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A SINTAXE DAS CONSTRUÇÕES NOMINAIS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
PONTOS FRÁGEIS DA ABORDAGEM DA GRAMÁTICA TRADICIONAL
Adeilson Pinheiro SEDRINS - UFAL
1. Introdução
No que diz respeito à abordagem da sintaxe de construções nominais, mais
especificamente, a questões relacionadas à natureza argumental ou não de sintagmas
preposicionais que entram em relação com núcleos nominais no português brasileiro,
Sedrins (2006), Rodrigues (2000) e Vianna (1983), entre outros, apresentam em suas
análises alguns pontos problemáticos na abordagem de alguns manuais de gramática
sobre definição e classificação de complementos e adjuntos de nome. Entre esses
pontos, podemos destacar o critério de opcionalidade na sentença tomado como um
fator de distinção entre complementos e adjuntos; a distinção do núcleo nominal em
concreto ou abstrato e a possibilidade de licenciarem argumentos; entre outros. Neste
trabalho, retomarei alguns pontos das discussões apresentadas nos textos supracitados e
discutirei a natureza de algumas relações estabelecidas dentro de construções nominais,
as quais não são possíveis de serem contempladas pelo viés da abordagem da gramática
tradicional.
O trabalho está estruturado da seguinte forma: na seção 2 retomo algumas
discussões sobre os pontos frágeis da gramática tradicional em relação à distinção
adjunto/complemento de nome; na seção 3 tomo o exemplo das construções genitivas
em português para discutir relações estabelecidas dentro do domínio da construção
nominal para as quais a abordagem da gramática tradicional tem dispensado qualquer
tratamento; na seção 4, exponho as considerações finais.
2. Adjunto e complemento de nome na perspectiva tradicional
É comum os manuais de gramática tradicional classificarem os termos da oração
em essenciais (sujeito e predicado), integrantes (complementos verbais e nominais) e
acessórios (adjuntos adnominais e adverbiais, agente da passiva, aposto). Nessa
classificação, acessório pode ser entendido como o elemento que aparece na sentença e
que, como propõe o termo acessório, é dispensável, opcional, no sentido de que sua
ausência na sentença não acarreta numa sentença incompleta, agramatical. Nesse
sentido, os termos acessórios se distinguem dos termos integrantes da oração levando-se
em conta que os primeiros são dispensáveis, mas não os últimos. Essa idéia pode ser
inferida a partir das duas citações abaixo:
(1)
a. Chamam-se acessórios os termos que se juntam a um nome ou a um verbo
para precisar-lhes o significado. Embora tragam um dado novo à oração, não
são eles indispensáveis ao entendimento do enunciado. Daí sua denominação
(CUNHA, 1986, p. 158, grifo meu).
b. O complemento nominal é exigido, é essencial para que se complete a
significação de um substantivo, de um adjetivo ou de um advérbio (ALMEIDA,
2001, P. 422, grifo meu).
(2b) abaixo mostra que é possível uma sentença cujo verbo pode licenciar um
objeto indireto não apresentar tal constituinte e mesmo assim ser gramatical:
(2)
a. Maria pagou o aluguel da casa ao João ontem.
b. Maria pagou o aluguel da casa ontem.
Por outro lado, a ausência do adjunto adverbial a São Paulo em (3b) mostra que
a retirada do suposto termo acessório implica uma sentença agramatical1:
(3)
a. Eu vou a São Paulo.
b. *Eu vou.
Vianna (1983) observou, entre outros tipos de construção, que em contextos de
orações coordenadas, a presença do adjunto adnominal parece ser imprescindível:
(4)
a. Li o livro de Machado, mas não li o livro de Alencar.
b. *Li o livro, mas não li o livro.
O problema da opcionalidade também aponta para questões pragmáticas. Por
exemplo, (3b) é uma estrutura produtiva na língua em contextos de pergunta-resposta
como aquele em que se pergunta você vai a São Paulo? Mas se levarmos em conta
questões pragmáticas, estaremos num nível de análise em que o critério da
opcionalidade não é relevante para se distinguir termos acessórios de termos integrantes,
já que, provavelmente, ambos os termos podem vir ou não a serem opcionais
dependendo do contexto em que se dá a produção do enunciado. Assim, tomar como
parâmetro o fato de que um adjunto adnominal é opcional e um complemento nominal
não é um critério ineficiente.
