Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 16, 17 e 18 de abril de 2013 SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO: PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS NUMA INSTITUIÇÃO MÉDICA DE PONTA Luís Fernando Guedes Adorinda Lamana Mariana de Almeida Liliana Vasconcellos-Guedes 2 Painel 39/149 Gestão de pessoas no SUS e no SUAS SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO: PRÁTICAS INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS NUMA INSTITUIÇÃO MÉDICA DE PONTA Luís Fernando Guedes Adorinda Lamana Mariana de Almeida Liliana Vasconcellos-Guedes RESUMO O Instituto da Criança é um hospital referência no Brasil para tratamento de crianças e adolescentes, notadamente para os casos de enfermidades de alta complexidade. Boas práticas na gestão de pessoas no ambiente hospitalar em geral e no atendimento pediátrico em particular formam um dos pilares da qualidade do serviço prestado, assim como a excelência técnica do corpo médico, a agilidade dos processos de apoio e a adoção de equipamentos avançados. O presente estudo teve como objetivo se debruçar sobre as práticas de gestão de pessoas como potencializadoras do resultado corporativo e, por meio do estudo de caso no Instituto da Criança, analisar como uma empresa pública no contexto brasileiro teve êxito em implementar políticas e práticas de gestão de pessoas. Observou-se que o papel da liderança que ativamente se relaciona com os colaboradores da forma como espera que estes se relacionem com pacientes e familiares, o incentivo à prática médica especificamente desenhada para o público-alvo do Instituto e a avaliação contínua baseada em competências de todos colaboradores são os fatores-chave do sucesso inequívoco da instituição no cumprimento de sua função pública, social e humana. 3 Assim como o sol derrete o gelo, a gentileza evapora mal entendidos, desconfianças e hostilidade. Albert Schweitzer (1875-1965) O trabalho na área de saúde é fundamentalmente caracterizado pela incerteza e complexidade. Para o ganhador do prêmio Nobel Kenneth Arrow “os problemas econômicos especiais da assistência médica podem ser explicados como adaptações da incerteza em relação tanto à incidência da doença como à eficácia de seu tratamento” (ARROW, 1963, p. 177). Entre outros fatores, contribuem para essa particularidade a baixa previsibilidade da demanda, a descontinuidade da operação, a complexidade intrínseca da prática da medicina e a eventual flutuação na disponibilidade de recursos (AMANCIO FILHO, 2004). A atuação do profissional de saúde é tal que se torna pouco prática a adoção de uma cartilha de procedimentos rígidos, mas sim o que se espera é o exercício do diagnóstico situacional, amparado pelas políticas gerais da instituição e pela qualidade de seu corpo médico. A “orientação para a coletividade” existente “distingue a medicina e outras profissões do comércio, onde o autointeresse (ou a motivação individual, egoística) dos participantes é uma norma aceita” (ARROW, 1963, p. 187). Tal cenário sugere um enquadramento específico da lógica das operações (envolvendo desde processos, até controle de qualidade e métricas de produtividade e desempenho) e da postura pessoal, notadamente do time de linha de frente. Quando voltamos nossa atenção para uma organização pública de saúde, notamos que são particularmente intrincadas e complexas as relações dos diversos atores: pacientes e seus familiares, profissionais de saúde, gestores, fornecedores, dirigentes executivos, facilitadores políticos, articuladores de segmentos organizados da sociedade, agentes de órgãos de fiscalização estatal, entre outros. A despeito da dinâmica dos acontecimentos em organizações públicas ser distinta do ambiente competitivo, novos paradigmas de operação são eventualmente internalizados, com os desafios próprios do contexto não-competitivo (FONTENELE, 2010). Nesse ambiente se demanda que entre os requerimentos da dinâmica profissional o trabalhador envolvido nos processos de negócio (e mesmo em alguns de apoio que são críticos) possua competências que alcancem a capacidade de diagnóstico 4 situacional (pois se lida com saúde humana), de solução de problemas, ética