seja a mudança que você quer ver no mundo: práticas inovadoras

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Centro de Convenções Ulysses Guimarães
Brasília/DF – 16, 17 e 18 de abril de 2013
SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO
MUNDO: PRÁTICAS INOVADORAS EM
GESTÃO DE PESSOAS NUMA INSTITUIÇÃO
MÉDICA DE PONTA
Luís Fernando Guedes
Adorinda Lamana
Mariana de Almeida
Liliana Vasconcellos-Guedes
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Painel 39/149
Gestão de pessoas no SUS e no SUAS
SEJA A MUDANÇA QUE VOCÊ QUER VER NO MUNDO: PRÁTICAS
INOVADORAS EM GESTÃO DE PESSOAS NUMA INSTITUIÇÃO
MÉDICA DE PONTA
Luís Fernando Guedes
Adorinda Lamana
Mariana de Almeida
Liliana Vasconcellos-Guedes
RESUMO
O Instituto da Criança é um hospital referência no Brasil para tratamento de crianças
e adolescentes, notadamente para os casos de enfermidades de alta complexidade.
Boas práticas na gestão de pessoas no ambiente hospitalar em geral e no
atendimento pediátrico em particular formam um dos pilares da qualidade do serviço
prestado, assim como a excelência técnica do corpo médico, a agilidade dos
processos de apoio e a adoção de equipamentos avançados. O presente estudo
teve como objetivo se debruçar sobre as práticas de gestão de pessoas como
potencializadoras do resultado corporativo e, por meio do estudo de caso no Instituto
da Criança, analisar como uma empresa pública no contexto brasileiro teve êxito em
implementar políticas e práticas de gestão de pessoas. Observou-se que o papel da
liderança que ativamente se relaciona com os colaboradores da forma como espera
que estes se relacionem com pacientes e familiares, o incentivo à prática médica
especificamente desenhada para o público-alvo do Instituto e a avaliação contínua
baseada em competências de todos colaboradores são os fatores-chave do sucesso
inequívoco da instituição no cumprimento de sua função pública, social e humana.
3
Assim como o sol derrete o gelo,
a gentileza evapora mal entendidos,
desconfianças e hostilidade.
Albert Schweitzer (1875-1965)
O trabalho na área de saúde é fundamentalmente caracterizado pela
incerteza e complexidade. Para o ganhador do prêmio Nobel Kenneth Arrow “os
problemas econômicos especiais da assistência médica podem ser explicados como
adaptações da incerteza em relação tanto à incidência da doença como à eficácia de
seu tratamento” (ARROW, 1963, p. 177). Entre outros fatores, contribuem para essa
particularidade a baixa previsibilidade da demanda, a descontinuidade da operação,
a complexidade intrínseca da prática da medicina e a eventual flutuação na
disponibilidade de recursos (AMANCIO FILHO, 2004). A atuação do profissional de
saúde é tal que se torna pouco prática a adoção de uma cartilha de procedimentos
rígidos, mas sim o que se espera é o exercício do diagnóstico situacional, amparado
pelas políticas gerais da instituição e pela qualidade de seu corpo médico. A
“orientação para a coletividade” existente “distingue a medicina e outras profissões
do comércio, onde o autointeresse (ou a motivação individual, egoística) dos
participantes é uma norma aceita” (ARROW, 1963, p. 187). Tal cenário sugere um
enquadramento específico da lógica das operações (envolvendo desde processos,
até controle de qualidade e métricas de produtividade e desempenho) e da postura
pessoal, notadamente do time de linha de frente.
Quando voltamos nossa atenção para uma organização pública de saúde,
notamos que são particularmente intrincadas e complexas as relações dos diversos
atores: pacientes e seus familiares, profissionais de saúde, gestores, fornecedores,
dirigentes executivos, facilitadores políticos, articuladores de segmentos organizados
da sociedade, agentes de órgãos de fiscalização estatal, entre outros. A despeito da
dinâmica dos acontecimentos em organizações públicas ser distinta do ambiente
competitivo, novos paradigmas de operação são eventualmente internalizados, com
os desafios próprios do contexto não-competitivo (FONTENELE, 2010). Nesse
ambiente se demanda que entre os requerimentos da dinâmica profissional o
trabalhador envolvido nos processos de negócio (e mesmo em alguns de apoio que
são críticos) possua competências que alcancem a capacidade de diagnóstico
4
situacional (pois se lida com saúde humana), de solução de problemas, ética e
tomada de decisão sob ambiente de grande pressão e incerteza, além de possuir
disposição para atuar em equipe e auto organizar-se (AMANCIO FILHO, 2004).
