II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem 06 a 08 de outubro de 2010 UNIOESTE - Cascavel / PR UM ESTUDO SOBRE A SUFIXAÇÃO E A POLISSEMIA DO SUFIXO “EIRO” MACEIS, Valéria Adriana (PG-UEM) RESUMO: O presente artigo visa à análise das ocorrências do sufixo –eiro em sincronias do português atual como também do arcaico (séculos XII a XVI). Busca-se, sinteticamente, em um primeiro momento, apresentar a função deste afixo, isto é, o sufixo e seu léxico de forma geral, expondo, inclusive, possíveis “problemas” de sistematização que a maioria das gramáticas tradicionais apresenta com relação ao estudo da sufixação. Tais como: não-especificação dos critérios para se saber se uma palavra apresenta sufixo ou não; a questão da regularidade, previsibilidade e sistematização das relações sufixais; a impressão de que o estudo da sufixação consiste apenas na apresentação de uma lista de sufixos. Interessa-nos, mais especificamente, o uso do sufixo –eiro, por, no português atual, ele apresentar um léxico um tanto produtivo e uma polissemia instigante. Portanto, em um segundo momento de nosso trabalho, agora de forma mais ampla, temos por objetivo analisar os valores semânticos desempenhados por este sufixo, tanto no português atual como no arcaico. Com isso, pretendemos retomar um questionamento já levantado por linguistas atuais a respeito do estudo do sufixo nas gramáticas brasileiras e confirmar ou não, se o sufixo –eiro já apresentava, no português arcaico (séculos XII a XVI), esta mesma polissemia a qual hoje se é possível observar em seu léxico. PALAVRAS-CHAVE: léxico; polissemia; sufixação; sufixo -eiro. 1-Introdução Chamamos sufixos às unidades significativas, inferiores à palavra, que se acrescentam “à direita” de um radical, formando novas palavras. Cegalla (1980) afirma que estes podem ser classificados em: nominais (formadores de substantivos e adjetivos); verbais (formadores de verbos) ou então como adverbiais, quando se tratar do sufixo -mente, sufixo formador de advérbios. E, a seguir, expõe uma lista com os principais sufixos de cada categoria (nominais, verbais e adverbiais) usados pelos falantes de nossa Língua. Linguistas atuais como Rocha (1998), levantam questionamentos um tanto coerentes a nosso ver, acerca do processo de sufixação apresentado pelas gramáticas brasileiras de um modo geral, como a de Cegalla (1980), citada anteriormente. Rocha (1998) critica a não-especificação dos critérios para se saber se uma palavra apresenta sufixo ou não; a questão da regularidade, previsibilidade e sistematização das relações ISSN 2178-8200 sufixais; a impressão de que o estudo da sufixação consiste apenas na apresentação de uma lista de sufixos. Sabemos que este afixo de nossa língua, ou seja, o sufixo é produtor de um léxico vasto, uma vez que é muito utilizado na formação de palavras, conforme afirma Silveira Bueno (1958): “A ação dos sufixos, a sua acumulação, quer venham eles do latim, do grego ou de outras línguas, foi sempre de grande produções.” Ele acrescenta também, em outras palavras, que o sufixo tem um tipo de gramaticalidade que falta ao prefixo, por, além de abduzir novo significado a um vocábulo, trazer consigo a propriedade de distribuir palavras em quatro grupos ou classes de palavras distintas (substantivo, adjetivo, verbo e advérbio). Portanto, em nosso trabalho, procuraremos tecer informações importantes no que se refere ao sufixo e às palavras dele derivadas de um modo geral, expondo, inclusive, críticas de linguistas como Rocha (1980), acerca do modo como a tradição gramatical brasileira aborda o estudo dos sufixos, uma vez que consideramos relevantes tais questionamentos. Entretanto, centralizar-nos-emos ao estudo do sufixo – eiro, visto