PROFISSIONAIS EM MISSÕES: UNIVERSITÁRIOS E PROFISSIONAIS ESTRATÉGICOS PARA A EVANGELIZAÇÃO MUNDIAL André Felipe ‒ Aefe! [email protected] Mais da metade do mundo está fechada para o missionário convencional (...). Inúmeros desses mesmos países acolhem com satisfação estrangeiros que possuam habilidades que lhes sejam úteis. Grande número dos povos não alcançados de todo o mundo jamais ouvirá a Palavra a menos que cristãos com habilidades profissionais se disponham a ir e fazer com que Jesus Cristo seja anunciado em seu meio 1. Na epidemia de cólera que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1855, e na epidemia de febre amarela, em 1858, ele teve um papel muito importante como médico cirurgião; e em 1859, ele batizou duas damas da Corte Imperial. Em Funchal, em Portugal, abriu um hospital de doze leitos e serviços de clínica e farmácia gratuitos para a população pobre. Na Ilha da Madeira, fundou várias escolas de alfabetização, chegando a atender mais de 2500 pessoas. Foi também pioneiro do presbiterianismo na Madeira e do Congregacionalismo no Brasil, e um dos primeiros médicos missionários na história de missões2 : Dr. Robert Kalley, missionário. Conhecido como fazedor de tendas, profissional em missões, missionário biocupacional ou profissionário, esse perfil abrange o missionário com uma formação não apenas religiosa, com direção ministerial transcultural que se coloca estrategicamente para exercer a dupla função de evangelista e profissional. Biblicamente falando, não é necessário nenhum malabarismo para encontrarmos respaldo para esse modelo, quando convergimos o conceito de Reino de Deus, trazido com Jesus, à ordem de 8 ¦ 4OT2010 ¦ ALCANCE 1. SIEMENS, Ruth. Opções seculares para o trabalho missionário. In: WINTER, Ralph D. e HAWTHORNE, Steven C. Missões transculturais: uma perspective estratégica. São Paulo: Mundo Cristão, 1987. Pag. 944. 2. CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil: dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000. Pag. 82. O profissionário é, sobretudo, uma arma estratégica nas mãos da Igreja. Atualmente, 80% dos povos não alcançados estão em regiões que perseguem a Igreja de Cristo, impedindo a entrada de líderes religiosos. A entrada do missionário como um profissional fura esse bloqueio. Ruth Siemens, fundadora da ABUB, aponta algumas possibilidades da formação secular como estratégia para missões em contextos perseguidos, como o trabalho secular assalariado no estrangeiro, papel que a Interserve tem buscado mobilizar aqui no Brasil; o missionário autose espalhar o evangelho ao mundo, e o uso de estratégias missionárias diversificadas, utilizadas por Paulo (de onde vem o termo Fazedor de Tendas), mas também por José, no Egito, Daniel na Babilônia etc. Aqui no Brasil, isso não é novidade. Délnia Bastos, da Interserve3 , descreve a história desse perfil missionário em três ondas: a primeira onda (1885-1950), dos estrangeiros chegando ao Brasil; a segunda onda (1950-2000), dos profissionais brasileiros comprometidos com a missão; e a terceira onda (dias atuais), em que começam a surgir organizações, congressos e articulações mais amadurecidas, como a criação da Associação de Fazedores de Tendas do Brasil (AFTB), ligada à ABUB4. No recente Congresso de Lausanne, em Cape Town, um dos pontos discutidos foi justamente as pessoas não-ativadas , isso é, cristãos profissionais, em seus empregos, que não exercem, diretamente, influência evangelística. Em documento publicado no site do Congresso, e traduzido para o português, vemos que este chamado (ser sal e luz) não faz distinção entre trabalhadores, profissionais liberais, cristãos em igrejas ou agências missionárias, ou aqueles que têm ocupações comuns (...) viver a fé vai além de ser bom exemplo no trabalho. O chamado para fazer discípulos clama para que vivamos a fé deliberadamente, convidando outras pessoas para se unirem a nós, na nossa jornada cristã5 . 3. Interserve: organização missionária internacional com mais de 750 profissionais missionários espalhados pelo mundo. 4. BASTOS, Delnia. Profissionais missionários do Brasil: uma história que está sendo escrita. Encontrado em 31/10/10 no site: http:// www.ejesus.com.br/ 5. KOTIUGA, Willy. Pessoas no trabalho: preparando-se para ser a igreja global. In: http://conversation.lausanne.org/pt/advance_papers empregado, como o Dr. Kalley, já citado, que é um empreendedor no país estrangeiro; e o estudante bolsista em outro país. Mas, para além do missionário cavalo de tróia , que vai para regiões em que cristãos são perseguidos, há os países pobres, regiões necessitadas de profissionais das mais diversas áreas. Rosa Maria, missionária da APMT e odontóloga, no Senegal, já atuou com sua profissão em presídios, creches, casas de recuperação, entre os povos ribeirinhos do Amazonas, Pará, Roraima etc. Devido ao seu papel peculiar, que impede o paciente de questioná-la, ela prega o evangelho enquanto trata as bocas dos pacientes: Remove-se uma cárie de um elemento dental, associa-se com o pecado. Faz-se uma restauração, associa-se com o perdão dos pecados; boca em ordem, associa-se com cliente pronto para entregar-se a Jesus e divulgar as Boas Novas . Rosa atende gratuitamente em regiões muito pobres na África, onde a população não dispõe de recursos para ir ao dentista, além de que também não há dentista aqui . ALCANCE ¦ 4OT2010 ¦ 9 Priscila Rondan Napoli, missionária da APMT em Timor