e tomada de decisão sob ambiente de grande pressão e incerteza, além de possuir disposição para atuar em equipe e auto organizar-se (AMANCIO FILHO, 2004). A Gestão de Pessoas faz uso de um conjunto de políticas e práticas que buscam gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho de forma a conciliar as expectativas da organização e do indivíduo (FISCHER, 2002; DUTRA, 2002). Na organização, a coordenação dessas políticas e práticas é responsabilidade da área de Recursos Humanos (RH), que tem como principais papéis (ULRICH, 1998): (1) administração de estratégias de recursos humanos alinhadas à estratégia organizacional, (2) desenvolvimento de processos eficientes para gerir os colaboradores, (3) administração da contribuição dos colaboradores, incluindo o desenvolvimento de competências e o comprometimento, e (4) gestão da mudança. Assim, o desafio de uma área de RH inserida em uma instituição pública consiste em identificar os desafios atuais da gestão pública, sejam estes econômicos, tecnológicos, sociais, culturais, educacionais, e desenvolver estratégias efetivas para lidar com estes desafios (PYNES, 2009). Demanda-se que a área de RH no ambiente hospitalar desenvolva políticas, processos e práticas que façam frente às particularidades desse ramo de atividade, tais como a estrutura organizacional típica, que leva em conta a centralidade pouco usual do trabalho exercido pelos médicos e sua relativa autonomia operacional, ao mesmo tempo em que considera a necessidade de procedimentos de apoio ao negócio que sejam estáveis, previsíveis e nos quais se aspira máxima eficiência operacional. Segundo Mintzberg e Quinn (2001), a síntese de ambas as características enseja uma estrutura que seja por um lado democrática, flexível e negociada (voltada para os profissionais da área médica) e por outro mecânica, rígida e hierárquica (voltada principalmente, mas não somente, para as equipes de apoio). Coordenar essas visões antagônicas demanda da área de RH considerável habilidade, tanto no trato com os profissionais das áreas de apoio, que podem se ressentir da assimetria de tratamento, quanto dos profissionais da área médica, ansiosos por mais liberdade de atuação e menos afeitos a seguir regras e protocolos administrativos. É nesse contexto também que se ressalta o papel fundamental da liderança de RH que, além de ser responsável pela aplicação das práticas de gestão de pessoas, pode atuar como agente ativo de coesão entre as 5 subculturas médica e administrativa, como mediadora de conflitos e promotora ativa do alinhamento estratégico da organização (VENDEMIATTI et al, 2010). Matus (1993) sugere que o poder de facto nas organizações de saúde é compartilhado por vários grupos, o que denota a complexidade do papel desempenhado pela alta liderança da organização. Há dois outros aspectos da dinâmica da administração hospitalar que outorgam à área de RH papel de crescente relevância: a administração dos colaboradores que estão submetidos a considerável e reiterado stress, conciliada à demanda por humanização no relacionamento com pessoas fragilizadas por enfermidades e familiares desgastados pelo sofrimento. Nesse contexto os processos de Gestão de Pessoas, que incluem movimentação, desenvolvimento e valorização (DUTRA, 2002), precisam ir além das melhores práticas utilizadas nas organizações em geral, sendo necessário buscar alternativas que auxiliem os colaboradores a lidar saudavelmente com o stress, que estimulem o aprendizado contínuo e a iniciativa competente, que facilitem o crescimento pessoal e que motivem os colaboradores a humanizar seus esforços, tendo o paciente e seus familiares como centro da sua atenção profissional. ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS INOVAÇÕES NA ÁREA DE SAÚDE A dinâmica da inovação tecnológica no setor de saúde apresenta ao menos uma característica que a distingue daquela comumente observada nos demais setores econômicos: a de situar-se majoritariamente na intersecção do sistema de bem-estar social e o sistema nacional de inovação. O progresso científico-tecnológico é um dos principais motores do desenvolvimento econômico de uma nação e decorre de articulações institucionais complexas, nas quais as empresas (por meio de seus laboratórios de P&D), as universidades, o governo, instituições de pesquisa, de ensino e fomento coordenam-se na busca pela competitividade e completude de sua função social. Há fundamentalmente três eixos da inovação tecnológica no setor de saúde: 6 1. O complexo médico-industrial. A estreita relação entre pesquisa básica e aplicada que se observa no setor de saúde demarca as fronteiras desse subsistema. A cadeia produtiva do complexo Médico-Industrial é fundamentalmente composta pelos provedores de assistência médica, redes de formação profissional específicas, indústria farmacêutica e indústria de equipamentos médico-hospitalares. O Complexo MédicoIndustrial está inserido no Sistema Nacional de Inovação (SNI), uma vez que a base produtiva do setor farmacêutico constitui importante alavanca do desenvolvimento econômico, da capacitação científica e tecnológica do país. 2. O sistema biomédico de inovação. O foco desse subsistema de inovação em saúde é a contribuição científica derivada da prática médica. Hicks e Katz (1996) identificaram que os hospitais britânicos formam um grupo de pesquisa altamente produtivo e independente das indústrias, governo e universidades. A participação dos hospitais britânicos, segundo os autores, chegou a 25% da produção científica britânica nos anos 80 (HICKS; KATZ, 1996). 3. A rede Universidade-Indústria-Sistema de assistência médica. A inovação em saúde, assim como em outros ramos da economia, é multidimensional e demanda pluralidade de competências, interesses e capacidades para seu pleno desenvolvimento. O estudo realizado por Gelijns e Rosenberg (1995) identificou que a rede de pesquisa formada por universidades, indústria farmacêutica e prestadores de serviço de assistência médica1 é fonte importante de inovações, notadamente na área de tecnologia médica. Diferente do que comumente ocorre na indústria e no setor de serviços, a inovação tecnológica aplicada à área de saúde raramente libera mão-de-obra. Novos equipamentos e materiais são desenvolvidos tendo em vista o benefício que se espera entregar ao paciente. É dessa forma que com o passar do tempo as unidades de assistência médica de ponta veem seus custos operacionais e seu 1 Nesse contexto, os prestadores de serviço de assistência médica são os hospitais universitários e os centros médicos acadêmicos, ambos detentores de posição-chave no processo de difusão das inovações. 7 orçamento aumentar significativamente, o que demanda dos gestores formas criativas de controlar despesas, identificar novas formas de receitas e otimizar investimentos. Uma vertente importante da inovação no setor de saúde é aquela não tecnológica, mas sim gerencial. A inovação gerencial tem como objetivo fundamental a elaboração de meios criativos e eficazes de mediar as relações da corporação e seus colaboradores. São exemplos desse tipo de inovação a gestão por competências, a participação nos lucros e a jornada com horário flexível. Uma terceira dimensão da inovação é aquela aplicada ao produto oferecido aos pacientes, notadamente pelos provedores de assistência médica. Os hospitais particulares e outras instituições públicas de vanguarda passaram a complementar os serviços médicos com serviços de acolhimento, conforto e hotelaria antes somente vistos em hotéis de luxo. Instituições médicas de ponta vêm investindo em treinamento do pessoal de linha de frente com vistas a oferecer um padrão de atendimento compatível com o crescente nível de exigência de pacientes e acompanhantes. Não é raro que hospitais e centros de diagnóstico focados em pacientes da classe A disponibilizem a seus clientes estacionamento com manobristas, internet sem fio em todas as dependências, tenham hall de entrada de hotel cinco estrelas, cardápio assinado por um chef, ofereçam concertos e atividades lúdicas para pacientes e tenham serviços de camareiras e mensageiros. As acomodações são outro exemplo de inovação, digamos, na embalagem do produto. Padrões de móveis, cores e ornamentos e iluminação buscam oferecer aos pacientes e seus familiares e acompanhantes uma sensação de aconchego que em nada lembra os hospitais