A Gestão de Pessoas faz uso de um conjunto de políticas e práticas que
buscam gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho de forma a
conciliar as expectativas da organização e do indivíduo (FISCHER, 2002; DUTRA,
2002).
Na
organização,
a
coordenação
dessas
políticas
e
práticas
é
responsabilidade da área de Recursos Humanos (RH), que tem como principais
papéis (ULRICH, 1998): (1) administração de estratégias de recursos humanos
alinhadas à estratégia organizacional, (2) desenvolvimento de processos eficientes
para gerir os colaboradores, (3) administração da contribuição dos colaboradores,
incluindo o desenvolvimento de competências e o comprometimento, e (4) gestão da
mudança. Assim, o desafio de uma área de RH inserida em uma instituição pública
consiste em identificar os desafios atuais da gestão pública, sejam estes
econômicos, tecnológicos, sociais, culturais, educacionais, e desenvolver estratégias
efetivas para lidar com estes desafios (PYNES, 2009).
Demanda-se que a área de RH no ambiente hospitalar desenvolva
políticas, processos e práticas que façam frente às particularidades desse ramo de
atividade, tais como a estrutura organizacional típica, que leva em conta a
centralidade pouco usual do trabalho exercido pelos médicos e sua relativa
autonomia operacional, ao mesmo tempo em que considera a necessidade de
procedimentos de apoio ao negócio que sejam estáveis, previsíveis e nos quais se
aspira máxima eficiência operacional. Segundo Mintzberg e Quinn (2001), a síntese
de ambas as características enseja uma estrutura que seja por um lado democrática,
flexível e negociada (voltada para os profissionais da área médica) e por outro
mecânica, rígida e hierárquica (voltada principalmente, mas não somente, para as
equipes de apoio). Coordenar essas visões antagônicas demanda da área de RH
considerável habilidade, tanto no trato com os profissionais das áreas de apoio, que
podem se ressentir da assimetria de tratamento, quanto dos profissionais da área
médica, ansiosos por mais liberdade de atuação e menos afeitos a seguir regras e
protocolos administrativos. É nesse contexto também que se ressalta o papel
fundamental da liderança de RH que, além de ser responsável pela aplicação das
práticas de gestão de pessoas, pode atuar como agente ativo de coesão entre as
5
subculturas médica e administrativa, como mediadora de conflitos e promotora ativa
do alinhamento estratégico da organização (VENDEMIATTI et al, 2010). Matus
(1993) sugere que o poder de facto nas organizações de saúde é compartilhado por
vários grupos, o que denota a complexidade do papel desempenhado pela alta
liderança da organização.
Há dois outros aspectos da dinâmica da administração hospitalar que
outorgam à área de RH papel de crescente relevância: a administração dos
colaboradores que estão submetidos a considerável e reiterado stress, conciliada à
demanda por humanização no relacionamento com pessoas fragilizadas por
enfermidades e familiares desgastados pelo sofrimento. Nesse contexto os
processos de Gestão de Pessoas, que incluem movimentação, desenvolvimento e
valorização (DUTRA, 2002), precisam ir além das melhores práticas utilizadas nas
organizações em geral, sendo necessário buscar alternativas que auxiliem os
colaboradores a lidar saudavelmente com o stress, que estimulem o aprendizado
contínuo e a iniciativa competente, que facilitem o crescimento pessoal e que
motivem os colaboradores a humanizar seus esforços, tendo o paciente e seus
familiares como centro da sua atenção profissional.
ASPECTOS FUNDAMENTAIS DAS INOVAÇÕES NA ÁREA DE SAÚDE
A dinâmica da inovação tecnológica no setor de saúde apresenta ao
menos uma característica que a distingue daquela comumente observada nos
demais setores econômicos: a de situar-se majoritariamente na intersecção do
sistema de bem-estar social e o sistema nacional de inovação. O progresso
científico-tecnológico é um dos principais motores do desenvolvimento econômico
de uma nação e decorre de articulações institucionais complexas, nas quais as
empresas (por meio de seus laboratórios de P&D), as universidades, o governo,
instituições de pesquisa, de ensino e fomento coordenam-se na busca pela
competitividade e completude de sua função social.