que apenas este sufixo já nos possibilita um grande campo de estudo, por apresentar um léxico um tanto produtivo e polissemia instigante. Ao analisá-lo, no português atual e também no arcaico, temos por objetivo conferir se tal polissemia por ele hoje apresentada, já se fazia sentir em textos de sincronias anteriores, mais especificamente as dos séculos XII a XVI. 2- Fundamentação teórica 2.1- O léxico dos Sufixos Para Monteiro (2002): Bastante difícil é a tarefa de identificar todos os sufixos vigentes no português atual. Alguns, talvez pela pouca produtividade, ficaram presos a certos radicais, de tal modo que não podem mais ser isolados. Tal o caso de [urro] em casmurro. Por vezes, é destacável em umas palavras (cf. [orro] em cabeçorra), porém não em outras (cf. cachorro). (...)Se alguém for analisar morficamente o vocábulo social, com certeza presumirá que deriva do adjetivo sócio. Todavia, em termos diacrônicos, o sufixo já estava presente no lat. sociale, de onde proveio o nosso termo. 2 Vejamos que Monteiro (2002), ao falar do inventário dos sufixos, expunha sua preocupação com a dificuldade em descrever o léxico dos sufixos, porém, de acordo com nossas pesquisas, atualmente, poucos são os gramáticos que apresentam tal preocupação. Basílio (1990) questiona o modo pelo qual as gramáticas brasileiras explicam os processos de formação de palavras, incluso o de sufixação. Ela defende a conjunção dos critérios: semântico, morfológico e sintático, o que não é adotado pela tradição gramatical brasileira. Em seu estudo sobre tais critérios, Basílio (1990) trata da formalização elementar destes processos de formação de palavras. Segundo ela: (...) a descrição dos processos de formação de palavras tem muitas decisões a tomar. A primeira e essencial é determinar se, para os efeitos da descrição dos processos de formação, as classes de palavras devem ser consideradas em termos dos conjuntos de propriedades definidos pelos três critérios ao mesmo tempo ou se deve haver uma hierarquia de critérios. Rocha (1998), que muito cita Basílio (1990) em seus estudos, acredita ser um problema o fato de a tradição gramatical brasileira apresentar a não-especificação dos critérios para se saber se uma palavra apresenta afixo ou não. O importante, portanto, é o estabelecimento de critérios para se saber se uma palavra é primitiva ou derivada. É evidente que essa falta de critério, aliada à confusão entre os planos sincrônico e diacrônico, é altamente prejudicial ao ensino da língua, principalmente se se levar em conta que os adolescentes clamam por raciocínios lógicos. As gramáticas preocupam-se apenas em estabelecer a lista de sufixos. Um exame mais atento revelará muitas dúvidas a respeito da questão. Baseado em que critério se poderá responder à pergunta: Canalha apresenta sufixo? Qual é a base? (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 87101). Outro problema encontrado nas gramáticas tradicionais, segundo Rocha (1998), com relação ao estudo da sufixação diz respeito à questão da regularidade, previsibilidade e sistematização das relações sufixais. É bem verdade que as gramáticas tradicionais estão mais preocupadas com o aspecto prescritivo do que com o aspecto descritivo da língua. Mas, isso não justifica o fato de elas colocarem, lado a lado, sem qualquer diferenciação, processos sufixais extremamente produtivos. Vejamos por exemplo: o do grau diminutivo, ao lado de sufixações anômalas, como, casebre, carniça, moçoila e bichano, em que os 3 sufixos são imprevisíveis, tanto sob o ponto de vista morfológico, quanto sob o ponto de vista semântico. Além destes dois problemas da tradição gramatical brasileira ao tratar da sufixação, Rocha (1998) aponta ainda um terceiro: a