e centros de diagnóstico tradicionais de uma década atrás. São exemplos desse conceito as novas unidades de internação na Maternidade, Berçário, Unidade de Terapia Intensiva e Centro Cirúrgico do Hospital Santa Catarina, em São Paulo. As instalações do to de Tratamento do Câncer Infantil, por sua vez, são divididas em três andares temáticos, com os elementos Água, Terra e Ar, todos decorados de forma lúdica com o personagem Nino, mascote da instituição. Não importa qual a dimensão da inovação que seja analisada ou implementada, o bem-estar do paciente e de seus familiares e acompanhantes é o 8 principio norteador básico. Para isso é necessário antes de tudo conhecer os clientes com a maior riqueza de detalhes possível, sua cultura, valores e as regras sociais do seu grupo. Os provedores de assistência médica que aspiram cativar seus clientes têm a importante e difícil missão de oferecer tratamento médico de ponta, humanizado e num ambiente o mais agradável possível, dadas as circunstâncias que cercam a prestação do serviço. ESTUDO DE CASO: CARACTERIZAÇÃO DO INSTITUTO DA CRIANÇA O Instituto da Criança (ICr) foi criado formalmente em 1970 por um Decreto do Governo do Estado de São Paulo com o objetivo de reunir em uma unidade hospitalar específica todo o Serviço de Pediatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Em 1976 a totalidade das atividades do Instituto da Criança estava implantada no novo prédio. O ICr é hoje uma das sete unidades hospitalares que, juntas, formam o complexo do Hospital das Clínicas da FMUSP, a cuja Superintendência se subordina administrativamente. O Instituto conta também com o apoio da Fundação Criança e da Ação Solidária Contra o Câncer Infantil, parceiros responsáveis pela construção do prédio do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI), que abriga o Serviço de Onco-hematologia do ICr. O Instituto, localizado no Jardim Paulista, junto ao HCFMUSP, é uma instituição hospitalar de grande porte: conta com cerca de 1.500 colaboradores (entre funcionários e terceiros), possui 207 leitos, área de 25 mil m2 e em 2011 realizou2 mais de 5.800 internações e cerca de 520 mil procedimentos ambulatoriais (FFM, 2011). Somente o Serviço de Onco-hematologia, localizado no ITACI, realizou em 2011 mais de 16 mil consultas médicas, 25 transplantes de medula óssea e cerca de 4.500 quimioterapias (FFM, 2011). Associando a prática da medicina à pesquisa acadêmica de ponta, o ICr desde 1999 é considerado pelo Ministério da Saúde um “Centro de Referência Nacional em Saúde da Criança”. 2 Esses valores incluem os atendimentos realizados pelo Instituto de Tratamento de Câncer Infantil do ICr 9 O Instituto presta serviços ambulatoriais e internações predominantemente para pacientes provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em menor escala, para pacientes do sistema de saúde suplementar. O atendimento do ICr abrange vinte e uma especialidades e áreas de atuação em pediatria e sua vocação são os procedimentos diagnósticos e terapêuticos de alta complexidade, tais como transplantes de fígado, rim e medula óssea, diálise especializada para crianças, atenção ao recém-nascido de alto risco, Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica. A assistência especializada a pacientes graves, frequentemente portadores de doenças crônicas e degenerativas, foi se estabelecendo no decorrer da década de 1980, tendo em vista a redução da mortalidade infantil e da morbidade por doenças pediátricas agudas na Grande São Paulo. O Estado de São Paulo possui o segundo menor número de mortes por 1.000 nascimentos da Federação, atrás apenas do Rio Grande do Sul (IBGE, 2010). O gráfico abaixo ilustra a evolução taxa de mortalidade infantil do estado de São Paulo entre 1921 e 2011. Gráfico 1 – Evolução da Taxa de Mortalidade Infantil do estado de São Paulo (1921/2011) Fonte: Dados brutos da SEADE (Fundação Estadual de Análise de Dados); elaboração dos autores. Os procedimentos clínicos são de responsabilidade das áreas especialistas: Pediatria Neonatal, Pediatria Clínica e Cirurgia Pediátrica; e das áreas de apoio técnico: Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Terapia ocupacional, Farmácia Clínica, Serviço Social, Psicologia e Psiquiatria. Os processos de apoio administrativo incluem, entre outros: Gestão financeira, Gestão de pessoas, Tecnologia de informação em saúde, Saúde suplementar, Suprimentos, Farmácia hospitalar, Engenharia hospitalar e Assessoria de comunicação. 