Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Exatas e

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Universidade Federal de Ouro Preto
Instituto de Ciências Exatas e Biológicas
Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente
Programa de Pós-Graduação Ecologia de Biomas Tropicais
Interações ecológicas de Philodendron adamantinum (Araceae,
Philodendreae) no Parque Estadual do Rio Preto, Minas Gerais:
polinização por besouros e interação com formigas
Juliana Aparecida Pereira da Silva
Ouro Preto
2013
Juliana Aparecida Pereira da Silva
Interações ecológicas de Philodendron adamantinum (Araceae,
Philodendreae) no Parque Estadual do Rio Preto, Minas Gerais:
polinização por besouros e interação com formigas
Orientadora: Drª Reisla Oliveira
Co-orientdora: Profª Drª Yasmine Antonini
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado
em
Ecologia
de
Biomas
Tropicais da Universidade Federal de
Ouro Preto, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Mestre em
Ecologia.
Ouro Preto
2013
À meus pais, Joaquim da Silva e Simone Pereira.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me permitido viver inesquecíveis experiências durante estes dois anos.
A minha querida família, pela compreensão, incentivo e carinho, em especial aos
meus pais e ao meu irmão, apoiadores incondicionais.
As moradoras da “casa amarela”, minhas irmãs de coração, Denise Ferreira, Elisa
Cândido e Laís Luana, pelo apoio emocional.
A André, pelo carinho e companheirismo.
A Reisla Oliveira, pela atenção e seriedade com a qual conduziu a orientação desse
trabalho. Agradeço ainda, pela hospitalidade com a qual me recebeu em terras
mineiras.
A Yasmine Antonini, pela co-orientação e “proatividade” incansável em campo e na
vida.
A minha querida colega Cristiane Martins, pela hospitalidade e pelo auxílio em campo.
A Marco Aurélio, Rodrigo Assunção, Ricardo Marcelino, Daniela Antunes e Luana
Ferreira pela ajuda em campo.
A Vinícius Londe, pela prestatividade em me levar a campo sempre que precisei.
A Franciso Wagner, pela ajuda nas fotografias dos grãos de pólen.
Ao belo casal Vivianne Scalon e João Aranha, pela doçura imensurável com que me
receberam em Ouro Preto.
Aos integrantes do Laboratório de Biodiversidade, em especial à Débora Salles e
Ricardo Marcelino, pela troca de experiências.
Ao Laboratório de Anatomia Vegetal, em especial ao Professor Hildeberto Caldas e
Regislainy Gomes, pelos empréstimos de materiais e pelos bons momentos de
descontração.
Aos amigos desse programa de pós-graduação, por eternizarem momentos de
felicidades, e aos professores que fazem o sucesso do programa.
Aos amigos de Recife, especialmente a Gabriela Santana, Jucélia Santos, Lindomar
Avelino e Lily Alves, pelas palavras de força e incentivo nos momentos difíceis.
I
A Clemens Schlindwein, sempre muito atencioso, por me introduzir no fascinante
mundo da polinização e pelos empréstimos dos materiais necessários para execução
desse trabalho.
A Artur Maia, pela atenção, entusiasmo e cooperação para realização desse trabalho.
Agradeço também pelos empréstimos de materiais e ensinamentos a respeitos das
apaixonantes aráceas.
A Luciana Ianuzzi e Paschoal Grossi pela identificação dos besouros.
A Steffan Döterrl pela análise do buquê floral.
A Roberth Fagundes pela ajuda com as análises estatísticas.
Aos funcionários da UFOP, especialmente a Rubens Modesto pela paciência e
atenção.
A FAPEMIG pela bolsa concedida.
E por último, mas não menos importante, à toda equipe do Parque Estadual do Rio
Preto, pela atenção e carinho com que sempre receberam nossa equipe.
II
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.......................................................................................................I
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................V
LISTA DE TABELAS.....................................................................................................VI
INTRODUÇÃO GERAL...................................................................................................1
Polinização de plantas cantarófilas..........................................................................1
A interação entre formigas e plantas com nectários extraflorais..............................3
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................6
CAPÍTULO
1: Philodendron adamantinum Mart. ex Schott (Araceae) atrai
besouros Erioscelis emarginata (Scarabaeidae) através da emissão de voláteis
específicos e assegura a frutificação.
RESUMO................................................................................................................12
ABSTRACT……………………………………………………………………..……….13
1.
2.
INTRODUÇÃO.................................................................................................14
3.
RESULTADOS.................................................................................................23
3.1. FENOLOGIA REPRODUTIVA E FOLIAR.......................................................23
3.2. MORFOLOGIA DAS INFLORESCÊNCIAS.....................................................24
3.3. BIOLOGIA FLORAL.....................................................................................25
3.4. SISTEMA REPRODUTIVO...........................................................................30
3.5. VISITANTES FLORAIS................................................................................11
4.
5.
DISCUSSÃO....................................................................................................34
MATERIAIS E MÉTODOS...............................................................................15
2.1. ÁREA DE ESTUDO......................................................................................15
2.2. ESPÉCIE ESTUDADA..................................................................................17
2.3. FENOLOGIA REPRODUIVA E FOLIAR.........................................................19
2.4. MORFOLOGIA DAS INFLORESCÊNCIAS.....................................................19
2.5. BIOLOGIA FLORAL.....................................................................................19
2.6. SISTEMA REPRODUTIVO...........................................................................21
2.7. VISITANTES FLORAIS................................................................................21
2.8. BIOTESTES COM ODORES FLORAIS.........................................................22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................39
CAPÍTULO 2: Néctar extrafloral de Philodendron adamantinum Mart. ex Schott
(Araceae) como um recurso temporário para múltiplas espécies de formigas no
Cerrado.
RESUMO...........................................................................................................44
ABSTRACT……………………………………………………………....................45
1.
2.
INTRODUÇÃO.................................................................................................46
MATERIAIS E MÉTODOS...............................................................................47
2.1. ÁREA DE ESTUDO.....................................................................................47
III
2.2. ESPÉCIE ESTUDADA.................................................................................48
2.3. QUANTIFICAÇÃO E DENSIDADE DOS NECTÁRIOS EXTRAFLORAIS EM P.
ADAMANTINUM.................................................................................................48
2.4. A FAUNA DE FORMIGAS ASSOCIADAS AOS NEFs....................................48
2.5.INFLUÊNCIA
DAS
FORMIGAS
NO
SUCESSO
REPRODUTIVO..................................................................................................49
3.
RESULTADOS.................................................................................................50
3.1. QUANTIFICAÇÃO E DENSIDADE DOS NECTÁRIOS EXTRAFLORAIS EM P.
ADAMANTINUM.................................................................................................50
3.2. A FAUNA DE FORMIGAS ASSOCIADAS AOS NEFs.....................................50
3.3. VISITA AOS NECTÁRIOS EXTRAFLORAIS DE P. ADAMANTINUM................53
3.4.INFLUÊNCIA
DAS
FORMIGAS
NO
SUCESSO
REPRODUTIVO..................................................................................................54
4.
5.
DISCUSSÃO....................................................................................................55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................58
IV
LISTA DE FIGURAS
CAPÍTULO 1
Figura 1. Vista panorâmica do Parque Estadual do Rio Preto (...)..........................16
Figura 2. Localização das manchas de Philodendron adamantinum.......................16
Figura 3. Philodendron adamantinum (...)................................................................18
Figura 4. Produção média de folhas novas (...).......................................................23
Figura 5. Inflorescência do tipo espádice de P. adamantinum (...)..........................25
Figura 6. Sequência dos eventos florais de P. adamantinum..................................27
Figura 7. Temperatura do espádice (...)...................................................................28
Figura 8. a) Fruto abortado (...) e b) Fruto resultante do tratamento de polinização
cruzada manual........................................................................................................31
Figura 9. Tipos polínicos (...) ..... a) grão de pólen de P. adamantinum (...) e b) grão
de pólen de P. uliginosum (...)..................................................................................33
Figura 10. Erioscelis emarginata respondeu diferente quanto ao toque..................33
CAPÍTULO 2
Figura 1. Densidade de nectários extraflorais (...)...................................................50
Figura 2. Abundâncias das espécies de formigas nectarívoras (...)........................52
Figura 3. Número de visitas das formigas aos NEFs (...)........................................53
Figura 4. Operárias de Brachymyrmex sp forrageando na espata (a) e no pecíolo
(b) (...)..............................................................................................................53
Figura 5. Relação entre temperatura ambiente e abundância de formigas (...).......54
V
LISTA DE TABELAS
CAPÍTULO 1
Tabela I. Morfometria de inflorescência de P. adamantinum..................................24
Tabela II. Constituintes químicos do buquê floral (...)..............................................29
Tabela III. Produtividade de frutos de P.adamantinum............................................31
Tabela IV. Número de óvulos, grãos de pólen e razão P/O.....................................32
Tabela V. Besouros Cyclocephalini..........................................................................38
CAPÍTULO 2
Tabela I. Lista das espécies de formigas (...)...........................................................52
Tabela II. Produção de frutos de P. adamantinum a partir do tratamento com
exclusão de formigas e controle (...).........................................................................54
VI
Capítulo 1
Philodendron adamantinum Mart. ex Schott
(Araceae) atrai
besouros Erioscelis emarginata (Scarabaeidae) através da
emissão de voláteis específicos e assegura a frutificação
11
RESUMO
Philodendron adamantinum (Araceae, Philodendreae) é uma espécie rupícola de
ocorrência restrita ao estado de Minas Gerais, Brasil. Considerando a importância dos
besouros para o sucesso reprodutivo de centenas de espécies vegetais, o presente
trabalho objetiva investigar a biologia floral de P. adamantinum e sua associação com
besouros antófilos. A composição química do buquê floral desse filodendro foi
analisada e a atratividade de seus componentes majoritários aos besouros
polinizadores foi averiguada em biotestes in situ. Inflorescências de P. adamantinum
são fortemente aquecidas durante a fase feminina da antese e concomitantemente
liberaram odores que atraíram seus besouros polinizadores. O buquê floral de P.
adamantinum é constituído por 39 compostos voláteis, dentre eles metil jasmonato e
diidro-ß-ionona. O último perfez cerca de 90% da composição total relativa do
perfume. Os biotestes mostraram que sozinhos esses compostos são capazes de
atrair besouros de Erioscelis emarginata (Dynastinae, Cyclocephalini), seus únicos
polinizadores no local. Os resultados desse estudo reforçam as evidências do papel
crucial de sinais olfatórios na mediação entre plantas cantarófilas e seus polinizadores.
