Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Nesse início de século 21, vivemos o desenvolvimento de uma epidemia global de obesidade em muitos países, dentre eles, o Brasil. No nosso meio, a obesidade entre crianças e adolescentes triplicou nos últimos 30 anos, enquanto nos Estados Unidos, ela "apenas" duplicou nesse mesmo período. Os dados mais recentes apontam para 14,8 % de obesidade infantil entre as crianças da região sudeste e 9,8% entre as do nordeste. Esse dramático aumento da obesidade é relacionado com as grandes mudanças ambientais que vêm ocorrendo juntamente com o progresso das últimas décadas, com as pessoas vivendo num estilo mais sedentário e tendo acesso a alimentos ricos em gordura, calorias e pobre em fibras. As crianças e adolescentes obesos apresentam maior incidência de complicações médicas e sofrimento emocional, quando comparadas aos seus pares eutróficos. Além disso, o risco de morte prematura por doença cardiovascular é elevado nessas populações, como os estudos longitudinais fartamente vêm documentando. AVALIAÇÃO CLÍNICA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE OBESO Toda criança e adolescente obeso deve ser inicialmente submetido a uma completa e minunciosa analise e a um exame físico. Seu peso e altura medidos e o Índice de Massa Corporal (IMC) calculado ( peso dividido pela altura ao quadrado). Como o IMC varia com a idade e o sexo, utilizamos as curvas de crescimento como os gráficos de IMC para sexo/ idade do US Center For Disease (CDC), disponíveis no site da Internet (www.cdc.org ou www.abeso.org.br) . A medida da circunferência abdominal deve ser usada para diagnosticar a distribuição central da gordura e é ob-tida medindo o maior perímetro, entre a última costela e a crista do ilíaco, com a criança em pé. Quando o perímetro abdominal for maior que a circunferência do quadril, medida na altura dos trocânteres femurais, dizemos que a obesidade é central, com aumento dos riscos de ocorrerem complicações cardiovasculares. No exame físico, devemos rastrear complicações como hipertensão, acantose nigrans (espessamento cutâneo hiperpigmentado, indicativo de resistência a insulina), estrias, intertrigo, hepatomegalia (esteatose hepática), alterações ortopédicas, alterações faciais pela apnéia do sono, en-tre outras. As causas secundárias de obesidade, como problemas endócrinos ou dismórfico-genéticos são bastante raras, estando abaixo dos 5% dos casos. Sinais de alerta para essas entidades incluem baixa estatura, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e alterações da genitália. Podemos afir-mar que numa criança com estatura normal, genitália normal e desenvolvimento neuropsicomotor adequados, estamos diante de uma obesidade primária ou essencial, até prova em contrário. Algumas drogas como os corticosteroides podem causar obesidade, assim como abuso de orexígenos, felizmente cada vez mais raros no nosso meio. A clomipramina, muito usada por pediatras para tratar enurese noturna, é um forte agente causador de aumento de peso. Lembramos ainda que alguns agentes anti-convulsivos, como o Valproato , a Resperidona e os anti-histamínicos de 1ª geração podem promover importante ganho ponderal. METAS DO TRATAMENTO Os resultados de uma intervenção numa criança ou em um adolescente obeso podem ser medidos por parâmetros que envolvam a melhora do peso ou não. Esses parâmetros são: - Uma melhora da auto-estima; - Implementação de um estilo de vida saudável para toda a família; - Prevenção das comorbidades da obesidade; - Mudanças de comportamento, no paciente e na família, que perdurem por um longo tempo; - Manutenção ou perda de peso, sem alterar o ganho estatural da criança ou, na pior das hipóteses, diminuição da velocidade do ganho de peso; - Diminuição da circunferência abdominal. Até bem pouco tempo atrás, dizíamos que " Crescer sem engordar, já é