Caracterização da diversidade genética do HIV-1 em - IPTSP

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Universidade Federal de Goiás
Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública
Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical
Alexsander Augusto da Silveira
Caracterização da Diversidade Genética do HIV-1 em
Pacientes do Estado do Mato Grosso do Sul
Orientadora: Profª Drª Mariane Martins de Araújo Stefani
Goiânia-G0
2007
Universidade Federal de Goiás
Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública
Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical
Alexsander Augusto da Silveira
Caracterização da Diversidade Genética do HIV-1 em
Pacientes do Estado do Mato Grosso do Sul
Orientadora: Profª Drª Mariane Martins de Araújo Stefani
Dissertação apresentada ao PPGMT/IPTSP/UFG como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre na área de concentração de Imunologia.
Este trabalho foi realizado com o auxílio financeiro do CNPq, processo n° 474174/03-4
Goiânia-G0
2007
DEDICATÓRIA
A minha mãe Zeneida
A minha irmã Cristina
Ao Lucas Augusto
AGRADECIMENTOS
A minha família, Zeneida, Cristina e Lucas, por fazerem parte da minha vida;
A Profa. Dra. Mariane Martins de Araújo Stefani, pela oportunidade do conhecimento e
ensinamentos;
A Profa. Dra. Gisner Pereira, pelo companheirismo, auxílio e experiência;
A Mestre Janaína Bacellar Acioli Lins, pela amizade e experiência de bancada;
A Técnica Ana Maria Visconde, pela grande amizade, momentos difíceis e auxílio em
qualquer situação que eu precisasse;
A mestranda Ângela Viegas, pelas horas de trabalho na bancada;
A Dra. Nádia Maya, pelo auxílio do projeto;
A Profa. Dra. Lucimeire Antonelli da Silveira, pelos momentos de carinho, de alegrias, de
seriedade e experiência;
A Profa. Dra. Fabiana Cristina Pimenta, pelas críticas e sugestões engrandecedoras na
minha qualificação.
A amiga Cristina Rodrigues pelas horas de estudo e companheirismo;
Aos colegas da Imunologia, pelo compartilhamento de informações e momentos de
descontração;
A Deus por cada momento da minha vida.
SUMÁRIO
Lista de Abreviaturas
Lista de Figuras e Tabelas
VII
VIII
Resumo
IX
Summary
XI
1. Introdução
1
1.1 História da Aids no Brasil
1
1.2 Aspectos Clínicos
2
1.3 Origem da Aids e Diversificação do HIV
2
1.4 Estrutura e Características Genômicas do HIV-1
4
1.5 Variabilidade Genética do HIV-1
9
1.5.1 Classificação do HIV-1
9
1.5.2 Mecanismos Responsáveis pela Diversidade Genética do HIV-1
10
1.5.3 Formas Recombinantes do HIV-1
12
1.6 Diversidade Genotípica do HIV-1
13
1.6.1 No Mundo
13
1.6.2 No Brasil
15
1.7 Métodos Empregados Para Identificação das Formas Genéticas do HIV-1
20
2. Justificativa
22
3. Objetivo
23
4. Materiais e Métodos
24
4.1 Grupo de Estudo
24
4.2 Considerações Éticas
24
4.3 Caractarização Genotípica do HIV-1
25
4.4 Extração, Purificação e Quantificação do DNA Genômico de HIV-1 de CMP
26
4.5 Amplificação dos Genes env e gag do DNA Proviral por “Nested-PCR”
27
4.5.1 “Nested-PCR” para Região env
27
4.5.2 “Nested-PCR” para Região gag
28
4.6 Amplificação de Cepas de Referência Contidas em Plasmídeos
29
4.7 Eletroforese em Gel de Agarose 1%
29
4.8 Ensaio da Mobilidade do Heteroduplex (HMA)
30
4.9 Análise Estatística
33
5. Resultados
34
5.1 Características Sócio - Demográficas e Epidemiológicas
34
5.2 Diversidade Genotípica do HIV-1 de Pacientes do MS na Região do Gene env
36
5.3 Diversidade Genotípica do HIV-1 de Pacientes do MS na Região do Gene gag
38
5.4 Diversidade Genética do HIV-1 nos Genes env e gag
40
5.5 Diversidade Genética do HIV-1 Analisadas Segundo Sexo e as Diferentes Categorias de
Exposição
41
6. Discussão
44
7. Conclusões
52
8. Referências Bibliográficas
53
9. Anexos
72
LISTA DE ABREVIATURAS
ARV – Anti-retroviral
CRF – “Circulating Recombinant Form” Forma Recombinante Circulante
CMP – Célula Mononuclear Periférica
EDTA – Ácido Etilenodiaminotetracético
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
HMA “Heteroduplex Mobility Assay” – Ensaio da Mobilidade de
Heteroduplex
LACEN - Laboratório Central
LTCD4+ - Linfócito T CD4+
MS – Mato Grosso do Sul
NIH – “National Institute of Health”
PCR – Reação em Cadeia da Polimerase
PR - Protease
RT-PCR - Reação em Cadeia da Polimerase do Transcrito Reverso
SIDA/aids - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SIV - Vírus da Imunodeficiência Símia
TAE - Tris-Acetato-EDTA
TBE - Tris-Borato-EDTA
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TR - Transcriptase Reversa
UNAIDS “United Nations Programme on HIV/AIDS”- Programa das Nações
Unidas em HIV/aids
URF – “Unique Recombinant Form” Forma Recombinante Única
UDI - Usuário de Droga Injetável
Lista de Figuras e Tabelas
Figuras
Figura 1. Partícula viral do HIV-1
5
Figura 2. Organização genômica do HIV-1
6
Figura 3. Árvore filogenética do HIV-1
10
Figura 4. Distribuição global do HIV-1
19
Figura 5. Fluxograma das etapas de “Nested-PCR”env e HMA env
37
Figura 6. Fluxograma das etapas de “Nested-PCR” gag e HMA gag
39
Tabelas
Tabela 1. Características sócio - demográficas dos pacientes HIV+/AIDS atendidos no
LACEN de Campo Grande – MS
35
Tabela 2. Diversidade Genética do HIV-1 nas regiões env e gag do genoma viral entre os
pacientes estudados
40
Tabela 3. Diversidade do HIV-1 nas regiões de env e gag do genoma viral entre as
categorias de exposição dos pacientes do MS
43
Resumo
Introdução: Uma das principais características do Vírus da Imunodeficiência Humana
Tipo 1 (HIV-1) é o seu extenso polimorfismo genético. O Brasil é um país de dimensão
continental e diferenças na distribuição geográfica dos subtipos do HIV-1 têm sido
relatadas. Até o momento, há pouca informação sobre a diversidade genética do HIV-1 em
pacientes do Centro-Oeste do Brasil.
Objetivos: Caracterizar a diversidade genética do HIV-1 nas regiões de env e gag em
pacientes do estado do Mato Grosso do Sul.
Pacientes e Métodos: 130 pacientes HIV-1+/aids das categorias de exposição sexual
(n=100), parenteral (n=22) e perinatal (n=8) do MS foram recrutados entre Maio de 2004 à
Agosto de 2005, no Laboratório Central de Campo Grande – MS. A diversidade genética
do HIV-1 foi identificada na região de env e gag do genoma viral pelo Ensaio de
Mobilidade do Heteroduplex – HMA (HMA env and HMA gag kits/AIDS Reagent
Program/ NIH/ USA). O DNA genômico foi extraído das células mononucleares
periféricas. Foi realizado “Nested-PCR” para env e gag empregando-se os seguintes pares
de iniciadores: ED5/ ED12 e ED31/ ED33 para a região de env, H1G777/ H1P02 e
H1gag1584/ g17 para a região gag. Cepas de referências inseridas em plasmídeos foram
amplificadas utilizando os iniciadores da segunda etapa do “Nested-PCR”. Híbridos entre
as cepas de referências do HIV-1 e amostras dos pacientes foram analisados por
eletroforese em gel de poliacrilamida 5%, corados por brometo de etídio e fotografados
(câmera digital Kodak DC290) para identificação do subtipo do HIV-1.
Resultados: A população de estudo consistia de 76 homens e 54 mulheres. 94% dos
adultos com idade média de 34 anos. Entre as oito crianças, a idade média foi de 8 anos. O
grupo de estudo incluiu as categorias de exposição sexual (77%), parenteral (17%) e
perinatal (6,2%). Os principais subtipos do HIV-1 identificados nas regiões env e gag por
HMA foram: Benv/ Bgag (54,6%), Fenv/ Fgag (3%), Cenv/ Cgag (1,5%). Aproximadamente 19%
dos isolados de HIV-1 apresentaram subtipos discordantes em env e gag sugerindo
recombinação intersubtipos: Benv/ Fgag (8,5%), Fenv/ Bgag (7,7%), Cenv/ Dgag (0,8%), Cenv/
Bgag (0,8%) e Benv/ Cgag (0,8%). Em 23/130 amostras, o subtipo viral foi identificado em
uma das regiões env ou gag: Benv /?
gag
(2,3%), ? env/ Bgag (15,4%), ? env / Fgag (3%), ? env /
Cgag (1,5%). Entre homens, mulheres e em todas as categorias de exposição observamos
predomínio do subtipo Benv/ Bgag (54,6%). Na categoria de exposição sexual (n=100) foram
observados os isolados com subtipos discordantes Benv/ Fgag (10%), Fenv/ Bgag (10%), Cenv/
Dgag (0,8%), Benv/ Cgag (0,8%), Cenv/ Bgag (0,8%) e isolados Benv/ Bgag (50%), Fenv/ Fgag
(3,4%), Cenv/ Cgag (2,3%).
Conclusões: Análise da diversidade genética em isolados de HIV-1 do MS indicou
predomínio do subtipo Benv/ Bgag. HIV-1 apresentando subtipos discordantes em env/gag,
principalmente subtipos B e F, representaram a segunda forma mais prevalente em
pacientes do MS. Nossos resultados do estado do Mato Grosso do Sul contribuem para o
mapeamento genético molecular do HIV-1 no Centro-Oeste Brasileiro. Extensa
variabilidade genética do HIV-1 com significativa presença de isolados sugestivos de
recombinação intersubipos indicam marcante participação e distribuição de possíveis
formas híbridas na epidemia de aids no Centro-Oeste do Brasil.
SUMMARY
Introduction: One of the hallmarks of the Human Immunodeficiency Virus Type 1 (HIV1) is its extensive genetic polymorphism. Different patterns of HIV-1 subtypes distribution
have been described in distinct geographic regions in Brazil. Up to now, there is scarce
information about HIV-1 genetic diversity among patients from Central West Brazil.
Objectives: To identify HIV-1 subtypes in the env and gag regions circulating among
patients from the State of Mato Grosso do Sul, Central West Brazil.
