”
Calvino atacou diretamente Lutero no que diz respeito à doutrina da consubstanciação. A
presença de Cristo na ceia, segundo Calvino é espiritual, mediante a ação do Espírito Santo,
enquanto que para Lutero, Cristo verdadeiramente se fazia presente na ceia.
Ambas teologias são cristocêntricas. Entretanto, no que diz respeito à ceia há divergências.
Além do mais, a concepção pneumatológica de Calvino é fundamental para sua
compreensão eucarística.
26
Nesta apostila tratamos apenas de Lutero e Calvino, uma vez que consideramos o primeiro enquanto o
iniciador da reforma e o segundo, sistematizador dos princípios da reforma. Isto não significa que figuras
como Zwínglio e Melanchthon não sejam de fundamental importância para a história da teologia, e sua
influência na contemporaneidade. Entretanto, enquanto parâmetro optamos por dois reformadores pela
limitação do trabalho em apostila. Isto posto, indicamos para aprofundamento em todos os reformadores,
incluindo Zwínglio e Melanchthon: BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. Trad. Hemulth
Alfred Simon. 1998. - DREHER, Martin N. A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. 2002.
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uma história ilustrada do Cristianismo - A Era dos Reformadores. 1983.
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50
Agora que conhecemos, em parte, as teologias dos reformadores, cabe-nos questionar sobre
a influência de tais teologias para os dias atuais. O que será que restou – em termos
teológicos – da reforma para os nossos dias?
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51
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http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/nietzsche_deus.htm
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53
FICHA DE ATIVIDADES.
1. Leia e resuma a apostila.
2. Desenvolva uma pesquisa sobre o concílio de Nicéia. (Use outras fontes, no mínimo
3 fontes).
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