Leste, é formada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e dá aulas nesse país, ex-colônia de Portugal. A formação é uma porta aberta para comunicar o evangelho e também possibilitou o visto de permanência no país. Tanto ela quanto seu marido são professores contratados pela Universidade Nacional do Timor: Em uma de minhas aulas do curso de português, reuni mais de 40 jovens e pude falar abertamente e demoradamente sobre o amor de Deus . Outras possibilidades para auxílio conectando a missão transcultural com a formação universitária é o trabalho na Base, seja equipando a própria agência missionária, seja servindo na missão, e outras possibilidades são linguistas tradutores da Bíblia, educadores que preparam apostilas de alfabetização, desenhistas, técnicos de informática, administradores etc. É importante, no entanto, ressaltar alguns requisitos para esse tipo de atividade, quebrando alguns mitos. O principal deles é o de que o fazedor de tendas é independente financeiramente. Mesmo a Priscila, que trabalha pela Universidade Nacional, afirma: o serviço que oferecemos à comunidade é gratuito, apenas na universidade recebemos uma ajuda de custo que cobre o gasto somente com o transporte . O profissional em missões deverá preencher os três principais requisitos de qualquer missionário: SUSTENTADO: Um profissionário pode até se auto-sustentar, desde que o seu emprego remunerado esteja como parte de seu alvo missionário. Mesmo assim, são muito poucos os que vivem desse modo. Ele também pode ser parcialmente sustentado quando o salário não é suficiente, mas o trabalho é importante no projeto. Então, a igreja deve complementar o seu sustento. Porém, um profissionário deve ser sustentado integralmente pela igreja quando atuar numa comunidade tão pobre que não pode sustentá-lo. Outra forma é a participação financeira da igreja somente com as despesas do projeto, como a construção de um templo, aparelhos para clínicas, emergências, etc. CAPACITADO: Délnia chama a atenção para o fato de que o profissional deve ser excelente em seu serviço: não se pode fingir de profissional e muito menos usar a profissão apenas para obtenção de visto6 . Além do mais, são imprescindíveis ao missionário transcultural pelo menos três áreas de treinamento à parte de sua formação: treinamento missiológico, fundamental para enfrentar os desafios de uma outra cultura; teológico, para enfrentar os desafios da apresentação do Evangelho e formação de discípulos; e linguístico, para enfrentar o desafio de línguas muitas vezes sem sequer uma gramática. Pode ser um problema de orgulho não se sujeitar ao treinamento não universitário7. ENVIADO: Outra característica do fazedor de tendas é que ele deve ser enviado por igrejas, mesmo no caso de ser auto-sustentado. Ir ao campo sem uma igreja pode ser também um problema de orgulho. O missionário precisa da cobertura de oração que as igrejas oferecem e precisa prestar contas a elas. O profissional precisa, também, ser agenciado. As agências missionárias, na maioria das vezes, estão preparadas e têm experiência logística e pastoral para auxiliar os missionários numa emergência, como uma guerra que estoura de repente, um grave acidente onde não há hospital, etc. sustentado, capacitado e enviado. 10 ¦ 4OT2010 ¦ ALCANCE 6. Idem 4. 7. LIDÓRIO, Ronaldo. Formação Missiológica ou treinamento missionário. Cf. site. www.ronaldo.lidorio.com.br 8. Entrevista: Ronaldo Lidório. Ultimato, novembrodezembro, 2006. Viçosa, Ultimato, pag. 51. Se você é um estudante universitário, ou vestibulando, e tem convicção de que o Senhor o chamou para servi-lo em um contexto transcultural, é importante estar atento a alguns conselhos importantes. Não espere ser um missionário entre indígenas, por exemplo, se você não testemunha nem aos seus colegas de classe. Envolva-se com os grupos de evangelismo em sua Universidade. Também, para não correr o risco de escoar pelos inúmeros buracos no encanamento de vocacionados que entram na Universidade ‒ e que, ao final, abandonam a vocação ‒ busque participar de eventos missionários, congressos, conversas com missionários e outros vocacionados; leia livros e revistas sobre o assunto. Se for possível, não perca a oportunidade de participar de viagens missionárias em suas férias. Se você estiver trabalhando, foque-se no seu ministério futuro e faça uma poupança para os primeiros gastos na mobilização e em seu treinamento. E, se for possível, separe o último ano de faculdade para atuar em alguma missão ou agência missionária próxima de sua universidade. O risco de ser estagiário no final do curso é ser seduzido por uma proposta de contratação. Outro ponto nevrálgico pode ser o medo do desemprego. A respeito da identidade do biocupacional, seja ele médico, dentista, linguísta, advogado, designer ou qualquer outro, terminamos com uma resposta inspiradora do Rev. Ronaldo Lidório à revista Ultimato, quando lhe foi feita a seguinte pergunta: ULTIMATO: O que você é: missionário, missiológo, antropólogo, indigenista? LIDÓRIO: A convicção do chamado ministerial é o que enche meu coração. A antropologia e a missiologia são instrumentos de trabalho muito úteis em diversas situações e projetos, porém estar envolvido com a missão de Deus para a minha vida é insubstituível. Nas palavras de Woodfor, títulos e funções não saciam nossa alma. Apenas a certeza de seguir o caminho de Deus o faz. Sou missionário8 . ALCANCE ¦ 4OT2010 ¦ 11