Patients and Methods: HIV-1+/ AIDS patients (n=130) from sexual (n=100), parenteral
(n=22) and perinatal (n=8) risk exposure groups were recruited from 2004 to 2005 at the
Central Laboratory “LACEN” from Campo Grande/ Mato Grosso do Sul. HIV-1 subtypes
were identified in the env and gag regions of the genome by Heteroduplex Mobility Assay
(HMA env and HMA gag kits/AIDS Reagent Program/ NIH/ USA). Genomic DNA was
extracted from peripheral blood mononuclear cells. Nested PCR for env and gag regions
were performed employing the following pairs of primers: ED5/ ED12 and ED31/ ED33
for the env region and H1G777/ H1P02 and H1gag1584/ g17 for the gag region. Reference
strains inserted into plasmids were amplified using the pairs of primers used in the second
round nested-PCR. Hybrids from amplified products of reference HIV-1 strains and
patients isolates were analyzed by 5% polyacrilamide gels electrophoresis stained with
ethidium bromide and documented (Kodak DC290) for the identification of HIV-1
subtypes
Results: The study population was composed of 76 males and 54 females, mostly adults
(94%) with median age of 34 years. Among children (n=8), the median age was 8 years.
The study group included sexual (77%), parenteral (17%) and vertical transmission (6,2%)
risk exposure categories. The main HIV-1 subtypes identified in the env and in the gag
regions were: Benv/ Bgag (54,6%), Fenv/ Fgag (3%), Cenv/ Cgag (1,5%). Approximately 19% of
the samples had discordant env/ gag subtypes which is suggestive of intersubtype
recombination: Benv/ Fgag (8,5%), Fenv/ Bgag (7,7%), Cenv/ Dgag (0,8%), Cenv/ Bgag (0,8%) and
Benv/ Cgag (0,8%). For 23 samples HIV-1 subtypes were identified in one region only: Benv
/Undefined gag (2,3%), Undefined env/ Bgag (15,4%), Undefined env/ Fgag (3%), Undefined
env/ Cgag (1,5%). Among men, women and all risk categories Benv/ Bgag (54,6%) subtype
predominated. Among sexual category HIV-1 isolates with discordant env/gag subtypes
were found: Benv/ Fgag (10%), Fenv/ Bgag (10%), Cenv/ Dgag (0,8%), Benv/ Cgag (0,8%), Cenv/
Bgag (0,8%) and isolates Benv/ Bgag (50%), Fenv/ Fgag (3,4%), Cenv/ Cgag (2,3%).
Conclusions: The study of HIV-1 genetic diversity among isolates from MS indicated the
predominance of Benv/ Bgag followed by viruses with discordant subtypes in the env and gag
regions, mainly subtypes B and F. These results from MS contribute to the molecular
mapping of HIV-1 in Central West Brazil. Extensive HIV-1 genetic diversity and a
significant proportion of viruses suggestive of intersubtype recombination indicate
extensive and wide participation of hybrid forms in the Brazilian AIDS epidemic in the
Central West region.
1. Introdução
1.1 História da Aids no Brasil
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida-SIDA/aids foi primeiramente descrita
no Brasil, na década de 80 em indivíduos jovens homossexuais do sexo masculino, na
região Sudeste do país. Em seguida expandiu-se para as outras regiões brasileiras e para
outros grupos populacionais (usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, crianças nascidas
de mães infectadas e mulheres com parceiros infectados) (Ministério da Saúde 2005). A
partir da década de 90 observou-se a disseminação da epidemia em países em
desenvolvimento, pela via sexual entre parceiros heterossexuais e acometendo cada vez
mais um número maior de mulheres em idade reprodutiva (Reiche et al. 2005).
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de 2005, no
Brasil, desde o início da epidemia em 1980 até o ano de 2005, foram notificados 371 mil
casos de aids. No país, 172 mil óbitos já foram notificados até dezembro de 2004. A região
Sudeste concentra o maior número de casos notificados no país com (64,97%), seguido pela
região Sul (17,53%), Nordeste (9,50%), Centro-Oeste (5,58%) e Norte (2,42%).
Atualmente observa-se um declínio da taxa de incidência na região sudeste, com um
aumento de casos de aids na região Norte e Centro – Oeste (Ministério da Saúde 2005).
1.2 Aspectos Clínicos
A fase inicial da infecção pelo HIV ou fase inicial aguda é geralmente
assintomática, caracterizada pela alta replicação viral e pela ausência de anticorpos contra
os epítopos virais. Após a fase aguda, o indivíduo entra em uma fase de latência clínica,
que pode durar até 10 anos, representada por uma progressiva queda no número de
linfócitos T CD4+ e manutenção da carga viral. Com o passar do tempo, a doença evolui
para aids. Uma das principais características clínicas da aids é a imunossupressão,
caracterizada pela destruição das células T CD4+. Estas células são responsáveis pela
estimulação e manutenção da imunidade adquirida celular e humoral frente a vários
microrganismos, além da ativação das células do sistema imune (Sepkowitz 2001). Como
conseqüências deste processo, podem ocorrer infecções oportunistas (infecções bacterianas,
toxoplasmose, infecções fúngicas), caquexia, neoplasias (sarcoma de kaposi) e degeneração
do Sistema Nervoso Central (Simon et al. 2006).
1.3 Origem da Aids e Diversificação do HIV
A aids é causada por um retrovírus da família Retroviridae, do gênero Lentivirus
denominado Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Após o relato dos primeiros casos
de aids, no início da década de 80, o HIV foi isolado em pacientes com linfadenopatia
(hiperplasia dos linfonodos) persistente. Dois grupos independentes de pesquisadores, um
norte americano e outro francês liderados respectivamente por Robert Gallo e Luc
Montaigner, disputaram cientificamente sobre a nova descoberta (Barré-Sinoussi et al.1983,
Gallo et al. 1984, Levy et al.1984, Popovic et al.1984, Clavel et al.1986).
Em 1986, um outro tipo de retrovírus associado à imunodeficiência humana foi
encontrado em pacientes com AIDS na África Ocidental e foi denominado HIV-2 (Clavel
et al. 1986). Os dois tipos de HIV (HIV-1 e HIV-2) possuem organização genômica,
morfologia e tropismo celular semelhantes, porém diferem entre si, quanto à
transmissibilidade, à virulência e à distribuição geográfica (Clavel et al. 1986, Hu et al.
1996). O HIV-1 é o responsável pela pandemia global e o HIV-2 é responsável por
microepidemias restritas à África, Europa, Ásia e Estados Unidos (Hu et al. 1996).
Vários tipos de vírus da imunodeficiência símia (SIV) infectam diferentes espécies
de primatas. A análise filogenética indica que provavelmente HIV e SIV derivam de um
ancestral comum, o qual sofreu diversificação ao longo do tempo, até as formas circulantes
dos HIVs atuais (Barré – Sinoussi 1996). Estudos relacionados à origem do HIV apontam
que os dois tipos de HIV foram introduzidos na espécie humana por episódios distintos de
transmissão zoonótica. Os chimpanzés da subespécie Pan troglodytes troglodytes são
considerados os reservatórios naturais do SIVcpz, vírus que originou o HIV-1. Macacos da
espécie Sooty mangabey são considerados os reservatórios naturais do SIVsm, que se
relaciona filogeneticamente com o HIV-2 (Zhu et al. 1998). Entre as prováveis causas que
facilitaram a disseminação do HIV-1, pode-se citar o desenvolvimento global e as
modificações sociais, verificados após a 2ª Guerra Mundial (Perrin et al. 2003, Thomson et
al.2002 a). O aumento da densidade populacional e a mudança de hábitos sexuais, como a
comercialização do sexo, foram as prováveis causas da disseminação e diversificação do
HIV-1. As primeiras campanhas de vacinação em massa em países Africanos, com
compartilhamento de seringas podem ter contribuído para a disseminação do HIV-1
(Thomson et al.2002 b).
Estudos de sequenciamento e análise filogenética de diversos segmentos dos genes
virais e do genoma completo têm fornecido evidências sobre o processo de diversificação
genética do HIV-1. A maioria dos estudos moleculares refere-se ao HIV-1 do grupo M,
devido a sua importância global, principalmente nas Américas e no Oeste Europeu (BarréSinoussi 1996, Sharp et al 2000, Korber et al. 2000). A análise filogenética de uma amostra
de plasma datada de 1959, de um marinheiro que vivia na atual República Democrática do
Congo – África Central, indicou o caso mais antigo de infecção pelo HIV-1 na espécie
humana (Zhu et al. 1998).
1.4 Estrutura e Características Genômicas do HIV-1
A partícula viral do HIV-1 (Figura 1) é esférica, composta de uma membrana
bicamada lipídica, possui uma matriz protéica (composta pela proteína p17), capsídeo viral
(composto pela proteína p24), nucleocapsídeo (composto pelas proteínas p7/p9), duas fitas
simples de RNA genômico (ambas de sentido positivo, com 9,2 Kb de extensão) e as
enzimas virais (transcriptase reversa, integrase e protease) (Barre-Sinoussi et al. 1983).
Figura 1. Partícula viral do HIV-1.
O genoma do HIV-1(Figura 2) é composto por três genes estruturais, os genes gag,
pol e env. Além dos genes estruturais, o seu genoma contém um conjunto de genes
acessórios e reguladores que controlam a replicação do vírus: os genes vif, vpr, vpu, tat, rev
e nef (Barre-Sinoussi et al. 1983, Doolittle et al. 1990). De modo geral, estes genes
controlam a replicação do HIV-1, seja ativando a transcrição do seu genoma (gene tat),
promovendo a exportação do RNA mensageiro viral do núcleo para o citoplasma (gene rev)
ou potencializando a infectividade dos vírions e a liberação dos mesmos para fora da célula
infectada (vif e vpu) (Barre-Sinoussi F 1996, Kuiken et al. 2000).
Figura 2. Organização genômica do HIV-1. (MA = matrix, CA = capsídeo, NC = núcleo
capsídeo, PR = protease, RT = transcriptase reversa, IN = integrase, SU = superfície, TM =
região transmembrânica).
As regiões LTR (Repetições Terminais Longas) estão localizadas nas duas
extremidades do genoma dos retrovírus e são importantes para a regulação da transcrição
dos provírus (moléculas de DNA virais produzidas por transcrição reversa e integradas nas
células do hospedeiro). O gene pol, por sua vez, codifica as enzimas transcriptase reversa,
protease e integrase. Estas enzimas são produzidas como uma poliproteína gag-pol
precursora que posteriormente é processada e clivada pela protease viral. O gene gag
codifica as proteínas que compõem o capsídeo viral, uma proteína precursora de 55kDa a
qual, durante a replicação do vírus, é clivada pela protease viral, dando origem às proteínas
p24, p17, p7 e p6 (Figura 2). A proteína p17 compõe a matriz viral e é encontrada logo
abaixo do seu envelope. A proteína p24 forma o nucleocapsídeo, no interior do qual estão
localizadas as duas fitas simples de RNA. As proteínas p7 e p6 estão associadas ao material
genético do vírus. Os genes gag e pol são mais conservados que o gene env (Barre –
Sinoussi 1996).