Um segundo ponto a destacar é a confusão entre semântica e sintaxe presente
nas definições de complemento e adjunto de nome. Se atentarmos novamente para as
citações em (1), veremos que apesar de se tratar de relações sintáticas, geralmente o que
se apontam nas definições de adjunto e complemento nos manuais de gramática são
características semânticas dos constituintes, conforme pode ser visto nas passagens
grifadas em (1).
A noção de “completar a significação” parece ser uma característica crucial na
hora de se classificar um termo da oração como integrante, conforme se vê exposto em
geral nos manuais de gramática. Tal noção está intimamente ligada à noção de
transitividade, uma vez que a transitividade trata da questão do número de argumentos
que um núcleo pode licenciar. O problema é que, como apontado em Rodrigues (2000),
a noção de transitividade nos manuais de gramática, que não aparece de forma explícita,
não é um ponto de convergência entre gramáticos. Para exemplificar essa divergência,
vamos exemplificar com o caso das construções com genitivo. Em (5) abaixo, temos um
exemplo de uma construção denominada por alguns gramáticos de genitivo subjetivo
(5a) e genitivo objetivo (5b):
(5)
a. A construção de João
b. A construção da ponte
Em (5a) temos pelo menos duas possibilidades de interpretar a estrutura: João
pode tanto ser o agente, a pessoa que provavelmente construiu algo, ou pode ser
interpretado como o possuidor da construção. O que nos interessa aqui é a primeira
interpretação, agentiva, pois é essa que caracteriza um genitivo subjetivo. Como sendo o
1
De fato a relação do sintagma preposicional locativo a São Paulo parece ser argumental em relação ao
núcleo verbal ir. Alguns gramáticos prevendo a agramaticalidade de uma estrutura como em (3b) (cf.
BECHARA, 1999; LIMA 1996) nomeiam esses locativos como complemento circunstancial,
diferenciando-o, de certa forma, tanto do complemento verbal, quanto do adjunto adverbial. O
posicionamento de tais autores, no entanto, em relação à natureza argumental de tais construções, não é
explícito. Para uma discussão sobre o estatuto argumental de tais construções no português brasileiro, ver
Farias (2006).
agente da ação denotada pelo núcleo nominal construção, João aparentemente apresenta
uma relação argumental com o núcleo: recebe interpretação de agente do núcleo
nominal, ou seja, de João, por si só, não garante sua interpretação como agente. No caso
de uma paráfrase verbal, João equivale ao sujeito, argumento externo do verbo, como
em João construiu alguma coisa. Em relação ao genitivo objetivo em (5b), temos que
da ponte apresenta propriedades características de um objeto direto para uma
contraparte verbal equivalente: a ponte é interpretado como tema, objeto da ação
denotada pelo deverbal. Aqui novamente a interpretação de da ponte como tema
depende crucialmente do núcleo construção, uma vez que da ponte, por si só, não
implica necessariamente uma interpretação de tema. Numa paráfrase verbal equivalente
à contraparte nominal (5b), da ponte é um objeto direto, complemento verbal,
classificado em termos tradicionais como termo integrante da oração.
Trabalhando com o binômio adjunto/complemento de nome, a tradição
gramatical tende a classificar os genitivos ou em adjunto ou em complemento de nome.
No que diz respeito ao genitivo objetivo, como é uma contraparte do objeto direto em
construções verbais, um termo integrante, não há divergências em considerá-lo um
complemento nominal, termo integrante da oração. Contudo, em relação ao genitivo
subjetivo, por não corresponder a um termo integrante da contraparte verbal, a
divergência pode ser encontrada: Almeida (2001) propõe que tal genitivo seja
considerado adjunto e não complemento, entendendo complemento como algo ligado à
idéia semântica de “afetado” pela ação. Bechara (1999), por sua vez, propõe que ambos
os genitivos sejam classificados como complementos nominais, entendendo por
complementos os termos que de alguma forma estão relacionados ao evento/processo
denotado pelo nominal.