A composição ímpar do buquê floral das diferentes espécies de Philodendron e a
atração de besouros da mesma espécie por diferentes sinais químicos, levanta a
questão de que a sinalização olfatória entre besouros e essas plantas pode ser
espécie-específica e associada a populações de plantas biogeograficamente isoladas.
Palavras-chave: cantarofilia, polinizador específico, sucesso reprodutivo, Cerrado,
voláteis florais, atração química.
12
ABSTRACT
Philodendron adamantinum (Araceae, Philodendreae) is a rupicula specie restricted to
the state of Minas Gerais, Brazil. Considering the importance of beetles to the
reproductive success of hundreds of plant species, this study aims to investigate the
floral biology of P. adamantinum and its association with beetles anthophilous. The
chemical composition of the floral bouquet this Philodendron was analyzed and the
attractiveness of its major components to beetle pollinators was investigated in situ
bioassays. Inflorescences of P. adamantinum are strongly heat during the female
phase of anthesis and concomitantly release odors that attract their pollinators beetles.
The floral bouquet of P. adamantinum 39 consists of volatile compounds, among which
methyl jasmonate and dihydro-beta-ionone. The last perfez about 90% of the total
composition on the perfume. The bioassays showed that these compounds alone are
able to attract beetles Erioscelis emarginata (Dynastinae, Cyclocephalini), their only
pollinators in place. The results of this study provide further evidence of the crucial role
of olfactory signals in mediating between cantharophilas plants and their pollinators.
The unique composition of floral bouquet of different species of Philodendron and the
attraction of beetles of the same species by different chemical signals, which raises the
question of olfactory signaling between these plants and beetles may be speciesspecific and associated with plant populations biogeographically isolated.
Keywords: cantharophily, pollination specificity, reproductive success, Cerrado, floral
volatiles, chemical attraction.
13
1. INTRODUÇÃO
A maioria das espécies vegetais de ambientes tropicais dependem da interação
com animais para sua polinização (Proctor et al. 1996; Faegri & van der Pijl 1979).
Inúmeros grupos de insetos visitam flores e inflorescências de angiospermas à procura
de alimento, abrigo ou local para acasalamento. Para as plantas, quando agem como
polinizadores, estes visitantes florais são imprescindíveis para garantir a reprodução e
variabilidade genética da espécie vegetal (Endress 1996; Proctor et al. 1996).
A cantarofilia, polinização realizada por besouros, é praticamente restrita às
regiões tropicais e sub-tropicais e especialmente bem conhecida para plantas das
famílias Araceae, Annonaceae e Arecaceae (Gottsberger 1990). Flores de plantas
cantarófilas compartilham características possivelmente oriundas de uma evolução
convergente (Gottsberger 1990; Bernhardt 2000). São protogínicas, geralmente com
antese noturna, apresentam termogênese e como recompensas alimentares aos
visitantes florais, apresentam grande quantidade de pólen, tecidos estéreis nutritivos e
exsudatos florais. Para os besouros antofilos, as flores são fontes de alimento, sítios
de acasalamento e abrigos onde pernoitam (Schatz 1990; Gottsberger 1990). Odores
emitidos pelas flores são considerados como principal sinal atrativo aos polinizadores,
em geral, forrageadores noturnos (Gottsberger 1990; Gottsberger & SilberbauerGottsberger 1991; Maia et al. 2010, 2012; Gottsberger et al. 2012; Dötterl et al. 2012).
A volatilização desses odores é atribuída à ação da termogênese, processo energético
que eleva a temperatura da câmara floral a até 22 °C acima da temperatura ambiente
(Seymour et al. 1983).
A forte fragrância liberada por flores cantarófilas é há muito discutida e
classificada como fétida, almiscarada, adociada, frutada e etc. (Bernhardt 2000).
Apenas um pequeno número de espécies, contudo, teve a natureza do seu buquê
floral analisado, dentre elas três espécies neotropicais do gênero Philodendron Schott
(Araceae, Philodendreae), P. acutatum, P. selloum e P. bipinnatifidum, onde as
fragrâncias emitidas durante a fase feminina da antese são intensas e de fácil
percepção ao olfato humano (Maia et al. 2010; Dötterl et al. 2012; Gottsberger et al.
2013).
A família Araceae, com aproximadamente 3.800 espécies (Cusimano et al.
2011) de ocorrência tropical e neotropical (Mayo 1997), exemplifica um dos primeiros
casos de cantarofilia detalhadamente estudado em regiões neotropicais (Gottsberger
& Amaral 1984; Young 1986; Gottsberger & Silberbauer–Gottsberger 1991). Entre os
113 gêneros da família, Philodendron Schott é um megadiverso gênero com cerca de
700 espécies exclusivamente polinizadas por besouros Cyclocephala (Scarabaeidae,
14
Cyclocephalinae) e Erioscelis (Scarabaeide, Dynastinae) (Gottsberger & Amaral 1984,
Schatz 1990; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 1991; Croat 1997; Gibernau et al.
1999, Gibernau & Barabé 2002; Maia et al. 2010). O táxon está dividido em três
subgêneros: Philodendron, Pteromischum e Meconostigma (Mayo et al. 1997). Este
último é o menor e mais basal dos três subgêneros, com centro de diversificação no
sudeste do Brasil (Mayo 1988). A biologia floral e da polinização é documentada
apenas para quatro espécies das 15 espécies deste subgênero: P. selloum (no
Cerrado; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 1991), P. bipinnatifidum e P. Mellobarretoanum (Mata Atlântica; Gottsberger & Amaral 1984; Gottsberger et al. 2013) e
P. solimoesense (Floresta tropical úmida ; Gibernau et al. 1999) todas polinizadas por
besouros dinastídeos (Dynastinae, Scarabaeidae).
Philodendron adamantinum Mart. ex Schott (subgênero Meconostigma) é uma
rupícola endêmica da Cadeia do Espinhaço e de ocorrência restrita ao estado de
Minas Gerais (Mayo 1991; Gonçalves 2004; Sakuragui & Soares 2010). Neste
trabalho, nós documentamos a biologia floral e da polinização de P. adamantinum,
com o intuito de responder às seguintes questões: (I) Quais são os polinizadores de P.
adamantinum no Parque Estadual do Rio Preto? (II) Qual é seu status reprodutivo no
local de estudo? (III) P. adamantinum compartilha componentes do buquê floral com
outras plantas cantarófilas? e (IV) Os compostos majoritários presentes no buquê de
P. adamantinum são capazes de atrair seu polinizador específico?
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. ÁREA DE ESTUDO
O estudo foi conduzido no Parque Estadual do Rio Preto (PERPreto), município
de São Gonçalo do Rio Preto (18°00’23.73”S; 43°23’42.72”O), Minas Gerais, Brasil
(Figura 1). O Parque está inserido no complexo da Serra do Espinhaço e abrange
10.755 hectares de um mosaico vegetacional composto por floresta estacional
semidecídua, formações savânicas e campestres. O clima da região é tropical,
ocorrendo uma estação seca de junho a agosto e uma chuvosa de novembro a março,
com médias de precipitação pluviométrica de 8.25mm e 223.19mm, respectivamente.
A temperatura média anual é de aproximadamente 18.9 °C com pequenas variações
ao longo do ano (IEF 2004). Para os estudos foram selecionados 98 indivíduos de P.
adamantinum distribuídos em quatro manchas (Figura 2).
15
Figura 1. Vista panorâmica do Parque Estadual do Rio Preto, São Gonçalo
do Rio Preto – MG.
Figura 2. Localização das manchas de Philodendron adamantinum:
heliporto (23 indivíduos), estrada (12 indivíduos), mirante (43 indivíduos) e
rocha do tatu (20 indivíduos). Foto: Google imagens.
16
2.2. ESPÉCIE ESTUDADA
Philodendron adamantinum Mart. ex Schott é uma herbácea que cresce sobre
afloramentos de quartzito e arenito (Figura 3a). Indivíduos apresentam caule aéreo,
ereto, com até 1.5 m de altura. Do caule partem as folhas e raízes adventícias que se
fixam aos afloramentos e conferem sustentação à planta (Figura 3b). Possui folhas
sagitadas, pinatissectas, com longos pecíolos. Das gemas entre o caule aéreo e a
base do pecíolo originam-se as inflorescências, uma por folha (Figura 3c). No caule
são características as cicatrizes deixadas pelas folhas ao caírem (Figura 3d). As
inflorescências possuem uma espata de coloração externamente esverdeada e
internamente branco-amarelada. O espádice apresenta uma seção apical com flores
masculinas férteis, uma intermediária com flores masculinas estéreis e uma basal com
flores femininas (Mayo 1991).
O material botânico foi identificado pelo Prof. Dr. Eduardo Gomes Gonçalves
(Universidade Católica de Brasília - UCB) e exsicatas depositadas no Herbário
“Professor José Badini” – OUPR, Universidade Federal de Ouro Preto (registro
OUPR25950).
17
1
2
3
Figura 3. Philodendron adamantinum Mart. ex. Schott: a) Espécime sobre rochas
quartzíticas no Parque Estadual do Rio Preto, MG; b) Detalhe das raízes adventícias
que se estendem dos afloramentos rochosos ao solo; c) Inflorescência em estágio
inicial de desenvolvimento. d) Cicatrizes foliares no caule; e) Zonas masculina fértil
(1), masculina estéril (2) e feminina (3).
18
2.3. FENOLOGIA REPRODUTIVA E FOLIAR
O período de floração de P. adamantinum foi determinado a partir de visitas
mensais ao local de estudo. A produção mensal de folhas novas foi acompanhada em
20 indivíduos de novembro de 2011 a novembro de 2012.
2.4. MORFOLOGIA DAS INFLORESCÊNCIAS
Para
caracterização
da
morfologia
floral,
onze
inflorescências
foram
conservadas em álcool 70%. Para cada inflorescência foi registrado o comprimento
total da espata, do espádice e das zonas masculinas fértil e estéril e feminina. Em 10
inflorescências, foi contado diretamente o número de flores da zona feminina e
estimado o das zonas masculinas férteis e estéreis. Para essa estimativa, foi contado
o número de flores contidas em um anel de 0,5 cm de altura demarcado em ambas as
zonas masculinas. O número de flores contidas nesse anel foi multiplicado pelo
comprimento total de cada zona masculina e divido por 0,5. O número total de flores
por inflorescência foi obtido através da soma do número de flores presentes nas três
zonas.
Para caracterização da morfologia polínica de P. adamantinum, foram
confeccionadas lâminas de pólen à fresco de acordo com Louveaux et al. 1978 e
Wittmann & Schlindwein 1995. Sob o microscópio óptico, trinta grãos de pólen foram
medidos utilizando uma ocular com régua e caracterizados quanto ao tamanho, forma,
abertura e ornamentação.