impressão de que o estudo da sufixação consiste apenas na apresentação de uma lista de sufixos. Ele sempre confirma suas afirmações com exemplos de gramáticas tradicionais e muito conhecidas, entre elas a de Cegalla (1979). Algumas gramáticas apresentam a lista de sufixos sem a menor preocupação com a estruturação do processo, como faz Cegalla (1979:62), por exemplo, que submete ao mesmo item sufixos tão diferentes, como –ada, -ção e –eza, que formam novas palavras a partir de categorias lexicais distintas, o que vale dizer, através de regras morfológicas diferentes. Procuramos neste item de nosso trabalho discorrer acerca da sufixação e seu léxico, abordando visões de linguistas atuais que discutem o modo como este afixo vem vendo apresentado nas gramáticas brasileiras. No item que segue, trataremos em especial do sufixo –eiro, escolhido por nós como objeto de estudo devido a sua grande produtividade e rica polissemia. 2.2- O sufixo –eiro Palavras formadas em –eiro são sempre formadas a partir de substantivos, como se verifica na relação paradigmática: leite – leiteiro; sucata – sucateiro. Segundo Said Ali (s/d), referindo-se à descrição do léxico do sufixo –eiro e seu feminino –eira, em fins do século XII e início do século XIII, os nomes que em latim clássico tinham o elemento formativo –ariu- passaram para o português, ao tempo em que este idioma constituiu-se, geralmente com essa terminação alterada em –eiro: primeiro (primariu-), celeiro (cellariu), dinheiro (denariu-), ribeiro (ripariu-), etc. A evolução aconteceu naturalmente –ariu> -airo> -eiro; porém não possuímos documentação de primairo, dinhairo, etc. Ocorrem, todavia, no português antigo, alguns termos, uns por se terem introduzido ulteriormente, outros por constituírem exceção à regra geral, nos quais, ariu- aparece com a forma –airo: sadairo, contrairo, fadairo, vigairo, boticairo, etc. 4 A lista dos nomes de origem erudita é extensa, como também o é a série das palavras que se formaram com a terminação –eiro; notam-se entretanto poucos casos de formas paralelas como operário e obreiro, ovário e oveiro, solitário e solteiro. Alguns linguistas atuais, em estudo sobre as construções -eiro no português do Brasil, como Almeida & Gonçalves (2004) propõem que as formas -eiro sejam distribuídas por seis grupos de afinidade morfossemântica: agentivos profissionais („pedreiro‟, „sorveteiro‟); agentivos habituais („fofoqueiro‟, „marombeiro‟); agentivos naturais („coqueiro‟, „jambeiro‟); locativos („cinzeiro‟, „galinheiro‟); intensificadores („nevoeiro‟, „lamaceiro‟) e modais („certeiro‟, „grosseiro‟). Observemos que, nos agentivos habituais e modais, descritos pelos linguistas citados, encontramos o –eiro formando adjetivos. Said Ali (s/d) referindo-se à descrição do -eiro em 1202, já o apresentava como formador de adjetivos, embora ainda não os houvesse separado em agentivos como assim o fez Almeida & Gonçalves (2004): “Muitos dos vocábulos em –eiro são nomes adjetivos, tais como: foreiro, verdadeiro, (veado) galheiro, campeiro, (cão) perdigueiro, fragueiro, dianteiro, fronteiro, passageiro, poedeira, grosseiro, certeira, rasteiro, (vento) pondeiro, costeiro, ordeiro, etc.” Said Ali (s/d), ainda nesta época, também já havia descrito o –eiro como formador de agentivos naturais, locativos e intensificadores: De muitos nomes de frutos, flores e outros produtos vegetais derivamse por meio dos sufixos –eiro, -eira substantivos que designam a respectiva planta ou árvore. A forma masculina ou feminina depende geralmente do gênero do nome primitivo. Exemplos: mangueira, jaqueira, limoeiro, laranjeira, craveiro, roseira, muitos outros. De vários nomes de cousas derivam-se outros nomes em –eiro ou – eira, para denotar aquilo