10 O faturamento do ICr compõe-se dos serviços prestados ao SUS (Média e Alta complexidade, Estratégicos) e decorrentes de serviços prestados à rede de Saúde Suplementar. Dentro da esfera do SUS, os atendimentos se concentram principalmente no segmento da alta complexidade e gravidade e os casos atendidos são majoritariamente provenientes do Estado de São Paulo (95% dos atendimentos em 2010), mas o ICr também é referência para outras partes do Brasil. A partir de 2007 o Sistema FMUSP/HC, por meio da Fundação Faculdade de Medicina da USP, passou a ser beneficiário de algumas doações realizadas a título de substituição de reparação de dano moral coletivo, oriundas de ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho. Em 2011 essas doações totalizaram R$ 1,5 milhão e foram utilizadas para modernização do Centro Diagnóstico e do Centro Cirúrgico do ICr. O Gráfico 2 a seguir ilustra a composição das receitas do ICr no biênio 2009-10. Gráfico 2 – Composição das receitas do ICr Fonte: dados bruto a partir de ICr (2010, p. 16); elaboração dos autores. Em termos gerais, a adoção da estratégia organizacional que atribui a visão do cliente como foco das atividades teve início em princípios da década de 1980 e sua adoção por instituições de saúde foi lenta e ainda hoje encontra resistência, notadamente em instituições do setor público. Teixeira (1983) explica que “o hospital deve atender diferentes objetivos, sendo o principal satisfazer as necessidades do paciente para tratamento e cura”, mas ao mesmo tempo salienta que “cada profissional ou grupo interpreta o significado de atender esses objetivos em função do seu próprio sistema de valores”. O foco inicial das organizações 11 hospitalares modernas privilegiava a atenção sobre as atividades específicas, calcadas na prática médica. Esse foco foi gradativamente sendo substituído pela gestão estratégica, crescentemente integrada e coordenada, onde a tecnologia e a visão humanista passam a desempenhar papéis de grande relevância, assim como as condições de trabalho e a humanização do atendimento aos pacientes. INOVAÇÕES NO ICr O Instituto da Criança é submetido ao orçamento público do Estado de São Paulo, com todas as decorrências legais e burocráticas para aquisição de equipamentos, manejo de cargos e salários e políticas de progressão de carreira que decorrem dessa submissão. Em que pesem essas limitações (quando se compara com instituições privadas semelhantes em escopo), o ICr tem consistentemente desenvolvido e adotado inovações de grande impacto para seus pacientes, familiares e acompanhantes. Entre essas, podemos destacar as seguintes: Assistência ao paciente com abordagem de equipe multidisciplinar formada por assistentes fisioterapeutas, médicos, sociais, educadores, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais; Pioneirismo em projetos de humanização do atendimento médico, com destaque para o projeto Mãe Acompanhante (que viria a ser adotado como lei alguns anos depois); Instituição de Serviço de Camareira no processo de trabalho da área de Hotelaria dentro dos hospitais públicos; Transplante de fígado intervivos em crianças; Prescrição eletrônica completa, incluindo dieta e dosagem de medicamentos conforme peculiaridades do paciente; Modelo de Gestão por Competências; Programa de Diagnóstico Amigo da Criança, que utiliza micrométodos nos procedimentos diagnósticos para crianças. O Programa, cujo mote é: “Mais raciocínio clínico, menos exames complementares”, abrange desde procedimentos do time de linha de frente até o desenvolvimento e utilização de equipamentos especiais. Os pilares do desenvolvido foram os seguintes: 12 Utilização do menor volume possível de sangue nas análises laboratoriais; Escolha de métodos imagenológicos que utilizem doses mais baixas de radiação ionizante ou que efetivamente não a utilizem; Redução das indicações de anestesia ou mesmo de sedação