No HIV-1, o gene env codifica uma glicoproteína precursora de 160 kDa,
denominada de gp160, que é clivada por enzimas celulares em gp120 e gp41, que são
ligadas não-covalente e encontram-se inseridas no envelope da partícula viral, mediante a
gp41 (glicoproteína transmembrana). A gp120 apresenta-se exposta na membrana ancorada
na gp41 em uma forma de trímero. Como para outros vírus, as glicoproteínas do envelope
representam as estruturas mais externas da partícula viral e são os principais alvos da
resposta imune do hospedeiro. Conseqüentemente, estas moléculas, e naturalmente o gene
env que as codificam, se caracterizam por uma grande variabilidade. Contudo, esta
diversidade não está homogeneamente distribuída ao longo do gene e de seu produto, a
glicoproteína precursora gp160 (Cao & Walker 2000).
Estudos de sequenciamento da estrutura primária e análises das estruturas
secundária e terciária indicam que a gp120 pode ser subdividida em regiões constantes e em
regiões de grande variabilidade, as quais codificam importantes epítopos reconhecidos por
anticorpos neutralizantes e por linfócitos T citotóxicos (Cao & Walker 2000, BarréSinoussi 1996). As regiões constantes receberam os nomes de C1 a C6, enquanto as regiões
hipervariáveis foram designadas de V1 a V5 (Modrow et al. 1987, Starcich et al. 1986,
Willey et al. 1986).
O sítio de interação da gp120 viral à molecula CD4 da célula hospedeira é
representado pelos domínios variáveis V1, V2 e V3. A interação com o receptor primário,
molécula CD4, promove uma modificação conformacional na molécula gp120,
favorecendo consequentemente sua ligação com a molécula co-receptora que podem ser os
receptores para quimiocinas, sendo os mais importantes os receptores CCR5 e CXCR4.
Após interação com receptor primário e co-receptor, a gp120 sofre alteração
conformacional, expõe a molécula transmembrana gp41 com ativação de peptídeos
fusogênicos, o que promove a fusão do envelope viral com a bicamada lipídica da célula
hospedeira (Cao & Walker 2000).
Outros receptores para quimiocinas, como CCR1, CCR2b, CCR3, CCR8, dentre
outros, também podem funcionar como co-receptores e participar do processo de infecção
pela célula alvo (Levy 1996, Rucker et al. 1996). De acordo com o tropismo das partículas
virais para os receptores de quimiocinas CCR5, presentes nos macrófagos, células
dendríticas e CXCR4 presentes nos Linfócitos T CD4+, os vírus são classificados em cepas
R5 com tropismo para o co-receptor de quimiocina CCR5, expressos em macrófagos ou
cepas X4 com tropismo para o receptor secundário CXCR4, expresso em LTCD4+. Além
disso, as cepas com duplo tropismo para CCR5 e CXCR4 são denominadas de cepas R5X4
(Levy 1996, Cilliers & Morris 2002).
1.5 Variabilidade Genética do HIV-1
1.5.1 Classificação do HIV-1
Uma das características marcantes do HIV-1 é a sua extensa diversidade genética.
De acordo com as seqüências de nucleotídeos nos genes ou de aminoácidos nas proteínas
das regiões env e gag, o HIV-1 pode ser classificado em três grupos filogeneticamente
distintos: o grupo M “major”, Grupo O “outlier” e o grupo N “non-M, non-O”. O grupo M
possui nove subtipos denominados A, B, C, D, F, G, H, J, K e quatro sub-subtipos
denominados A1, A2, F1, F2. Os subtipos do HIV-1, do grupo M, são os responsáveis pela
epidemia de aids no mundo (Nájera et al. 2002, Thomson et al. 2002b) (Figura 3). O HIV-1
dos grupos O e N são geneticamente distintos do grupo M e são restritos geograficamente
ao continente Africano (UNAIDS 1997a e b, Robertson et al. 2000). O vírus do grupo N foi
identificado na República de Camarões, com alguns casos esporádicos em países da Europa
e Américas, em indivíduos com vínculo epidemiológico com o continente Africano (Simon
et al. 1998).
Figura 3. Árvore filogenética do HIV-1: grupo M e seus respectivos subtipos, grupo O e
grupo N.
1.5.2 Mecanismos Responsáveis pela Diversidade Genética do HIV-1
Entre as principais causas da diversidade genética do HIV-1, pode-se citar o fato da
enzima transcriptase reversa (TR) não possuir capacidade de correção das fitas recém
originadas (Domingo 1998). Assim, durante o processo de replicação viral, pode ocorrer
uma falha na transcrição, resultando em substituição de nucleotídeos e com geração de
formas genéticas diversas e complexas (Domingo et al. 1997, Domingo 1998). Outro
mecanismo que pode contribuir para a diversificação genética é a elevada capacidade
replicativa do HIV-1, que gera em torno de 1010 partículas virais por dia (Ho et al. 1995,
Markowitz et al. 2003).
Além dos erros na incorporação de nucleotídeos mediados pela transcriptase reversa e
da alta taxa de replicação viral, outro processo que pode contribuir para a diversidade, é a
recombinação genética (Nájera et al. 2002). A recombinação genética entre diferentes
subtipos, pode ocorrer quando uma célula hospedeira é infectada simultaneamente por
partículas virais geneticamente distintas (co-infecção). Além da co-infecção, a
superinfecção pode ocorrer com infecções seqüenciais, envolvendo pelo menos dois
eventos de transmissão, por esses vírus geneticamente distintos. Em casos de co-infecção
ou superinfecção com vírus geneticamente distintos, durante a transcrição reversa, a enzima
transcriptase reversa pode “saltar” de uma fita de RNA de um vírus para outra fita de outro
vírus geneticamente distinto. Este processo favorece a produção de genomas mosaicos e
heterozigotos (Hu & Temin 1990, Nájera et al. 2002).
Como conseqüência da elevada taxa de erros das enzimas virais, genomas mutantes
podem ser gerados durante a replicação dos vírus RNAs. Desta forma, as populações virais
que se replicam em um hospedeiro são extremamente dinâmicas e heterogêneas, compostas
de variantes relacionadas, porém não idênticas, conhecidas como “quasispecies” (Domingo
et al. 1985, Overbaugh & Bangham 2001).
1.5.3 Formas Recombinantes do HIV-1
Recombinações genéticas fazem parte do mecanismo normal de replicação dos
retrovírus e desempenham importante papel na diversidade viral (Jost et al. 2002). O
potencial de variabilidade genética, devido as recombinações, confere aos retrovírus a
capacidade de responder rapidamente a pressões seletivas, de base imunológica ou
farmacológica (Moutouh et. al. 1995, Tumas et al.2001).
No HIV-1, as recombinações podem ocorrer entre diferentes fragmentos de um
mesmo subtipo (recombinação intrasubtipo), entre diferentes subtipos (recombinação
intersubtipo) ou ainda entre diferentes grupos (recombinação intergrupo) (Nájera et al.
2002).
Eventos de recombinação entre variantes genéticas distintas, infectando uma única
célula de um indivíduo têm originado diferentes CRFs “Circulating Recombinant Forms Formas Recombinantes Circulantes” ou URFs “ Unique Recombiant Forms – Formas
Recombinantes Únicas” . Até Dezembro de 2006, trinta e quatro “CRFs” capazes de gerar
microepidemias foram identificados (Los Alamos 2006). Existem diversas cepas do HIV-1
definidas de URFs, vírus mosaicos que não constituem classe ou relação filogenética
estabelecida que foram encontrados em um único indivíduo ou em mais de um indivíduo
com vínculo epidemiológico (Nájera et al.2002, Los Alamos 2006). Formas recombinantes
do HIV-1, CRFs e URFs, vêm ocupando papel cada vez mais importante na epidemia da
aids em todo mundo. No momento, considera-se que é pouco provável que novas variantes
genéticas, não híbridas, sejam descritas (Nájera et al. 2002, Leitner et al. 2005, Los Alamos
2006).
Para identificar novas CRFs é necessário que as sequências completas ou quase
completas dos genomas dos HIV-1 sejam comparadas filogeneticamente com subtipos
distintos em diferentes regiões do genoma. Além disto, seqüências idênticas de
nucleotídeos do HIV-1 recombinante devem ser identificadas, em pelo menos, três
indivíduos sem vínculo epidemiológico (Blackard et al. 2002, Los Alamos 2006). Desta
forma, cada CRF é definida como uma classe filogenética bem estabelecida, favorecendo a
disseminação da epidemia da aids em diferentes regiões do mundo (Robertson et al. 2000).
1.6 Diversidade Genotípica do HIV-1
1.6.1 No Mundo
Em uma escala global, as formas genéticas do HIV-1 mais prevalente são o subtipo
C, o subtipo A (sub-subtipo A1), B e o CRF02_AG (Osmanov et al. 2002). A maior
diversidade de seqüências de HIV-1 é observada em países do Continente Africano. Na
África sub-Saariana estão presentes todos os variantes do vírus (incluindo os grupos O e
N), sendo que a maior variedade de subtipos do grupo M é encontrada na África Central
(Camarões, Gabão, República Democrática do Congo). A presença de todos os subtipos do
grupo M e de diversas formas recombinantes na África Central corrobora a hipótese de que
a introdução e diversificação inicial do HIV-1, na espécie humana, ocorreram nesta região
(Vidal et al. 2000). Apesar da grande variabilidade observada entre os isolados de HIV-1
Africanos, em quase toda a África sub-Saariana a epidemia é dominada pelo subtipo A
(incluindo a forma recombinante CRF02_AG) e o subtipo C (Janssens et al. 1997;
Osmanov et al. 2002).
A epidemia pelo HIV-1 no Continente Americano e Europa Ocidental foi
introduzida pelo subtipo B. Outros subtipos do HIV-1, como C, D, F e a CRF01_AE,
provavelmente foram introduzidos nestas regiões através do contato sexual por turistas,
imigrantes e usuários de drogas (Thomsom et al. 2001, Weidle et al. 2000). Nos Estados
Unidos, além do HIV-1 subtipo B, também circulam os subtipos A, D, F e vírus CRF01_
AE (Weidle et al. 2000). Na Europa Ocidental quase todos os subtipos são encontrados,
mas as variantes não-B, como os subtipos C, A e CRF01_AE foram identificadas
principalmente em imigrantes (Thomson et al. 2001, Esteves et al. 2002).
Nos países da América do Sul, como Argentina, Uruguai, Venezuela e Bolívia,
observa-se o predomínio do subtipos B, seguido pelo subtipo F e a CRF12_BF ( Figura 4)
(Russell et al. 2000, Thomson et al. 2000, Carr et al. 2001, Sa Filho et al. 2005).