em que tais coisas guardam-se: charuteira, cigarreira, paliteiro, açucareiro. Designativos de lugares onde se guardam animais são galinheiro, potreiro e coelheira. Algumas vezes vem o sufixo acrescentar ao termo primitivo a noção de grande massa ou acúmulo intenso: nevoeiro, poeira, papeira, lameiro, chuveiro. De cabelo forma-se o coletivo cabeleira. Berreiro significa “muitos berros” que se soltam consecutivamente, sem intermitência. Said Ali (s/d) traz ainda mais estas descrições para o –eiro: O derivado pode também designar um objeto que tem qualquer serventia referente à coisa denotada pelo vocábulo primitivo: assadeira (objeto em que se assa), frigideira, pulseira (jóia que serve para o pulso), banheiro e banheira, gorjeira, perneira, (peça que se resguarda 5 a perna), mosquiteiro (cortinado que resguarda dos mosquitos), calçadeira, candeeiro, etc. Falemos agora do sufixo –eiro, como designador de agente profissional, o qual consideramos ser o agente de -eiro mais produtivo. Ele pode ser parafraseado como “aquele que trabalha com o que está especificado na base”. As formações de agente profissional das construções -eiro caracterizam-se por possuir base nominal e concreta com output substantivo também concreto. É o que se percebe em exemplos como „açougueiro‟, „jornaleiro‟, ´minhoqueiro‟, „porteiro‟ e „jardineiro‟. Portanto, bases como “açougue”, “jornal”, “jardim”, “minhoca” e “porta” possuem as características comuns de concretude e classe nominal, o que também ocorre com seus respectivos produtos agentivos. Em se tratando do léxico do sufixo –eiro como agentivo profissional, consideramos, ainda, relevante ressaltarmos uma particularidade deste, que encontramos em nossos estudos: o –eiro ser formador de ocupações profissionais menos favorecidas pelo prestígio sócio-cultural em nossa sociedade. O –eiro se comparado com o sufixo –ista, sufixo igualmente designador de ocupação, como em, por exemplo: jornalista e jornaleiro, vejamos que, realmente, a diferença de status faz-se sentir. Segundo Alvares (2005), em nossa cultura, as atividades consideradas de maior prestígio social seriam designadas pelos agentivos em -ista, ao passo que as ocupações menos favorecidas pelo prestígio sócio-cultural, ou até mesmo marginalizadas, seriam designadas pelos agentivos em -eiro. Rocha (1998), em seu Estruturas Morfológicas do Português, também apresenta sua opinião a respeito de tal particularidade do sufixo –eiro, como agente profissional: Os sufixos agentivos denominais expressam um continuum que tem início em atividades de caráter mais intelectual, mais abstrato, mais teórico e mais profissional. À medida que se avança na escala, aparecem profissões de natureza mais artesanal, mais concreta, mais prática e mais amadora. À esquerda do continuum, parecem figurar formações como 'psicólogo', 'antropólogo' e 'geriatra', cujos elementos finais (e a acentuação) afixam-se a bases abstratas (quase sempre compostas por radicais gregos e/ou latinos) para formar agentivos que designam profissões que requerem grande conhecimento teóricocientífico. Seguem-se a essas, profissões como 'paisagista', 'oftalmologista', e 'romancista', formadas a partir de bases concretas ou 6 abstratas para fazer referência a especialidades que também exigem conhecimento teórico ou atividade intelectual. As construções X-eiro estariam no final dessa escala, denominando profissões de caráter mais prático que teórico, mais artesanal que intelectual, com pouco ou nenhum tipo de conhecimento técnico-científico (cf. 