A noção de transitividade aqui parece diferir entre os autores: para Almeida ela
se dá de forma semanticamente estrita (cf. CÂMARA, 1977 e RODRIGUES, 2000), já
que considera apenas a possibilidade de ocorrência de objeto direto para se completar a
significação do núcleo verbal ou nominal. Bechara, por sua vez, adota uma noção ampla
de transitividade semântica, considerando todos os termos atingidos pela ação.
Rodrigues (2000) aponta pelo menos quatro noções distintas de transitividade presentes
em manuais de gramática: (i) transitividade sintática em estrito senso, aquela que leva
em consideração a presença de um objeto direto na estrutura e sua possibilidade de se
tornar sujeito em construções passivas, sem apelar, dessa forma, para questões
relacionadas a significado; (ii) transitividade sintática lato senso, aquela que considera o
número de argumentos que um núcleo apresenta, não apenas o objeto direto, levando-se
em conta as necessidades combinatórias e não propriedades específicas de seu
significado, importando o fato de se a presença de outros termos é necessária, e não a
ação denotada pelo núcleo em si; (iii) transitividade semântica de estrito senso, que
considera a noção de um paciente sobre o qual a ação se aplica; transitividade semântica
lato senso, aquela que considera o significado da ação denotada pelo núcleo e todos os
termos envolvidos nessa ação.
O que percebemos com base nessas possibilidades distintas de considerar a
transitividade, é que a classificação de uma construção como de João em A ameaça de
João ao partido, vai depender da noção de transitividade que se está adotando e
conseqüentemente do que se está tomando como adjunto ou complemento de nome.
Assim, é de João na referida estrutura um complemento? A resposta seria afirmativa
adotando-se uma noção ampla de transitividade semântica ou sintática em que
complemento não é apenas o objeto direto ou seu equivalente na contraparte nominal e
seria negativa para uma postura estrita sobre o que seja a transitividade. Portanto, ao se
considerar que de João é um adjunto em A ameaça de João ao partido está se partindo
de um ponto de vista em que nem todos os argumentos relacionados à ação denotada
pelo núcleo verbal ou nominal é um complemento, tomando este último como um termo
com comportamento sintático-semântico específico: um complemento nominal é uma
estrutura equivalente a um objeto direto, tema da ação denotada pelo núcleo.
Por conseqüência, dependendo da noção de transitividade que se adote, um
termo pode ser integrante ou acessório na oração. Note-se que as noções diferentes de
transitividade não fazem menção necessariamente à propriedade de opcionalidade de
um termo na sentença. Ou seja, tomando como base uma noção de transitividade ampla
em termos semânticos, de João, em A ameaça de João ao partido político, é um
complemento não porque necessariamente seja obrigatória sua presença na sentença,
mas porque está envolvido na ação que o nome ameaça denota: João é o agente da
ação. Da mesma forma, olhando para a mesma construção e adotando uma noção
estreita de transitividade, de João será considerado um termo adjunto, portanto,
acessório, e essa classificação não se deve necessariamente ao fato de de João ser ou
não obrigatório na construção, mas simplesmente pelo fato de não ser o afetado pela
ação denotada.
Como foi discutido anteriormente, o critério da opcionalidade de um termo na
sentença parece ser problemático enquanto definitivo na distinção adjunto/complemento
de nome, uma vez que tanto objetos podem ser omitidos em determinadas construções,
como também, por outro lado, a presença de adjuntos parece ser obrigatória em algumas
construções. Se pudermos, então, excluir o critério da opcionalidade, melhor, e isso
podemos fazer recorrendo à noção de transitividade.
Outro critério que é defendido por alguns autores a ser considerado na distinção
adjunto e complemento de nome é o de que esse integra nomes abstratos e aquele
integra nomes concretos. Macambira (2001, p. 293) compartilha dessa visão tradicional
e é categórico ao afirmar que “quando o antecedente da preposição é substantivo
concreto, o conseqüente constitui adjunto adnominal”. Como a distinção
concreto/abstrato se dá pelo viés semântico, novamente aqui estamos falando de uma
distinção entre complemento e adjunto desconsiderando relações sintáticas. Esse critério
permite classificar todos os elementos preposicionados que aparecem à direita do núcleo
nominal de natureza abstrata como complemento. Porém, se tomado juntamente com
uma noção de transitividade estreita, apenas aqueles sintagmas preposicionados à direita
de um nome abstrato, cuja interpretação é de tema, consistem em legítimos
complementos nominais.