Há fundamentalmente três eixos da inovação tecnológica no setor de
saúde:
6
1. O complexo médico-industrial. A estreita relação entre pesquisa básica
e aplicada que se observa no setor de saúde demarca as fronteiras
desse subsistema. A cadeia produtiva do complexo Médico-Industrial é
fundamentalmente composta pelos provedores de assistência médica,
redes de formação profissional específicas, indústria farmacêutica e
indústria de equipamentos médico-hospitalares. O Complexo MédicoIndustrial está inserido no Sistema Nacional de Inovação (SNI), uma
vez que a base produtiva do setor farmacêutico constitui importante
alavanca do desenvolvimento econômico, da capacitação científica e
tecnológica do país.
2. O sistema biomédico de inovação. O foco desse subsistema de
inovação em saúde é a contribuição científica derivada da prática
médica. Hicks e Katz (1996) identificaram que os hospitais britânicos
formam um grupo de pesquisa altamente produtivo e independente das
indústrias, governo e universidades. A participação dos hospitais
britânicos, segundo os autores, chegou a 25% da produção científica
britânica nos anos 80 (HICKS; KATZ, 1996).
3. A rede Universidade-Indústria-Sistema de assistência médica. A
inovação em saúde, assim como em outros ramos da economia, é
multidimensional e demanda pluralidade de competências, interesses e
capacidades para seu pleno desenvolvimento. O estudo realizado por
Gelijns e Rosenberg (1995) identificou que a rede de pesquisa formada
por universidades, indústria farmacêutica e prestadores de serviço de
assistência médica1 é fonte importante de inovações, notadamente na
área de tecnologia médica.
Diferente do que comumente ocorre na indústria e no setor de serviços, a
inovação tecnológica aplicada à área de saúde raramente libera mão-de-obra.
Novos equipamentos e materiais são desenvolvidos tendo em vista o benefício que
se espera entregar ao paciente. É dessa forma que com o passar do tempo as
unidades de assistência médica de ponta veem seus custos operacionais e seu
1
Nesse contexto, os prestadores de serviço de assistência médica são os hospitais universitários e
os centros médicos acadêmicos, ambos detentores de posição-chave no processo de difusão das
inovações.
7
orçamento aumentar significativamente, o que demanda dos gestores formas
criativas de controlar despesas, identificar novas formas de receitas e otimizar
investimentos.
Uma vertente importante da inovação no setor de saúde é aquela não
tecnológica, mas sim gerencial. A inovação gerencial tem como objetivo fundamental
a elaboração de meios criativos e eficazes de mediar as relações da corporação e
seus colaboradores. São exemplos desse tipo de inovação a gestão por
competências, a participação nos lucros e a jornada com horário flexível.
Uma terceira dimensão da inovação é aquela aplicada ao produto
oferecido aos pacientes, notadamente pelos provedores de assistência médica. Os
hospitais particulares e outras instituições públicas de vanguarda passaram a
complementar os serviços médicos com serviços de acolhimento, conforto e
hotelaria antes somente vistos em hotéis de luxo. Instituições médicas de ponta vêm
investindo em treinamento do pessoal de linha de frente com vistas a oferecer um
padrão de atendimento compatível com o crescente nível de exigência de pacientes
e acompanhantes. Não é raro que hospitais e centros de diagnóstico focados em
pacientes da classe A disponibilizem a seus clientes estacionamento com
manobristas, internet sem fio em todas as dependências, tenham hall de entrada de
hotel cinco estrelas, cardápio assinado por um chef, ofereçam concertos e atividades
lúdicas para pacientes e tenham serviços de camareiras e mensageiros.
As acomodações são outro exemplo de inovação, digamos, na
embalagem do produto. Padrões de móveis, cores e ornamentos e iluminação
buscam oferecer aos pacientes e seus familiares e acompanhantes uma sensação
de aconchego que em nada lembra os hospitais e centros de diagnóstico tradicionais
de uma década atrás.
