FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE PÓS-GRADUAÇÃO EM OCEANOGRAFIA BIOLÓGICA CARACTERIZAÇÃO DA ICTIOFAUNA, CRUSTÁCEOS DECÁPODOS E AVALIAÇÃO DO REJEITO DA PESCA DO CAMARÃO ROSA (Farfantepenaeus paulensis) DO PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE, RS, BRASIL. DANIEL LOEBMANN Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Oceanografia Biológica da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE. Orientador: Dr. João Paes Vieira RIO GRANDE – Dezembro de 2003 i AGRADECIMENTOS Esta dissertação só pode ser desenvolvida pelo fato de que sempre existiu um trabalho em equipe do Laboratório de Ictiologia e amigos que sempre, de uma maneira ou outra, contribuíram para elaboração deste manuscrito. Quero principalmente deixar meus sinceros agradecimentos a: Meu orientador e amigo João P. Vieira que, além de cumprir integralmente com seu papel de orientador, sempre esteve envolvido positivamente em minhas atividades profissionais e particulares. Aos meus pais que sempre acreditaram na execução deste trabalho apoiando em todos os momentos (inclusive na hora que acabou a bolsa). A minha ex-namorada e amiga Samantha E. Martins, que sempre colaborou e me apoiou ao longo desta trajetória e proporcionou a mim os dias mais felizes da minha vida enquanto estivemos juntos. Aos colegas de Laboratório por participarem de diversas etapas desta dissertação, principalmente ao Fabio L. Rodrigues pelas criticas e sugestões, Alexandre Garcia e Fábio Roselet (por me ajudarem nos momentos finais). Ao Marcio, Biba, Raseira, pelo exaustivo trabalho de campo realizado durante o verão na área do Parque. Aos membros da Pingüins da Fiel e ao Corinthians pelos inúmeros títulos que pude comemorar ao longo destes anos. A minha outra ex-namorada Salette A. de Figueiredo por sempre me apoiar durante nossos longos anos de sincera amizade e pelos cuidados especiais dados à minha cadela Mary Help durante minhas prolongadas saídas. A Márcia, mulher de meu orientador, que compartilhou pacientemente seu marido comigo em alguns fins de semana e horários extra-oficiais. Ao Christian pela amizade e apoio logístico de software e hardware. Aos colegas de outros laboratórios, entre eles, Stefan, pelos inúmeros churrascos assados às sextas-feiras, Marcio Cabeção, Alexandre (elasmo) Indianara, Kiti, Graziela (fisiologia), Chico, Mineiro, Manoela, Neve, etc... A laboratorista Ana Catarina do DCMB. Ao sargento Gomes e família, pelo carinho e atenção prestados durante minha estadia no Farol de Mostardas. Aos pescadores do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, pela colaboração durante as amostragens realizadas. Aos motoristas das Viaturas Giba, Valdir e Candinho. Aos funcionários do IBAMA de Mostardas, especialmente à Luisa Lopes, Eda e Ereno, pelo fornecimento do material e apoio necessários. A FURG, pelo apoio logístico. A MSc. Maria Lucia Antunes pelas valiosas informações sobre a pesca do Camarão e auxílio de trabalho de campo. A banca examinadora pelas valiosas críticas. As instituições financiadoras pelo consentimento da Bolsa de trabalho, mesmo diante das dificuldades de nosso país. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Oceanografia Biológica. Aos Doutores Luiz Roberto Malabarba e Carlos Alberto Santos de Lucena pela confirmação na identificação da ictiofauna límnica. ii SUMÁRIO RESUMO......................................................................................................................... 1 ABSTRACT..................................................................................................................... 3 INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................... 5 Objetivos Gerais ........................................................................................................... 6 I - LISTA DE FAUNA (PEIXES E CRUSTÁCEOS DECÁPODOS) DO PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE, RS, BRASIL. ................................................. 8 1. Introdução ................................................................................................................. 8 2. Material e Métodos ................................................................................................... 9 2.1 Área de Estudo.................................................................................................. 10 2.2 Desenho Amostral............................................................................................. 11 3. Resultados............................................................................................................... 13 4. Discussão ................................................................................................................ 20 II - DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA ICTIOFAUNA DA LAGOA DO PEIXE, RS, BRASIL .................................................................................................................. 24 1. Introdução ............................................................................................................... 24 2 Material e Métodos .................................................................................................. 25 2.1 Área de Estudo.................................................................................................. 25 2.2 Desenho Amostral............................................................................................. 26 2.3 Análise dos dados ............................................................................................. 28 3 Resultados................................................................................................................ 29 4 Discussão ................................................................................................................. 38 III - O IMPACTO DA PESCA DO CAMARÃO-ROSA Farfantepenaeus paulensis (PEREZ-FARFANTE, 1967) (DECAPODA, PENAEIDAE) NAS ASSEMBLÉIAS DE PEIXES E CRUSTÁCEOS NO PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE (RS, BRASIL)................................................................................................... 43 iii 1. Introdução ............................................................................................................... 43 2. Material e Métodos ................................................................................................. 46 2.1 Área de Estudo.................................................................................................. 46 2.2 Desenho Amostral............................................................................................. 47 2.3 Análise dos dados ............................................................................................. 48 3. Resultados............................................................................................................... 53 3.1 A composição das capturas............................................................................... 53 3.2 O esforço de pesca ............................................................................................ 57 3.3 Avaliação da espécie-alvo ................................................................................ 58 3.4 Estimativa dos itens presentes nas capturas no período amostrado.................. 61 3.5 Avaliação do impacto na população do Siri-Roxo Callinectes danae.............. 63 3.6 Avaliação da captura acessória ......................................................................... 63 3.7 Avaliação do impacto na ictiofauna rejeitada................................................... 64 3.8 A composição da ictiofauna acompanhante e as espécies potencialmente afetadas ................................................................................................................... 