Nos países do continente Asiático e da Europa Oriental, de modo geral, os casos de
infecção
pelo
HIV-1,
adquiridos
por transmissão
homossexual
são atribuídos
principalmente ao subtipo B, enquanto as infecções na população heterossexual estão
relacionadas a diversos subtipos, como A, C, D, F e G (Bobkov et al. 1996). Vírus
recombinantes (CRF07_BC, CRF08_BC) foram encontrados na China em usuários de
drogas injetáveis. Na Índia observa-se o predomínio do HIV-1 subtipo C e na Tailândia, no
Japão, na Koréia e na China a CRF01_AE, foi introduzida por prostitutas, no final da
década de 80. Mais tarde a forma recombinante CRF01_AE foi observada em usuários de
drogas infectados (Bobkov et al. 1998, Mayer et al. 1998).
1.6.2 No Brasil
Os primeiros estudos sobre epidemiologia molecular do HIV-1 no Brasil foram
realizados no início da década de 90 e tinham como alvo a identificação da diversidade na
região de envelope viral (alça V3 da gp120). Esses estudos mostraram que provavelmente a
epidemia no Brasil tenha se originado pela introdução do subtipo B, atribuindo-se a esse
“efeito fundador”no sudeste brasileiro, mais especificamente nos estados de São Paulo e do
Rio de Janeiro (Couto-Fernadez et al. 1992, Galvão – Castro 1996). Estudos genotípicos do
HIV-1 realizados principalmente em pacientes das regiões sul e sudeste do Brasil revelaram
o predomínio do subtipo B, seguido dos subtipos F, recombinantes B/F e subtipo C, que é
mais freqüente na região sul do país. Formas recombinantes B/D e mais recentemente
alguns casos de infecção pelo HIV-1 subtipo D foram descritos (Tanuri et al. 1999,
Guimarães et al. 2002, Morgado et al. 2002, Soares et al. 2003, Couto – Fernandez et al.
2006).
Uma seqüência de aminoácidos particular no topo da alça V3 do gene env do
subtipo B foi descrita no Brasil. Nessas variantes o aminoácido prolina, encontrado na
segunda posição do motivo GPGR, extremamente conservado nos diferentes subtipos que
circulam na epidemia mundial, está substituído pelo triptofano gerando o padrão de
assinatura GWGR (Potts et al. 1993, Morgado et al. 1994, Kuiken et al. 2000).
Em um estudo realizado em isolados de 31 pacientes de Manaus-AM, o
sequenciamento da região de envelope C2V3 indicou circulação dos subtipos B, subtipo F e
recombinantes B/F (Vicente et al. 2000). Em 2003 Gadelha et al. em um estudo realizado
no nordeste brasileiro com 149 pacientes do Ceará, pela técnica HMA env e gag, mostrou a
predominância do subtipo B (94%), com uma menor prevalência do subtipo F (2,7%) e B/F
(2,7%).
Estudos em mães infectadas com HIV-1, da cidade portuária de Rio Grande – RS,
mostraram a prevalência do subtipo C (70%), pelo sequenciamento da região env do
genoma do HIV-1. Estudo anterior com 120 amostras, também analisando região env do
genoma do HIV-1, de pacientes do Sul e Sudeste do país, mostrava a porcentagem de 22%
do subtipo C. Esses estudos têm indicado o aumento da prevalência do subtipo C nas
regiões sul e sudeste do país (Soares et al. 2003, Martinez et al. 2006).
Amostras de HIV-1 coletadas entre 1992 a 2001, em vários estados brasileiros,
foram sequenciadas parcialmente em suas regiões da TR e da protease e comparadas com
outras seqüências de amostras coletadas na África do Sul entre 1990 a 2002. As análises
estatísticas deste estudo mostraram que o subtipo C vem se disseminando mais rapidamente
do que o subtipo B no Brasil ou em relação ao subtipo C da África do Sul. Estes dados
sugerem que o HIV-1 subtipo C pode tornar-se o subtipo predominante em todo país, como
exemplo da sua prevalência no sul do país. O subtipo C apresenta uma maior variabilidade
no Brasil em relação à África do Sul, uma vez que o tratamento com os anti – retrovirais
(ARVs) causa uma pressão seletiva nestas cepas circulantes no Sul e Sudeste do país
(Salemi et al. 2005).
O HIV-1 subtipo D puro foi descrito no Brasil em um estudo realizado no Estado do
Rio de Janeiro, em cinco amostras colhidas entre 1996 a 2005. O sequenciamento completo
ou parcial desses genomas indicou que o subtipo D no Brasil possui estreita relação com os
subtipos D encontrados na África do Sul, mostrando que provavelmente o subtipo D
circulante no Brasil tenha se originado na África do Sul (Couto-Fernandez et al. 2006).
O primeiro caso de recombinação intersubtipo do HIV-1 foi descrito no Brasil, na
cidade do Rio de Janeiro, em 1994, compreendendo a forma recombinante BF identificada
em dois parceiros sexuais (Sabino et al. 1994). Uma freqüência aumentada de
recombinantes intersubtipos do HIV-1, especialmente BF tem sido descrita em estudos
subseqüentes (Carr et al. 2001, Bongertz et al. 2002, Guimarães et al. 2002, Sa Filho et al.
2006).
Um estudo recente realizado com 11 amostras recombinantes BF provenientes da
cidade de Santos – SP relatou a presença de dois novos CRFs (CRF28_BF e CRF29_BF)
no Brasil. O sequenciamento completo do genoma viral e a análise filogenética dessas
amostras indicou a presença
de 2 novas CRFs, uma delas
denominada CRF28_BF
circulante na região de Santos. A outra nova CRF identificada foi denomida CRF29_BF e
foi encontrada em pacientes da cidade de Santos, São Paulo e Rio de Janeiro (Sa Filho et al.
2006). O primeiro CRF encontrado na América do Sul foi o CRF12_BF identificado na
Argentina (Thomson et al. 2000). A descoberta de duas formas recombinantes circulantes
brasileiras (CRF28_BF e CRF29_BF) claramente indicam que a epidemia pelo HIV-1 no
país é bem mais complexa do que se pensava (Sa Filho et al. 2006, Sanabani et al. 2006).
Outro estudo recente selecionou 14 amostras coletadas em indivíduos da cidade de
São Paulo para analise de mutações associadas a resistência a anti - retrovirais. O
sequenciamento completo do genoma viral destas 14 amostras, indicou 8 novas formas
recombinantes envolvendo os subtipos B e F (Sanabani et al. 2006).
O mapeamento genético molecular do HIV-1 em pacientes da região Centro –
Oeste, mais especificamente no estado de Goiás, vem sendo realizado pelo grupo de
pesquisa do Laboratório de Imunologia da Aids e Hanseníase do IPTSP/UFG. Mediante a
utilização do Ensaio de Mobilidade do Heteroduplex (HMA) para as regiões de env e gag,
do genoma do HIV-1, a diversidade genética do HIV-1 tem sido avaliada em diferentes
grupos populacionais incluindo gestantes, pares de mãe/ filhos infectados pela via vertical e
pacientes co-infectados com diferentes patógenos como Mycobacterium leprae,
Mycobaterium tuberculosis e o vírus da hepatite C (Álvares Jr 1999, Ferro MO 2000,
Stefani et al 2000, Alcântara 2003, Pereira et al. 2004, Lins 2005, Pereira et al. 2006). Os
resultados destes estudos indicam predominância do subtipo B, seguido pelo subtipo F e
isolados com subtipos discordante B/F, em env e gag. Esses estudos também indicam a
introdução e circulação do HIV-1 subtipo C, na região Centro – Oeste do país. Além dos
isolados com subtipos discordantes B/F, outros isolados com subtipos discordantes em env
e gag foram detectados: B/D, F/B, B/C (Stefani et al 2000, Alcântara 2003, Pereira et al.
2004, Lins 2005, Pereira et al. 2006).
Figura 4. Distribuição global dos subtipos do HIV-1, com ênfase especial nos
países da América do Sul. Subtipos e variantes são indicados com letras maiúsculas e em
negrito (Morgado et al. 2002).
1.7 Métodos Empregados para Determinação da Diversidade Genética do HIV-1
Um dos métodos de triagem molecular do HIV-1, melhor padronizado e mais
difundindo é o Ensaio da Mobilidade do Heterodoplex (HMA). Esse método permite a
identificação do subtipo viral nos genes gag e env, do HIV-1 do grupo M, dos subtipos de
A até o H (Delwart et al.1993, Heyndrickx et al. 2000).
Outro método utilizado para triagem molecular do HIV é o Ensaio de Hibridização
de Multi – Regiões (Multi Hibridization Assay -MHA) que representa uma alternativa para
a genotipagem do HIV-1 em países em desenvolvimento. O MHA parece uma boa opção
de triagem, principalmente onde haja uma co – circulação de diferentes subtipos virais com
potencial e formação de vírus recombinantes inter–subtipos (Hoelscher et al. 2002). Este
ensaio baseia–se na amplificação de pequenas regiões do genoma do HIV-1 por “nestedPCR” e na hibridização desses produtos com sondas subtipo – específicas, marcadas com
fluoresceína. As sondas para os diferentes subtipos e CRFs são hibridizadas em separadas
etapas de PCR, para cada sonda subtipo-específica (Hoelscher et al. 2002, Kijak et al.
2006).
O sequenciamento de nucleotídeos é considerado o “padrão ouro” para estudos de
diversidade genética do HIV-1. Programas de computação para análise de seqüências de
nucleotídeos e identificação de recombinações, tais como “Simplot” ou “Programa de
Identificação de Recombinação (RIP)”, são ferramentas úteis no estudo da diversidade do
HIV-1. Estes programas permitem a análise de similaridades genômicas ou relações
filogenéticas com seqüências de referências dos subtipos do HIV-1. Sequenciamento e a
análise filogenética, não só permitem a identificação do subtipo do HIV-1, como também
possibilitam relações filogenéticas entre seqüências virais de diferentes áreas geográficas
(Thomson et al. 2002b, Los Alamos 2006).
2. Justificativa
O Brasil é um enorme país com dimensão geográfica continental. A grande maioria
dos estudos sobre diversidade genética do HIV-1 tem sido realizada nas regiões Sul e
Sudeste do país. Pouco se conhece sobre a diversidade genética do HIV-1 na região
Centro–Oeste do Brasil, particularmente no estado do Mato Grosso do Sul - MS.
O MS representa importante pólo agropecuário, conta com um expressivo
contingente de imigrantes e possui uma localização estratégica, representando importante
rota de entrada de drogas no país, nas fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Todos esses
fatores podem influenciar a diversidade do HIV-1 circulante nesse estado Brasileiro.
Os nossos resultados sobre a caracterização dos subtipos de HIV-1 circulantes em
pacientes do Estado do Mato Grosso do Sul podem contribuir para o mapeamento genético
molecular do HIV-1 no país. O conhecimento sobre a diversidade do HIV-1 tem impacto
para os testes laboratoriais (sorologia e carga viral) e pode ser importante para o desenho de
vacinas (Morgado et al. 2002, Thomson et al. 2002b).