São exemplos desse conceito as novas unidades de internação na
Maternidade, Berçário, Unidade de Terapia Intensiva e Centro Cirúrgico do Hospital
Santa Catarina, em São Paulo. As instalações do to de Tratamento do Câncer
Infantil, por sua vez, são divididas em três andares temáticos, com os elementos
Água, Terra e Ar, todos decorados de forma lúdica com o personagem Nino,
mascote da instituição.
Não importa qual a dimensão da inovação que seja analisada ou
implementada, o bem-estar do paciente e de seus familiares e acompanhantes é o
8
principio norteador básico. Para isso é necessário antes de tudo conhecer os
clientes com a maior riqueza de detalhes possível, sua cultura, valores e as regras
sociais do seu grupo. Os provedores de assistência médica que aspiram cativar
seus clientes têm a importante e difícil missão de oferecer tratamento médico de
ponta, humanizado e num ambiente o mais agradável possível, dadas as
circunstâncias que cercam a prestação do serviço.
ESTUDO DE CASO: CARACTERIZAÇÃO DO INSTITUTO DA CRIANÇA
O Instituto da Criança (ICr) foi criado formalmente em 1970 por um
Decreto do Governo do Estado de São Paulo com o objetivo de reunir em uma
unidade hospitalar específica todo o Serviço de Pediatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Em 1976 a
totalidade das atividades do Instituto da Criança estava implantada no novo prédio.
O ICr é hoje uma das sete unidades hospitalares que, juntas, formam o complexo do
Hospital das Clínicas da FMUSP, a cuja Superintendência se subordina
administrativamente. O Instituto conta também com o apoio da Fundação Criança e
da Ação Solidária Contra o Câncer Infantil, parceiros responsáveis pela construção
do prédio do Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (ITACI), que abriga o Serviço
de Onco-hematologia do ICr.
O Instituto, localizado no Jardim Paulista, junto ao HCFMUSP, é uma
instituição hospitalar de grande porte: conta com cerca de 1.500 colaboradores
(entre funcionários e terceiros), possui 207 leitos, área de 25 mil m2 e em 2011
realizou2 mais de 5.800 internações e cerca de 520 mil procedimentos ambulatoriais
(FFM, 2011). Somente o Serviço de Onco-hematologia, localizado no ITACI, realizou
em 2011 mais de 16 mil consultas médicas, 25 transplantes de medula óssea e
cerca de 4.500 quimioterapias (FFM, 2011).
Associando a prática da medicina à pesquisa acadêmica de ponta, o ICr
desde 1999 é considerado pelo Ministério da Saúde um “Centro de Referência
Nacional em Saúde da Criança”.
2
Esses valores incluem os atendimentos realizados pelo Instituto de Tratamento de Câncer Infantil do
ICr
9
O
Instituto
presta
serviços
ambulatoriais
e
internações
predominantemente para pacientes provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS)
e, em menor escala, para pacientes do sistema de saúde suplementar. O
atendimento do ICr abrange vinte e uma especialidades e áreas de atuação em
pediatria e sua vocação são os procedimentos diagnósticos e terapêuticos de alta
complexidade, tais como transplantes de fígado, rim e medula óssea, diálise
especializada para crianças, atenção ao recém-nascido de alto risco, Terapia
Intensiva Neonatal e Pediátrica. A assistência especializada a pacientes graves,
frequentemente portadores de doenças crônicas e degenerativas, foi se
estabelecendo no decorrer da década de 1980, tendo em vista a redução da
mortalidade infantil e da morbidade por doenças pediátricas agudas na Grande São
Paulo. O Estado de São Paulo possui o segundo menor número de mortes por 1.000
nascimentos da Federação, atrás apenas do Rio Grande do Sul (IBGE, 2010). O
gráfico abaixo ilustra a evolução taxa de mortalidade infantil do estado de São Paulo
entre 1921 e 2011.
Gráfico 1 – Evolução da Taxa de Mortalidade Infantil do estado de São Paulo (1921/2011)
Fonte: Dados brutos da SEADE (Fundação Estadual de Análise de Dados); elaboração dos autores.