66 3.9 As estruturas de tamanho e o impacto sobre as três espécies mais abundantes 69 3.9.1 Jenynsia multidentata ................................................................................ 69 3.9.2 Micropogonias furnieri.............................................................................. 70 3.9.3 Brevoortia pectinata .................................................................................. 70 4. Discussão ................................................................................................................ 73 4.1 A composição das capturas e a arte de pesca.................................................... 73 4.2 Produção X Produtividade ................................................................................ 79 4.3 O esforço de pesca ............................................................................................ 80 4.4 Considerações Finais ........................................................................................ 82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 85 iv LISTA DE FIGURAS vii Figura 1.1 – Área de estudo: 1) Setor 1 = Lagoas Pai João e Veiana; 2) Setor 2 = Arroio tributário da Lagoa do Peixe e; 3) Setor 3 = Lagoa do Peixe. Fonte: IBAMAMostardas. 11 Figura 2.1 – Abundância percentual e biomassa percentual para as espécies mais importantes na zona rasa (todos os setores) da Lagoa do Peixe. 33 Figura 2.2 – Abundância percentual e biomassa percentual para as espécies mais importantes na zona profunda (todos os setores) da Lagoa do Peixe. 33 Figura 2.3 – Análise de agrupamento baseada Índice de Importância Relativa para os setores da Lagoa do Peixe 34 Figura 3.1 – Área de estudo: 1) Setor Chica; 2) Setor Capitão- Rosa; 3) Setor Paiva; 4) Setor Lagamarzinho; 5) Setor Costa e; 6) Setor Véia Terra. Fonte: IBAMAMostardas. 45 Figura 3.2 – Desenho esquemático do Aviãozinho. (Fonte: Enge Pesca). 1 = Atrativo luminoso; 2 = Tralha superior; 3 = Tralha inferior; 4 = Calões de sustentação; 5 = Saco da rede e; 6 = Aros de sustentação do saco. Figura 3.3 – Composição percentual das capturas de cada item analisado. 45 54 Figura 3.4- Composição percentual das capturas de cada item analisado para cada setor. Valores baseados na CPUE de cada rede em cada setor das amostragens. 54 Figura 3.5 – Captura média total (∑CPUE (Espécie alvo + Captura Acessória + Rejeito de Pesca)) (rede/dia) em gramas para cada setor amostrado. Setores em preto representam a região pré-limnica da Lagoa do Peixe e; Setores em branco representam a região estuarina. 57 Figura 3.6 – Captura mensal de Camarão – Rosa expressos em (Kg/rede/dia) com seus respectivos intervalos de confiança (p>0,05) para toda a safra. 60 v Figura 3.7 – Estimativas da biomassa total de camarão-rosa por setor. O esforço é o mesmo para as duas estimativas, no entanto, a CPUE (captura média por dia por rede) são calculadas sobre os dados amostrados e dados do IBAMA. 60 Figura 3.8 - Interação entre os fatores (FONTE 1 = IBAMA e FONTE 2 = Amostragem com pescador voluntário) mostrando as média e intervalos de confiança (I.C. 95%) para fonte de dados de cada local amostrado. 62 Figura 3.9 – Índice de Importância Relativa (IIR%) graficado. Eixo do Y os valores acima representam a abundância percentual (PN%) de cada espécie e os valores abaixo representam a contribuição em peso (PN%) de cada espécie. Eixo do X é a freqüência de ocorrência percentual (FO%) para cada espécie. Notar que quanto maior a área do retângulo formado pelas três variáveis, maior será a importância da espécie 67 Figura 3.10 – Composição da CPUE (número médio de indivíduos por rede) por classe de comprimento (10mm CT) das capturas para os setores amostrados na Lagoa do Peixe, destacando as três espécies mais importantes. Código das espécies BREPEC = B. pectinata; MICFUR = M. furnieri e; JENMUL = J. multidentata. 69 Figura 3.11 - Composição da CPUE (número médio de indivíduos por rede) por classe de comprimento (10mm CT) das capturas para os setores amostrados na Lagoa do Peixe de B. pectinata (BREPEC), M. furnieri (MICFUR) e J. multidentata (JENMUL). 72 Figura 3.12 – Comparação entre as estimativas das proporções dos itens. A = Baseado nos valores de CPUE encontrados nas amostras com pescadores voluntários e; B = Baseado nas estimativas e considerando os valores encontrados para corvina e savelha como rejeito de pesca. 83 vi LISTA DE TABELAS Tabela I – Esforço de pesca (número de amostras) aplicado para cada setor amostrado durante o estudo (CER = Rede de Cerco; PIC = Rede Picaré; TRF = Tarrafa; RQU = Rede Quadrada e; AVI = Aviãozinho)....................................................... 13 Tabela II - Lista de espécies capturadas com suas respectivas famílias para cada arte de pesca. COD 0 = Dados históricos; 1 = Sistema Pai João – Veiana; 2 = Setor 2; 3 = Lagoa do Peixe. AVI = Aviãozinho; CER = Rede de cerco; PIC = Picaré; PUÇ = Puçá; QUA = Rede Quadrada; TAR = Tarrafa. PN% = Percentual numérico da abundancia específica e FO% = Freqüência de Ocorrência Percentual Específica. Em negrito estão as espécies com primeiro registro para o PNLP. ..... 16 Tabela III - Lista de crustáceos decápodos capturados para cada arte de pesca. AVI = Aviãozinho; CER = Rede de cerco; PIC = Picaré; PUÇ = Puçá; QUA = Rede Quadrada; TAR = Tarrafa. Em negrito estão as espécies com primeiro registro para o PNLP............................................................................................... 19 Tabela IV – Esforço de pesca (número de amostras) aplicado para cada setor amostrado durante o estudo (CER = Rede de Cerco; PIC = Rede Picaré; TRF = Tarrafa; RQU = Rede Quadrada e; AVI = Aviãozinho)....................................................... 27 Tabela V – Padrão de distribuição das espécies encontradas na Lagoa do Peixe. ......... 32 Tabela VI - Freqüência de ocorrência (FO); Percentual numérico (PN%); Percentual em peso (PW%) e; Captura por unidade de esforço (ind/rede) (CPUE) de cada espécie capturada por Aviãozinho e/ou Picaré para as quatro zonas determinadas pela análise de agrupamento. Em negrito, contribuições acima da média. .................... 36 Tabela VII - Esforço total (número de redes em cada mês por setor ao longo da safra) baseado nas planilhas estatísticas do IBAMA. ....................................................... 58 vii Tabela VIII - Capturas mensais totais de Camarão-Rosa em cada setor da Lagoa do Peixe. Dados obtidos das planilhas estatísticas do IBAMA-Mostardas. ................ 59 Tabela IX - Comparação dos esforços aplicados no período amostrado (Esforço 1), durante toda a safra (Esforço 2) e contribuição percentual (%) para os setores que foram utilizados para estimar as capturas totais de cada item. ............................... 61 Tabela X – Estimativas totais do período amostrado dos itens capturados para cada local. Os intervalos foram gerados baseados nos valores encontrados nas amostras e extrapolados sobre os dados fornecidos pelo IBAMA. Estimativa 1 = Captura mínima estimada; Estimativa 2 = Captura média estimada e; Estimativa 3 – Captura máxima estimada. Os valores das estimativas estão em quilogramas. ..... 65 Tabela XI - Número total de indivíduos coletados (Ntot); Percentual numérico (%Ntot); Freqüência de Ocorrência (FO); Freqüência de Ocorrência ajustada a 100% (FO% aj.); Biomassa capturada de cada espécie (W); Percentual da Biomassa (% W) e, Índice de Importância Relativa (IIR%)................................................................... 