em pré-escolares, escolares e adolescentes a serem submetidos a exames imagenológicos ou funcionais complexos. Integração eletrônica do sistema de consulta a resultados de exames. O corpo médico do Instituto e os pacientes ou responsáveis podem verificar o resultado dos exames realizados na instituição a partir de qualquer equipamento conectado à internet, por meio do Portal do Paciente do Instituto da Criança. Observa-se que a adoção de inovações no ICr tem sido pautada pelo alinhamento estreito com a estratégia da instituição, que visa não somente o tratamento tecnicamente avançado, na ponta do conhecimento médico, mas também a humanização do relacionamento do time de linha de frente com os pacientes e seus familiares. A ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS NO ICR As bases da estrutura organizacional da área de Gestão de Pessoas foram estabelecidas 1998, tendo sido reformuladas em 2003, com a adoção da gestão por processos. Foi estimulado o desenvolvimento de competências estratégicas para o Instituto, entre as quais a liderança, trabalho em equipe e capacitação técnica, visando autonomia operacional, integração e agilidade nos processos decisórios (LAMANA, 2010). O ICr implantou em 2009 um modelo de Gestão por Competências, com objetivo de estabelecer uma base única sobre a qual pudesse ser elaborada um método de avaliação objetivo e sistemático de seus colaboradores. Para tanto foram inicialmente definidos os perfis profissionais ideais de cada atividade (alinhados aos objetivos organizacionais), e em seguida realizada a primeira Avaliação de Desempenho dos Gestores e a primeira Avaliação de Competências dos Colaboradores. 13 Pode-se entender a avaliação de desempenho como, em última instância, um instrumento de tomada de decisão, que fornece informações para os processos de promoção, premiação e capacitação. A definição da mecânica de avaliação (aspectos a serem medidos, processo de coleta, consolidação dos resultados) é tão importante quanto os resultados, na medida em que imprime credibilidade ao processo. A avalição de desempenho é um instrumento de mudança sofisticado e útil, mas assenta-se sobre a credibilidade da área de Gestão de Pessoas. Ressalte-se que tanto a Avaliação de Desempenho dos Gestores quanto a Avaliação de Competências dos Colaboradores constituíram uma inovação no Complexo HC e demandaram das lideranças do ICr considerável habilidade política e capacidade de articulação, tanto com os colaboradores, quanto com a alta direção. Foram aspectos críticos dessa fase a comunicação acerca dos objetivos do processo, a forma como seria conduzido, a diminuição das tensões que eventualmente gerou nos colaboradores e o ajuste das expectativas em relação à progressão de carreira e principalmente salário. Com base nos gaps de competência identificados, foi elaborado a quatro mãos (Gestor e Colaborador) um Plano de Ação Conjunta. Além disso, com objetivo de subsidiar as avaliações de desempenho posteriores, foi desenvolvida uma Ficha de Acompanhamento de Desempenho do colaborador, por meio da qual passou a ser possível o acesso e o acompanhamento sistêmico de sua atuação profissional (LAMANA, 2010). PROJETOS DE HUMANIZAÇÃO O comportamento dos colaboradores da área de saúde em geral, e nos hospitais em particular, tem sofrido uma mudança sensível nos últimos anos, partindo da visão predominantemente tecnicista para outra que agrega à técnica o lado humano do tratamento dos pacientes e da relação com seus familiares e acompanhantes. Sentimentos e emoções, cooperação e competição, amizades e antipatias, constituintes das regras gerais de convivência em sociedade, são cada vez mais considerados nas práticas hospitalares, fazendo parte inclusive dos procedimentos e normas. Mais do que uma prática de Gestão de Pessoas, instrumentalizada pelo Grupo de Trabalho em Humanização, a humanização hospitalar está no centro do alvo da estratégia do Instituto da Criança e consolidada na missão do ICr: 14 Prestar assistência de alta complexidade e de excelência ao recém-nascido, criança e adolescente, por meio de atendimento humanizado e interdisciplinar, integrado ao ensino e à pesquisa. Essa filosofia de