Os
procedimentos
clínicos
são
de
responsabilidade
das
áreas
especialistas: Pediatria Neonatal, Pediatria Clínica e Cirurgia Pediátrica; e das áreas
de apoio técnico: Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Terapia ocupacional,
Farmácia Clínica, Serviço Social, Psicologia e Psiquiatria. Os processos de apoio
administrativo incluem, entre outros: Gestão financeira, Gestão de pessoas,
Tecnologia de informação em saúde, Saúde suplementar, Suprimentos, Farmácia
hospitalar, Engenharia hospitalar e Assessoria de comunicação.
10
O faturamento do ICr compõe-se dos serviços prestados ao SUS (Média e
Alta complexidade, Estratégicos) e decorrentes de serviços prestados à rede de
Saúde Suplementar. Dentro da esfera do SUS, os atendimentos se concentram
principalmente no segmento da alta complexidade e gravidade e os casos atendidos
são majoritariamente provenientes do Estado de São Paulo (95% dos atendimentos
em 2010), mas o ICr também é referência para outras partes do Brasil.
A partir de 2007 o Sistema FMUSP/HC, por meio da Fundação Faculdade
de Medicina da USP, passou a ser beneficiário de algumas doações realizadas a
título de substituição de reparação de dano moral coletivo, oriundas de ações civis
públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho. Em 2011 essas doações
totalizaram R$ 1,5 milhão e foram utilizadas para modernização do Centro
Diagnóstico e do Centro Cirúrgico do ICr.
O Gráfico 2 a seguir ilustra a composição das receitas do ICr no biênio
2009-10.
Gráfico 2 – Composição das receitas do ICr
Fonte: dados bruto a partir de ICr (2010, p. 16); elaboração dos autores.
Em termos gerais, a adoção da estratégia organizacional que atribui a
visão do cliente como foco das atividades teve início em princípios da década de
1980 e sua adoção por instituições de saúde foi lenta e ainda hoje encontra
resistência, notadamente em instituições do setor público. Teixeira (1983) explica
que “o hospital deve atender diferentes objetivos, sendo o principal satisfazer as
necessidades do paciente para tratamento e cura”, mas ao mesmo tempo salienta
que “cada profissional ou grupo interpreta o significado de atender esses objetivos
em função do seu próprio sistema de valores”. O foco inicial das organizações
11
hospitalares modernas privilegiava a atenção sobre as atividades específicas,
calcadas na prática médica. Esse foco foi gradativamente sendo substituído pela
gestão estratégica, crescentemente integrada e coordenada, onde a tecnologia e a
visão humanista passam a desempenhar papéis de grande relevância, assim como
as condições de trabalho e a humanização do atendimento aos pacientes.
INOVAÇÕES NO ICr
O Instituto da Criança é submetido ao orçamento público do Estado de São
Paulo, com todas as decorrências legais e burocráticas para aquisição de
equipamentos, manejo de cargos e salários e políticas de progressão de carreira que
decorrem dessa submissão. Em que pesem essas limitações (quando se compara
com instituições privadas semelhantes em escopo), o ICr tem consistentemente
desenvolvido e adotado inovações de grande impacto para seus pacientes, familiares
e acompanhantes. Entre essas, podemos destacar as seguintes:
 Assistência ao paciente com abordagem de equipe multidisciplinar
formada
por
assistentes
fisioterapeutas, médicos,
sociais,
educadores,
enfermeiros,
nutricionistas, psicólogos e terapeutas
ocupacionais;
 Pioneirismo em projetos de humanização do atendimento médico, com
destaque para o projeto Mãe Acompanhante (que viria a ser adotado
como lei alguns anos depois);
 Instituição de Serviço de Camareira no processo de trabalho da área de
Hotelaria dentro dos hospitais públicos;
 Transplante de fígado intervivos em crianças;
 Prescrição eletrônica completa, incluindo dieta e dosagem de
medicamentos conforme peculiaridades do paciente;
 Modelo de Gestão por Competências;
 Programa de Diagnóstico Amigo da Criança, que utiliza micrométodos
nos procedimentos diagnósticos para crianças. O Programa, cujo mote
é: “Mais raciocínio clínico, menos exames complementares”,
abrange desde procedimentos do time de linha de frente até o
desenvolvimento e utilização de equipamentos especiais. Os pilares do
desenvolvido foram os seguintes:
12
 Utilização do menor volume possível de sangue nas análises
laboratoriais;
 Escolha de métodos imagenológicos que utilizem doses mais baixas
de radiação ionizante ou que efetivamente não a utilizem;
 Redução das indicações de anestesia ou mesmo de sedação em
pré-escolares, escolares e adolescentes a serem submetidos a
exames imagenológicos ou funcionais complexos.