2.5. BIOLOFIA FLORAL
2.5.1. ANTESE
Definiu-se como antese o início da abertura da espata. Para determinar a
duração da antese e os principais eventos ocorridos durante este período,
inflorescências de 15 indivíduos de P. adamantinum foram observadas da pré-antese
ao fechamento. A receptividade estigmática foi checada no início e ao final da antese,
gotejando-se peróxido de hidrogênio sobre o estigma e em seguida foi observada a
formação de bolhas que é um indicativo de receptividade (Kearns & Inouye 1993). O
ângulo da inclinação do espádice em relação a espata foi medido utilizando-se um
compasso e um transferidor. As medidas foram feitas entre 18:30H – 19:30H em 10
inflorescências.
19
2.5.2. TERMOGÊNESE
Para quatro inflorescências, registrou-se temperatura do espádice e do ar
ambiente in situ durante toda antese. Para registrar a temperatura foi utilizado um
termômetro portátil equipado com data-logger e duas sondas individuais (Hanna
Instruments Inc., USA). Uma das sondas foi inserida a 0,5 cm de profundidade na
zona masculina estéril e a outra foi mantida a aproximadamente 50 cm da planta. A
intervalos de 5 minutos, as temperaturas da inflorescência e do ar ambiente foram
registradas automaticamente pelo termômetro.
2.5.3. COLETA E ANÁLISE DE ODORES FLORAIS
Amostras dos odores florais de P. adamantinum foram coletadas in situ a partir
de 6 inflorescências intactas durante as florações de 2011 e 2012. Utilizou-se a técnica
de extração dynamic headspace, segundo Raguso & Pellmyr (1998). Para cada
amostra, uma inflorescência na fase feminina foi ensacada por 10 minutos com sacos
de poliacetato inodoro (Toppits Bratschlauch, Melitta GmbH, Alemanha). O ar contido
dentro do saco foi sugado por bomba de sucção (ASF Thomas, Inc., Alemanha) por 20
minutos a um fluxo constante de 200 ml.min-1. Os odores contidos no ar foram
capturados através de filtros absorventes, contendo Tenax™ TA (malha 80/100,
Macherey-Nagel 706318) e Carbopack™ X (malha 20/40, Supelco 1-0435), na
proporção de 1:1. As amostras controle foram coletadas simultaneamente a partir de
sacos vazios. Os filtros foram eluídos com 250 µl de hexano P.A. e enviados para
análise ao Pro. Dr. Stefan Dötterl (Universidade de Salzburg, Áustria) e ao Dr. Artur
Maia Ávila (Universidade Federal de Pernambuco, Brasil).
As amostras coletadas foram analisadas através de cromatografia gasosa e
espectrometria de massas (GC-MS), em um sistema quadrupolo Agilent 5975C Series
GC/MSD (Agilent Technologies, Palo Alto, EUA), ajustado em modo EI, equipado com
uma coluna apolar HP-5ms (Agilent J&W; 30 m x 0.25 mm d.i., 0.25 μm espessura da
película). Para cada amostra, uma alíquota de 1 μl foi injetada em modo split (20:1),
com a temperatura do injetor definida em 250 °C. A temperatura do forno do
cromatógrafo gasoso foi ajustada em 40 °C por 2 min, aumentada em 4 °C min-1 até
230 °C e mantida por 5 min. O fluxo de hélio foi mantido em pressão constante de 7,0
psi. As temperaturas da fonte e do quadrupolo do espectrômetro de massas foram
definidas em 230 °C e 150 °C, respectivamente. Os espectros de massa foram
registrados em m/z 35-350. Os compostos foram identificados a partir de comparação
de seus espectros de massa e tempos de retenção com padrões autênticos
disponíveis nas bibliotecas de referência MassFinder 4, NIST08 e Wiley Registry™ 9th
20
Edition, integradas ao software Agilent MSD Productivity ChemStation (Agilent
Technologies, Palo Alto, EUA). As áreas dos picos nos cromatogramas foram
integradas para obtenção do sinal iônico total e seus valores utilizados para determinar
as proporções relativas de cada composto.
2.6. SISTEMA REPRODUTIVO
Para o estudo do sistema reprodutivo de P. adamantinum foram realizados
testes de autopolinização espontânea, polinização cruzada manual e polinização
natural. A autopolinização espontânea foi testada ensacando-se 24 inflorescências em
pré-antese, impedindo o acesso dos visitantes florais. Para polinização cruzada
manual, 20 inflorescências ensacadas em pré-antese receberam pólen oriundos de
indivíduos distantes pelo menos 600 m, e foram novamente ensacadas. O tratamento
de polinização cruzada manual foi conduzido à noite, entre 18:30H - 19:00H. Para a
polinização natural ou controle, 46 inflorescências expostas à visitação foram
ensacadas após o fechamento da espata. Após a realização dos testes, todas as
inflorescências foram acompanhadas mensalmente até a frutificação.
O sistema reprodutivo de P. adamantinum também foi caracterizado segundo a
razão pólen/óvulo proposta por Cruden (1977). Foi contado o número de óvulos em 30
flores femininas de dez inflorescências (N = 330) e o número de óvulos por
inflorescência foi obtido multiplicando-se o número médio de óvulos por flor pelo
número médio total de flores femininas. O número de grãos de pólen por flor foi
estimado a partir de quatro flores masculinas de seis inflorescências (N = 24),
coletadas antes do amadurecimento das anteras. Para o desprendimento dos grãos
das anteras, as flores foram imersas em 500 µl de ácido sulfúrico a 95%, em potes
individualizados, por 5 dias (Chouteau et. al 2006). Esta solução foi homogeneizada
por um minuto em agitador Vortex (Vortex Q220 Quimis®, Quimis LTDA, SC, Brasil),
uma alíquota de 50 µl foi transferida para uma lâmina e, com auxílio de um
microscópio, foi contado o número de grãos de pólen. O número total de grãos por flor
foi estimado multiplicando-se o número de grãos contidos em uma alíquota de 50 µl
por 500 µl (volume do eppendorff) e divido por 50. O número de grãos de pólen por
inflorescência foi obtido multiplicando-se o número de grãos por flor pelo número de
flores masculinas férteis.
2.7. VISITANTES FLORAIS
Ao longo da floração de P. adamantinum, 25 inflorescências foram
inspecionadas para o registro das espécies e abundância dos visitantes florais.
21
Besouros foram capturados manualmente nas inflorescências e armazenados
individualmente em frascos limpos. Cada besouro foi lavado com etanol 70% para
remoção dos grãos pólen aderidos às cutículas. A mistura de pólen com etanol foi
transferida para uma placa de petri, onde quatro setores de igual área haviam sido
previamente marcados com marcador permanente. Após evaporação do álcool, uma
porção de gelatina glicerinada corada com fucsina e aderida a ponta de uma agulha foi
levemente pressionada sobre cada um dos setores perfazendo-se um movimento em
“Z”. As lâminas de pólen foram montadas e analisadas como descrito na seção 2.4.
Para cada besouro capturado, foram confeccionadas quatro lâminas de pólen. Os
besouros foram montados em alfinetes entomológicos, secos em estufa à 40 ºC e
enviados para identificação pelo Dr. Paschoal Grossi da Universidade Federal do
Paraná. Os animais encontram-se depositados na coleção entomológica Pe. Jesus
Santiago Moure da mesma universidade e na coleção entomológica do Laboratório de
Biodiversidade da Universidade Federal de Ouro Preto.
Durante o período de floração de P. adamantinum foram instaladas três
armadilhas luminosas, modelo “Luiz de Queiroz” (Silveira Neto & Silveira 1969) para
checar a ocorrência de outros besouros antófilos. As coletas foram realizadas em duas
noites consecutivas nos meses de novembro e dezembro de 2011 e janeiro de 2012.
As armadilhas foram instaladas próximas às populações de P. adamantinum. Os
besouros capturados foram armazenados em frascos com etanol 70% e enviados para
identificação a Profª. Drª. Luciana Yanuzzi da Universidade Federal Pernambuco.
2.8. BIOTESTES COM ODORES FLORAIS
Para verificar a atividade biológica dos compostos florais de P. adamantinum
na atratividade de besouros polinizadores, biotestes foram conduzidos in situ em
dezembro de 2012 em duas ocasiões. Cones de papel filtro foram instalados sobre
indivíduos não floridos de P. adamantinum. Na primeira ocasião, os papéis filtro foram
instalados em quatro sítios, distantes 10 m entre si. Em cada sítio, foram apresentados
três cones de papel filtro: um impregnado com 100 µl do principal constituinte (sintético
puro, Sigma-Aldrich) do buquê floral de P. adamantinum misturado a 100 µl de óleo
mineral inodoro; um impregnado com 100 µl de um outro constituinte (sintético puro,
Sigma-Aldrich) do buquê misturado a 100 µl de óleo mineral inodoro; e outro cone
impregnado com 100 µl de óleo mineral inodoro (controle). Na segunda ocasião, os
cone de papel filtro foram instalados em três sítios também distantes 10 metros entre
si. Em cada sítio, foram apresentados quatro cones, três como relatado acima, e um
contendo 100 µl da mistura do principal componente do buquê com um segundo
22
componente (1:1). Para cada ocasião, os testes foram conduzidos por duas noites
consecutivas, entre 18:00H - 20:00H, horário de atividade de voo dos besouros.
Após impregnação dos cones, foi contabilizado o número de vezes que
besouros atraídos às iscas as tocaram. As respostas dos besouros foram
consideradas como toque quando eles tocavam e/ou pousavam sobre os cones de
papel filtro. O número de toques recebidos por cada cone foi posteriormente
comparado através do teste ANOVA unifatorial.
3. RESULTADOS
3.1. FENOLOGIA REPRODUTIVA E FOLIAR
A floração de P. adamantinum é anual e iniciou-se no final de novembro,
estendendo-se até o final de janeiro, com um pico no mês de dezembro. O número
médio de folhas novas produzidas por indivíduos correlacionou-se com o volume de
chuva. Nos meses de maior precipitação na região, de novembro a janeiro, houve uma
maior produção de folhas (Figura 4).
400
Folhas novas
Precipitação
350
300
2
250
200
150
1
100
Precipitação (mm)
Nº médio de folhas novas
3
50
0
0
Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov
Figura 4. Produção média de folhas novas em indivíduos de P. adamantinum de
novembro 2011 a novembro 2012. Houve maior produção de folhas na
estação chuvosa.