68 1 RESUMO O presente trabalho esta dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, baseado na bibliografia disponível e em coletas de campo, apresenta uma lista taxonômica de peixes e crustáceos decápodos da região do entorno do Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP – 31°21'S; 051°02'W), RS. Através de amostras sazonais durante os anos de 2001 e 2002, e levantamentos bibliográficos, constatou-se que a ictiofauna do PNLP esta representada por 73 espécies de peixes e 14 espécies de crustáceos decápodos, sendo 51 espécies de peixes, e três de crustáceos decápodos, citadas pela primeira vez. Com exceção da baixa abundância de Ariidae, e a provável ausência dos bagres do gênero Netuma, a fauna de peixes e crustáceos decápodos do PNLP se assemelha a dos demais estuário do RS. Em se tratando de um Parque Nacional, merece destaque a presença do crustáceo Chasmagnatus granulata dentro da área do Parque, uma vez que esta espécie esta atualmente classificada como vulnerável dentro do RS. O segundo capítulo analisa, e descreve quantitativamente, a distribuição espacial e a abundância relativa da ictiofauna ao longo do gradiente salino da Lagoa do Peixe. Em função de apresentar uma barra intermitente, que permite a entrada de água salgada dentro de um sistema alimentado constantemente por água de baixa salinidade, oriunda de banhados e arroios, a Lagoa do Peixe apresentou uma ictiofauna composta de espécies límnicas, estuarino-relacionadas e marinhas. Baseado na composição específica desta ictiofauna, a Lagoa do Peixe pode ser compartimentada em quatro zonas: pré-límnica rasa, prélímnica profunda, estuarina rasa e estuarina profunda. A variabilidade espacial na composição da ictiofauna revela que existe uma mudança gradual na dominância das principais espécies; havendo uma substituição gradativa das espécies marinhasestuarino relacionadas por espécies de água doce, e uma redução pronunciada nas 2 abundâncias das espécies na zona rasa. A presença geográfica da barra no centro da Lagoa do Peixe promoveu uma divisão espacial ambiental da Lagoa do Peixe atípica, pois tanto para o Norte como para o Sul, há presença de uma zona pré-límnica. Este comportamento faz com que a Lagoa do Peixe apresente uma ictiofauna semelhante nos extremos Norte e Sul, separados por água de alta salinidade dos setores centrais. O último capítulo é uma avaliação do impacto da pesca do camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis sobre a assembléia de peixes e crustáceos do PNLP. Constatou-se que, em média, a composição nas capturas da pesca do camarão-rosa com a arte de pesca aviãozinho, é semelhantes àquelas descrita em outros estuários do RS, quando considerada apenas a proporção de cada item analisado (Camarão 53%: Captura Acessório 24%: Rejeito 23%). No entanto, conforme descrito no CAP 2, a composição da fauna acompanhante apresenta diferenças pronunciadas ao longo do gradiente estuarino. As estimativas potenciais de impacto nas capturas acessória e rejeito apresentaram valores, do ponto de vista pesqueiro, bastantes satisfatórios, o que sugere que a decisão de proibir a pesca no PNLP deve ser baseada na atividade pesqueira, em si, e não no seu impacto sobre a fauna acompanhante. 3 ABSTRACT The current work is subdivided in three major chapters. Based on several distinct sampling gears, the first chapter shows a taxonomic list of the decapod crustacean and fish assemblages inhabiting the lagoons of the Lagoa do Peixe National Park. Seasonal sampling, during 2001 and 2002, and a review of the current literature, showed that the ichthyofauna in the park comprises 73 fishes and 14 decapod crustaceans. Most fishes (51 species) and three crustaceans were recorded for the first in the area. In spite of the low abundance of Ariidae, or even the absence of the marine cat-fishes genus Netuma the fish-fauna of the PNLP is very similar to the other estuary of the Rio Grande do Sul state. Regarding the decapods crustaceans, it is worth noting the occurrence of Chasmagnatus granulata inside the park. This specie is currently considered vulnerable at the Rio Grande do Sul state. The second chapter deal with the relative abundance and spatial distribution along the estuarine gradient of the Lagoa do Peixe. Due to the fact that this system has an intermittent mouth open to the sea, which allow the mixing of the entering salt water with the fresh water coming from floodplains and streams that drain into the park, the Lagoa do Peixe’s ichthyofauna was composed of limnetic, marine and estuarine-related species. Based on fish species composition, the Lagoa do Peixe National Park can be divided in four zones: pre-limnetic shallow-waters, prelimnetic deep-waters, estuarine shallow-waters and estuarine deep-waters. The variability in fish composition across the estuarine and pre-limnetic zones were characterized by a gradual change in the dominance patterns, a gradual replacement of marine to fresh water species and a pronounced reduction in fish abundance at the shallow waters. The localization of the mouth opened to the sea near the center of the system induced an uncommon spatial distribution of fresh water, resulting in the 4 presence of pre-limnetic zones both at the north and south of the national park. This feature could explain why the Lagoa do Peixe has a similar ichthyofauna both at the north and south sites, which differs from the one found in the higher salinity waters of the middle zone (near the mouth). The last chapter is an evaluation of the by-catch impact of the pink shrimp Farfantepenaeus paulensis fishery on the fish and decapod crustacean assemblages of the Lagoa do Peixe National Park. The proportion of target species (pink shrimp 53%) and by-catch (47%) was similar to other fyke-net fishery on others estuaries of Rio Grande do Sul state. But, as show on Chapter 2, the by-catch composition change form estuarine to pre-limnetic zones. The potential damage of the pink shrimp fishery at Lagoa do Peixe National Park will probably be due to the intensity of the fishery rather than the composition of the by-catch. 5 INTRODUÇÃO GERAL O Parque Nacional da Lagoa do Peixe foi criado em 1986 e está situado na planície costeira do Rio Grande do Sul, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. Sua área abrange os municípios de Tavares (80%), Mostardas (17%) e São José do Norte (3%). Segundo seu plano de manejo (KNAK 1998), esta Unidade de Conservação (UC) possui uma área de 344 Km², sendo sua extensão de 62 km e sua largura média de 6 km, apresentando temperatura média anual entre 18 e 20 ºC e precipitações médias anuais de 1.186 mm. Com exceção de um extenso cordão de dunas costeiras, a topografia é praticamente plana, e o solo é formado basicamente por areias quartzosas de origem marinha. Esta UC se estende desde as lagoas de água doce Pai João e Veiana (31°02’S; 050°77’W) ao norte, até o sul da Lagoa do Peixe (31°48’S; 051°15’W). A existência de várias unidades ambientais (marismas, banhados, ilhas, lagoas interiores de água doce, laguna, dunas, praias interiores e oceânicas, planos intertidais, infralitoral vegetado e não vegetado, pradarias de algas e fanerógamas submersas, canal, campos e mata de restinga) (KNAK 1998) fornecem ao PNLP características peculiares que lhe conferem grande importância em nível mundial, de modo que já foram atribuídos ao PNLP o status de Reserva da Biosfera, Sítio Ramsar e Reserva Internacional de Aves Limnícolas (COSTA et al. no prelo). A ictiofauna de estuários em toda a costa do Rio Grande do Sul já foi estudada por diversos pesquisadores (CHAO et al. 1982; CHAO et al. 1985; VIEIRA & CASTELLO 1996; PEREIRA et al. 1998; VIEIRA et al. 1998; VIEIRA et al. 1998; RAMOS 1999; GARCIA et al. 2001; RAMOS & VIEIRA 2001; RASEIRA 2003; VIEIRA & LOEBMANN 2003). No entanto, a Lagoa do Peixe ainda é pouco estudada em função 6 das dificuldades em se estabelecer um esforço de coleta sistemático, associados a fatores como distância, alojamentos precários, difícil acesso e deslocamento. Até o momento, existem somente