3. Objetivo
O objetivo do estudo foi caracterizar a diversidade genotípica do HIV-1
considerando as regiões env e gag do genoma viral pela técnica do Ensaio da Mobilidade
do Hetroduplex (HMA) em pacientes HIV-1+/aids, recrutados no Laboratório Central em
Campo Grande-MS.
4. Materiais e Métodos
4.1 Grupo de Estudo
O grupo de estudo consistiu de 130 pacientes infectados pelo HIV-1, recrutados no
Laboratório Central (LACEN) de Campo Grande/ Mato Grosso do Sul entre maio de 2004
a agosto de 2005, com base na demanda espontânea, para testes de carga viral e contagens
de LTCD4+.
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos
pacientes ou responsáveis legais, foram colhidos 5mL de sangue venoso periférico em tubo
vacuntainer-EDTA (Becton e Dickinson, San Jose – CA, USA). As amostras de sangue
total foram aliquotadas e enviadas sob refrigeração ao Laboratório de Imunologia da Aids e
Hanseníase, no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de
Goiás onde foram estocadas a -80°C até o processamento.
4.2 Considerações Éticas
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana e Animal do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás e recebeu financiamento do CNPq
(número do processo: 474174/03-4).
Os pacientes que assinaram o TCLE foram entrevistados utilizando-se formulário
padronizado contendo informações sócio – demográficas e epidemiológicas, como idade,
sexo, procedência, nível de escolaridade, categoria de exposição e uso de anti-retrovirais.
4.3 Caracterização Genotípica do HIV-1
A caracterização genotípica do HIV-1 foi realizada mediante a utilização do Ensaio
de Mobilidade do Heteroduplex (HMA), tendo como regiões alvo parte dos genes env e gag
(Delwart et al.1993, Heyndrickx et al. 2000). O ensaio de HMA foi realizado utilizando-se
iniciadores e plasmídeos contendo DNA de cepas de referências fornecidos pelo “AIDS
Reagent Program” do “National Institute of Health (NIH)/AIDS Research and Reference
Reagent Program, USA”. O HMA e a identificação do subtipo do HIV-1 foram realizados
segundo protocolo do “AIDS Reagent Program”, “Heteroduplex Mobility Analysis – HIV
env Subtyping Kit Protocol version 5” (Mullins 1995) e “HIV-1 group M gag Heteroduplex
Mobility Analysis (HMA) Subtyping Kit” (Heyndrickx et al. 2002). O HMA baseia-se na
mobilidade eletroforética de híbridos de DNA obtidos mediante a associação de DNA
proviral do HIV-1 de pacientes com seqüências de DNA de cepas de referências. A técnica
de HMA consiste em três etapas principais: A. extração do DNA genômico do HIV-1 pela
lise de células mononucleares de sangue periférico (CMP); B.amplificação das regiões
alvos por “nested-PCR” para gerar fragmentos de DNA; C. hibridização do produto
amplificado de HIV-1 de pacientes com fragmentos de cepas de referências. Os híbridos
formados são analisados por eletroforese em gel de poliacrilamida 5%, corados por
brometo de etídio e analisados sob luz ultra -violeta.
4.4 Extração, Purificação e Quantificação do DNA Genômico de HIV-1 de CMP
Para obtenção do DNA genômico a partir de sangue total, inicialmente são lisadas
as hemáceas e em seguida as células mononucleares periféricas (CMP). Sangue total
(500µL) foi acrescentado a 2mL de solução lítica (solução A: Triton X-100, MgCl2 1M,
Tris HCl 1M e Sucrose 1 M) para lise das hemáceas, depois centrifugado a 4.000 rpm por
15 minutos. A lise das células mononucleares periféricas foi realizada pela utilização de
1mL da solução lítica DNAzol – Tiocianato de guanidina, Isocianato de guanidina,
Monotiocianato de guanidina e ácido tiocianato (Molecular Research Center Inc.Cincinatti,
Ohio, USA), que é uma solução detergente a base de guanidina. Aguardou-se 15 minutos
para a lise das CMPs.
O DNA genômico foi precipitado com 500 µL de etanol 100%, resfriado a -80° C
durante 1 hora. O material foi centrifugado a 14.000 rpm em temperatura ambiente durante
25 minutos. O precipitado foi lavado duas vezes com etanol 80%, secado a 60°C por 30
minutos e solubilizado com um volume de 50µL de tampão Tris-EDTA 1X (Tris HCl 1M,
pH 8,0 e EDTA 0,1 M).
A concentração e o grau de pureza do DNA genômico foram mensurados através do
quantificador de RNA e DNA (Amersham Pharmacia Biotech - GeneQuant RNA/DNA
Calculator, Cambridge, GMBH) em amostra diluída 1:20 em água ultrapura (Mili-Q® Milli-Q Academic, Gradient, Biocel Synthesis, São Paulo, Brasil). De acordo com as
recomendações do protocolo do AIDS Reagent Program/NIH/USA foi utilizado
aproximadamente 1µg de DNA genômico por reação de amplificação.
4.5 Amplificação dos Genes env e gag do DNA Proviral por “Nested-PCR”
4.5.1 “Nested-PCR” para a Região env
“Nested-PCR” consiste em amplificação em duas etapas, que visa a geração de
quantidades suficientes de fragmentos do DNA proviral para a realização do HMA. A
primeira etapa de amplificação para env empregou os iniciadores ED5 (5’
ATGGGATCAAAGCCTAAAGCCATGTG
3’)
e
AGTGCTTCCTGCTGCTCCCAAGAACCCAAG 3’) que
ED12
(5’
amplificam um fragmento
gênico de aproximadamente 1,25Kb, que compreende as áreas que codificam as regiões
variáveis V1-V5 da proteína gp120 ( tendo como referência o genoma do isolado ELI,
“GeneBank Accession number K03454” do HIV-1 do grupo M).
Na
segunda
etapa
os
iniciadores
CCTCAGCCATTACACAGGCCTGTCCAAAG
utilizados
foram
3’)
e
os
ED31
ED33
(5’
(5’
TTACAGTAGAAAAATTCCCCTC 3’) que amplificam um fragmento gênico de 500 pb
compreendendo a região variável V3 e as regiões adjacentes C2 e C3 da molécula gp 120.
Quando não houve amplificação utilizando os iniciadores já descritos, foram
empregados
os
iniciadores
alternativos
TGTAAAACGACGGCCAGTCTGTTAAATGGCAGTCTAGC
ES7
3’)
e
(5’
ES8
(5’
CAGGAAACAGCTATGACCCACTTCTCCAATTGTCCCTCA 3’) que amplificam um
fragmento 666pb das regiões V3-V5, na mesma concentração que os iniciadores ED31/
ED33.
Para realização da “Nested-PCR” utilizamos o seguinte programa no termociclador
(Perkin Elmer – GeneAmp PCR Systems 2400, Connectcut, USA; MJ Research – PTC –
150 Minicycler version 3.0, CA, USA): 3 ciclos 97°C 1 minuto, 55°C 1 minuto, 72°C 2
minutos, 32 ciclos a 94°C 45 segundos, 55°C 1 minuto, 72°C 2 minutos, 1 ciclo 72°C 10
minutos, 4°c por tempo indeterminado.
4.5.2 “Nested-PCR” para a Região gag
Na primeira etapa de amplificação do gene gag, foram empregados os iniciadores
H1G777
(5’
TCACCTAGAACTTTGAATGCATGGG
3’)
e
H1P202
(5’
CTAATACTGTATCATCTGCTCCTGT 3’) que amplificam um fragmento de 1,1kb. O
fragmento gerado compreende a região que codifica a partir do aminoácido 16 da proteína
do capsídeo p24 até o aminoácido 33 da enzima protease.
Na
segunda
etapa
os
iniciadores
utilizados
foram
H1Gag1584
(5’
AAAGATGGATAATCCTGGG 3’) e g17 ( 5’ TCCACATTTCCAACAGCCCTTTTT 3’)
que amplificam um fragmento de 460 pb correspondendo à região que codifica para o
aminoácido 132 da proteína p24 até o aminoácido 40 da proteína do nucleocapsídeo p7
(tendo como referência o genoma do isolado ELI).
O iniciador alternativo HGHMA822 (5’ GCTTTCAGCCCAGAAGTAATACC 3’)
e o iniciador g17 foram utilizados na segunda etapa do PCR quando a amostra não foi
amplificada pelos iniciadores anteriormente citados. Nas duas etapas de amplificação do
fragmento gag o seguinte programa de ciclagem foi utilizado no termociclador (Perkin
Elmer – GeneAmp PCR Systems 2400, Connectcut, USA; MJ Research – PTC – 150
Minicycler version 3.0, CA, USA): 94°C 2 minutos, 35 ciclos a 94°C 30 segundos, 50°C 30
segundos, 72°C 90 segundos, 1 ciclo 72°C 7 minutos, 4°C por tempo indeterminado.
4.6 Amplificação de Cepas de Referência Contidas em Plasmídeos
Cepas de referência contidas em plasmídeos foram amplificadas nas regiões de env
e gag com os iniciadores do segundo ciclo da “nested- PCR”. Os plamídeos contendo cepas
de referência foram utilizados na concentração de 10 ng/µL (10 mM de tris HCl pH 7,4 e
0,1 mM de EDTA pH 8,0). Para a subtipagem genética do HIV-1, nas regiões de env e gag,
foram empregadas as seguintes cepas de referência, representando os subtipos genéticos
mais prevalentes no Brasil: B1, B2, B3, C1, C2, D1, D2, F1, F2.
4.7 Eletroforese em Gel de Agarose 1%
Para confirmação de amplificação dos fragmentos env e gag do HIV-1 e das cepas
de referências, os produtos de PCR foram analisados por eletroforese em gel de agarose 1%
(GIBCO – Life Technologies, USA), preparado em TAE – Tris Acetato EDTA – (GIBCO –
Life Technologies, USA).
As amostras (5µL de material amplificado + 2µL de corante marcador da corrida Sacarose 40% e Xileno Cianol 0,2% + 5µL de Água Milli-Q) foram aplicadas no gel de
agarose em paralelo com o padrão de peso molecular (100 pb DNA Ladder, GIBCO – Life
Technologies, USA). A corrida eletroforética foi realizada em cuba horizontal (Horizon 1114 and 25-25 Gel Electrophoresis Apparatus, GIBCO – Life Technologies, USA) durante
uma hora a 100V (Bio – RAD Power Pac 300, USA), em tampão TAE com brometo de
etídio 0,005%.