 Integração eletrônica do sistema de consulta a resultados de exames.
O corpo médico do Instituto e os pacientes ou responsáveis podem
verificar o resultado dos exames realizados na instituição a partir de
qualquer equipamento conectado à internet, por meio do Portal do
Paciente do Instituto da Criança.
Observa-se que a adoção de inovações no ICr tem sido pautada pelo
alinhamento estreito com a estratégia da instituição, que visa não somente o
tratamento tecnicamente avançado, na ponta do conhecimento médico, mas
também a humanização do relacionamento do time de linha de frente com os
pacientes e seus familiares.
A ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS NO ICR
As bases da estrutura organizacional da área de Gestão de Pessoas
foram estabelecidas 1998, tendo sido reformuladas em 2003, com a adoção da
gestão por processos. Foi estimulado o desenvolvimento de competências
estratégicas para o Instituto, entre as quais a liderança, trabalho em equipe e
capacitação técnica, visando autonomia operacional, integração e agilidade nos
processos decisórios (LAMANA, 2010).
O ICr implantou em 2009 um modelo de Gestão por Competências, com
objetivo de estabelecer uma base única sobre a qual pudesse ser elaborada um
método de avaliação objetivo e sistemático de seus colaboradores. Para tanto foram
inicialmente definidos os perfis profissionais ideais de cada atividade (alinhados aos
objetivos organizacionais), e em seguida realizada a primeira Avaliação de
Desempenho dos Gestores e a primeira Avaliação de Competências dos
Colaboradores.
13
Pode-se entender a avaliação de desempenho como, em última instância,
um instrumento de tomada de decisão, que fornece informações para os processos
de promoção, premiação e capacitação. A definição da mecânica de avaliação
(aspectos a serem medidos, processo de coleta, consolidação dos resultados) é tão
importante quanto os resultados, na medida em que imprime credibilidade ao
processo. A avalição de desempenho é um instrumento de mudança sofisticado e
útil, mas assenta-se sobre a credibilidade da área de Gestão de Pessoas.
Ressalte-se que tanto a Avaliação de Desempenho dos Gestores quanto
a Avaliação de Competências dos Colaboradores constituíram uma inovação no
Complexo HC e demandaram das lideranças do ICr considerável habilidade política
e capacidade de articulação, tanto com os colaboradores, quanto com a alta direção.
Foram aspectos críticos dessa fase a comunicação acerca dos objetivos do
processo, a forma como seria conduzido, a diminuição das tensões que
eventualmente gerou nos colaboradores e o ajuste das expectativas em relação à
progressão de carreira e principalmente salário. Com base nos gaps de competência
identificados, foi elaborado a quatro mãos (Gestor e Colaborador) um Plano de Ação
Conjunta. Além disso, com objetivo de subsidiar as avaliações de desempenho
posteriores, foi desenvolvida uma Ficha de Acompanhamento de Desempenho do
colaborador, por meio da qual passou a ser possível o acesso e o acompanhamento
sistêmico de sua atuação profissional (LAMANA, 2010).
PROJETOS DE HUMANIZAÇÃO
O comportamento dos colaboradores da área de saúde em geral, e nos
hospitais em particular, tem sofrido uma mudança sensível nos últimos anos,
partindo da visão predominantemente tecnicista para outra que agrega à técnica o
lado humano do tratamento dos pacientes e da relação com seus familiares e
acompanhantes. Sentimentos e emoções, cooperação e competição, amizades e
antipatias, constituintes das regras gerais de convivência em sociedade, são cada
vez mais considerados nas práticas hospitalares, fazendo parte inclusive dos
procedimentos e normas. Mais do que uma prática de Gestão de Pessoas,
instrumentalizada pelo Grupo de Trabalho em Humanização, a humanização
hospitalar está no centro do alvo da estratégia do Instituto da Criança e consolidada
na missão do ICr:
14
Prestar assistência de alta complexidade e de excelência ao recém-nascido,
criança e adolescente, por meio de atendimento humanizado e
interdisciplinar, integrado ao ensino e à pesquisa.