três referencias descrevendo superficialmente e ictiofauna da Lagoa do Peixe (DE BEM JR. & LAURINO 1994; LOEBMANN et al. 2001; RAMOS & VIEIRA 2001). O baixo número de espécies de peixes registrados até o momento (seis espécies na Lagoa Pai João e 18 na Lagoa do Peixe) (DE BEM JR. & LAURINO 1994; LOEBMANN et al. 2001; RAMOS & VIEIRA 2001) mostra que estas lagoas ainda não são suficientemente conhecidas, além do que, aspectos relacionados com a estrutura da assembléia de peixes, como distribuição espacial e abundância relativa das espécies, não foram ainda considerados, o que nos incentivou a realização deste trabalho. Ao longo dos anos esta UC vem sofrendo constantes alterações antrópicas certamente impactantes, como plantações de Pinnus sp, pesca, caça, formação de balneários, lixo urbano, entre outros (KNAK 1998). A fragilidade desta UC aos crescentes fatores antrópicos, leva o PNLP a necessitar, de imediato, de pesquisas em diversas áreas com o objetivo de melhorar a compreensão deste ecossistema costeiro, fornecendo subsídios importantes para o manejo e preservação deste santuário ecológico. Levando em consideração que a pesca no PNLP está incluída entre os fatores que podem prejudicar o meio ambiente, este trabalho também enfocou a questão da pesca artesanal do Camarão-Rosa (Farfantepenaeus paulensis) na Lagoa do Peixe. Objetivos Gerais • Catalogar a fauna de peixes e crustáceos decápodos presentes no PNLP. • Caracterizar a distribuição espacial de peixes na Lagoa do Peixe. 7 • Determinar as espécies da ictiofauna mais importantes na estrutura desta assembléia. • Avaliar o impacto causado pelas redes do tipo Aviãozinho, utilizadas pelos pescadores residentes no entorno do PNLP na pesca do Camarão-Rosa, sobre a fauna de crustáceos e peixes capturados. De acordo os objetivos expostos esta dissertação é constituída de três capítulos. O primeiro capítulo, baseado na bibliografia disponível e em coletas de campo, apresenta uma lista taxonômica de peixes e crustáceos decápodos da região do Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP). O segundo capítulo analisa e descreve quantitativamente a distribuição espacial e abundância relativa da ictiofauna ao longo do gradiente salino da Lagoa do Peixe. O último capítulo é uma avaliação do impacto da pesca do camarãorosa Farfantepenaeus paulensis sobre a assembléia de peixes e crustáceos do PNLP. 8 I - LISTA DE FAUNA (PEIXES E CRUSTÁCEOS DECÁPODOS) DO PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE, RS, BRASIL. 1. Introdução A planície costeira do extremo sul do Brasil corresponde a uma zona biogeográfica de transição temperada-quente, devido à influência da Convergência Subtropical no Oceano Atlântico Sudoeste (SEELIGER et al. 1997). Sua extensão é de aproximadamente 640 Km, sendo seus limites geográficos a Barra do Chuí (33ºS e 53ºW) ao sul e a desembocadura do Rio Mampituba (29ºS e 49ºW) ao norte. Esta região apresenta cerca de 50 lagoas costeiras, sendo que a maioria delas são alongadas, paralelas a praia e de pouca profundidade (RAMBO 1994) e, a feição dominante da planície é o complexo Lagoa dos Patos-Mirim, com aproximadamente 14.000 km2 (SEELIGER et al. 1997). Localizado no segmento mediano desta Planície costeira, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico, foi em 1986, sob sugestão do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, hoje denominado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, criado o Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP) (Fig. 1.1). Atualmente, o PNLP possui status de Reserva da Biosfera, Sítio Ramsar e Reserva Internacional de Aves Limnícolas. Dentro da área do PNLP destacam-se dois corpos de água importantes, as lagoas límnicas e interconectadas Pai João e Veiana, e a Lagoa do Peixe caracterizada como um ambiente lagunar-estuarino que possui comunicação intermitente com o mar (KNAK 1998). Levantamentos faunísticos regionais são imprescindíveis para uma melhor compreensão da estrutura, funcionamento e variabilidade natural das comunidades, 9 constituindo um requisito fundamental para o estabelecimento de programas de monitoramento costeiro (MORGADO & AMARAL 1989). Tendo em vista que a área de estudo trata-se de um Parque Nacional, e que existe atividade de pescadores artesanais na Lagoa do Peixe, levantamentos e monitoramentos de flora e fauna se fazem extremamente necessários para detectar possíveis alterações que possam causar mudanças prejudiciais ao meio ambiente. Trabalhos preliminares de crustáceos decápodos (SANTOS et al. 2000) e da ictiofauna (DE BEM JR. & LAURINO 1994; LOEBMANN et al. 2001; RAMOS & VIEIRA 2001); revelaram a presença, na Lagoa do Peixe, de organismos de origem marinha e límnica. Isto é possível devido à ligação temporária com o oceano e do aporte de água doce proveniente de banhados e sangradouros que drenam água para a Lagoa do Peixe. No entanto, o baixo número de espécies de peixes registrados até o momento (seis espécies na Lagoa Pai João e 18 na Lagoa do Peixe) pode estar indicando que estas lagoas ainda não são suficientemente conhecidas, o que incentivou a realização deste trabalho. 2. Material e Métodos Este trabalho apresenta uma relação das espécies de crustáceos decápodos e peixes coletados durante os anos de 2001 e 2002 pela equipe de pesquisadores do Laboratório de Ictiologia (Departamento de Oceanografia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande). As coletas foram autorizadas pelo IBAMA, através da licença de n° 074/2001. Além disso, foram utilizados dados bibliográficos históricos para complementar as informações (DE BEM JR. & LAURINO 1994; SANTOS et al. 2000; LOEBMANN et al. 2001). 10 A lista das espécies coletadas, com suas respectivas famílias, foram ajustadas em função de sua filogenia, baseado nos bancos de dados fornecidos pelo site www.fishbase.org (FROESE & PAULY 2003) e por manuais de identificação especializados (FIGUEIREDO & MENEZES 1978; 1980; MENEZES & FIGUEIREDO 1980; 1985). Também foram considerados os tipos de amostradores nos quais cada espécie foi capturada. 2.1 Área de Estudo Para descrição da ictiofauna do PNLP, os dados foram agrupados em três setores: Setor 1 - Compreende amostras das lagoas de água doce Pai João e Veiana, que estão localizadas no extremo norte do PNLP (31°02’S; 050°77’W). Neste ambiente exclusivamente límnico, a profundidade média é cerca de 3m com a maior parte de sua superfície coberta de aguapés, sendo de difícil navegação; Setor 2 - Compreende amostras em um ponto de coleta localizado próximo à estrada que liga o balneário Praia-Nova a Mostardas (31°06’S, 050°50’W), representado por um arroio tributário da Lagoa do Peixe que, assim como nas Lagoas Pai João e Veiana, é um ambiente tipicamente límnico. Setor 3 - Compreende amostras na Lagoa do Peixe, representado por quatro pontos de zona rasa (< 1m) e seis pontos de zona profunda (entre 1 e 2m). Este setor pode ser classificado como um ambiente lagunar semifechado, onde ocorrem trocas e variações nas características físico-químicas, devido ao intercâmbio com seus sistemas vizinhos. Esta classificação é em função da barra da lagoa, que apresenta comunicação intermitente com o Oceano Atlântico, e geralmente permanece fechada durante alguns meses do ano. A lagoa acumula água de banhados e lagoas adjacentes, e quando rompe em direção ao mar se comporta como um estuário (SCHWARZBOLD & SCHÄFER 11 1984). Esta Lagoa possui um espelho da água de aproximadamente 35 Km2 e sua profundidade é pequena (média de 30cm), podendo chegar a 2m nos canais e na barra. Figura 1.1 – Área de estudo: 1) Setor 1 = Lagoas Pai João e Veiana; 2) Setor 2 = Arroio tributário da Lagoa do Peixe e; 3) Setor 3 = Lagoa do Peixe. Fonte: IBAMAMostardas. 