'coveiro', 'sorveteiro', 'pedreiro' e 'sapateiro', entre outras). Seguindo com os grupos agentivos de –eiro, como agente habitual, ele pode ser traduzido como “aquele que pratica o que está especificado na base com frequência”. É o caso, entre inúmeros outros, de „caloteiro‟, „trambiqueiro‟ e „cambalacheiro‟. Nesse caso, as bases são abstratas, ao contrário do que ocorre com os agentivos profissionais. Se o produto dos agentes profissionais é um substantivo, o dos habituais pode ser tanto um substantivo quanto um adjetivo, ou seja, os itens lexicais apresentam uma acentuada mobilidade categorial. Observamos que uma característica marcante dos produtos desse grupo é expressão da pejoratividade: as formações são criadas com o intuito de atribuir um juízo de valor depreciativo ao ser denominado. O grupo de construções -eiro que denota nome de árvore apresenta bases (nomes de frutos) e produtos nominais caracterizados como concretos: „abacateiro‟, „mamoeiro‟ e „coqueiro‟. Neste caso, a ideia de extensão metafórica vem sendo defendida pelos linguistas. Para os dados desse grupo: um item como „cajazeiro‟ está mais próximo de uma palavra como „doceiro‟ que de uma como „saleiro‟, visto que ela é mais bem interpretada como “que produz X” do que como “onde fica X”, da mesma forma que o agente profissional. No grupo “acúmulo/excesso”, o sufixo -eiro marca a intensidade do que se especifica na base substantiva (“aguaceiro” pode ser parafraseado como excesso de água). Em função do baixo contingente de dados e da inexistência de novas formações, o grupo em questão pode ser considerado improdutivo. As construções locativas em -eiro apresentam, via de regra, base e produto nominais e concretos. Os derivados são interpretados como “local onde se deposita o que está veiculado na base”. „Saleiro‟ é, portanto, o local onde se coloca/guarda sal. É interessante afirmarmos que a ideia de local não se concentra necessariamente em um objeto em que se põe algo: „banheiro‟, „puteiro‟ e „galinheiro‟ veiculam diferentes acepções de local, aqui interpretado apenas genericamente. 7 As palavras como „certeiro‟ e „verdadeiro‟ ressaltam uma qualidade e/ou característica da base, de forma que as construções podem ser parafraseadas como “Xeiro é dotado ou tem as características de X”. Por exemplo, “grosseiro” é o ser qualificado por ser “grosso”, o que caracteriza tais construções como modais, haja vista a ausência de significado claramente especificado. O que esse grupo possui como fator de diferenciação em relação aos outros é o fato de gerar outputs tipicamente adjetivos. Como a acepção de intensidade, também a modal é considerada improdutiva no português brasileiro contemporâneo. No item que segue, trataremos da análise de algumas palavras, no português atual e arcaico, em que encontramos o sufixo –eiro. Cada uma delas enquadra-se em um dos agentivos propostos por Almeida & Gonçalves. Com isto, pretendemos avaliar como esta polissemia encontrada no sufixo –eiro, atualmente capaz de atribuir significações distintas para bases diferentes, como vimos acima, era encontrada em textos do português arcaico – séculos XII a XVI. 3- Análise linguística A primeira palavra que analisaremos é porteiro, a qual se enquadra nos agentivos profissionais, por, segundo Houaiss (2001), se referir a um substantivo masculino e significar (1). indivíduo encarregado de abrir e fechar a porta de uma casa, um palácio, uma instituição, quando chegam ou saem moradores ou visitantes; guardaportão; (2) - indivíduo que toma conta da portaria de edifício ou instituição e permite ou não a entrada de pessoas estranhas, recebe correspondência e distribui aos destinatários etc; guarda-portão. Segundo a etimologia latina a palavra era portãrius, em 1209 passou a ser encontrada como porteyros e somente em 1265 passou a ser escrita como hoje a encontramos, ou seja, porteiro. Vejamos exemplos de textos de diferentes sincronias em que ela