23
3.2. MORFOLOGIA DAS INFLORESCÊNCIAS
As flores de P. adamantinum são aclamídeas e unissexuais, dispostas em um
eixo vertical, formando uma inflorescência do tipo espádice, envolvida por uma
bráctea, a espata (Figura 5a). O espádice possui em média 13 cm de comprimento e a
espata, em média 14.7 cm (Tabela I). Na porção superior do espádice, estão inseridas
as flores masculinas férteis e na porção média as flores masculinas estéreis, todas
com a coloração branca (Figura 5b). Na porção inferior do espádice estão inseridas as
flores femininas de coloração esverdeada (Figura 5b). A espata é de coloração verde
externamente e branca internamente (Figura 5a). As flores masculinas férteis ocupam
em média 41% (5.2 cm) e as estéreis 42% (5.4 cm) do espádice, enquanto as
femininas ocupam apenas cerca de 17% (2.3 cm) (Figura 5b e Tabela I). Cada
inflorescência possui, em média, 5.165 flores, 70% compostas por flores masculinas
férteis, 26% masculinas estéreis e apenas 4% são flores femininas (Tabela I).
Os grãos de pólen de P. adamantinum medem cerca de 86 µm ± 7.4 (N = 30).
Segundo a classificação de Erdman (1952), são grandes, de forma esferoidal,
inaperturados e psilados.
Tabela I. Morfometria de inflorescência de Philodendron adamantinum
Medidas/contagens
N
Média ± DP
Comprimento da espata (cm)
11
14.65 ± 1.90
Comprimento do espádice (cm)
11
13.09 ± 2.38
Comprimento zona masculina fértil (cm)
11
5.27 ± 1.00
Comprimento da zona masculina estéril (cm)
11
5.45 ± 1.36
Comprimento da zona feminina (cm)
11
2.27 ± 0.78
Número de flores masculinas na zona fértil
10
3.555 ± 931.5
Número de flores masculinas na zona estéril
10
1.315 ± 291.4
Número de flores femininas
10
190 ± 29.8
24
Figura 5. Inflorescência do tipo espádice de P. adamantinum envolta pela
espata de coloração verde externamente e branco internamente (a).
Disposição das flores unissexuais: ♂ = flores masculinas férteis, ♀ = flores
femininas e entre elas as flores masculinas estéreis (b).
3.3. BIOLOGIA FLORAL
3.3.1. ANTESE
A antese de P. adamantinum estendeu-se por dois dias e teve início entre
07:00H - 09:00H da manhã com o início da abertura da espata (Figura 6a). As
inflorescências são dicogâmicas e durante o primeiro dia de antese, a partir das
16:30H apenas as flores femininas estavam receptivas. No início da primeira noite por
volta das 18:30H, o espádice e a espata inclinam-se formando um ângulo de até 80°
(Figura 6b), e se aquece volatilizando um intenso odor adocicado e de fácil percepção
ao olfato humano. Neste período, besouros visitantes alcançam as flores, passam a
noite na câmara e comem parcialmente as flores masculinas estéreis (Figura 6c). Na
manhã do segundo dia de antese, uma resina amarelada é secretada no lado interno
25
da espata (Figura 6d). Entre às 15:30H - 16:30H a inflorescência inicia a fase
masculina com as flores masculinas férteis liberando grande quantidade de grãos de
pólen dispostos em “fios”. (Figura 6e). Na noite do segundo dia de antese, entre
19:00H - 19:30H, inicia-se o fechamento da espata, o que indica o fim da antese. O
fechamento da espata é gradual e começa da base para o ápice da inflorescência.
Uma forte constrição é formada pela espata na região das flores masculinas estéreis
restando apenas uma pequena abertura no ápice por onde os besouros saem com o
corpo coberto de pólen (Figura 6f) e, provavelmente em busca de uma nova
inflorescência.
26
Figura 6. Sequência dos eventos florais de Philodendron adamantinum.
27
3.3.2. TERMOGÊNESE
Os
perfis
termogênicos
das
quatro
inflorescências
analisadas
foram
semelhantes. No primeiro dia de antese, no crepúsculo vespertino, entre 17:15H 18:00H, o espádice começa a aquecer-se e o pico de temperatura de 42.4 °C ± 1.14
(N = 4) é alcançado cerca de 30 minutos depois. Neste momento, a temperatura do
espádice está, em média 18.8 °C ± 0.72 acima da temperatura ambiente. O espádice
permaneceu aquecido até aproximadamente 21:00H quando a temperatura diminuiu
gradativamente. No início do segundo dia de antese, a temperatura do espádice subiu
levemente alcançando até 10 °C acima da temperatura ambiente. Posteriormente,
entre aproximadamente 17:30H - 18:00H, o espádice resfria-se e sua temperatura
torna-se próxima a do ambiente. Após as 18:00H, a temperatura do espádice é a
mesma ou menor que a do ambiente (Figura 7).
45
Ambiente
Inflorescência
Diferença de temperatura
40
35
25
20
15
10
5
0
-5
07:05
08:45
10:25
12:05
13:45
15:25
17:05
18:45
20:25
22:05
23:45
01:25
03:05
04:45
06:25
08:05
09:45
11:25
13:05
14:45
16:25
18:05
19:45
21:25
23:05
Temperatura (C)
30
Horário
Figura 7. Temperatura do espádice (linha vermelha) e do ar ambiente (linha
azul) durante os dois dias de antese de Philodendron adamantinum. A curva
verde representa as diferenças de temperatura entre o ar ambiente e o
espádice.
28
3.3.3. ODORES FLORAIS
Durante a fase feminina da antese, inflorescências de P. adamantinum
volatilizaram um intenso odor adocicado. A análise química dos odores florais apontou
a presença de 39 compostos voláteis que foram classificados em sete classes
principais segundo Knudsen (2006), baseadas na estrutura molecular e biossíntese
(Tabela II). Diidro-β-ionona foi destaque entre os compostos presentes, constituindo
quase 90% (89.67% ± 3.38) da composição total relativa do perfume floral de P.
adamantinum. Outros três compostos juntos perfizeram 7.97% da composição total
relativa
do
perfume
de
P.
adamantinum:
(E)-8,9-deidro-4,5-diidrotheaspirona
representou 4.15% ± 3.22, eucaliptol 2.13% ± 0.42 e metil jasmonato 1.69% ± 0.46. Os
outros trinta e cinco compostos restantes ocorreram em quantidades relativamente
pequenas.
Tabela II. Constituintes químicos do buquê floral de Philodendron
adamantinum (Araceae) e quantidade relativa dos compostos encontrados.
Kovats
RI
(%)
Alifáticos
Ésteres
Metil-(E)-2-octenoato
1171
0.01a
Aromáticos
Ésteres
salicilato de metila
metil ρ-anisato
1194
1375
0.02 ± 0.01b
0.02 ± 0.01b
1400
1651
1681
0.01a
1.69 ± 0.46
0.12 ± 0.06b
1107
0.03 ± 0.01b
932
973
975
992
1028
1030
1059
1073
1175
1088
0.05 ± 0.02
0.09 ± 0.06
0.04 ± 0,01
0.03b
0.04
2.13 ± 0.42
0.02
0.03 ± 0.02
0.01a
0.07 ± 0.04
Compostos cíclicos diversos
Carbocíclicos
(Z)-jasmona
metil jasmonato
metil epijasmonato
Piranos
2,2,6-trimetil-6-vinildiidro-2H-piran3(4H)-ona
Terpenóides
Monoterpenos
α-pineno
Sabineno
β-pineno
β-mirceno
Limoneno
Eucaliptol
γ-terpineno
óxido de linalool <cis-> (furanóide)
óxido de linalol <trans-> (piranóide)
óxido de linalool <trans-> (furanóide)
29
Kovats
RI
Linalool
terpinen-4-ol
α-Terpineol
metil citronelato
geranato de metila
Geranilacetona
Terpenos irregulares
6-metil-5-hepten-2-ona
(E)-4,8-dimetil-1,3,7-nonatrieno
Theaspirano Isômero I
Theaspirano Isômero II
ciclo-β-ionona
diidro-β-ionona
diidro-β-ionol
(E)-8,9-deidro-4,5-diidrotheaspirona
β-ionona
Não identificados
m/z 124,40,69,50,68
m/z 40,44,43,123,149
m/z 121,136,95,43,93
m/z 119,121,43,120,91
m/z 123,109,208,110,40
m/z 109,123,208,43,82
m/z 109,123,208,43,82
(%)
1100
0.17 ± 0.15
1178
1191
1262
1325
1455
0.02 ± 0.01b
0.01a
0.02 ± tr
0.33 ± 0.11
0.05 ± 0.01b
988
1117
1300
1317
1334
1445
1448
1458
1488
0.01a
0.02b
0.06 ± 0.02
0.07 ± 0.01
0.08 ± 0.01b
89.67 ± 3.38
0.45 ± 0.07
4.15 ± 3.22
0.04 ± 0.03
1341
1405
1418
1422
1530
1676
1679
0.02 ± tr
0.01b
0.07 ± 0.02
0.03 ± 0.03b
0.03 ± 0.01
0.30a
0.41 ± 0.37
Número total de compostos
39
a
Compostos presentes em apenas uma amostra
Compostos presentes em apenas duas amostras
* Índice de retenção da partícula
b
3.4. SISTEMA REPRODUTIVO
Os testes de polinização mostraram que flores de P. adamantinum necessitam
de polinizadores para produzir infrutescências (Figura 8 e Tabela 3). Flores polinizadas
manualmente geraram mais infrutescências que as polinizadas naturalmente (Quiquadrado; λ² = 34.471; p = 0.000). Nenhuma infrutescência foi gerada a partir da
polinização espontânea (Tabela III). Quando a infrutescência torna-se madura, a
espata seca e abre expondo os frutos de cor amarelada e de cheiro adocicado forte.
30
Figura 8. a) Inflorescência abortada a partir do tratamento de polinização
espontânea. b) Infrutescência resultante do tratamento de polinização cruzada
manual.
Tabela III. Produção de frutos de Philodendron adamantinum a partir de
diferentes tratamentos de polinização. O número de frutos produzidos por
polinização manual cruzada foi maior que por polinização natural (λ² = 34.471;
p = 0.000).
Espontânea
Número de inflorescências
Produção de infrutescências (%)
24
0% (0)
Manual
cruzada
Natural
20
46
85% (17)
11% (5)
Philodendron adamantinum apresentou uma alta razão P/O a nível de flor e de
inflorescência (Tabela IV). De acordo com Cruden (1977) o sistema reprodutivo da
espécie a nível de flor é xenogâmico facultativo e a nível de inflorescência xenogâmico
obrigatório.
31
Tabela IV. Número de óvulos, grãos de pólen e razão pólen/óvulo por flor e
inflorescências de Philodendron adamantinum.