tratamento dos pacientes e familiares estende-se também pelo relacionamento da instituição com seus colaboradores e está aí uma chave importante do sucesso do programa: o discurso de estreitar o relacionamento com pacientes e familiares, respeitando-os nos mínimos detalhes, é também levado para a prática de Gestão de Pessoas e dessa forma percebida pelos colaboradores. A dimensão das duas listas de práticas e projetos de humanização que citamos a seguir ilustra por si só a importância que o tema tem para o ICr e não por acaso constitui um de seus principais diferenciais. As práticas e projetos têm como alvo os pacientes e seus familiares, colaboradores e algumas delas servem a ambos os públicos. Para os pacientes e acompanhantes: Acompanhamento dos pacientes em procedimento endoscópico Atendimento preferencial para pacientes com Necessidades Especiais Aniversário no ICr Biblioteca digital do ITACI Biblioteca Viva em Hospitais Brinquedoteca Caminhada do Dia Nacional do Combate ao Câncer Classe hospitalar (acompanhamento escolar para pacientes internados) Comissão de Assistência Religiosa Comitê Juvenil Conhecendo Quem Faz (visita guiada ao hospital para pacientes internados) Conselho Familiar Contadores de história (em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver) Doutores da Alegria Educação nutricional para Pacientes Internados 15 Exposição de talentos Farmácia 24h para pacientes do Pronto Socorro e egressos da internação Horário de visita ampliado Jornal Mirim Mãe acompanhante Método mãe-canguru Nutrição - Uma Tarde Especial Oficina de culinária, de dobradura e de artesanato Ouvidoria Pet Smile Posso ajudar Projeto CRIARTE Recreação na sala de espera do ambulatório Sala de descanso para acompanhantes Sessão pipoca (ITACI) Teatro de Fantoches Uso de vídeo game para assistência à fisioterapia Uso de brinquedos para orientação sobre procedimentos de enfermagem Para os colaboradores: Assistência médica Avaliação física Blitz postural Boletim perfeito (reconhecimento de profissionais de destaque da enfermaria) Caminhada Comemoração dos aniversariantes do mês Confraternização de final de ano Dia feliz (folga no aniversário do colaborador) Exposição de fotos (Projeto Flashes do ICr) Festas temáticas 16 Flexibilização de horário para facilitar frequência em cursos de qualificação Ginástica laboral Grêmio Recreativo Jornal da Nutrição Momento homenagem Prata da casa Programa de Calorias Inteligentes Programa de integração para novos colaboradores Programa de Qualidade de Vida Programa Saia da Rotina Projeto Mãos que cuidam (convênio com massoterapeutas que atendem on site) Projeto “Speak English” Projeto Viva Leve Yoga no ICr Foram realizadas 118 atividades de humanização durante 2010, divididas por público e área temática da forma como apresentada nos gráficos abaixo: Gráfico 3 – Ações de humanização no ICr por público e área temática Total de Ações de Humanização por Público Alvo 118 44 47 27 Total de Ações Público Interno Público Externo Público Interno e Externo Fonte: ICR (2010) De acordo com Przeworski (1998, p. 46), “os agentes devem beneficiar-se quando se comportam a favorecer o interesse público e devem sofrer algum prejuízo quando não o fazem”. É dessa forma que um conjunto bem elaborado de regras e incentivos induzem o engajamento dos colaboradores em ações que tenham sido estrategicamente definidas. 17 Além disso, as instituições de saúde de ponta em geral, e o ICr em particular, têm investido na capacitação de seus colaboradores em aspectos que vão além da excelência técnica e alcançam a capacidade de expressão e comunicação (tanto inter-pares quanto entre liderança e liderados), capacidades sociais (e.g. negociação, cooperação, trabalho em equipe) e habilidades comportamentais (e.g. iniciativa, criatividade, ética, abertura à mudança). A humanização das relações com os pacientes e seus familiares, o aprimoramento constante da qualidade técnica do atendimento, a avaliação sistemática dos colaboradores e a renegociação dentro do possível das relações de trabalho são aspectos de complexa coordenação e aplicação prática, mas que vem sendo conduzidos de forma bem-sucedida no ICr e constituem os fundamentos