2.2 Desenho Amostral Amostras sazonais foram realizadas durante o inverno e primavera de 2001 e verão e outono de 2002. Durante o verão houve intensificação das amostragens, pois foi possível realizar coletas mensais, e ainda incluir o rejeito da pesca do camarão-rosa com rede tipo “Aviãozinho”. O material coletado foi fixado em campo com formoldeído a 4 % e posteriormente triado em Laboratório. Em decorrência dos diferentes tipos de ambientes, e também em função do propósito deste trabalho, utilizavam-se diversas artes de pesca para uma melhor 12 descrição da ictiofauna e fauna acompanhante de crustáceos. As artes de pesca utilizadas foram: 1. Picaré - Rede manual de arrasto de praia (9 metros de comprimento, com malha de 5mm nos 3 metros centrais e 12mm nas laterais), com 1,5 metros de altura. Este amostrador perfaz por amostra uma área varrida de aproximadamente 60m2, tendo sido feitas 129 amostras; 2. Cerco - Rede manual de arrasto de praia (20m de comprimento com panagem única de 12mm), com 0,6m de altura, que varre uma área de aproximadamente 100m2, totalizando 38 amostras; 3. Tarrafas – 3a) De olho ou argolas – utilizou-se uma de abertura circular de 20m e malha de 12mm e uma de abertura circular de 17 metros e malha de 50mm); e 3b) De rufo (abertura circular de 8m e malha de 13mm), totalizando 26 amostras; 4. Aviãozinho - Rede passiva com atrativo luminoso utilizada pelos pescadores artesanais da região, malha de 12mm no funil, utilizada durante a noite por aproximadamente 12 horas, totalizando 48 amostras provenientes de 1.632 redes; 5. Puçá - Abertura semicircular de aproximadamente 110cm com malha de 5mm totalizando duas amostras; 6. Rede Quadrada - Rede que possui uma boca com armação de cano (PVC) formando um quadrado de 0,8 m de lado, toda a panagem é de malha de 5mm e a rede é arrastada com auxílio de um cabo, varrendo aproximadamente 8 m2, totalizando 17 amostras. 13 O número de amostras realizadas de cada arte de pesca para cada setor está descrito na TAB. I. Tabela I – Esforço de pesca (número de amostras) aplicado para cada setor amostrado durante o estudo (CER = Rede de Cerco; PIC = Rede Picaré; TRF = Tarrafa; RQU = Rede Quadrada e; AVI = Aviãozinho). SETOR 1 SETOR 2 SETOR 3 CER PIC TRF PUÇ RQU AVI 2 3 6 1 13 38 126 20 1 2 48 Para cada espécie, foi calculado o grau de importância relativa em cada amostrador por meio da freqüência de ocorrência percentual (FO%) e sua percentagem numérica (PN%). Desta maneira, as espécies foram classificadas em: 1) espécies ocasionais - não ultrapassaram valores acima da média de PN% e FO%; 2) espécies freqüentes e não abundantes - valores de PN% menor que a média de PN% e valores FO% acima da média de FO% e; 3) espécies freqüentes e abundantes - valores de PN% e FO% acima da média. 3. Resultados Levando em consideração todos os amostradores utilizados ao longo de todo o ano e todos os pontos amostrados, foram coletados um total de 54.138 peixes representados por 68 espécies de teleósteos distribuídas em 26 famílias (Tabela II). Durante as amostragens não foi registrada a presença de elasmobrânquios. Gymnotus carapo foi à única espécie capturada no sistema Lagoa Pai JoãoVeiana (Setor 1) que não ocorreu no sistema Lagoa do Peixe (Setores 2 e 3). O sistema Lagoa Pai João-Veiana apresentou um menor número de espécies (S=15) em relação ao sistema Lagoa do Peixe (S=67), sendo 33 consideradas espécies límnicas, 15 espécies estuarino-relacionadas e 19 espécies marinhas. As espécies límnicas Astyanax fasciatus, 14 Callichthys callichthys, Cheirodon ibicuhiensis, Cyphocarax saladensis, Mimagoniates inequalis e Pseudocorynopoma doriae ocorreram exclusivamente no setor 2. Das 73 espécies listadas (TAB. II), 51 destas são citadas pela primeira vez (em destaque na mesma tabela), e devem, portanto, ser consideradas como primeiro registro para o PNLP. Nove espécies ainda não haviam sido catalogadas para estuários do Rio Grande do Sul, sendo seis marinhas (Albula nemoptera, Epinephelus guaza, Mycteroperca rubra, Sardinella aurita, Uraspis secunda e uma espécie de Sciaenidae não identificada), e três estuarinas (Awaous tajasica, Dormitator maculatus, Eleotris pisonis). O aviãozinho foi o amostrador que mais contribuiu com os novos registros, sendo que das espécies capturadas pela primeira vez, 33 estavam presentes neste tipo de arte de pesca e 19 destas foram exclusivas desta arte de pesca. As espécies mais freqüentes (FO%) e abundantes (PN%) no aviãozinho foram Brevoortia pectinata (FO% = 68,8; PN% = 42,5), Micropogonias furnieri (FO% = 60,4; PN% = 16,7) e Jenynsia multidentata (FO% = 81,3; 14,6%). Na rede de Cerco, dentre as espécies freqüentes e abundantes destaca-se novamente B. pectinata (FO% = 26,3; PN = 21,7%), seguida de Astyanax eingemanniorum (FO% = 34,2; PN% = 17,7), Mugil platanus (FO% = 55,3; PN% = 14,1) e Odontesthes argentinensis (FO% = 52,6; PN% = 13,5). A rede Picaré teve M. platanus (FO% = 74,5; PN% = 65,9) como única espécie dominante, o mesmo aconteceu com o Puçá que teve Phalloceros caudimaculatus representando 95,75% de percentagem numérica. A rede quadrada esteve representada principalmente por P. caudimaculatus (FO% = 23,5; PN% = 58,6) e Hyphessobrycon bifasciatus (FO% = 58,8; PN% = 7,9). Já a Tarrafa teve Oligosarcus jenynsii (FO% = 46,2; PN% = 38,0), 15 O. argentinensis (FO% = 34,2; PN% = 16,2) e A. eingemanniorum (FO% = 50,0 PN% = 14,6), como as espécies mais freqüentes e abundantes. A fauna acompanhante de crustáceos registrou um total de oito espécies (Tabela III). Destas, três são citadas pela primeira vez para o PNLP, são elas: Macrobrachium borelli, Paleomonectes argentinenus e Rhithropanopeus harrissii. Merece destaque ainda a presença de F. paulensis e Callinetes sapidus em todas as amostras de Aviãozinho. Os outros amostradores sempre apresentaram valores de FO% de crustáceos inferiores a 50,1%.A rede tipo picaré foi a única rede que capturou todas as espécies de crustáceos. 16 Tabela II - Lista de espécies capturadas com suas respectivas famílias para cada arte de pesca. COD 0 = Dados históricos; 1 = Sistema Pai João – Veiana; 2 = Setor 2; 3 = Lagoa do Peixe. AVI = Aviãozinho; CER = Rede de cerco; PIC = Picaré; PUÇ = Puçá; QUA = Rede Quadrada; TAR = Tarrafa. PN% = Percentual numérico da abundancia específica e FO% = Freqüência de Ocorrência Percentual Específica. Em negrito estão as espécies com primeiro registro para o PNLP. FAMÍLIA ESPÉCIE AVI COD PN% CER FO% ELOPIDAE Elops saurus Linnaeus, 1766 3 <1 6,3 ALBULIDAE Albula nemoptera (Fowler, 1911) 3 <1 4,2 ENGRAULIDAE Anchoa marinii (Hildebrand, 1943) ENGRAULIDAE Lycengraulis grossidens (Agassiz, 1829) 0;3 <1 6,3 CLUPEIDAE Brevoortia pectinata (Jenyns, 1842) 0;3 42,6 68,8 CLUPEIDAE Harengula clupeola (Cuvier, 1829) 3 <1 14,6 CLUPEIDAE Platanichthys platana (Regan, 1917) 3 <1 47,9 CLUPEIDAE Sardinella aurita Valenciennes, 1847 3 <1 2,1 PN% PIC FO% 3 CURIMATIDAE Cyphocarax saladensis (Meinken, 1933) CURIMATIDAE Cyphocarax voga (Hensel, 1870) 1;2;3 <1 16,7 ERYTHRINIDAE Hoplias malabaricus (Bloch,1794) 0;1;2;3 <1 25,0 CHARACIDAE Astyanax alburnus (Hensel, 1870) 3 21,7 26,3 PN% PUÇ FO% PN% QUA FO% CHARACIDAE Astyanax bimaculatus (Linnaeus, 1758) 0;1;2 CHARACIDAE Astyanax eingemanniorum (Cope, 1894) 1;2;3 CHARACIDAE Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819) 2 CHARACIDAE Characidium rachovii Regan, 1913 1;2 CHARACIDAE Cheirodon ibicuhiensis Eingenmann, 1915 CHARACIDAE Cheirodon interruptus (Jenyns, 1842) 2;3 CHARACIDAE Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 1;2;3 CHARACIDAE Hyphessobrycon boulengeri (Eigenmann, 1907) 2;3 CHARACIDAE Hyphessobrycon luetkenii (Boulenger, 1887) 2;3 1,7 18,8 17,7 CHARACIDAE Hyphessobrycon meridionalis Ringuelet et al., 1978 3 CHARACIDAE Mimagoniates inequalis (Eigenmann, 1915) 2 CHARACIDAE Oligosarcus jenynsii (Günther, 1864) 0;2;3 CHARACIDAE Oligosarcus robustus