emagrecer", ou seja, bastava manter o ganho estatural e parar o ganho de peso. Eram os tempos românticos da obesidade infantil. Dizíamos que "pode comer de tudo, sem comer tudo" e tomávamos outras medidas, bem mais conservadoras. Hoje, com o resultado dos estudos longitudinais, sabemos que adultos que eram crianças obesas, agora sofrem muito mais de doença cardiovascular, câncer, diabetes tipo II e pedras na vesícula do que adultos que não eram crianças obesas. Esse dado justifica uma intervenção mais rigorosa que pode ser resumida da seguinte maneira. CRIANÇAS de 2 a 7 anos: - IMC entre percentil 85 a 95 ( sobrepeso) - Manutenção do peso - IMC acima do percentil 95 (obesidade ) - Sem comorbidade - Manutenção do peso - IMC acima do percentil 95 ( obesidade) - Com comorbidade - Perda de peso CRIANÇAS acima de 7 anos : IMC entre percentil 85 a 95 ( sobrepeso) – Sem comorbidade - Manutenção do peso IMC entre percentil 85 e 95 ( sobrepeso) - Com comorbidade - Perda de peso IMC acima do percentil 95 ( obesidade) - Com comorbidade ou não - Perda de peso ABORDAGEM ENVOLVENDO A FAMÍLIA Dizemos que o ideal para atender uma criança obesa é poder conhecer e trabalhar com todos que dividem a geladeira com essa criança. A família influencia nos hábitos alimentares e na atividade física, tanto pelo lado comportamental quanto pela inegável influência genética. Hoje conhecemos mais de 20 genes envolvidos com o ganho de peso, além de quase uma centena de genes suspeitos. Vários estudos têm demonstrado que uma perda de peso sustentada pode ser obtida quando toda a família está envolvida na intervenção. É necessário alterar padrões de estilo de vida da família como um todo, assim os pais passam a ser modelos a serem imitados pela criança. Outros membros, principalmente irmãos e avós, precisam ser incluídos, para que as condutas e os discursos sejam unificados, para evitar duplas mensagens e atitudes contraditórias. Alguns grupos vêm defendendo que a abordagem focalizada apenas na família, sem trabalhar diretamente com as crianças, pode apresentar melhores resultados do que tratamentos em que a criança é o alvo direto das mudanças. ATIVIDADE FÍSICA O aumento da atividade física ao longo do tempo é preditor de êxito ou não do tratamento em controlar a obesidade. Os exercícios baseados em estilo de vida ativo parecem ser mais efetivos do que exercícios aeróbios programados para manutenção e perda de peso. Ambos os tipos de atividade física promovem perda de peso no início, mas as atividades baseadas em estilo de vida ativo parecem ser mais eficientes em longo prazo. Essas atividades podem ser incluídas no dia a dia da criança, como, exemplo, caminhadas, bicicleta, natação, dançar, pular corda, jogos de bola, brincadeiras ao ar livre. As crianças obesas e suas famílias devem ser encorajadas a incorporar algumas oportunidades para incluir atividade física no seu dia a dia . COMBATE AO SEDENTARISMO Curiosamente, é mais efetivo combater o sedentarismo do que incentivar o aumento da atividade física. Se as crianças e a família como um todo, são incentivadas a evitar situações que favoreçam a inatividade, elas estarão mais aptas para escolherem uma atividade com maior gasto energético. Nada imobiliza mais uma criança saudável do que a televisão. Incluímos aqui os videogames e o computador. A Academia Americana de Pediatria recomenda no máximo 2 horas de televisão por dia ( o ideal seria uma hora). Se controlamos esse tempo diante de uma tela, a criança por si mesma vai encontrar algo mais saudável e mais ativo para fazer. Reduzir as horas diante da tela e evitar o carro da família para apanhar na escola ou fazer passeios curtos, são medidas com um grande impacto no controle do peso da criança obesa. MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO É impossível mudar a alimentação de uma criança sem o apoio de toda a família. Fazer comidas