A questão é: em que termos a distinção concreto/abstrato se justifica como
critério relevante na distinção entre complemento de nome? Existe alguma razão que
justifique tal critério? Se não, então a própria definição de complemento e de adjunto de
nome pode ser simplificada nos seguintes termos: um adjunto adnominal é um termo
que amplia um nome concreto e um complemento é um sintagma preposicional que
entra em relação com nomes abstratos. Se pensarmos a noção de transitividade em
termos semânticos, o critério abstrato/concreto toma respaldo, de forma que se levando
em consideração a interpretação do núcleo nominal, apenas aqueles que denotam ação,
portanto, deverbais, de natureza abstrata, é que tomam complementos, termos afetados
pela ação denotada. Essa idéia pode ser estendida para nomes que apesar de serem
abstratos não necessariamente denotam uma ação, como é o caso de medo, ódio e outros
que derivam de verbos experienciais:
(6)
a. Maria tem medo [do escuro].
b. João disse ter ódio [daquelas pessoas].
Note-se que do escuro e daquelas pessoas apresentam uma interpretação
próxima a de tema, o que enquadra tais estruturas no rol dos complementos nominais.
Suponha-se então que o critério concreto/abstrato seja confiável para se tomar
uma distinção entre complementos e adjuntos e, juntamente com ele seja adotada a
visão estrita de transitividade semântica, o que temos é um método aparentemente
seguro para classificar os sintagmas preposicionais dentro de construções nominais.
Contudo, é importante salientar, que esse critério é tomado a partir de apenas um ponto
de vista do que seja transitividade e, o que é mais problemático, um ponto de vista
semântico no tratamento de uma questão sintática.
O critério concreto/abstrato deixa de fora da classificação como complemento
estruturas como as descritas abaixo:
(7)
a. Eu encontrei o filho [da Maria].
b. Maria quebrou a asa [da xícara].
Bechara (1999) chama a atenção para estruturas semelhantes às de (7) e
argumenta que em casos como esses, estamos diante de complementos nominais. O
autor expõe uma lista de nomes concretos que admitem argumentos, como os nomes
relacionais (pai, mãe, filho, irmão) e de laços sociais (amigo, colega, companheiro);
nomes que denotam parte de um todo (mão, cabeça, rosto) de outros seres animados
(galho, tronco, cauda) ou de objetos concretos (pé da mesa, pneu do carro); substantivos
icônicos (retrato, foto, quadro, filme, vídeo); substantivos autorais (livro, quadro, foto,
escultura, obra, poema). O autor se baseia no fato de que a ausência dos sintagmas
preposicionais que entram em relação com esses nomes torna a sentença agramatical,
como é o que acontece com exemplos ilustrados em (8):
(8)
a. *Eu encontrei o filho.
b. *Maria quebrou a asa.
(8) mostra que esses tipos de nominais, embora de natureza concreta (filho, asa),
tornam obrigatória a presença de um sintagma preposicionado e esse tipo de
obrigatoriedade foi o que levou Bechara a classificar tais sintagmas como
complementos, contrapondo a adjuntos, entendendo esses últimos como termos nãoargumentais, não obrigatórios na sentença.
A seguir, discuto algumas construções preposicionadas que mesmo se
relacionando com nomes concretos ou abstratos apresentam algumas propriedades
semelhantes, em contraposição a construções que são tradicionalmente classificadas
como adjuntos.
3. O estatuto sintático de construções possessivas
O objetivo desta seção é analisar o comportamento sintático de estruturas
possessivas do português, argumentando que a noção semântica de complemento em
contraposição à de adjunto, tal como se apresenta em manuais de gramática, pode não
apresentar uma simetria em relação a comportamentos sintáticos. Conforme veremos,
sintagmas possessivos que não “completam” o sentido de nomes intransitivos como
estante e bolo, apresentam comportamentos sintáticos peculiares de legítimos
complementos nominais. A breve discussão a ser desenvolvida toma como base teórica
o modelo de análise lingüístico desenvolvido sob a perspectiva gerativista (CHOMSKY,
1986).