Medidas
Média ± DP
Número de grãos de pólen por flor masculina (N = 24)
5.034 ± 2.589
17x106
Número de grãos de pólen por inflorescência*
20 ± 5.27
Número de óvulos por flor (N = 330)
3.800 ± 4.33
Número de óvulos por inflorescência**
Razão P/O por flor
252.700
4x106
Razão P/O por inflorescência
*Multiplicou-se o número médio de grãos por flor pelo número médio de flores masculinas
por inflorescência. **Multiplicou-se o número médio de óvulos por flor pelo número médio
total de flores femininas.
3.5. VISITANTES FLORAIS
Durante a antese, apenas besouros da espécie Erioscelis emarginata
Mannerheim
(1829)
(Scarabaeidae,
Dynastinae)
visitaram
as
flores
de
P.
adamantinum. E. emarginata foi encontrado em nove das vinte e cinco inflorescências
inspecionadas e nunca em número maior que quatro besouros por inflorescência
(Figura 8c). Foram encontrados grãos de dois tipos polínicos aderidos à superfície
corporal dos besouros, um pertencente a P. adamantinum e o outro a P. uliginosum,
que se diferencia do primeiro quanto ao tamanho (Figura 9).
Besouros E. emarginata consumiram apenas flores da zona masculina estéril.
As flores das zonas masculina e feminina permaneceram íntegras. No segundo dia de
antese, após a liberação do pólen, os besouros caminharam até a zona masculinas e
provavelmente comeram o pólen. Nesta fase da antese foram atraídas abelhas
Trigona spinipes (Fabricius, 1793) e T. hyalinata (Lepeletier, 1836) (Apidae),
geralmente presentes em grupos de três ou mais. Essas abelhas sobrevoaram e
pousaram sobre o espádice e aparentemente coletaram resina e pólen. Dos insetos
atraídos à armadilha de luz negra, nenhum besouro da tribo Ciclocephalini estava
presente.
32
43µm
43µm
Figura 9. Tipos polínicos encontrados na superfície da cutícula de E.
emarginata. A) grão de pólen de P. adamantinum 86µm ± 7.4 e B) grão de
pólen de P. uliginosum 94µm ± 5.2.
3.6. BIOTESTES COM ODORES FLORAIS
Os biotestes foram realizados com o composto sintético marjoritário diidro-βionona e com metil jasmonato, este último foi escolhido por estar presente em outras
espécies de Philodendron. Os biotestes mostraram que de diidro-β-ionona e metil
jasmonato são capazes de atrair besouros da espécie E. emarginata. Nenhuma outra
espécie de besouro foi atraída. Puros ou misturados, esses compostos foram atrativos
aos besouros. Nenhum besouro, contudo, tocou ou se aproximou dos cones controle.
Os testes estatísticos mostraram que os besouros reponderam de maneira diferente
quanto ao toque às três substâncias, tendendo a ter mais toques no diidro-β-ionona
(Figura 10). Os besouros sobrevoaram as iscas a partir das 18:30H e após as 19:00H
nenhum besouro foi observado em voo no local dos biotestes.
Frequência de toques
100
80
60
40
20
0
Mistura
Dihiidro-ß-ionona Metil jasmonato
Odores
Figura 10. Erioscelis emarginata respondeu diferente quanto ao
toque as isca impregnadas com as três substâncias (ANOVA Wald
λ2(2): 6.24; p = 0.04).
33
4. DISCUSSÃO
O papel de voláteis florais como componentes chave nos sistemas
cantarófilos de polinização
Nossos resultados mostraram que o buquê floral de P. adamantinum é
dominado por diidro-ß-ionona, composto químico que sozinho ou em combinação com
metil jasmonato, é responsável pela atração de besouros Erioscelis emarginata
(Cyclocephalini), os únicos polinizadores da espécie estudada. Apesar de perfazer
apenas 1.69% da composição relativa do buquê de P. adamantinum, metil jasmonato
também foi atrativo à E. emarginata.
Isto confirma os resultados recentemente encontrados sobre o papel de
voláteis florais como os únicos mediadores nos sistemas de polinização altamente
especializados entre flores cantarófilas e Cyclocephalini (Dötterl et al. 2012; Maia et al.
no prelo, 2012; Gottsberger et al. 2013). À curtas distâncias o interior da espata de
coloração clara é visualmente atrativo aos besouros polinizadores. A longas
distâncias, entretanto, os odores florais são o único meio de atração desses animais
de atividade crepuscular-vespertina (Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 1991). Na
ausência de voláteis, a longas distâncias não há pistas para localização das flores de
Philodendron adamantinum.
Após 4-metil-5-viniltiazol emanado por inflorescências de Caladium bicolor
(Araceae) e flores de Annona muricata (Annonaceae) (Maia et al. 2012), 4metoxiestireno em Philodendron selloum (Araceae) e hexanona em Taccarum ulei
(Araceae) (Maia et al. 2013), Diidro-β-ionona beta ionona e metil jasmonato compõem
o quarto grupo de voláteis de atratividade biológica comprovada.
Diidro-β-ionona constitui cerca de 90% da composição total relativa do perfume
floral. Em Araceae, foi registrado em dominância nas inflorescências de P. acutatum
Schott polinizadas por besouros Cyclocephala celata Dechambre, 1980 na Mata
Atlântica de Pernambuco (Maia et al. 2010). No entanto, o composto não exerceu
atração aos besouros C. celata (Maia et al. no prelo). Metil jasmonato também ocorre
em diversas famílias de angiospermas (Knudsen et al. 2006). Atua mediando
respostas de defesa das plantas aos ataques de insetos fitófagos e patógenos
(Cheong & Choi 2003). O composto é relatado como constituinte do buquê floral de P.
sellom (Dötterl et al. 2012; Gottsberger et al. 2013) e P. bippinatifidum (Gottsberger et
al. 2013). Nos biotestes, contudo, não houve evidências de sua função de atração dos
polinizadores nestas duas espécies de Philodendron.
Estudos recentes apontam para a atração olfatória seletiva de besouros
antófilos por plantas cantarófilas (Dötterl et al. 2012; Gottsberger et al. 2012, 2013;
34
Maia et al. 2012, no prelo). Através de biotestes in situ, Dötterl e colaboradores (2012)
demonstraram que o composto majoritário 4-metoxiestireno, emanado pelas
inflorescências de Philodendron selloum foi o sinal olfatório atrativo aos Erioscelis
emarginata, seus únicos polinizadores no local de estudo. Até então, apenas o 4metoxiestireno em associação com outros compostos presentes nas inflorescências de
P. selloum, era conhecido na atração de E. emarginata. A composição ímpar do buquê
floral das diferentes espécies de Philodendron e a atração dos besouros por outros
sinais químicos levanta a questão de que a sinalização olfatória entre besouros e
essas plantas pode ser espécie-específica e associada a populações de plantas
biogeograficamente isoladas. No PERPreto, ocorre uma segunda espécie do gênero
Philodendron, P. uliginosum Mayo, cujas inflorescências também são visitadas por
besouros E. emarginata (observação pessoal). Para responder a questão de
especificidade da interação, seria importante analisar o buquê floral dessa espécie e
testar a atratividade biológica dos compostos predominantes.
Fenologia, morfologia e biologia floral de Philodendron adamantinum
Indivíduos de P. adamantinum são amplamente distribuídos no Parque
Estadual do Rio Preto - MG e crescem exclusivamente sobre rochas quartzíticas, em
sítios de solo quase ausente. A disponibilidade de água parece ser o fator
determinante do período de floração e da produção de folhas de P. adamantinum a
qual coincide com a estação chuvosa. A sincronia dos períodos de floração com os de
chuva em um ambiente altamente sazonal como o do cerrado também é comum para
outras espécies de plantas desse bioma (Lenza & Klink 2006).
A morfologia das inflorescências de P. adamantinum converge com as de
outras cantarófilas: a espata é formada por um tecido rígido, que dá forma à câmara
floral, permite o abrigo de besouros por parte da antese e funciona como sítio de
acasalamento para os visitantes.
A protoginia, duração e sequência dos eventos florais ao longo da antese de P.
adamantinum assemelharam-se às registradas para outras espécies de Philodendron
(Gibernau et al. 2000; Gibernau & Barabé 2000; 2002; Maia et al. 2010).
A antese de plantas cantarófilas geralmente é noturna e o interior da espata, de
coloração clara, a curtas distâncias, é visualmente atrativo aos besouros polinizadores
(Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 1991). A longas distâncias, entretanto, odores
florais emanados durante a antese parecem ser o principal meio de atração desses
animais de atividade crepuscular-vespertina (Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger
1991).
35
Para volatilizar os odores atrativos aos polinizadores, as flores das plantas
cantarófilas se aquecem (Gottsberger 1990). Inflorescências de P. adamantinum
apresentam um pico de aquecimento, de até 20° C acima da temperatura ambiente, no
período de volatilização dos odores florais e receptividade das flores femininas. As
câmaras florais se mantêm mais aquecidas que o ambiente por toda noite. Essas
câmaras quentes também agem como fonte de calor e possibilitam economia
energética para besouros que pernoitam nas inflorescências (Seymour et al. 2003).
Nos representantes de Meconostigma, a termogênese se caracterizaria por um
padrão bifásico, com um pico de temperatura seguido de um platô; nos indivíduos do
subgênero Philodendron, por dois picos de temperatura. A função do primeiro pico tem
sido relacionada à volatilização de odores e a do segundo à liberação de pólen
(Gibernau et al. 2000; Gibernau & Barabé 2000, 2002; Maia et al. 2010), premissas
ainda não testadas. Apesar de pertencer ao subgênero Meconostigma, o perfil
termogênico de P. adamantinum se assemelha mais ao das espécies do subgênero
Philodendron. O primeiro pico de temperatura coincide com o período de liberação de
odor mais acentuado e o segundo pico de temperatura parece não ser vinculado com
a liberação de pólen, pois precede em aproximadamente sete horas e meia este
evento.
O tecido floral da zona estéril das inflorescências de P. adamantinum é
consumido pelos besouros durante a sua estadia na câmara floral. Eles não
consumiram a resina secretada do lado interno da espata, a qual deve ter papel crucial
para a adesão do pólen em sua cutícula. Os besouros caminharam sobre as flores
masculinas férteis enquanto o pólen era liberado, mas para se checar o uso de pólen
como alimento, há necessidade, contudo de análise do conteúdo do trato digestivo.