Essa filosofia de tratamento dos pacientes e familiares estende-se
também pelo relacionamento da instituição com seus colaboradores e está aí uma
chave importante do sucesso do programa: o discurso de estreitar o relacionamento
com pacientes e familiares, respeitando-os nos mínimos detalhes, é também levado
para a prática de Gestão de Pessoas e dessa forma percebida pelos colaboradores.
A dimensão das duas listas de práticas e projetos de humanização que
citamos a seguir ilustra por si só a importância que o tema tem para o ICr e não por
acaso constitui um de seus principais diferenciais. As práticas e projetos têm como
alvo os pacientes e seus familiares, colaboradores e algumas delas servem a ambos
os públicos.
 Para os pacientes e acompanhantes:
 Acompanhamento dos pacientes em procedimento endoscópico
 Atendimento
preferencial
para
pacientes
com
Necessidades
Especiais
 Aniversário no ICr
 Biblioteca digital do ITACI
 Biblioteca Viva em Hospitais
 Brinquedoteca
 Caminhada do Dia Nacional do Combate ao Câncer
 Classe
hospitalar
(acompanhamento
escolar
para
pacientes
internados)
 Comissão de Assistência Religiosa
 Comitê Juvenil
 Conhecendo Quem Faz (visita guiada ao hospital para pacientes
internados)
 Conselho Familiar
 Contadores de história (em parceria com a Associação Viva e Deixe
Viver)
 Doutores da Alegria
 Educação nutricional para Pacientes Internados
15
 Exposição de talentos
 Farmácia 24h para pacientes do Pronto Socorro e egressos da
internação
 Horário de visita ampliado
 Jornal Mirim
 Mãe acompanhante
 Método mãe-canguru
 Nutrição - Uma Tarde Especial
 Oficina de culinária, de dobradura e de artesanato
 Ouvidoria
 Pet Smile
 Posso ajudar
 Projeto CRIARTE
 Recreação na sala de espera do ambulatório
 Sala de descanso para acompanhantes
 Sessão pipoca (ITACI)
 Teatro de Fantoches
 Uso de vídeo game para assistência à fisioterapia
 Uso de brinquedos para orientação sobre procedimentos de
enfermagem
 Para os colaboradores:
 Assistência médica
 Avaliação física
 Blitz postural
 Boletim perfeito (reconhecimento de profissionais de destaque da
enfermaria)
 Caminhada
 Comemoração dos aniversariantes do mês
 Confraternização de final de ano
 Dia feliz (folga no aniversário do colaborador)
 Exposição de fotos (Projeto Flashes do ICr)
 Festas temáticas
16
 Flexibilização de horário para facilitar frequência em cursos de
qualificação
 Ginástica laboral
 Grêmio Recreativo
 Jornal da Nutrição
 Momento homenagem
 Prata da casa
 Programa de Calorias Inteligentes
 Programa de integração para novos colaboradores
 Programa de Qualidade de Vida
 Programa Saia da Rotina
 Projeto Mãos que cuidam (convênio com massoterapeutas que
atendem on site)
 Projeto “Speak English”
 Projeto Viva Leve
 Yoga no ICr
Foram realizadas 118 atividades de humanização durante 2010, divididas por
público e área temática da forma como apresentada nos gráficos abaixo:
Gráfico 3 – Ações de humanização no ICr por público e área temática
Total de Ações de Humanização por Público Alvo
118
44
47
27
Total de Ações
Público Interno
Público Externo
Público Interno e
Externo
Fonte: ICR (2010)
De acordo com Przeworski (1998, p. 46), “os agentes devem beneficiar-se
quando se comportam a favorecer o interesse público e devem sofrer algum prejuízo
quando não o fazem”. É dessa forma que um conjunto bem elaborado de regras e
incentivos induzem o engajamento dos colaboradores em ações que tenham sido
estrategicamente definidas.
17
Além disso, as instituições de saúde de ponta em geral, e o ICr em
particular, têm investido na capacitação de seus colaboradores em aspectos que vão
além da excelência técnica e alcançam a capacidade de expressão e comunicação
(tanto inter-pares quanto entre liderança e liderados), capacidades sociais (e.g.
negociação, cooperação, trabalho em equipe) e habilidades comportamentais (e.g.
iniciativa, criatividade, ética, abertura à mudança).