Menezes, 1969 3 8,3 <1 <1 <1 25,0 2,2 2,6 2,6 18,4 FO% <1 3,1 1,0 7,7 1,0 10,9 5,9 3,8 <1 4,7 <1 <1 4,3 26,4 2 <1 PN% <1 2,6 34,2 FO% <1 2 <1 PN% TAR <1 50,0 <1 5,9 3,6 23,5 3,3 38,5 <1 23,5 <1 3,8 <1 5,9 <1 11,5 4,7 58,8 14,6 50,0 <1 7,7 38,0 46,2 1,5 3,8 <1 11,8 <1 4,7 <1 50,0 <1 11,8 <1 100,0 7,9 58,8 <1 18,6 <1 2,3 <1 6,2 <1 <1 <1 9,3 <1 50,0 1,8 50,0 1,1 17,6 6,6 23,5 <1 11,8 17 FAMÍLIA ESPÉCIE AVI COD CER PN% FO% <1 2,1 CHARACIDAE Pseudocorynopoma doriae Perugia, 1891 2 ARIIDAE Genidens genidens (Valenciennes, 1839) 3 PIMELODIDAE Pimelodella australis Eigenmann, 1917 2;3 <1 2,1 PIMELODIDAE Rhamdia sp (Quoy & Gaimard, 1824) 0;2;3 <1 20,8 CALLICHTHYDAE Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) 0;2 CALLICHTHYDAE Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) 2;3 <1 8,3 CALLICHTHYDAE Hoplosternum littorale (Hancock, 1828) 2;3 <1 4,2 GYMNOTIDAE STERNOPYGIDAE Gymnotus carapo Linnaeus, 1758 Eigenmannia virescens (Valenciennes, 1842) GADIDAE Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858) 3 <1 2,1 ANABLEPIDAE Jenynsia multidentata (Jenyns, 1842) 0;1;2;3 14,6 81,3 POECILIIDAE Cnesterodon decemmaculatus (Jenyns, 1842) POECILIIDAE Phalloceros caudimaculatus (Hensel, 1868) POECILIIDAE Phalloptychus januarius (Hensel, 1868) ATHERINIDAE Atherinella brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) ATHERINIDAE Odontesthes argentinensis (Valenciennes, 1835) ELEOTRIDAE PN% <1 PIC FO% 7,9 PN% <1 <1 PUÇ FO% 5,4 5,4 PN% <1 <1 QUA FO% 50,0 50,0 1 1;2 7,3 44,7 9,1 <1 <1 <1 2,6 1,2 8,5 3 1;2;3 3 69,0 <1 4,2 <1 2,6 <1 7,0 0;3 <1 27,1 7,3 28,9 1,9 38,0 0;3 5,3 70,8 13,5 52,6 2,8 34,9 Dormitator maculatus (Bloch, 1792) 3 <1 3 <1 2,1 ELEOTRIDAE Eleotris pisonis (Gmelin, 1789) CENTROPOMIDAE Centropomus parallelus (Poey, 1860) 3 SERRANIDAE Epinephelus guaza (Linnaeus, 1758) 3 <1 8,3 TAR PN% FO% <1 5,9 <1 11,8 3,6 29,4 <1 5,9 <1 11,8 <1 50,0 2,3 41,2 95,7 100,0 58,6 23,5 7,2 5,9 <1 5,9 PN% FO% <1 3,8 <1 3,8 <1 11,5 16,2 34,6 <1 3,8 SERRANIDAE Mycteroperca rubra (Bloch, 1793) 3 <1 4,2 POMATOMIDAE Pomatomus saltatrix (Linnaeus, 1766) 3 <1 6,3 CARANGIDAE Selene vomer (Linnaeus, 1758) 3 <1 6,3 CARANGIDAE Trachinotus carolinus (Linnaeus, 1766) 3 <1 14,6 <1 5,3 <1 <1 <1 3,8 <1 10,5 <1 7,0 <1 3,8 CARANGIDAE Trachinotus marginatus Cuvier, 1832 0;3 <1 6,3 CARANGIDAE Uraspis secunda (Poey, 1860) 3 <1 2,1 GERREIDAE Eucinostomus lefroyi (Goode, 1874) 0 GERREIDAE Eucinostomus gula (Quoy & Gaimard, 1824) 0 18 FAMÍLIA ESPÉCIE CER PIC PUÇ PN% FO% PN% FO% PN% FO% 3 3,7 60,4 <1 2,6 <1 0;3 16,7 60,4 <1 13,2 3 <1 2,1 3 <1 2,1 GERREIDAE Eucinostomus melanopterus (Bleeker, 1863) 0 GERREIDAE Eucinostomus argenteus Baird & Girard 1855 SCIAENIDAE Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) SCIAENIDAE Pogonias cromis (Linnaeus, 1766) SCIAENIDAE AVI COD PN% FO% QUA PN% TAR FO% PN% FO% 1,6 <1 3,8 <1 3,1 1,4 11,5 42,3 SCIAENIDAE SCIAENIDAE Menticirrhus littoralis (Holbrook, 1855) 0 Stellifer brasiliensis (Schultz) 3 <1 2,1 CICHLIDAE Cichlasoma facetum (Jenyns, 1842) 3 <1 6,3 CICHLIDAE Cichlasoma portalegrense (Hensel, 1870) 1;2;3 <1 6,3 <1 <1 <1 23,5 CICHLIDAE Crenicichla lepidota Heckel, 1840 1;2;3 <1 4,2 <1 <1 <1 23,5 CICHLIDAE Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) 0;1;2;3 7,5 58,3 8,8 23,7 <1 14,0 <1 23,5 6,2 MUGILIDAE Mugil curema Valenciennes, 1836 0;3 <1 8,3 3,6 21,1 2,1 6,2 MUGILIDAE Mugil gaimardianus Desmarest, 1831 0;3 <1 8,3 1,1 10,5 <1 1,6 <1 3,8 MUGILIDAE Mugil platanus Gunther, 1880 0;3 2,6 68,8 14,1 55,3 74,5 65,9 <1 5,9 5,1 38,5 GOBIIDAE Awaous tajasica (Lichtenstein, 1822) 3 <1 1,6 GOBIIDAE Gobionellus oceanicus (Pallas, 1770) 3 <1 39,6 GOBIIDAE Gobionellus shufeldti (Jordan & Gilbert, 1887) <1 2,3 PLEURONECTIDAE Oncopterus darwinii Steindachner, 1874 0 BOTHIDAE Citharichthys spilopterus Günther, 1862 0;3 <1 4,2 1,8 11,5 BOTHIDAE Paralichthys orbignyanus Valenciennes, 1839 3 <1 6,3 0;3 <1 2,6 <1 2,6 N° TOTAL DE INDIVÍDUOS COLETADOS 13991 1897 34612 776 2172 724 22 N° DE ESPÉCIES COLETADAS POR AMOSTRADOR 46 22 32 9 24 N° DE ESPECIES COM PRIMEIRO REGISTRO PARA O PNLP 33 10 18 8 17 9 N° DE AMOSTRAS REALIZADAS COM CADA AMOSTRADOR 48 38 129 2 17 26 19 Tabela III - Lista de crustáceos decápodos capturados para cada arte de pesca. AVI = Aviãozinho; CER = Rede de cerco; PIC = Picaré; PUÇ = Puçá; QUA = Rede Quadrada; TAR = Tarrafa. Em negrito estão as espécies com primeiro registro para o PNLP. ESPÉCIE AVI CER PIC Farfantepenaeus paulensis Perez-Farfante, 1967 100,0 18,4 18,6 2,6 13,2 Paleomonectes argentinus Nobili, 1901 Macrobrachium borelli (Nobili, 1896) 5,9 7,7 17,6 11,8 21,1 16,3 Callinectes sapidus Rathbun, 1896 100,0 34,2 31,0 Rhithropanopeus harrissii Gould, 1841 TAR 17,6 72,9 Cyrtograpsus angulatus Dana, 1851 50,0 QUA 1,6 Callinectes danae Smith, 1869 Chasmagnathus granulata Dana, 1851 PUÇ 50,0 7,7 26,9 2,3 2,1 13,2 3,9 7,7 0,8 19 20 4. Discussão Comparando com os dados históricos da ictiofauna (DE BEM JR. & LAURINO 1994; LOEBMANN et al. 2001; RAMOS & VIEIRA 2001) somente as espécies marinhas Menticirrhus littoralis, Oncopterus darwini, Eucinostomus melanopterus, E. gula e Ulaema lefroy (Tabela II) não foram coletados durante este trabalho. Assim sendo, a compilação de dados históricos associados aos registros do presente trabalho elevam a lista para 73 espécies. O baixo número de espécies encontrados no sistema Lagoa Pai João-Veiana deve ser atribuído principalmente a dois fatores: 1) o uso restrito de amostradores dificultado pelas características desta lagoa e; 2) o baixo esforço amostral, com apenas duas expedições. A espécie Gymnogeophagus rhabdotus citada por (DE BEM JR. & LAURINO 1994) aparentemente apresentou problemas de identificação, sendo considerada aqui como Geophagus brasiliensis, uma vez que este ciclídeo foi bastante comum nas amostragens e são muito semelhantes entre si. Além do mais, nenhum indivíduo de G. rhabdotus foi capturado durante as recentes amostragens de 2001 e 2002. Os amostradores embora impossíveis de serem comparados entre si em decorrência de suas características e esforços amostrais distintos, devem ser considerados complementares, pois além das espécies capturadas por mais de um amostrador apresentarem diferentes proporções, nenhuma das espécies foi coletada em todos os amostradores. A ictiofauna do PNLP é muito mais rica do que já se tinha registro, uma vez que, este levantamento aumentou cerca de duas vezes o número de espécies registradas. A maior contribuição de novos registros por parte da rede Aviãozinho, parece estar relacionado ao fato deste amostrador ter sido utilizado tanto na zona rasa como na zona 20 21 profunda. Além disto, as amostras eram provenientes de várias redes (1.632 no total) que ficavam 12 horas dentro dá água, totalizando assim, um esforço de pesca muito superior aos dos outros amostradores. A dominância de M. platanus na arte de pesca Picaré é explicada pelo fato de que, em apenas cinco amostras provenientes de um único dia, foram capturados 18.234 indivíduos com menos de 33mm de comprimento total. A formação de densos cardumes de juvenis desta espécie é comum na costa do Rio Grande do Sul, sendo a espécie dominante nas águas rasas estuarinas (RAMOS & VIEIRA 2001). Em relação à fauna de crustáceos decápodos, SANTOS et al. (2000) cita 11 espécies para o PNLP. Nas coletas analisadas para o presente trabalho não foram observadas as espécies Loxopagurus loxochelis, Uca uruguayensis, Ocypode quadrata, Areaneus cribarius, Callinectes bocourti e Artemesia longinaris. Destas, C. boucorti, não é uma espécie comum para a área do PNLP, justificando sua ausência em nossas amostras. As outras espécies que não foram encontradas ao longo de nossas amostragens são típicas de ambiente marinho-praial (O. quadrata), marinho (A. longinaris, L. loxochelis e A. cribarius), e de marismas (U. uruguayensis), locais onde não foram realizadas amostras. As três espécies consideradas como novas ocorrências para o PNLP (Macrobrachium borelli, Paleomonectes argentinus e Rhithropanopeus. harrisii) são encontradas em lagoas costeiras do Rio Grande do Sul (BUCKUP & BOND-BUCKUP 1999), sendo a última considerada introduzida por água da lastro de navio (D'INCAO & MARTINS 1998). Neste trabalho, não se levou em consideração a abundância relativa da fauna de crustáceos, visto que Farfantepenaeus paulensis, Callinectes sapidus e Callinectes 21 22 danae são espécies comercializadas pelos pescadores locais, não tendo sido possível determinar a importância relativa destas capturas. No entanto merece destaque a grande biomassa destas espécies, que representam importantes recursos pesqueiros para a comunidade local. O caranguejo-gatanhão Chasmagnathus granulata também merece destaque, visto que atualmente apresenta status de vulnerável de acordo com a Lista Vermelha da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul (FONTANA et al. no prelo). No PNLP está espécie pode ainda ser encontrada em grande abundância, estando intimamente associadas aos marismas das margens da Lagoa do Peixe (SANTOS et al. 2000). Fazendo uma comparação entre os estuários do Rio Grande do Sul (CHAO et al. 1982; PEREIRA et al. 1998; RAMOS & VIEIRA 2001; RASEIRA 2003; VIEIRA & LOEBMANN 2003), podemos observar que as espécies das assembléias de zona rasa são sempre dominadas pelas mesmas espécies, independente do estuário. Já na zona profunda, a situação pode ser considerada diferente, pois para todos os estuários (Rio Mampituba, Complexo Tramandaí – Armazém – Custódia, Lagoa dos Patos e Chuí) é marcante a presença dos bagres Netuma barba e Genidens genidens, enquanto que na Lagoa do Peixe, foram observados apenas dois indivíduos de G. genidens. Das nove espécies citadas pela primeira vez para estuários do Rio Grande do Sul, a maioria delas ainda nem havia sequer sido registrada para o estado. Com exceção de A. tajasica, todas foram capturadas na pesca do camarão-rosa durante o verão e, de acordo com a literatura (FIGUEIREDO & MENEZES 1978; 1980; MENEZES & FIGUEIREDO 1980; 1985; FROESE & PAULY 2003) seus registros são para menores latitudes, sugerindo que a aparição destas espécies no estuário da Lagoa do Peixe parece 22 23 estar associado a águas quentes da corrente do Brasil que atingem a região durante o verão (RAMOS 1999). 23 24 II - DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA ICTIOFAUNA DA LAGOA DO PEIXE, RS, BRASIL 1. Introdução A planície costeira do extremo sul do Brasil corresponde a uma zona biogeográfica de transição temperada-quente, devido à influência da Convergência Subtropical do sudoeste Atlântico (SEELIGER et al. 1997). Sua extensão é de aproximadamente 640 Km, sendo seus limites geográficos a Barra do Chuí (33ºS e 53ºW) ao Sul e a desembocadura do Rio Mampituba (29ºS e 49ºW) ao Norte. Suas lagoas costeiras representam cerca de 40% da área total da zona costeira do Rio Grande do Sul (SILVA & HARTMANN 1990), e a feição dominante da planície é o complexo Lagoa dos Patos-Mirim com aproximadamente 14.000 km2 (SEELIGER et al. 1997). O Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP) está localizado no segmento mediano desta Planície, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico, e foi criado em 1986 por sugestão do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, hoje denominado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Atualmente, o PNLP possui status de Reserva da Biosfera, Sítio Ramsar e Reserva Internacional de Aves Limnícolas. Dentro da área do PNLP destaca-se como principal corpo d’água a Lagoa do Peixe, que é caracterizada como um ambiente lagunar devido sua comunicação intermitente com o mar. Levantamentos preliminares da ictiofauna do PNLP (DE BEM JR. & LAURINO 1994; LOEBMANN et al. 2001; CAPÍTULO I), revelaram que a ligação temporária com o oceano permite a entrada na lagoa de organismos de origem marinha, e que o aporte de água doce, proveniente de banhados e sangradouros, permitem também o estabelecimento de uma ictiofauna límnica na Lagoa do Peixe. No entanto, aspectos 24 25 relacionados com a estrutura da assembléia de peixes, como distribuição espacial e abundância relativa das espécies, não foram ainda considerados. A necessidade de obter informações científicas adicionais sobre a ictiofauna do PNLP, aliada às dificuldades em se estabelecer um esforço de coleta sistemático, em virtude de diversos fatores como distância, alojamentos precários, difícil acesso e deslocamento, justifica por si só, o desenvolvimento deste trabalho. Além disso, a compreensão da ecologia dos organismos, sobretudo daqueles que apresentam seus ciclos de vida associados aos estuários, é fundamental para aprimorar o manejo e a conservação destes recursos renováveis (VIEIRA & PEREIRA 1997). 2 Material e Métodos 2.1 Área de Estudo A Lagoa do Peixe pode ser classificada como um ambiente lagunar semifechado, onde, devido ao intercâmbio com seus sistemas vizinhos, ocorrem trocas e variações nas características físico-químicas da água. A barra da Lagoa do Peixe apresenta comunicação intermitente com o Oceano Atlântico, e geralmente permanece fechada durante alguns meses do ano, acumulando água de banhados e lagoas adjacentes. Atingido determinado nível, a barra se rompe em direção ao mar, e leva a lagoa a se comportar como uma laguna (SCHWARZBOLD & SCHÄFER 1984). Esta Laguna possui um espelho de água de aproximadamente 35 Km2 e sua profundidade média é baixa (cerca de 30cm), podendo chegar a 2m nos canais e na barra. A Lagoa do Peixe foi compartimentada em dez pontos sendo quatro deles considerados como zona rasa (Barra, Manduca, Guaritas e Talha Mar) e seis de zona profunda (Chica, Capitão - Rosa, Paiva, Lagamarzinho, Costa e Véia Terra). 25 26 Um arroio tributário da Lagoa do Peixe próximo da estrada que liga o balneário Praia-Nova a Mostardas (31°06’, 050°50’), também foi amostrado e, em função de terem sido utilizados amostradores diferentes daqueles usados na Lagoa do Peixe, os dados ali obtidos foram somente considerados qualitativos. Apenas um ponto foi amostrado deste arroio. 2.2 Desenho Amostral Amostras sazonais foram realizadas durante o inverno e primavera de 2001 e verão e outono de 2002. Durante o verão houve intensificação das amostragens, pois foi possível realizar coletas mensais, e ainda incluir o rejeito da pesca do camarão-rosa com rede tipo “Aviãozinho”. As coletas foram autorizadas pelo IBAMA, por meio da licença de n° 074/2001. O material coletado foi fixado em campo com formoldeído a 4 % e triado em Laboratório. Em decorrência dos diferentes tipos de ambientes, e também em função do propósito deste trabalho, utilizaram-se diversas artes de pesca para uma melhor descrição da ictiofauna e fauna acompanhante de crustáceos. As artes de pesca utilizadas foram: 1. Picaré - Rede manual de arrasto de praia (9 metros de comprimento, com malha de 5mm nos 3 metros centrais e 12 mm nas laterais), com 1,5 metros de altura. Este amostrador perfaz, por amostra, uma área varrida de aproximadamente 60 m2, tendo sido feitas 129 amostras; 2. Cerco - Rede manual de arrasto de praia (20m de comprimento com panagem única de 12mm), com 0,6m de altura, que varre uma área de aproximadamente 100m2, totalizando 38 amostras; 26 27 3. Tarrafas – 3a) De olho ou argolas – utilizou-se uma de abertura circular de 20m e malha de 12mm e uma de abertura circular de 17 metros e malha de 50mm); e 3b) De rufo (abertura circular de 8m e malha de 13mm), totalizando 26 amostras; 4. Aviãozinho - Rede passiva com atrativo luminoso utilizada pelos pescadores artesanais da região, malha de 12mm no funil, utilizada durante a noite por aproximadamente 12 horas, totalizando 48 