Philodendron adamantinum apresentou valores de razão P/O a nível de flor e
de inflorescência, condizentes com os encontrados para outras espécies de
Philodendron polinizadas por besouros (Chouteau et al. 2006, Chouteau et al. 2007,
Gibernau et al. 2010). A alta razão pólen/óvulo de P. adamantinum, ao nível de flor e
inflorescência, a assincronia no tempo da maturação das flores femininas e
masculinas e a não formação de infrutescências a partir da polinização espontânea
indicam um sistema reprodutivo xenogâmico para a espécie. A alta quantidade de
pólen provavelmente aumenta a eficiência do mecanismo de polinização desse
filodendro. Como os besouros não apresentam pelos ou uma estrutura corporal
específica para o transporte de pólen, a deposição de milhares de grãos sobre toda
superfície corporal, provavelmente propiciada pela pegajosa resina secretada do lado
interno da espata, faz com que toda a superfície corpórea dos besouros aja como um
transportado de pólen.
36
Limitação de polinização
A taxa de frutificação a partir da polinização cruzada manual sete vezes maior
que a natural, indica limitação de polinização no local, a qual deve relacionar-se mais à
insuficiência de polinizadores alcançando as flores do que à sua ineficiência como
vetores de pólen. Nas duas florações, em média apenas dois besouros, foram
encontrados por câmara floral. Em outras Araceae polinizadas por grandes besouros,
é comum o registro de dezenas ou até centenas de besouros por inflorescência
(Gottsberger 1990; Gibernau et al. 2000; Gibernau & Barabé 2002). P. adamantinum é
uma espécie extremamente comum no local de estudo e há um grande número de
inflorescências disponíveis ao mesmo tempo, o que poderia causar a alocação de
poucos ou nenhum besouro por flor.
Outra causa para a limitação de polinização, que não exclui a primeira, pode
relacionar-se ás altas taxas de polinização de filodendros com pólen de plantas
diretamente vizinhas. Como novos indivíduos são frequentemente gerados através de
brotamento, o transporte de pólen entre plantas na mesma mancha pode ter um efeito
de “geitonogamia” e não gerar frutos. Seria interessante checar se o sucesso de
polinização cruzada manual relaciona-se com a distância da planta doadora de pólen e
se o isolamento das manchas de filodendros interfere em sua produção de frutos. A
terceira provável causa para baixa produtividade natural de frutos é a deposição no
estigma de pólen de outras espécies cantarófilas simpátricas que também florescem
na estação chuvosa. Pólen de P. uliginosum também foi encontrado na cutícula de
besouros removidas da câmara floral de P. adamantinum, o que sugere partilha de
polinizadores entre essas espécies co-genéricas.
O fato de uma única espécie de besouro ter sido encontrada em associação
com inflorescências de P. adamantinum, sugere uma dependência reprodutiva
assimétrica da planta em relação ao polinizador. Indivíduos de P. adamantinum
dependem exclusivamente de E. emarginata para a produzir frutos. Aliás, nos
sistemas de polinização por besouros Cyclocephalini, uma espécie de planta
comumente relaciona-se com apenas uma ou duas espécies de besouros, que por sua
vez, polinizam várias espécies de plantas (Tabela V) (Gottsberger & Amaral 1984;
Gibernau et al. 1999; 2000; Gibernau & Barabé 2002). Para se compreender a
evolução da malha de interações besouros Cyclocephalini-plantas cantarófilas, é
necessário conhecer os compostos atrativos aos polinizadores presentes em um maior
número de espécies cantarófilas. O desafio futuro será entender os mecanismos de
percepção química pelos besouros, sua capacidade inata e de aprendizagem, e como
compostos pré-existentes nas plantas e utilizadas primariamente para diferentes fins
passam a ser uma novidade evolutiva ao servirem para os fins da polinização.
37
Tabela V. Besouros Cyclocephalini que polinizam mais de uma espécie de planta
cantarófila.
Polinizador
Espécies
Local
Referência
Cyclocephala atricapilla
Annona crassiflora
Annona coriacea
Annona dioica
Annona monticola
Philodendron acutatum
Caladium bicolor
Philodendron solimoesense
Minas Gerais
Gottsberger
1999
Pernambuco
Maia et al. 2010
Maia et al. 2006
Gibernau et al.
1999
Gibernau et al.
2000
Gibernau et al.
2003
Gottsberger
1999
Cyclocephala celata
Cyclocephala colasi
Guiana
Francesa
Philodendron melinonii
Montrichardia arborescens
Cyclocephala
quatuordecimpunctata
Annona cornifolia
Annona tomentosa
Minas Gerais
Cyclocephala rustica
Philodedron callosum
Philodendron ptarianum
Caladium bicolor
Venezuela
Croat 1997
Suriname
Olivier 1789
Philodendron sellom
São Paulo
Philodendron adamantinum
Minas Gerais
Gottsberger &
Amaral 1984
Observação
pessoal 2012
Erioscelis emarginata
38
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42
Capítulo 2
Néctar extrafloral de Philodendron adamantinum Mart. ex
Schott (Araceae) como um recurso temporário para múltiplas
espécies de formigas no Cerrado
43
RESUMO
A interação entre formigas e plantas com nectários extraflorais (NEFs) é amplamente
conhecida como um mutualismo defensivo. As plantas com NEFs proporcionam
alimento e/ou local para nidificação e em troca são protegidas contra herbívoros.
Philodendron adamantinum possui NEFs distribuídos na espata, pecíolo e lâmina
foliar. Os nectários extraflorais da espata foram visitados intensamente durante o dia e
a noite por uma diversidade de formigas, havendo maior abundância de formigas na
parte da tarde, quando a temperatura é mais elevada. Houve mudança na composição
faunística das formigas entre os períodos diurno noturno. Dorymyrmex brunneus
visitou os nectários apenas durante o dia enquanto Wasmannia sp1 e Camponotus
sp3 apenas durante a noite. A presença de formigas nos NEFs de P. adamantinum
aparentemente não influenciou no sucesso reprodutivo da espécie. Também não
existiu uma relação espécie-específica entre P. adamantinum e formigas visitantes de
NEFs. Os nectários extraflorais da espata serviram como um recurso adicional e
temporal para a comunidade de formigas, enquanto que para as plantas não houve
benefícios ou prejuízos, o que define esta interação como generalista.
Palavras-chave: interação formiga-planta, nectários extraflorais, sucesso reprodutivo,
Cerrado
44
ABSTRACT
The interaction between ants and plants with extrafloral nectaries (EFNs) is widely
known as a defensive mutualism. The plants with EFNs provide food and/or local for
nesting and in return are protected against herbivores. Individuals of Philodendron
adamantinum have EFNs distributed in the spathe, petiole and leaf. The extrafloral
nectaries of the spathe were very intensely visited during the day and the night by a
diversity of nectarivorous ants, with higher abundance of ants in the afternoon, when
the temperature is higher. There was a change in faunal composition between day and
night. Dorymyrmex brunneus visited the EFNs only during the day, while Wasmannia
sp1 e Camponotus sp3 just during the night. The presence of ants in the EFNs of the
P. adamantinum apparently did not influence on the plant reproductive success of this
plant species. Also there was not a relationship species-specific between P.
adamantinum and ants visiting EFNs. The extrafloral nectaries of the spathe served as
an additional and temporal resource for the community of ants, while for the plants
there were not benefits or losses, which defines this interaction as diffuse.
Keywords:
ant–plant interactions, extrafloral nectarines, reproductive success,
Cerrado.
45
1. INTRODUÇÃO
Inúmeras espécies de plantas desenvolveram estratégias de defesas para
diminuir os danos causados por insetos herbívoros (Coley 1983; Agren e Schemske
1993). As estratégias de defesa direta envolvem características físicas das plantas e
compostos secundários (Coley 1983; Harborne 1993; Fernandes 1994; Diniz et al.
1999; Peeters 2002). Enquanto que as de defesa indireta são baseadas na atração de
predadores de herbívoros (Heil 2008). As formigas compõem o principal grupo de
animais atraídos às plantas por meio de nectários extraflorais, domácias e elaiosomas
(Bentley 1977).
A interação entre formigas e plantas com nectários extraflorais geralmente é de
caráter facultativo e envolve muitas espécies de formigas visitando uma espécie de
planta (Rosumek et al. 2009). As formigas forrageiam sobre as plantas em busca do
néctar secretado pelos nectários extraflorais e como resultado acabam exercendo um
efeito protetor para a planta (Del-Claro et al. 1996; Oliveira, 1997; Oliveira et al
1999; Rosumek et al. 2009; Nascimento e Del-Claro, 2010). Consequentemente,
há uma redução na herbivoria e aumento do fitness da planta (Oliveira et al. 1999). No
entanto, nem sempre a presença de formigas tem um efeito positivo para as espécies
vegetais forrageadas. Por vezes podem não gerar respostas (Rico-Gray & Oliveira
2007; Chamberlain & Holland 2009) e raramente são negativas (Palmer et al. 2008).
Plantas com nectários extraflorais podem ser encontradas em todo o mundo,
mais comumente nas regiões tropicais (Oliveira et al. 1999). Essas glândulas
presentes em plantas desde o Oligoceno (Rico-Gray & Oliveira 2007) ocorrem em
representantes de 115 famílias de Angiospermas (Keeler 2008).
Philodendron Schott é o gênero da família Araceae com maior diversidade no
Cerrado, com aproximadamente 23 espécies (Gonçalves 2004). Na década de 1930,
Zimmermann (1932 apud Mayo et al. 1997) registrou pela primeira vez a presença de
nectários extraflorais em plantas do gênero, mas a ocorrência de secreção de néctar
ainda era incerta. Quatro décadas mais tarde, Madison (1979 apud Mayo et al. 1997)
observou a produção de substância açucarada no lado externo da espata de
Philodendron goeldii. Em experimentos na floresta tropical úmida da Guiana Francesa,
Gibernau e colaboradores (2007) verificaram que indivíduos de Philodendron insigne
possuíam NEFs nas suas folhas e eram protegidos contra herbívoria pelas formigas
que neles forragevam. Estudos em outros ambientes onde ocorrem espécies de
Philodendron, como o Cerrado, são importantes para se ampliar o conhecimento sobre
as interações ecológicas entre formigas e plantas deste gênero.
46
Philodendron adamantinum Mart. ex Schott (Araceae) é uma rupícola,
endêmica da Cadeia do Espinhaço e com distribuição restrita ao estado de Minas
Gerais, Brasil. A ocorrência de nectários extraflorais nas folhas, profilo e espata desta
espécie e a presença de formigas nesses nectários foram observadas pela primeira
vez em 2011 (Souza 2011; Observação pessoal). A visita de formigas a esses
nectários poderia indicar que indivíduos de P. adamantinum estariam se beneficiando
da proteção oferecida pelas formigas, sofrer menos danos causados por herbívoros e
produzir mais infrutescências, enquanto as formigas acessariam uma fonte de
recompensa alimentar. No entanto, parte dessa recompensa parece ocorrer apenas
durante o período de floração, o que pode indicar que a planta estaria alocando mais
recursos para a proteção de estruturas reprodutivas em relação às vegetativas. Nesse
caso, os nectários extraflorais não estariam igualmente distribuídos entre as estruturas
vegetativas e reprodutivas.