Na década de 1980, alguns estudos desenvolvidos sob a perspectiva da
gramática gerativa, observaram algumas restrições estruturais da língua que permitiam o
movimento de um complemento nominal, em forma interrogativa, para o início da
sentença, mas proibiam tal movimento para adjuntos. Huang (1982) e Chomsky (1986)
tentaram explicar tais restrições lançando mão de conceitos como os de regência,
Princípio de Categorias Vazias e barreira. Não irei aqui me deter nesses conceitos
devido ao espaço disponível para discutir a complexidade que eles implicam. A questão
é que, por apresentarem uma relação estrutural distinta com o núcleo nominal, a posição
de adjunto está sujeita a restrições para movimento estruturalmente impostas, as quais
não são impostas para a posição em que um complemento nominal é gerado. Em termos
empíricos, o que os dados do inglês nos mostram é que complementos podem ser
movidos para o início da sentença e adjuntos não:
(9)
a. Of which city did you witness [the destruction]]
a’ De que cidade você presenciou a destruição?
b. *From which city did you meet [the man]]?
b’ *De que cidade você encontrou o homem?
Os exemplos da tradução para o português (9a’) e (9b’) apresentam as mesmas
restrições de extração que as apresentadas para o inglês.
Verifiquemos, ainda, outros exemplos de sentenças do português, em (10), com
deslocamento do complemento nominal, e (11), com o deslocamento do adjunto.
Novamente as restrições de movimento parecem operar:
(10) a. O governo autorizou a pavimentação da rua São José.
b. De que rua o governo autorizou a pavimentação?
(11)
a. Maria comprou uma estante de madeira.
b. * De que material Maria comprou uma estante?
Destruição e pavimentação da forma como foram utilizados nos exemplos
acima, são nomes abstratos e apresentam complementos na forma de sintagmas
preposicionados, os quais, seguindo as análises de Chomsky e Huang, podem ser
extraídos para o início da sentença. Por outro lado, homem e estante, de natureza
concreta, apresentam os adjuntos de que cidade, de madeira, respectivamente, os quais,
como adjuntos, não podem ser movidos para o início da sentença.
O problema é que algumas construções que se combinam com nomes de
natureza concreta também podem ser extraídas, conforme igualmente ocorre com
complementos nominais. Este é o caso, por exemplo, da construção possessiva da Joana
em (12), que, de acordo com o critério concreto/abstrato discutido anteriormente, seria
um exemplo de adjunto e, como tal, se as restrições estruturais observadas em Chomsky
(1986) são operantes no português, não poderia ser movido para o início da sentença.
(12) a. João comeu o bolo [da Joana].
b. De quem (que) João comeu o bolo?
A possibilidade de extração de uma construção possessiva nos leva a refletir
sobre as relações estruturais que tais construções apresentam em relação ao núcleo
nominal de modo que suas possibilidades de extração sejam as mesmas observadas para
extração de complemento e diferente daquelas para adjunto. Se observarmos
atentamente, o que o movimento de constituintes preposicionados nos mostra é que as
construções genitivas em geral podem ser extraídas e daí podemos inferir que essas
construções, independente de sua interpretação temática (como possuidor, tema,
agente), apresentam configurações estruturais semelhantes que lhes permite o
movimento para o início da sentença.
Vou tentar esclarecer melhor. Uma construção genitiva no português pode ser
caracterizada a partir das seguintes propriedades (cf. MILNER, 1982; MÜLLER, 1997):
(13) a. introdução por de;
b. possibilidade de relativização por cujo;
c. não aceitação de pronomes, com a exceção de ele e das “formas de
tratamento” você(s) e a gente;
d. possibilidade de substituição por um pronome possessivo.