do seu sucesso. CONSIDERAÇÕES FINAIS O profissional típico da área de saúde está exposto a diversos fatores potenciais de stress dentre os quais longas jornadas de trabalho, alta demanda de trabalho, necessidade de aprimoramento técnico constante, exposição a riscos biológicos, assim como o contato frequente com o sofrimento dos pacientes e familiares e muitas vezes a morte (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). O bom desempenho destes profissionais demanda não somente controle mental e emocional muito maior do que a média de outras profissões, mas também condições de trabalho adequadas aos desafios da atividade. Uma das práticas de Gestão de Pessoas adotadas pelo ICr que chama atenção pela relevância que exerce no dia-a-dia dos colabores é a avaliação de desempenho tanto de gestores quando de colaboradores não gestores de pessoas. Assim como indica Böhmerwald (1996), por muito tempo a avaliação de desempenho esteve relacionada fundamentalmente à promoção por mérito, causando frustração e reações contrárias quando isso não acontecia. A falta de cultura das organizações do setor público em estabelecer metas e avaliar a produtividade não colabora para que os colaboradores distingam os objetivos organizacionais mais relevantes e em alguma medida dificultam a adoção de ações de ajuste frente a desvios de desempenho. 18 O estudo do caso do ICr ilustra o papel fundamental da liderança, seja em articular a estratégia e desdobrá-la em projetos coordenados, como também em exercitar o comportamento que espera do time de liderados. O sucesso do projeto de humanização é um exemplo de ambas práticas e chama a atenção pelo engajamento e entusiasmo dos colaboradores. O que se observa no ICr é uma liderança atenta às demandas (articuladas ou não) de seus colaboradores e considerável dose de criatividade para fazer frente às necessidades que são identificadas. Suas ações consolidam, pela prática reiterada, uma cultura ao mesmo tempo inovadora e estrategicamente alinhada aos objetivos da organização. Nota-se também que a dignificação do trabalho do time de linha de frente não pode se ater exclusivamente às questões salariais, embora o tema continue sendo central para os colaboradores e gestores. Há diversas outras formas de valorizar o trabalho e um exemplo claro pode ser visto no projeto “Speak English” do ICr, que subsidia o curso de inglês, em horário de expediente, para os colaboradores que obtêm resultados positivos nas avaliações de desempenho formais. Uma nota significativa é que os recursos necessários para subvenção desse projeto não derivam do orçamento público, mas sim são captadas de outras fontes de renda, manejadas criativamente pela liderança do Instituto. A inovação aplicada à gestão de pessoas no setor público tem ainda considerável caminho a ser percorrido, tendo em vista o desenvolvimento que o tem experimentado no setor privado. Inovações em geral e na área de Recursos Humanos e particular encontram resistências por todo caminho, o que demanda dos líderes inovadores doses extras de criatividade, empenho e resiliência. O caso do ICr mostra que, mesmo sob o domínio das regras de contratação, cargos e salários, movimentação de pessoal e tantas outras que regem o setor público, é possível inovar na prática diária da gestão de pessoas e políticas de Recursos Humanos, produzindo resultados positivos e duradouros, não somente para os colaboradores, mas também para os clientes, que nesse caso são merecedores da maior consideração possível. 19 REFERÊNCIAS AMANCIO FILHO, A. Dilemas e desafios da formação profissional em saúde. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 8, n. 15, p. 375-80, mar/ago, 2004. BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Burnout: O processo de adoecer pelo trabalho. In Benevides-Pereira (Org.), Burnout: Quando o trabalho ameaça o bem estar do trabalhador, p. 21-91. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. BOHMERWALD, Pedro. Gerenciando o sistema de avaliação de desempenho. Belo Horizonte: UFMG, Escola de Engenharia, Fundação Cristiano Ottoni, 1996. DUTRA, J. 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Endereço eletrônico: [email protected]