Para se checar as premissas anteriores, o objetivo desse estudo foi
caracterizar a interação entre formigas nectarívoras e Philodendron adamantinum e
checar as seguintes hipóteses: I) Os nectários extraflorais de P. adamantinum são
fontes de recursos atrativos à várias espécies de formigas. II) A presença de formigas
nos nectários extraflorais de P. adamantinum influencia positivamente em seu sucesso
reprodutivo. III) Os nectários extraflorais de P. adamantinum estão mais densamente
distribuídos nas estruturas reprodutivas que nas vegetativas da planta.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. ÁREA DE ESTUDO
O estudo foi conduzido no Parque Estadual do Rio Preto (PERPreto), município
de São Gonçalo do Rio Preto (18°00’23.73”S; 43°23’42.72”O), Minas Gerais, Brasil. O
PERPreto está inserido no complexo da Serra do Espinhaço, em uma região
caracterizada por solos rasos sobre formações rochosas basicamente quartzíticas. O
parque abrange 10.755 hectares de um mosaico vegetacional composto de floresta
estacional semidecídua, formações savânicas e campestres. O clima da região é
tropical ocorrendo uma estação seca de junho a agosto e uma chuvosa de novembro a
março, com média de precipitação pluviométrica de 8.25mm e 223.19mm
respectivamente. A temperatura média anual é de aproximadamente 18.9°C (IEF
2004).
47
2.2. ESPÉCIE ESTUDADA
Philodendron adamantinum Mart. ex Schott (Araceae, Philodendreae) é uma
herbácea que cresce sobre afloramentos de quartzito e arenito. Indivíduos apresentam
caule aéreo, ereto, atingindo até 1.5 m de altura. As flores de P. adamantinum são
aclamídeas e unissexuais, dispostas em um eixo vertical, formando uma inflorescência
do tipo espádice, envolvida por uma bráctea, a espata. As flores masculinas ocupam a
porção mais apical do espádice e as femininas a porção mais basal. Entre elas, existe
uma porção com flores masculinas estéreis (Mayo 1991). Em P. adamantinum os
nectários extraflorais possuem menos de 1mm de diâmetro e estão presentes em toda
a folha (Souza 2011) e face abaxial da espata (observação pessoal). Em Philodendron
spp. os NEFs apresentam-se como pequenas estruturas de contorno circular ou
elípitico, os quais tornam-se visíveis por apresentarem um padrão de coloração
distinta, ou menos frequentemente, como ligeiras elevações de aspecto verrucoso
(Souza 2011).
O material botânico foi identificado pelo Prof. Dr. Eduardo Gomes Gonçalves
(Universidade Católica de Brasília - UCB) e depositado no Herbário Professor José
Badini – OUPR, Universidade Federal de Ouro Preto (registro OUPR25950).
2.3. QUANTIFICAÇÃO E DENSIDADE DOS NECTÁRIOS EXTRAFLORAIS EM P.
ADAMANTINUM
Para checar se os nectários extraflorais se distribuem mais densamente sobre
os órgãos reprodutivos que os vegetativos, foram quantificados os nectários presentes
em uma folha e em uma espata do mesmo nó em dez indivíduos. Para mensurar a
área foliar foram feitos moldes do limbo e da espata em papel sulfite. A área do
pecíolo foi calculada utilizando-se a fórmula da área de um cilindro. Os moldes foram
escaneados e suas áreas medidas no programa Axio Vision40x64 V 4.8.3.0©. A
densidade de NEFs/cm² na folha e na espata foram comparados através do teste tStudent. Para execução dos testes estatísticos foi utilizado o software Minitab16®.
2.4. A FAUNA DE FORMIGAS ASSOCIADAS AOS NEFs
A composição da comunidade de formigas visitantes dos NEFs de P.
adamantinum foi avaliada em 13 e 14 de dezembro de 2012, através de um censo de
24 horas, em 21 plantas marcadas. Um dia antes do início de censo, formigas
visitantes de NEFs de 20 indivíduos de P. adamantinum foram coletadas para sua
classificação em morfotipos. Em campo, os animais foram montados, vistos em lupa e
48
compuseram uma pequena coleção de referência, a qual foi utilizada durante os
censos.
Em cada planta, uma inflorescência foi marcada e o número de formigas por
morfotipo presentes na espata foi quantificado durante 1 minuto, a cada duas horas.
Após cada turno de contagem, alguns espécimes foram coletados para comparação
com a pequena coleção de referência. Os censos foram realizados em dupla: um
observador e um responsável pela anotação dos dados levantados pelo observador.
As formigas foram identificadas por Roberth Fagundes (Universidade Federal de
Uberlândia) de acordo com Bolton (2012) e chaves disponíveis online (ANTWEB). Os
indivíduos de P. admanitinum estavam a pelo menos um metro de distância uns dos
outros. A abundância de formigas nos nectários de dia e de noite foi comparada
utilizando-se o teste t pareado. Durante o período do censo de 24H a temperatura do
ar foi registrada automaticamente a cada duas horas com termômetro equipado com
data-logger (Hanna Instruments Inc., USA). A relação entre a abundância de formigas
e a temperatura foi testada utilizando a correlação de Spearman utilizando o software
Action©.
O número médio de visitas aos nectários dos botões florais foi avaliado através
da observação de 5 NEFs por 5 minutos. Foram selecionados cinco NEFs no mesmo
campo de visão do observador, de dez inflorescências, uma por planta. As
observações foram feitas em três períodos: manhã (07:00H – 08:00H), tarde (13:00H –
14:00H) e noite (19:00H – 20:00H). As médias das visitas aos nectários por turnos
foram comparadas utilizando-se o teste ANOVA de Friedman utilizando o software
Action©.
2.5. INFLUÊNCIA DAS FORMIGAS NO SUCESSO REPRODUTIVO
Para se testar se a presença de formigas influencia no sucesso reprodutivo de
P. adamantinum, foi comparada a produção de infrutescências dos filodendrons cujos
os nectários extraflorais foram visitados por formigas com outros em que as formigas
foram excluídas. Em dezembro de 2012, foram selecionadas 40 plantas com
semelhante altura e diâmetro, apresentando de uma a três inflorescências e afastadas
por no mínimo um metro. Em 20 plantas, as formigas foram removidas e seu acesso
bloqueado utilizando-se uma resina pegajosa à prova de água (Neudorff®, Aurum®
InsektenLeim) depositada ao redor do caule e podando folhas de plantas vizinhas que
servissem como ponte. Nas outras 20 plantas, o acesso das formigas foi mantido livre
(grupo controle). No início do experimento, todas as inflorescências foram contadas e
marcadas para os registros da produção de infrutescências (total de 36 inflorescências
para cada grupo). Um mês após a realização dos experimentos, o número de
49
infrutescências produzidas pelas plantas dos dois grupos foi comparado utilizando-se
GLM com distribuição binomial e função de ligação logística através do software
Action©.
3. RESULTADOS
3.1. QUANTIFICAÇÃO E DENSIDADE DOS NECTÁRIOS EXTRAFLORAIS EM P.
ADAMANTINUM
Os nectários extraflorais de P. adamantinum ocorrem no limbo, pecíolo e na
face abaxial da espata, com grande variação quanto à sua densidade nas diferentes
partes da planta. A folha possui em média cerca de 97 NEFs e a espata 189. A
densidade de NEFs foi maior na espata que na folha (teste t = 4.08; p = 0.001)(Figura
1).
2.5
Densidade de NEFs/cm²
2
1.5
1
0.5
0
Espata
Folha
Figura 1. Densidade de nectários extraflorais na espata e na folha de indivíduos de
Philodendron adamantinum.
3.2. FAUNA DE FORMIGAS ASSOCIADA AOS NEFs
Todas as 21 inflorescências de P. adamantinum obsevadas durante o censo de
24 horas apresentaram formigas nos nectários extraflorais. Formigas de 24 espécies,
distribuídas em quatro subfamílias (Dolichoderinae, Formicinae, Myrmicinae e
Pseudomyrmicinae) visitaram os nectários durante o censo (Tabela 1). Devido às
dificuldades de se identificar as espécies durante as observações em campo, as
formigas foram classificadas em 6 grupos: I. Camponotus, II. Cephalotes, III.
Brachymyrmex, Pheidole e Pseudomyrmex, IV. Crematogaster, V. Wasmannia e VI.
50
Dorymyrmex (Tabela I).
As formigas do grupo I (Camponotus) foram as mais
representativas em número de espécies, nove ao total. As do grupo III
(Brachymyrmex, Pheidole e Pseudomyrmex) foram representadas por 3 espécies para
cada um dos gêneros. Este grupo foi também o mais abundante, o que pode estar
relacionado ao agrupamento de três gêneros.
A taxa média de visitação de formigas por inflorescência foi de 33.6 ± 24.4 por
minuto. Os nectários foram visitados ininterruptamente e as formigas foram igualmente
abundantes de dia e de noite (t-pareado, t =0.73; p = 0.47). Formigas dos grupos I, II e
III foram as mais abundantes durante o dia, e as dos grupos I, II e IV foram os mais
abundantes durante a noite. A espécie Dorymyrmex brunneus (grupo VI) visitou os
nectários apenas durante o dia, enquanto Wasmannia sp1 (grupo V) apenas durante a
noite. Ambas as espécies tiveram uma abundância muito baixa quando comparadas
aos demais grupos. Camponotus sp3 também visitaram nectários apenas durante a
noite (Figura 2). Algumas espécies como Cephalotes pusillus e Camponotus senex
foram mais abundantes durante o dia, enquanto Crematogaster sp1 e Camponotus
rufipes foram mais abundantes à noite (Figura 2).