Os produtos de amplificação foram analisados em gel de agarose 1%, sob luz
ultravioleta ao comprimento de onda de 310 nm (Foto/ PrepI Preparative DNA
Transilluminator – Fotodyne; Hartland, USA). A visualização de bandas fluorescentes de
aproximadamente de 500 pb em relação ao padrão de peso molecular, foram interpretadas
como positivas na amplificação.
4.8 Ensaio da Mobillidade do Heteroduplex (HMA)
O HMA consiste na análise da mobilidade eletroforética de híbridos ou
“heteroduplexes” em gel de poliacrilamida 5%. Os “heteroduplexes” (híbridos de amostras
HIV-1 dos pacientes e as cepas de referência) são formados após a desnaturação por calor a
uma temperatura de 94°C, durante 2 minutos e a renaturação rápida por resfriamento em
gelo, durante 10 minutos. No reanelamento são gerados “homoduplexes”, mediante
renaturação das fitas originais de DNA da amostra de HIV-1 do paciente e das fitas de
DNA das cepas de referências. Além disso, híbridos ou “heteroduplexes” são formados pela
renaturação de uma das fitas de DNA da cepa de referência com uma das fitas de DNA
proveniente do HIV-1 do paciente.
Preparação do Gel de Poliacrilamida 5%
A solução estoque de acrilamida/ bisacrilamida foi preparada com 30% Acrilamida,
0,8% Bisacrilamida e Água Milli-Q®. O TBE 10X foi preparado a partir de ácido bórico
5,5%, tris-base 10,8%, 40mL de EDTA pH 8,0 e água Milli-Q® quantidade suficiente para
1000 mL. Para a subtipagem genética do HIV-1 na região gag, o gel de poliacrilamida 5%
foi preparado com 20% de uréia (Invitrogen – Life Tech, CA, USA)
O gel de poliacrilamida foi polimerizado durante 60 minutos em placas de vidro
(16cm de altura X 19,5cm da placa anterior e 19cm X 19,5cm da placa posterior, com
espaçadores de 1,5 mm de espessura e pentes com 20 canaletas).
Identificação dos Híbridos nas regiões env e gag
Os “homoduplexes” e “heteroduplexes” de HIV-1 nas regiões env e gag foram
separados por eletroforese (V16-2 Vertical Gel Apparatus, GIBCO – Life Technologies,
USA) com tampão TBE 1 X (Tris-Borato-EDTA) a 250 V (Power Pac 300, BIO-RAD
Laboratories, Inc., USA), durante 3 horas em gel de poliacrilamida 5%. Os géis foram
corados com brometo de etídio 0,005% por vinte minutos e os “homoduplexes” e
“heteroduplexes” de env ou gag foram visualizados no transluminador sob luz ultravioleta
de comprimento de onda igual a 310 nm (FOTO/PrepI Preparative DNA Transilluminator –
Fotodyne; Hartland, USA) e fotografados com câmera digital (DC290 Zoom KODAK
Digital Câmera, Rochester, NY, USA). As imagens obtidas foram analisadas através do
programa – 1D Image Analysis Software Windows Limited Edition, version 3.5, NY, USA
e arquivadas no computador do Laboratório de Imunologia da Aids/Hanseníase do IPTSP.
A identifição do subtipo do HIV-1 nas amostras dos pacientes, baseia-se no fato de
que os “heteroduplexes” de env ou gag formados entre a amostra de HIV-1 teste e a cepa
de referência com maior homologia genética exibem maior mobilidade no gel de
poliacrilamida.
A região de gag é uma região mais conservada em comparação com a região env e
alguns subtipos geneticamente próximos, como os subtipos B e D, podem apresentar
semelhantes perfis de migração eletroforética no HMA gag. Neste caso, para melhor
discriminação dos subtipos, foi realizada eletroforese em gel de poliacrilamida 5% com
30% de uréia. De acordo com o protocolo da “AIDS Reagent Program”, a concentração
aumentada de uréia permite a distinção entre subtipos que são filogeneticamente muito
próximos, o que possibilita uma maior mobilidade de migração ao “heteroduplex” de maior
homologia.
4.9 Análise Estatística
O banco de dados foi construído com o programa EpiData 3.0 (The EpiData
Association, Odense, Dinamarca). Foi utilizado o programa EPI INfo 6.04 (CDC
Epidemiology Program Office, Atlanta, USA & WHO Global Programme on AIDS,
Geneva, Switzerland) para cálculos de freqüências, médias e medianas das principais
variáveis.
5. Resultados
5.1 Características Sócio – Demográficas e Epidemiológicas
A Tabela 1 mostra as principais características sócio-demográficas dos pacientes
HIV-1+/ aids do estado do Mato Grosso do Sul. Dos 130 pacientes estudados
aproximadamente 59% (76/130) eram do sexo masculino. A mediana de idade foi de 34
anos (variação 17anos –79anos). Oito dos pacientes eram crianças com faixa etária entre 2
anos a 14 anos (mediana de 8 anos). Com relação à categoria de exposição o contato sexual
representou a via predominante de exposição ao HIV-1 (77% - 100/130). A via de
transmissão vertical foi relatada por 6,2% (8/130) dos casos dos pacientes HIV-1+/aids
estudados. Usuários de drogas injetáveis representaram 3,8% (5/130) dos casos e 13%
(17/130) dos pacientes relataram transfusões sanguíneas, como via de exposição. Com
relação ao nível de escolaridade dos pacientes HIV-1+/aids, 44,6% (58/130) haviam
concluído o Ensino Fundamental, 41,6% (54/130) possuíam o Ensino Médio, 4,6% (6/130)
haviam cursado Ensino Superior. A grande maioria dos pacientes (85,4% - 111/130) era
procedente do estado do Mato Grosso do Sul, principalmente da capital Campo Grande e de
cidades do entorno. Os outros pacientes eram procedentes de diferentes Estados do país,
sendo que 11/130 (8,4%) tinham procedência de São Paulo, Rio de Janeiro (1 paciente –
0,8%), Santa Catarina (1 paciente – 0,8%), Mato Grosso (1 paciente – 0,8%), Minas Gerais
(1 paciente – 0,8%). Três pacientes (2,3%) eram provenientes do Paraguai e um paciente
(0,8%) era proveniente da Bolívia.
Tabela 1. Características Sócio - Demográficas dos Pacientes HIV+/AIDS Atendidos no
LACEN de Campo Grande – MS (n=130)
n
%
Idade
Adultos
122
Mediana (variação)
Crianças
8
Mediana (variação)
Sexo
Masculino
Feminino
93,8
34 anos (17 -79)
6,2
-
8 anos (2 - 14)
76
54
58,5
41,5
Sexual:
Heterossexual
Homo/ Bissexual
88
12
67,7
9,2
Transmissão Vertical
8
6,2
Categoria de Exposição
Parenteral:
Transfusão Sanguínea
17
13
UDI
5
3,8
______________________________________________________________________________
UDI = Usuário de drogas injetáveis
5.2 Diversidade Genotípica do HIV-1 de Pacientes do MS na Região do Gene env
Amostras de DNA proviral extraídas de células mononucleares periféricas, de 130
pacientes foram utilizadas para identificação do subtipo do HIV-1. A diversidade
genética do HIV-1 foi avaliada pelo Ensaio da Mobilidade do Heteroduplex (HMA). A
Figura 5 apresenta o fluxograma de identificação do subtipo do HIV-1 na região de env
e a eficácia de amplificação por “nested-PCR” e subtipagem por HMA env.
O fragmento do gene env foi amplificado por “Nested-PCR” em 97% das amostras
(126/130). Em 76% das amostras (99/130) o produto amplificado, empregando os pares
de iniciadores ED5/ ED12 na primeira etapa e ED31/ ED33 na segunda etapa, permitiu
subtipar o HIV-1 na região do gene env. Entre as amostras não amplificadas com os
iniciadores convencionais ED31/ ED33 e não subtipadas (n=31), 5 foram amplificadas
com o par de iniciadores alternativos ES7/ ES8.
Oitenta por cento (104/130) das amostras de pacientes HIV-1+/ aids do nosso grupo
de estudo tiveram subtipo identificado por HMA env. Em relação aos subtipos de HIV1 identicadas na região env do HIV-1 observamos a predominância do subtipo B em
66% das amostras (86/130). Outros subtipos do HIV-1 foram também identificados na
região env. Subtipo F foi identificado em 11% das amostras (14/130) e o subtipo C em
3,1% das amostras (4/130). Em 26/31 amostras não foi possível determinar o subtipo do
HIV-1 por HMA env.
DNA genômico
de pacientes
HIV-1+/ aids
n=130
“Nested-PCR” env
Primers: ED5/ED12
e ED31/ED33
Amplificadas
n=126
Subtipadas
n=99
Não
Amplificadas
n=4
Não Subtipadas
n=27
“Nested-PCR” env
Primers Alternativos
ES7/ ES8
n=31
Amplificadas e Subtipadas
n=5
Não Amplificadas
e
Não Subtipadas
n=26
Figura 5. Fluxograma das etapas de “Nested-PCR”env e HMA env.
5.3 Diversidade Genotípica do HIV-1 de Pacientes do MS na Região do Gene gag
Em 92,3% das amostras (120/130), o produto de PCR na região gag, utilizando-se
os pares de iniciadores H1P202/ H1G777 e H1Gag1584/ g17, foi visualizado em gel de
agarose 1%. Dentre as amostras não amplificadas (n=10) com os iniciadores
H1Gag1584/ g17 da segunda etapa da “nested-PCR”, sete amostras foram amplificadas
quando se empregou os iniciadores alternativos HGHMA822/ g17. A Figura 6
apresenta o fluxograma de identificação do subtipo do HIV-1 na região gag e a eficácia
de amplificação por “nested-PCR” e subtipagem por HMA gag.
A maioria das amostras, 78,5% (102/130), subtipadas por HMA gag era do subtipo
B. Outros subtipos do HIV-1 foram também detectados na região de gag, tais como: o
subtipo F em 14,6% das amostras (19/130), o subtipo C em 4% das amostras (5/130) e o
subtipo D em 0,8% (1 amostra). Em 2,3% das amostras (3/130) não foi possível
determinar o subtipo do HIV-1 pela técnica HMA gag, pois não obtivemos produto de
amplificação por “Nested-PCR”.
DNA genômico de
pacientes
HIV1+/aids
n=130
“Nested-PCR”gag
Primers:
H1G777/H1P02 e
H1gag1584/g17
Amplificadas
n=120
Subtipadas n=120
Não Amplificadas
n=10
“Nested-PCR”env
Primers Alternativos:
HGHMA822/g17
Amplificadas e
Subtipadas
n=7
Figura 6. Fluxograma das etapas de “Nested-PCR” gag e HMA gag.
Não
Amplificaram
n=3
5.4 Diversidade Genética do HIV-1 nos Genes env e gag
A Tabela 2 apresenta os resultados dos subtipos de HIV-1 identificados por HMA
env e HMA gag, analisando-se simultaneamente as duas regiões genômicas.