Verificando essas propriedades nos sintagmas preposicionados dos exemplos a
seguir, temos que: (14) apresenta uma construção genitiva argumental; (15) apresenta
uma construção genitiva possessiva; (16) apresenta uma construção não argumental e
não genitiva:
(14) a. A destruição [da cidade] abalou a todos.
a’. A cidade, cuja destruição abalou a todos...
a”. A sua destruição abalou a todos.
(15)
a A casa [de João] foi construída.
a’. João, cuja casa foi construída.
a”. A sua casa foi construída.
(16)
a. João comeu o bolo [de chocolate].
a’. *O chocolate, cujo bolo João comeu...
a”. * O seu bolo João comeu.
As construções preposicionadas que são introduzidas por de, mas não são
genitivas, não podem ser extraídas, conforme mostra (17):
(17) a. João comeu o bolo [de chocolate] [da Joana].
b. *De que (que) João comeu o bolo da Joana?
O que esses contrastes de movimento mostram é que existe uma propriedade
comum às construções genitivas, sejam elas interpretadas como possuidor, agente ou
tema, que as difere de outras construções tipicamente adjuntas, como é o caso, por
exemplo, de de chocolate em (17). Como a propriedade de deslocamento é própria de
um elemento numa configuração sintática de complemento, tais construções genitivas,
em termos sintáticos, estão mais para complementos do que para adjuntos.
A construção da Joana em (17a), de acordo com o que foi discutido sobre a
abordagem da gramática normativa, seria classificada como um adjunto adnominal,
levando-se em conta critérios semânticos que excluiriam a possibilidade de bolo ser um
nome transitivo, nos termos em que um nome como destruição é. No entanto, se
pensarmos em termos estruturais, existe alguma propriedade entre essa construção
possessiva e outros complementos nominais que a difere de típicos adjuntos
adnominais.
4. Considerações Finais
O que tentei mostrar brevemente foi o fato de que levando em consideração
fatores de ordem estrutural, sintáticos, o tratamento das construções preposicionadas
pode diferir daquele oferecido pelo viés semântico da forma como é tratado geralmente
em manuais de gramática. Esses manuais, por privilegiarem o tratamento da questão de
adjunto e complemento a partir de uma perspectiva semântica em detrimento de um
tratamento sintático acurado, desconsideram propriedades que colocam num mesmo
grupo construções ora por eles classificadas como complementos ora como adjuntos,
como é o caso das construções genitivas. A questão mais importante, contudo, não é
classificar um sintagma preposicionado em complemento e adjunto de acordo com o
critério x ou y, seja ele um critério sintático ou semântico, mais sim de não tentar a
priori enquadrar as construções da língua dentro dessas duas únicas opções criadas para
acomodar os sintagmas preposicionados que entram em relação com núcleos nominais.
Um estudo das propriedades sintático-semânticas dos diferentes tipos de sintagmas
preposicionais, bem como um estudo da natureza da preposição que os encabeça seria
mais produtivo em termos de reflexão, descrição e explicação de como se dá a estrutura
da língua. O que tentei oferecer neste texto foi, algumas reflexões sobre como vem
sendo realizado o tratamento da questão nos manuais de gramática e apontar caminhos
por onde o estudo sobre a sintaxe das construções nominais, no que concerne a relação
de um nome com um sintagma preposicional, possa se desenvolver.
Referências
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Paulo: Saraiva.
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CHOMSKY, N. (1986). Barries. Cambridge, Mass.: MIT Press.
CUNHA, C. (1986). Gramática da língua portuguesa. Rio de Janeiro: FAE.
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HUANG, C.-T.J. (1982). Logical relations in Chinese and the theory of grammar. Tese
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MACAMBIRA, J. R. (2001). A estrutura morfo-sintática do português: aplicação do
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MILNER, J-C. (1982). Orders et raisons de langue. Paris: Seuil.
MÜLLER, A.L. de P. (1997). A gramática das formas possessivas no português do
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RODRIGUES, R.S. (2000). Testando a distinção tradicional entre complementos e
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SEDRINS. A.P. (2006). A estrutura do sintagma nominal e as propriedades sintáticas de
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Ensaios sobre língua e literatura. Maceió: Edufal.
VIANNA, M. N. Z. (1983). Complemento nominal e adjunto adnominal: por uma
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