separadas ou regras diferentes para irmãos são medidas que estão relacionadas com altas taxas de insucesso do tratamento. As mudanças começam na hora das compras, na maneira de preparar os alimentos, nas atitudes na hora das refeições e lanches. O objetivo maior deve ser as mudanças comportamentais, mais do que na dieta prescrita. Fazer seis refeições por dia, observando a pirâmide alimentar, valorizando o café da manhã, geralmente pouco valorizado na nossa cultura. Evitar beliscadas fora das refeições, evitar alimentos ricos em gordura, incentivar o consumo de frutas e verduras, também são fatores importantes nessa mudança alimentar. Outras atitudes ligadas ao comportamento são: Fazer as refeições em família, evitando assuntos estressantes à mesa; Beber água junto com as refeições, evitando refrigerantes e sucos; Não usar a comida como castigo ou recompensa; Não basta falar, as crianças vão olhar para os pais como exemplo. INDICAÇÕES PARA ENCAMINHAR A UM SERVIÇO ESPECIALIZADO A grande maioria das crianças e dos adolescentes obesos podem e devem ser manejados na comunidade por seus pediatras, médicos de família ou mesmo outros profissionais da saúde, como nutricionistas e psicólogos. Nunca é demais repetir que os melhores resultados são obtidos quando uma equipe inter-profissional participa ativamente do tratamento. Algumas crianças com complicações metabólicas importantes, devido a obesidade, com falhas no crescimento ou outros sinais de doença endócrina ou genética, poderão necessitar de encaminhamento para um serviço especializado. Algumas vezes, distúrbios psicossociais importantes podem estar presentes na criança obesa ou na sua família, podendo requerer a avaliação por parte de um psiquiatra infantil. OUTRAS TERAPIAS O atual manejo da obesidade na população pediátrica é em terapia comportamental. Existe pouca informação para orientar o uso de outras abordagens, como dietas mais restritivas, cirurgia da obesidade, uso de drogas ou hospitalização. Mesmo assim, alguma dessas medidas podem ser necessárias para diminuir a morbimortalidade desses pacientes obesos. Nenhuma droga está aprovada para ser usada na obesidade pediátrica , apesar de alguns ensaios clínicos com Orlistat e Sibutramina estarem em andamento. O Topiramato, droga anticonsulsiva bastante utilizada em pediatria, parece promover uma boa perda de peso, mas mais estudos são ainda necessários. Essas medicações, quando utilizadas, somente devem ser prescritas por profissionais experientes e em serviços especializados de referência. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. Nutrition. http://www.who.int/nut/obs.htm Accessed March 2003 2. MAGAREY, AM, DANIELS LA, BOULTON TJ. Prevalence of overweight and obesity in Australian children and adolescents: ressessment of 1985 and 1995 data against new standard international definitions. Med J Aust 2001; 174:561-4. 3. HARDCASTLE, DM. Shrimpton S, Renigeris As, Baptist ED, Baur LA. Increasing prevalence of childhood obesity. Med J Aust 1997; 167:342. 4. STEINBECK, K. Investigation of the obese child. Modern Medicine of Australia 1999; 42:94-6 5. Centers for Disease Control. 2000 CDC Growth Charts: United States http://www.cdc.gov/growthcharts Accessed March 2003. 6. EPSTEIN, LH; VALOSKI, A; WING RR; MCCURLEY, J. Tem-year follow-up of behavioral, family-based treatment for obese children. JAMA 1990; 264: 2519-23. 7. GOLAN, M; WEIZMAN, A; APTER, A; FAINARU, M. Parents as the exclusive agents of change in the treatmentof childhood obesity. Am J Clin Nutr 1998; 67: 1130-5. Conflict of interest:nome declared. 8. VIUNISKI, N. Obesidade Infantil – Um Guia Prático – Ed EPUB - Rj * O autor é pediatra, especialista em obesidade infantil, autor do livro OBESIDADE INFANTIL – UM GUIA PRÁTICO –Ed EPUB, Coordenador do Departamento de Obesidade Infantil da ABESO ( Associação Brasileira para Estudo da Obesidade)