aparece. Período Atual - 2008 Século XIII Objeto de análise Fonte “Empresa de médio porte seleciona porteiros Site: Balcão de Empregos – para início imediato: Requisitos: Maior de 20 Acesso em 22/out./2008 anos, desejável ensino fundamental, desejável experiência.” “Costume é que o porteyro non deue a filhar Texto: Dos Costumes de caualo de caualeyro nen yr a seu leyto Santarém 8 enquanto achar outros pegnores (...)” Como podemos conferir, ao menos neste recorte, não há diferenças semânticas no vocálubo porteiro, portador de –eiro, permanecendo configurado como agentivo profissional tanto no português atual quanto no arcaico – século XIII. A segunda palavra escolhida por nós para análise é conselheiro. A partir de sua descrição, a qual extraímos de Houaiss (2001), seria de etimologia latina como consiliarius, sendo encontrada no século XIII como consselleyro; no século XIV cõselleyro, no XV como comsselheyro e atualmente conselheiro. Tal vocábulo enquadra-se nos agentivos habituais, por ter produtividade maior sendo adjetivo – “aquele que ou quem aconselha; aconselhador”. Embora também possa ser encontrado como substantivo masculino – o conselheiro. Vejamos: Período Atual - 2008 Século XIII Objeto de análise Fonte “Hitch – Conselheiro Amoroso. Um homem Site: Adoro Cinema – que trabalha como consultor de homens para Acesso em 22/out./2008 conquistarem seus grandes amores se apaixona perdidamente por uma jornalista, que pode revelar sua identidade.” “Começasse o trautado que se chama Leal Texto: Leal Conselheiro Consselheyro, o qual fez Dom Eduarte, pella graça de deos Rey de Portugal e do Algarve e Senhor de Cepta, a rrequerimento da muyto excellente Reynha dona Leonor, sua molher.” Como o que ocorreu com porteiro, vejamos que também conselheiro mantém sua significação, já designada a ele desde o português arcaico, como consta no recorte do século XIII, isto é, o de atribuir a característica de aconselhador a pessoa que tem o hábito de aconselhar a uma outra. A seguir, temos a análise da palavra limoeiro, um agentivo natural. Não encontramos sua origem etimológica, mas sabemos que esta se trata de um substantivo masculino e que tem sua origem no substantivo limão, vindo a significar: pequena árvore de até 6m. (citrus limon), da família das rutáceas, nativa da Índia, de ramos curtos e espinhosos. Observemos a análise: 9 Período Atual - 2008 Século XVI Objeto de análise “Meu limão, meu limoeiro/ Quem te vê pode provar/ Sua flor é muito doce/ Mas seu fruto é de amargar/ Meu limão, meu limoeiro/ Meu pé de jacarandá/ Uma vez tindô lelê, outra vez, tindô lalá.” “(...) que nesta terra ha muytas e de muytos lymoeyros e laramgeiras e rosais, e outras arvores que nesta terra da~o muito bom fruyto, e nesta ribeira, que este rey trouxe dizem que gastou todo ho thesouro que d elrey seu pay lhe ficou, que era muito gramde soma de dinheiro.(...)” Fonte Música: Meu limão, meu limoeiro de Renato Teixeira. Site: Vagalume – Acesso em 22/out./2008 Texto: Crônica dos reis de Bisnaga Limoeiro, como podemos ver, também não apresenta diferenças no que diz respeito a significado, ao compararmos textos do português atual e do recorte extraído do texto Crônicas dos reis de Bisnaga, século XVI. Analisamos também o vocábulo: mosteiro, um locativo da classe dos substantivos. Vindo do latim monasterium, ele já foi grafado, também segundo Houaiss (2001), no século XIII - monasteiro; no século XIV – moysteyro; no XV – moysteiro para só depois passar a mosteiro, como o encontramos hoje e que significa convento, habitação de monges ou monjas. Segue a análise que fizemos: Período Atual - 2008 Século XII Objeto de análise “Obra fundamental da arquitectura Manuelina, o Mosteiro dos Jerónimos foi encomendado pelo