51
Tabela I. Lista das espécies de formigas encontradas associadas aos nectários
extraflorais de P. adamantinum
Grupo
I. Camponotus
II. Cephalotes
III. Brachymyrmex,
Pheidole e
Pseudomyrmex
IV. Crematogaster
V. Wasmania
VI. Dorymyrmex
Espécies
Camponotus sp1
Camponotus sp2
Camponotus sp3
Camponotus sp4
C. atriceps
C. arboreus
C. crassus
C. rufipes
C. senex
Cephalotes sp1
C. borgmeire
C. pusillus
Brachymyrmex sp1
B. heeri
B. pictus
Pheidole sp1
Pheidole sp2
Pheidole sp3
Pseudomyrmex gp palllidus sp1
P. gp pallidus sp2
P. termitarius
Crematogaster sp1
Wasmannia sp1
D. brunneus
Camponotus sp3
Noite
Abundância
177
99
488
22
1
3
Dia
Camponotus rufipes
Crematogaster sp1
Camponotus senex
Cephalotes pusillus
0
20
40
60
80
Número de indivíduos
Figura 2. Abundâncias das espécies de formigas durante em nectários
extraflorais de P. adamantinum o dia e à noite.
52
3.3. VISITA AOS NECTÁRIOS EXTRAFLORAIS DE P. ADAMANTINUM
Os nectários das inflorescências de P. adamantinum foram visitados
ininterruptamente durante os três períodos de observações (Figura 3 e 4). Houve,
contudo, mais visitas no período da tarde do que durante a manhã e a noite (ANOVA
Friedmam, λ² = 8.62; p = 0.01) (Figura 3). Formigas foram mais abundantes nas
horas mais quentes do dia (Spearman 0.61, p = 0.03) (Figura 5).
14.5
Número médio de visita aos NEFs
12.5
10.5
8.5
6.5
4.5
2.5
0.5
-1.5
Manhã
Tarde
Noite
Figura 3. Número de visitas das formigas aos NEFs presentes nas espatas de P.
adamantinum durante manhã, tarde e noite.
Figura 4. Operárias de Brachymyrmex sp forrageando em busca de néctar
produzido nos nectários extraflorais presentes na espata (a) e no pecíolo foliar
(b) em indivíduos de Philodendron adamantinum.
53
3.4. INFLUÊNCIA DAS FORMIGAS NO SUCESSO REPRODUTIVO
A presença de formigas nos nectários extraflorais de P. adamantinum não
influenciou no seu sucesso reprodutivo. Plantas associadas ou não a formigas não
diferiram quanto a sua produção de infrutescências (GLM; t = -0.24, p = 0.80) (Tabela
II). A taxa de predação às inflorescências foi baixa, dos 36 botões florais marcados
para as os grupos de plantas com exclusão de formigas e controle, apenas 2% deles
em cada grupo foram predados.
Tabela II. Produção de infrutescências de P. adamantinum a partir do tratamento com
exclusão de formigas e controle (sem formigas). Não existiu diferença significativa na
produção de furtos entre os dois grupos de plantas (GLM; t = -0.24, p = 0.80).
Formigas
35
Sem formigas
N = 36
60% (21)
Temperatura
5
Temperatura (°C)
30
4
25
20
3
15
2
10
5
Abundâcia média de formigas
Produção de
infrutescências (%)
Com formigas
N = 36
63% (22)
1
Horas
Figura 5. Relação entre temperatura ambiente e abundância de formigas visitantes
dos NEFs de P. adamantinum em 24 horas (Spearman 0.61, p = 0.03).
54
4. DISCUSSÃO
Indivíduos
de
Philodendron
adamantium
estiveram
associados
a um
abrangente número de espécies de formigas e não há evidências de uma relação
estreita entre a espécie de planta hospedeira e as de formigas nectarívoras.
Interações generalistas parecem predominar nas relações entre plantas contendo
nectários extraflorais e formigas (Beattie 1985; Rosumek et al. 2009). A associação de
uma planta hospedeira a várias espécies de formigas poderia aumentar as chances de
que a proteção conferida pelas formigas ocorresse de diversas formas, contra diversas
espécies de herbívoros e por períodos mais extensos do dia (Beattie 1985). No caso
de Philodendron adamantinum, a oferta do néctar extrafloral secretado da espata,
ocorrente apenas no início da floração, pode restringir o estabelecimento de relações
mutualísticas obrigatórias com organismos sociais, que por sua vez estão ativos por
períodos mais extensos que o da oferta do recurso alimentar durante a floração.
Os resultados do experimento de exclusão de formigas não evidenciaram uma
proteção das inflorescências ou uma elevação na taxa de frutificação resultante das
visitas das formigas. Embora as relações que envolvem múltiplas espécies de
formigas e uma espécie de planta hospedeira muitas vezes sejam mutuamente
benéficas (Oliveira et al. 1995; Del-Claro et al. 1996; Oliveira 1997; Oliveira et al. 1999;
Do Nascimento & Del-Claro 2009; Baker-Méio & Marquis 2011), as espécies de
formigas associadas podem diferir entre si quanto à efetividade de proteção conferida
à hospedeira e, até mesmo, ser nula. Tal eficácia também pode oscilar geográfica e
sazonalmente (Koptur 1992).
A taxa de predação às inflorescências de P. adamantinum parece não ter sido
alta no período de estudo. Dos 36 botões florais marcados no experimento com
exclusão de formigas, apenas 2% deles foram predados. Em um estudo futuro seria
interessante verificar se diferentes taxas de herbivoria influenciam no fluxo e na
qualidade do néctar extrafloral e se néctar de melhor qualidade (maior concentração
de açúcares e aminoácidos) atrairiam formigas mais agressivas e territoriais, que
confeririam proteção à planta. Indivíduos de Philodendron insigne, por exemplo,
podem ser visitadas por formigas de diferentes espécies que buscam néctar
extrafloral. Plantas associadas às formigas da espécie Odontomachus hastatus,
relativamente agressivas e territoriais, são mais eficazmente protegidas de insetos
desfolhadores (Gibernau et al. 2007). A qualidade e o padrão de oferta do recurso
alimentar podem ser fatores determinantes na composição das espécies de formigas
visitantes de NEFs. Na comunidade de formigas arborícolas no dossel da floresta
amazônica, por exemplo, árvores associadas a homópteros, com fluxo constante de
exsudato rico em aminoácidos, são ocupadas por formigas de apenas uma colônia
55
que estabelecem territórios os quais abrangem toda copa da árvore. Por outro lado,
plantas com nectários extraflorais, como Philodendron spp, com produção descontínua
de exsudato, pobre em aminoácidos, são partilhadas por várias espécies de formigas
menos efetivas na defesa contra fitófagos (Bl t
en et al 2000).
Nossos resultados mostram que os nectários extraflorais de P. adamantinum
oferecem
recurso
atrativo
às
formigas
nectarívoras,
que
os
vistoriam
ininterruptamente. Houve uma mudança na composição da assembleia de formigas ao
longo das 24 horas de observação. A variação no ritmo de forrageio diário das
espécies de formigas simpátricas é comum em ecossistemas tropicais e tem sido
relacionada às diferentes tolerâncias de temperatura e umidade, em especial, em
ambientes abertos, como no Cerrado e em desertos (Blom e Clarck 1980; Oliveira &
Brandão 1991; Oliveira et al. 1995). Além disso, a partição temporal do recurso
alimentar, provavelmente, reduz a competição interespecífica entre as espécies coocorrentes de formigas (Hölldobler & Wilson 1990).
Houve uma clara correlação positiva entre a abundância de formigas e a
temperatura. Uma maior intensidade de visitas ocorreu no período mais quente do dia,
padrão inverso ao encontrado para formigas forrageadoras de NEFs em Opuntia
stricta (Cactaceae) em dunas costeiras no México onde a temperatura média anual era
entre 24-26 °C. Nesses ambientes, ocorreu uma relação negativa entre a temperatura
e a atividade das formigas (Oliveira et al. 1999). Possíveis causas para essa variação
poderiam ser a predominância diferentes espécies de formigas visitantes de NEFs e
diferenças no padrão de produção do néctar ao longo de 24 horas.
Os nectários extraflorais de P. adamantinum não se distribuem uniformemente
sobre estruturas vegetativas e reprodutivas. Esses NEFs estão mais concentrados na
espata que na folha, corroborando com a hipótese de que estes nectários estariam
mais densamente distribuídos nas estruturas reprodutivas que nas vegetativas da
planta. Indivíduos de P. adamantinum renovam constantemente suas folhas na
estação chuvosa (novembro a março), produzindo em média duas folhas por mês. No
entanto, a produção de inflorescência é menor e cada indivíduo produz em média
quatro inflorescências por ano (Capítulo 1). A alta concentração de nectários
extraflorais na espata poderia aumentar a taxa de visitação de formigas nas
inflorescências em relação às folhas. A alocação de recursos para órgãos
reprodutores poderia ser estrategicamente mais eficaz que a alocação para órgãos
vegetativos, já que a predação de inflorescências poderia inviabilizar a reprodução de
P. adamantinum em um ano.
As vinte e quatro morfoespécies de formigas associados aos nectários de P.
adamantinum são visitantes comuns de NEFs de outras plantas (Oliveira et al. 1999;
56
Oliveira & Pie 1998; Díaz-Castelazo et al. 2004; Gibernau et al. 2007; Do Nascimento
& Del-claro 2010).
Em espécies vegetais do Cerrado, existe uma dominância do
gênero Camponotus tanto durante o dia quanto à noite (Oliveira & Brandão 1991;
Oliveira et al. 1995). Em P. adamantinum o gênero Camponotus (grupo I) foi o mais
representativo em número de espécies, mas não o mais abundante. O grupo III,
composto pelos gêneros Brachymyrmex, Pheidole e Pseudomyrmex, foi o mais
abundante nas visitas aos NEFs de P. adamantinum e isto pode esta relacionado ao
agrupamento desses três gêneros, pois os mesmos não são tão abundantes quanto
Camponotus em espécies vegetais do Cerrado (Oliveira & Brandão 1991; Oliveira et
al. 1995).
Há apenas dois estudos sobre a fauna de formigas associadas aos nectários
extraflorais de espécies de Philodendron, um na floresta tropical úmida na Guiana
Francesa (Gibernau et al. 2007) e o outro em dossel de floresta Amazônica
venezuelana, onde foram encontradas 52 espécies de formigas associadas aos NEFs
no pecíolo e lamina foliar, caule, botões florais e profilo de cinco espécies de
Philodendron, a maior riqueza de formigas já encontrada em associação com espécies
desse gênero (Blüthgen et al. 2000).
Os nectários extraflorais de P. adamantinum atraem uma rica e abundante
fauna de formigas nectarívoras, o que caracteriza essa relação como generalista.
Embora muitos trabalhos relatem que a presença de formigas nos nectários
extraflorais levam ao aumento do sucesso reprodutivo das plantas associadas, nossos
resultados mostram que para P. adamantinum a presença, ainda que ininterrupta, de
formigas em estruturas vegetativas e reprodutivas não influencia no sucesso
reprodutivo da planta hospedeira.
57
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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