Tabela 2. Diversidade do HIV-1 nas Regiões env e gag do Genoma Viral entre os
Pacientes Estudados (n=130).
Diversidade
Total Geral
env/gag
n (%)
Benv/Bgag
71 (54,6%)
Benv/Fgag
11 (8,5%)
Fenv/Bgag
10 (7,7%)
Fenv/Fgag
4 (3,0%)
Cenv/Cgag
2 (1,5%)
Benv/Cgag
1 (0,8%)
Cenv/Bgag
1 (0,8%)
Cenv/Dgag
1 (0,8%)
Benv/?gag
3 (2,3%)
?env/Bgag
20 (15,4%)
?env/Fgag
4 (3,0%)
?env/C gag
2 (1,5%)
? = subtipo do HIV-1 não identificado
Avaliando-se simultaneamente os resultados da subtipagem genética do HIV-1 nas
regiões env e gag por HMA, observamos o predomínio do subtipo Benv/Bgag
em 54,6% das amostras (71/130). O subtipo Fenv/Fgag foi observado em 3% das amostras
(4/130) e o subtipo Cenv/Cgag foi observado em 1,5% das amostras (2/130).
Os demais isolados de HIV-1 de pacientes do MS apresentaram padrão genotípico
híbrido, com subtipos discordantes em env e em gag. Isolados com subtipos discordantes
Benv/Fgag foram observados em 8,5% das amostras (11/130), o subtipos discordantes
Fenv/Bgag em 7,7% das amostras HIV-1 (10/130). Isolados menos representativos com
subtipos discordantes Benv/Cgag em 0,8% (1/130 amostra), Cenv/Dgag em 0,8% (1/130
amostra) e Cenv/Bgag em 0,8% (1/130 amostra), foram também identificados.
Em 22,3% das amostras (29/130) identificamos o subtipo do HIV-1 em apenas uma
das regiões genômicas env ou gag: Benv/?gag em 2,3% das amostras (3/130), ?env/Bgag em
15,4% das amostras (20/130), ?env/Fgag em 3% das amostras (4/130) e ?env/C gag em 1,5%
das amostras (2/130).
5.5 Diversidade Genética do HIV-1 Analisadas Segundo Sexo e as Diferentes
Categorias de Exposição
Nos pacientes do MS do sexo masculino houve um predomínio do subtipo Benv/Bgag
em 51,3% das amostras (39/76). Identificou – se os isolados com subtipos discordantes:
Benv/Fgag (6,6% – 5/76), Fenv/Bgag (7,9% – 6/76) Benv/Cgag (1,3% – 1/76) Cenv/Bgag (1,3% –
1/76). O isolados com os subtipos concordantes Fenv/Fgag (2,6% – 2/76) e Cenv/Cgag (1,3%
– 1/76) foram identificados.
Entre as mulheres, o subtipo Benv/Bgag foi encontrado em 59% das amostras (32/54).
Os isolados de HIV-1 com subtipos discordantes em env e gag foram observados nas
seguintes proporções: Benv/Fgag (11% – 6/54), Fenv/Bgag (7,4% – 4/54), Cenv/Dgag (1,9% –
1/54). Duas amostras foram identificadas com o subtipo Fenv/Fgag (3,7% – 2/54) e uma
amostra com o subtipo Cenv/Cgag (1,9% – 1/54).
A tabela 3 apresenta a diversidade do HIV-1 nas regiões de env e gag do genoma
viral entre as categorias de exposição dos pacientes do MS. Dentre os pacientes que
relataram a categoria de exposição Sexual/Heterossexual (88/130 pacientes) 50%
apresentaram o subtipo Benv/Bgag (44/88).
Na categoria sexual, observamos também
isolados de HIV-1 com os subtipos Fenv/Fgag e Cenv/Cgag em 5,6% das amostras (5/88) e os
isolados com os subtipos discordantes: Benv/Fgag , Fenv/Bgag , Benv/Cgag e Cenv/Dgag foram
identificados em 22,7% (20/88).
O subtipo B também foi observado em 50% dos pacientes que relataram a categoria
de exposição Sexual – Homo/Bissexual em (6/12 amostras) e os isolados de HIV-1 com os
subtipos discordantes foram observados : Fenv/Bgag (8,3% – 1/12) e Cenv/Bgag (8,3% – 1/12).
Entre os pacientes que relataram a categoria de exposição perinatal e parenteral
também encontramos o predomínio do subtipo B em 53,3 % das amostras (16/30). Dentre
os usuários de drogas identificamos o subtipo Fenv/Fgag em uma das amostras.
Tabela 3. Diversidade do HIV-1 nas Regiões de env e gag do Genoma Viral entre as
Categorias de Exposição dos Pacientes do MS
Sexual
Parenteral
Diversidade
env/gag
Hetero
n=(88*)
Homo/Bi
(n=12**)
Benv/Bgag
44 (50%)
6 (50%)
Fenv/Fgag
3 (3,4%)
---
---
1 (20%)
---
Cenv/Cgag
2 (2,3%)
---
---
---
---
Benv/Fgag
9 (10%)
---
1 (5,9%)
---
Fenv/Bgag
9 (10%)
1 (8,3%)
---
---
---
Cenv/Bgag
---
1 (8,3%)
---
---
---
Benv/Cgag
1 (1%)
---
---
---
---
Cenv/Dgag
1 (0,8%)
---
Transfusão
(n=17***)
Perinatal
12 (70,5%)
---
UDI
(n=5)
4 (80%)
---
* amostras com subtipo não identificado – HMA env (n=18) e HMA gag (n=1)
** amostras com subtipo não identificado – HMA env (n=2) e HMA gag (n=2)
*** amostras com subtipo não identificado – HMAenv (n=4)
**** amostras com subtipo não identificado – HMA env (n=2)
(n=8****)
5 (62,5%)
1(12,5%)
---
6. Discussão
O Brasil é um país com grande extensão territorial e diferenças na distribuição
geográfica dos subtipos do HIV-1 têm sido relatadas em vários estudos. Existem poucas
informações sobre a diversidade genética do HIV-1 em pacientes da região Centro – Oeste
e a maioria delas são referentes ao Estado de Goiás (Stefani et al. 2000, Pereira et al. 2004,
Pereira et al. 2006). Apenas uma publicação relata subtipos do HIV-1 circulantes em
pacientes do Distrito Federal (Cerqueira et al 2004). Até o presente momento, uma única
publicação incluiu sete amostras de pacientes do MS (Brindeiro et al.2003). Nosso estudo é
pioneiro na identificação da diversidade genética do HIV-1 em um número expressivo de
isolados de pacientes do MS.
Os resultados da diversidade genética do HIV-1 em 130 pacientes HIV-1+/ Aids do
Mato Grosso do Sul, avaliada mediante o Ensaio da Mobilidade do Heteroduplex (HMA)
para as regiões de env e gag indicou a prevalência do HIV-1 subtipo B. Esses resultados
estão em concordância com outros estudos realizados na região Centro – Oeste, como no
Estado de Goiás e no Distrito Federal, que também indicam uma maior prevalência do
subtipo B (Stefani et al. 2000, Pereira et al. 2004, Cerqueira et al. 2004, Lins 2005, Pereira
et al. 2006).
O achado do predomínio do subtipo B no MS também é compatível com outros
estudos do Brasil. Diversos estudos realizados desde o início da década de 90 em estados
Brasileiros do Sudeste, Norte e Nordeste, mostraram que o subtipo B do HIV-1 é o mais
prevalente no Brasil. Os estudos pioneiros tinham inicialmente como alvo a região de env e
utilizaram o HMA (Couto – Fernandes et al. 1992, Louwagie et al. 1994). A maior
prevalência do subtipo B no Brasil como um todo, indica um “efeito fundador” deste
subtipo, sugerindo que o subtipo B provavelmente foi o primeiro subtipo a ser introduzido
no país e a partir daí foi amplamente disseminado pelas vias sexual, perinatal e parenteral
(Morgado et al. 1994, Galvão-Castro et al. 1996, Morgado et al.1998, Bongertz et al. 2000,
Vicente et al. 2000, Morgado et al. 2002, Brindeiro et al 2003, Couto - Fernandez et al.
2006).
O predomínio do subtipo B no estado do MS, que faz fronteira com os países
Bolívia e Paraguai, também está de acordo com a diversidade genética do HIV-1 observada
nesses dois países e em outros países da América do Sul, como Argentina, Uruguai e
Venezuela (Russell et al. 2000, Thomson et al. 2000, Carr et al. 2001). Apesar do subtipo B
ter uma maior prevalência em países da América do Sul, nos Estados Unidos e em países
Europeus, em escala global o subtipo B representa apenas 12 % das infecções, sendo o
subtipo C a forma predominante na pandemia mundial causada pelo HIV-1 (Esparza &
Bhamarapravati 2000, Takebe 2004).
Um pequeno percentual de isolados de HIV-1 de subtipos “não B” concordantes,
como os subtipos Fenv/Fgag e Cenv/Cgag , foram encontrados nas amostras de pacientes do
MS, semelhantemente ao que tem sido descrito em isolados de pacientes de Goiás
(Alcântara 2003, Pereira et al. 2004, Lins 2005).
Em nosso estudo observamos um percentual reduzido de amostras concordantes
Fenv/Fgag. Estudos prévios realizados no sul e sudeste Brasileiro indicavam o subtipo F
como a segunda variante do HIV-1, mais prevalente no país (Morgado et al. 1994, GalvãoCastro et al. 1996, Morgado et al.1998, Vicente et al. 2000, Morgado et al. 2002, Gadelha
et al. 2003). Esses estudos iniciais que apontavam o subtipo F, como o segundo subtipo
mais prevalente, foram baseados na análise de uma ou duas regiões do genoma do HIV-1
(env, gag ou pol) (Morgado et al. 1994, Galvão-Castro et al. 1996, Morgado et al.1998).
Atualmente, com análise de um número maior de regiões genômicas ou análise do genoma
completo do HIV-1, observou-se que muitos isolados inicialmente considerados como
subtipo F eram na verdade formas recombinantes BF. Publicações recentes de amostras de
HIV-1de pacientes do estado de São Paulo, analisadas por sequenciamento completo ou
quase completo, do genoma indicam um alto percentual de formas recombinantes BF em
amostras anteriormente consideradas B ou F (Sa Filho et al. 2006, Sanabani et al. 2006).
Desta forma, a escassez de isolados do subtipo Fenv/Fgag encontrados em nosso estudo, é
compatível com dados mais recentes que indicam uma baixa representatividade deste
subtipo na epidemia de aids no Brasil.