rei D. Manuel I, pouco depois de Vasco da Gama ter regressado da sua viagem à Índia.” “oc est finto de casales de eligoo que tenet alfonsus didaci de monasterio de pedroso (...)” Fonte Site: Guia da Cidade – Acesso em 22/out./2008 Texto: Notatoriais Documentos Nossa última construção em –eiro estudada é o vocábulo: verdadeiro. Mesmo não possuindo sua origem etimológica, sabemos que tal palavra tem por significado: em que há verdade; conforme a verdade; que fala verdade; exacto; certo; genuíno; verídico, real; autêntico; seguro; leal; sincero; fiel; e enquadra-se como agente modal, já que é um adjetivo. 10 Período Atual - 2008 Século XVI Objeto de análise “Vai dar pé, boa sorte companheiro/ É dificil encontrar/ Um amigo verdadeiro/ Muita luz muita paz no teu caminho/ Mesmo longe estou contigo/ Não te deixarei sozinho.” “onde jaa não tinha outra sallvação senão a morte, por que jaa na fortaleza não avya augoa nem cousa para comer, e que de cimcoenta mill homẽes que na cidade de Nagumdy tynha, escolhera a elles por companheiros e verdadeiros amiguos,(...)” Fonte Música: Amigo Verdadeiro de Tim Maia Site: Vagalume – Acesso em 22/out./2008 Texto: Crônica dos reis de Bisnaga Como podemos ver, neste caso, o adjetivo verdadeiro também não apresentou diferenças de sentido, e nem mesmo no que se refere à grafia. Isto se deve, talvez, por termos utilizado um objeto de análise do português arcaico extraído de um texto do século XVI, uma sincronia relativamente mais recente. Entretanto, sincronia esta que mesmo já apresentando o verdadeiro da mesma forma a qual o encontramos hoje, ainda abrangia configurações na língua um tanto primitivas como vimos em limoeiro, que no mesmo século, XVI, ainda aparecia como: lymoeyros. 4- Considerações finais Com este trabalho, compreendemos a importância dos sufixos nos processos de formação de palavras. Ampliamos nosso conhecimento acerca de seu léxico. E passamos a depositar um olhar ainda mais atento àquilo que as gramáticas tradicionais ditam com tanta autoridade, principalmente com relação ao estudo da sufixação, uma vez que, como já exposto acima, grande parte delas apresenta definições insuficientes, quando não errôneas sobre o assunto em questão. Foi-nos prazeroso o estudo da polissemia do sufixo –eiro, posto que grande parte dela desconhecíamos ou a tínhamos inconscientemente. Acerca dele, podemos concluir, com base nas afirmações de Said Ali (s/d), que estudou a história de nossa gramática, e daquelas proferidas por linguistas atuais, juntamente com a análise linguística que apresentamos anteriormente, que, aparentemente, o sufixo –eiro, já apresentava lá no português arcaico tal polissemia que hoje encontramos em seu léxico. A diferença é que no português atual, como vimos, sua polissemia instigou os linguistas a o distribuírem em seis grupos de afinidade morfossemântica, assim como já expusemos. 11 É interessante ressaltarmos que o –eiro, assim como muitos outros sufixos, por terem grande capacidade produtiva, podem ser agregados a bases que gerariam ainda outros sentidos, não contemplados aqui, ou já existentes atualmente, ou, então, ainda a serem objeto de estudo posterior, já que como afirma Katamba (1993) apud Rocha (1998): O léxico não é uma lista passiva de palavras e de seus significados. Não é simplesmente como um laboratório de anatomia, onde palavras já existentes são dissecadas em morfemas constituintes e examinadas num microscópio. Não, nessa teoria o léxico é muito mais do que isso. É também um lugar cheio de vitalidade, em que as regras são usadas ativamente para criar novas palavras. Referências bibliográficas ALVARES. C. A. Nomes de Profissões: Uma oposição sufixal. 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