A humanização das relações com os pacientes e seus familiares, o
aprimoramento constante da qualidade técnica do atendimento, a avaliação
sistemática dos colaboradores e a renegociação dentro do possível das relações de
trabalho são aspectos de complexa coordenação e aplicação prática, mas que vem
sendo conduzidos de forma bem-sucedida no ICr e constituem os fundamentos do
seu sucesso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O profissional típico da área de saúde está exposto a diversos fatores
potenciais de stress dentre os quais longas jornadas de trabalho, alta demanda de
trabalho, necessidade de aprimoramento técnico constante, exposição a riscos
biológicos, assim como o contato frequente com o sofrimento dos pacientes e
familiares e muitas vezes a morte (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). O bom
desempenho destes profissionais demanda não somente controle mental e
emocional muito maior do que a média de outras profissões, mas também condições
de trabalho adequadas aos desafios da atividade.
Uma das práticas de Gestão de Pessoas adotadas pelo ICr que chama
atenção pela relevância que exerce no dia-a-dia dos colabores é a avaliação de
desempenho tanto de gestores quando de colaboradores não gestores de pessoas.
Assim como indica Böhmerwald (1996), por muito tempo a avaliação de
desempenho esteve relacionada fundamentalmente à promoção por mérito,
causando frustração e reações contrárias quando isso não acontecia. A falta de
cultura das organizações do setor público em estabelecer metas e avaliar a
produtividade não colabora para que os colaboradores distingam os objetivos
organizacionais mais relevantes e em alguma medida dificultam a adoção de ações
de ajuste frente a desvios de desempenho.
18
O estudo do caso do ICr ilustra o papel fundamental da liderança, seja em
articular a estratégia e desdobrá-la em projetos coordenados, como também em
exercitar o comportamento que espera do time de liderados. O sucesso do projeto
de humanização é um exemplo de ambas práticas e chama a atenção pelo
engajamento e entusiasmo dos colaboradores. O que se observa no ICr é uma
liderança atenta às demandas (articuladas ou não) de seus colaboradores e
considerável dose de criatividade para fazer frente às necessidades que são
identificadas. Suas ações consolidam, pela prática reiterada, uma cultura ao mesmo
tempo inovadora e estrategicamente alinhada aos objetivos da organização.
Nota-se também que a dignificação do trabalho do time de linha de frente
não pode se ater exclusivamente às questões salariais, embora o tema continue
sendo central para os colaboradores e gestores. Há diversas outras formas de
valorizar o trabalho e um exemplo claro pode ser visto no projeto “Speak English” do
ICr, que subsidia o curso de inglês, em horário de expediente, para os colaboradores
que obtêm resultados positivos nas avaliações de desempenho formais. Uma nota
significativa é que os recursos necessários para subvenção desse projeto não
derivam do orçamento público, mas sim são captadas de outras fontes de renda,
manejadas criativamente pela liderança do Instituto.
A inovação aplicada à gestão de pessoas no setor público tem ainda
considerável caminho a ser percorrido, tendo em vista o desenvolvimento que o tem
experimentado no setor privado. Inovações em geral e na área de Recursos
Humanos e particular encontram resistências por todo caminho, o que demanda dos
líderes inovadores doses extras de criatividade, empenho e resiliência. O caso do
ICr mostra que, mesmo sob o domínio das regras de contratação, cargos e salários,
movimentação de pessoal e tantas outras que regem o setor público, é possível
inovar na prática diária da gestão de pessoas e políticas de Recursos Humanos,
produzindo resultados positivos e duradouros, não somente para os colaboradores,
mas também para os clientes, que nesse caso são merecedores da maior
consideração possível.
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AUTORIA
Luís Fernando Guedes – FIA – Fundação Instituto de Administração.
Endereço eletrônico: [email protected]
Adorinda Lamana – Instituto da Criança – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Endereço eletrônico: [email protected]
Mariana de Almeida – Instituto da Criança – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
USP.
Endereço eletrônico: [email protected]
Liliana Vasconcellos-Guedes – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA/USP).
Endereço eletrônico: [email protected]
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