O subtipo Cenv/Cgag foi pouco representativo entre as amostras do MS. Um dos
pacientes que apresentou o subtipo Cenv/Cgag era procedente de São Paulo. Sabemos que o
subtipo C no Brasil é prevalente no Estado do Rio Grande do Sul e estudos recentes têm
indicado sua disseminação na região Sul e Sudeste do país (Soares et al.2003, Martinez et
al. 2006). Estudos na região Sul do país, mais especificamente das cidades de Porto Alegre
e Rio Grande no estado do Rio Grande do Sul, considerando a diversidade genética do
HIV-1 nos genes da protease e transcriptase reversa, apontam o aumento do subtipo C e a
diminuição da prevalência de infecções pelo subtipo B (Soares et al. 2003). Salemi e
colaboradores (2005), desenvolveram estudos estatísticos e comparativos que demonstram
que a infecção pelo subtipo C vem se disseminando mais rapidamente, em relação ao
subtipo B. Segundo essas análises se o subtipo C continuar a disseminar-se nessa rapidez,
este poderá tornar-se o subtipo mais prevalente no Brasil, semelhantemente ao que se
observa no sul do país. Na região Centro-Oeste, especificamente em Goiás, o subtipo C foi
primeiramente identificado em 2000, em uma gestante proveniente da região Sul do Brasil.
Nossos resultados no estado do MS confirmam a interiorização e disseminação do subtipo
C no Centro-Oeste Brasileiro.
O HIV-1 subtipo D foi observado sob a forma de isolado discordante Cenv/Dgag em
apenas um paciente. Outros estudos na região do Centro–Oeste indicam que o subtipo D é
pouco prevalente nesta região (Alcântara 2003, Cerqueira et al. 2004, Pereira et al. 2004,
Lins 2005). HIV-1 do subtipo D tem sido observado em uma menor proporção no Sudeste
do país e esse subtipo D identificado apresentou uma estreita relação filogenética com o
subtipo D circulante na África do Sul (Couto -Fernandez et al. 2006).
Os isolados de HIV-1 com os subtipos discordantes em env e gag representaram um
percentual significativo das amostras dos pacientes do MS, totalizando quase 20%. Os
seguintes padrões discordantes foram observados entre os isolados do MS: Benv/Fgag,
Fgag/Benv, Benv/Cgag , Cenv/Dgag , Cenv/Bgag . Dentre os isolados com subtipos discordantes em
env e gag, Benv/Fgag foi o mais prevalente, seguido de isolados Fenv/Bgag. Em pacientes do
MS, isolados de HIV-1 com subtipos discordantes B e F representaram a segunda forma
genética mais prevalente. Estes resultados corroboram os estudos mais recentes realizados
no sudeste do Brasil, que demonstram ampla participação de recombinantes BF na
epidemia Brasileira (Sa Filho et al 2005, Bello et al. 2006, Sa Filho et al. 2006, Sanabani
2006). Outros estudos por HMA env e gag, consideram que os isolados com subtipos
discordantes são sugestivos de recombinação intersubtipos (Delwart et al.1993, Heyndrickx
et al. 2000). Entretanto, estamos cientes de que o sequenciamento genético automatizado de
regiões do genoma viral analisadas, indicando o ponto de recombinação, é necessário para a
confirmação de recombinação intersubtipo nesses isolados.
Nosso estudo foi o primeiro a demonstrar isolados divergentes Fenv/Bgag, Cenv/Dgag,
Cenv/Bgag em pacientes de Campo Grande – MS e de cidades do seu entorno: Miranda,
Jardim, São Gabriel do Oeste e Ponta Porã.
Recentemente, dois novos CRFs foram identificados, CRF28_BF e CRF29_BF,
pela análise completa do genoma do HIV-1 de 10 pacientes provenientes de Santos – SP.
Este foi o primeiro estudo descrevendo CRFs de HIV-1 do Brasil (Sa Filho et al. 2006). A
presença dessas CRFs na epidemia do Brasil indica a complexidade genética do HIV-1
circulante, demonstrando intenso processo de recombinação genética que está ocorrendo no
país. Esses estudos indicam que diversas populações de HIV-1 recombinantes derivadas
dos subtipos B e F, parecem desempenhar um importante papel na epidemia de aids no
Brasil (As Filho 2006, Sanabani et al. 2006). A presença significativa de possíveis genomas
mosaicos B/F do HIV-1, circulantes na região Centro – Oeste, em Goiás e no Mato Grosso
do Sul, indicam ampla circulação territorial de formas híbridas do HIV-1.
A grande proporção dos isolados de HIV-1, potencialmente híbridos encontrados
nos pacientes do Mato Grosso do Sul, Sul, Sudeste do Brasil e em outros países como a
Argentina demonstra que os vírus com genomas recombinantes não são raros na epidemia
da América Latina. Nos países da América do Sul, como Argentina, Uruguai, Venezuela e
Bolívia, observou-se ampla circulação da CRF12_BF (Russell et al. 2000, Thomson et
al.2000, Carr et al. 2001, Castro et al. 2003). Na Argentina, a epidemia é caracterizada pelo
predomínio do subtipo B, com a presença de grande proporção de recombinantes B/F,
principalmente a CRF12_BF, a primeira CRF a ser descrita na América do Sul (Thonsom et
al. 2002a). Embora não tenhamos realizado sequenciamento genômico, a identificação de
outros CRFs circulantes em regiões menos povoadas e com menor prevalência da infecção
pelo HIV-1 no país constitui importante área de pesquisa.
Estudo Brasileiro de rede nacional para avaliar diversidade genética do HIV-1 e
mutação genética associadas à resistência aos ARVs, incluiu sete amostras provenientes do
Mato Grosso do Sul. Entretanto, os resultados dessas amostras foram apresentados em
conjunto com mais 17 amostras do Pará, não sendo possível discriminar os subtipos
identificados no MS. Esse estudo analisou mutações associadas a resistência nos genes da
protease (PR) e transcriptase reversa (TR). Em uma análise geral, o subtipo prevalente foi
o B, seguido pelo subtipo F e as formas divergentes PRC/ TRB, PRB/TRC, PRB/TRF,
PRF/TRB, PRC/RTF, PRF/TRC (Brindeiro et al. 2003).
Resultados de estudos realizados em outros estados na região Centro-Oeste do
Brasil, mostram resultados semelhantes com relação a distribuição dos subtipos B e BF.
Sequenciamento automatizado dos genes da transcriptase reversa e protease, de 45 amostras
provenientes do Distrito Federal, mostrou que a maioria das amostras agrupou-se
filogeneticamente com sequências do subtipo B (96%) e 4% apresentaram o padrão
recombinante B/F (Cerqueira et al. 2004). Outros estudos realizados em isolados do estado
de Goiás, empregando a técnica HMA env e HMA gag, em diferentes subgrupos
populacionais: em pares de mães HIV-1+ e filhos infectados por transmissão vertical,
crianças/ adolescentes HIV-1+ e em pacientes HIV-1+/ aids co-infectados com
Mycobacterium leprae, mostraram a predominância do subtipo Benv/Bgag, seguidos de
isolados com subtipos discordantes Benv/Fgag (Alcântara 2003, Pereira et al. 2004, Lins
2005, Pereira et al. 2006).
Dentre as amostras de pacientes do MS, encontramos um isolado com subtipos
discordantes Benv/Cgag. Análise da diversidade do Hiv-1 em pares de mães HIV-1+/aids e
em crianças, realizado em Goiás, indicou a presença de isolados híbridos Benv/Cgag (Lins
2005) que também foi identificado no MS. Análises filogenéticas de seqüências
recombinantes Cenv/Bgag e Benv/Cgag em pacientes da região sul e sudeste do país, indicam
que essas formas híbridas do HIV-1, parece desempenhar importante papel na epidemia
Brasileira (Guimarães et al. 2002, Soares et al. 2006). Outro estudo que analisou a
diversidade genética do HIV-1 na região pol, em crianças não tratadas e durante tratamento
com ARVs, entre 1986 à 2001, na cidade do Rio de Janeiro indicou a presença de diversos
subtipos discordantes: Cenv/Bgag, Benv/Fgag, Fenv/Bgag, Denv/Fgag, Denv/Bgag (Machado et al.
2004). Em conjunto com os nossos resultados do MS, podemos concluir que diversos
padrões de HIV-1 recombinantes estão circulando, não só nas regiões sul e sudeste, mas
também na região Centro-Oeste do Brasil.
Em um percentual reduzido de amostras, só foi possível determinar o subtipo na
região de env, não sendo possível caracterizar o subtipo na região de gag. Em 20% das
amostras só foi possível identificar o subtipo na região de gag. Carga viral baixa, contagem
de linfócitos CD4+ reduzidos, fatores como mutações na região do genoma investigada,
subtipo viral muito divergente e a presença de fatores inibidores de amplificação podem
comprometer a eficiência da técnica HMA (Mullins 1995, Lins 2005).
Empregamos o Ensaio da Mobilidade do Heteroduplex (HMA), técnica
implementada pela UNAIDS em diversos países em desenvolvimento, como os países da
América do Sul. O HMA é uma técnica de triagem molecular de menor custo, considerada
sensível e confiável para o monitoramento do HIV-1. A realização simultânea do HMA
para as regiões env e gag possibilita a identificação de isolados com subtipos discordantes,
que indicam possíveis genomas recombinantes do HIV-1 (Delwart et al. 1993, Heyndrickx
et al. 2000). Embora o “padrão ouro” para estudos de diversidade genética seja o
sequenciamento automatizado, o alto custo desta técnica pode limitar sua ampla utilização
em países em desenvolvimento (Delwart et al.1993, Heyndrickx et al. 2000). Vários
estudos têm mostrado alto grau de concordância entre os resultados do HMA e
sequenciamento (UNAIDS 1997a e b, Heyndrickx et al. 1998, Sawadogo et al. 2003).
Portanto, os nossos resultados com a técnica de triagem molecular do HIV-1 HMA env e
gag, contribuem para o entendimento da variabilidade genética do HIV-1 na região CentroOeste do Brasil.
7. Conclusões
1. A utilização da técnica HMA env e HMA gag permitiu realizar a triagem molecular do
HIV-1 em amostras obtidas de pacientes do Estado do Mato Grosso do Sul, contribuindo
para o mapeamento genético molecular do HIV-1, nesse estado do Centro – Oeste do
Brasil.
2. Isolados de HIV-1 com os subtipos discordantes B e F, Benv/Fgag e Fenv/Bgag,
representaram a segunda forma mais prevalente (16,2%).
3. A maior prevalência foi do HIV-1 subtipo Benv/Bgag (56,4%).
4. Identificamos um pequeno percentual de subtipos “não B” concordantes: Fenv/Fgag
(3,0%), Cenv/Cgag (1,5%).
5. Isolados com subtipos discordantes com subtipos B, C e D foram identificados: Benv/Cgag,
Cenv/Dgag, Cenv/Bgag (2,4%).
5. A elevada prevalência de padrões genéticos híbridos, sugestivos de formas
recombinantes do HIV-1, demonstra a complexidade do vírus HIV-1 circulante no Centro –
Oeste Brasileiro, especificamente no Estado do Mato Grosso do Sul.
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