amostras provenientes de 1632 redes; 5. Puçá - Abertura semicircular de aproximadamente 110cm com malha de 5mm totalizando duas amostras; 6. Rede Quadrada - Rede que possui uma boca com armação de cano (PVC) formando um quadrado de 0,8m de lado, toda a panagem é de malha de 5mm e a rede é arrastada com auxílio de um cabo, varrendo aproximadamente 8m2, totalizando 15 amostras. O número de amostras realizadas de cada arte de pesca para cada setor esta descritos na TAB. IV. Tabela IV – Esforço de pesca (número de amostras) aplicado para cada setor amostrado durante o estudo (CER = Rede de Cerco; PIC = Rede Picaré; TRF = Tarrafa; RQU = Rede Quadrada e; AVI = Aviãozinho) MANDUCA CHICA CAPITÃO ROSA BARRA GUARITAS PAIVA LAGAMARZINHO COSTA TALHA MAR VÉIA TERRA PONTE NORTE CER 17 PIC 30 TRF 4 PUÇ RQU AVI 4 6 20 40 27 7 2 1 2 8 11 10 1 29 7 3 6 9 1 13 27 28 2.3 Análise dos dados A Lagoa do Peixe foi dividida em zona rasa (< 1m) e zona profunda (entre 1 e 2m) para as analises quantitativas. Para a zona rasa foram consideradas apenas as amostras provenientes da rede picaré (setores Manduca, Barra, Guaritas e Talha Mar) e para as zonas profundas as amostras provenientes das redes de aviãozinho (setores Chica, Capitão Rosa, Paiva, Lagamarzinho, Costa e Véia Terra). Para fins comparativos aplicou-se a captura por unidade de esforço (CPUE), com o propósito de observar possíveis mudanças de espécies dominantes ao longo da Lagoa do Peixe. Em função dos dados de fundo e raso serem oriundos de amostradores diferentes, as comparações de capturas não puderam ser feitas entre assembléias de fundo e raso, ou seja, os dados só foram comparáveis entre setores que utilizaram os mesmos amostradores. Para cada espécie, foi calculado o grau de importância relativa em cada amostrador por meio da freqüência de ocorrência percentual (FO%) e sua percentagem numérica (PN%). Desta maneira, as espécies foram classificadas em: 1) espécies ocasionais - não ultrapassaram valores acima da média de PN% e FO%; 2) espécies freqüentes e não abundantes- valores de PN% menor que a média de PN% e valores FO% acima da média de FO% e; 3) espécies freqüentes e abundantes - valores de PN% e FO% acima da média. Calculou-se o Índice de Importância Relativa (IIR% = FO% x (PN% + PW%)) (VIEIRA et al. 1996), que leva em consideração a freqüência de ocorrência percentual (FO%), a abundância relativa numérica percentual (PN%) baseada no valor da CPUE em número, e a biomassa relativa percentual (PW%), baseado na CPUE em peso. Com base nos valores do IIR% aplicou-se uma análise de agrupamento, com o propósito de 28 29 agrupar os locais de coleta quanto à sua semelhança. O método de Complete Linkage foi empregado com distâncias baseadas em City-Block (Manhattan distances). 3 Resultados A utilização dos seis aparelhos de coleta nos 11 setores (10 setores da Lagoa do Peixe mais o arroio tributário Ponte Norte) resultou na coleta de 53.968 peixes pertencentes a 25 famílias e 67 espécies (Tabela V). No setor Capitão-Rosa foi registrado o menor número de espécies (S = 12) e no setor Ponte Norte o maior (S = 26), este último favorecido pelo grande número de espécies límnicas (Astyanax bimaculatus, Astyanax fasciatus, Callichthys callichthys, Cheirodon ibicuhiensis, Mimagoniates inequalis, Pseudocorynopoma doriae, Cyphocarax saladensis e Eigenmannia virescens) exclusivas deste setor. Jenynsia multidentata foi encontrada em todos os setores da lagoa e algumas outras espécies apresentaram ampla distribuição (Atherinella brasiliensis, Gobionellus oceanicus, Platanichthys platana, Odontesthes argentinensis). De modo geral, a distribuição espacial das espécies (TAB. V) apresentou três padrões: 1) o grupo das espécies consideradas límnicas foi o mais rico em espécies (S = 33) e tendeu a se distribuir nos extremos Norte e Sul da Lagoa do Peixe; 2) o grupo das espécies estuarino-relacionadas apresentou a menor riqueza (S = 15), mas apresentou a maior distribuição espacial, sendo algumas encontradas em toda a Lagoa do Peixe e; 3) o grupo das espécies marinhas apresentou uma riqueza de espécies intermediária (S = 19) e tendeu a se concentrar na região central da Lagoa do Peixe. As amostras que foram utilizadas para análises quantitativas foram representadas por 47.805 indivíduos e 56 espécies (13.957 indivíduos e 46 espécies capturados na 29 30 pesca com aviãozinho e 33.848 indivíduos e 33 espécies capturados na pesca com Picaré). Na zona rasa a tainha Mugil platanus, foi à espécie mais abundante em número, compreendendo 76,4% dos indivíduos capturados, seguida do barrigudinho J. multidentata (9,3%), do lambari Astyanax eingenmaniorum (4,4%) e dos peixes-rei O. argentinensis (2,9%) e A. brasiliensis (1,9%). Juntas estas espécies perfizeram 94,9% do número total de peixes capturados nas zonas rasas (Fig. 2.1). Na zona profunda, a savelha Brevoortia pectinata foi à espécie mais abundante em número, compreendendo 42,5% dos indivíduos capturados. Outras espécies também foram abundantes, tais como a corvina Micropogonias furnieri (16,7%), o barrigudinho J. multidentata (14,6%), o cará Geophagus brasiliensis (7,6%), o peixe-rei O. argentinensis (5,3%), o carapicu Eucinostomus argenteus (3,7%) e a tainha M. platanus (2,6%), que totalizam 93,8% do número total de peixes capturados nesta zona (Fig. 2.2). Com relação à biomassa capturada, um total de 157.377g de peixes foram coletados, sendo 143.462g provenientes da pesca com aviãozinho e 13.915g nas amostragens com Picaré. Na zona rasa, M. platanus representou 38,3% do total capturado, A. eingenmaniorum contribuiu com 23,9% da captura total, J. multidentata representou 14,2%, O. argentinensis 9,6% e A. brasiliensis 3,3%. Todas estas espécies somadas representaram 89,3% da biomassa total de peixes capturados nesta zona (Fig. 2.1). Já na zona profunda, B. pectinata foi a espécie de maior biomassa, compreendendo 42,8% do peso total capturado. Outras espécies também foram importantes, tais como: Geophagus brasiliensis (13%), Hoplias malabaricus (11,8%), M. furnieri (11,5%), J. multidentata (5,2%), O. argentinensis (5%), E. argenteus (2,2%) 30 31 e M. platanus (1,6%). Um total de 93,1% do peso total capturado na zona profunda da Lagoa do Peixe foi representado por estas espécies (Fig. 2.2). A análise de agrupamento, baseada no Índice de Importância Relativa, agrupou os 10 setores estudados (Fig. 2.3), em quatro grandes zonas: Zona Pré-límnica rasa, Zona Pré-límnica profunda, Zona Estuarina rasa e Zona Estuarina profunda, sendo que, as duas primeiras foram representadas pelos setores dos extremos Norte (Talha Mar, Véia Terra) e Sul (Manduca, Chica e Capitão Rosa) da Lagoa do Peixe, e as duas últimas representadas pelos setores centrais da Lagoa do Peixe próximos à desembocadura (Barra e Guaritas para o raso; Paiva, Lagamarzinho e Costa, para o profundo) 31 32 Tabela V – Padrão de distribuição das espécies encontradas na Lagoa do Peixe. ORIGEM E S P É C I E S L Í M N I C A S E S T U A R I N A R E L A C I O N A D A S V I S I T A N T E S M A R I N H O S FAMÍLIA NOME CIENTÍFICO CICHLIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CALLICHTHYDAE CURIMATIDAE POECILIIDAE CHARACIDAE CICHLIDAE ERYTHRINIDAE PIMELODIDAE POECILIIDAE CHARACIDAE CICHLIDAE PIMELODIDAE CALLICHTHYDAE CHARACIDAE CALLICHTHYDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CHARACIDAE CICHLIDAE CURIMATIDAE ELEOTRIDAE STERNOPYGIDAE POECILIIDAE GOBIIDAE Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) Astyanax eingemanniorum (Cope, 1894) Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 Oligosarcus jenynsii (Günther, 1864) Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) Cyphocarax voga (Hensel, 1870) Phalloceros caudimaculatus (Hensel, 1868) Hyphessobrycon luetkenii (Boulenger, 1887) Cichlasoma portalegrense (Hensel, 1870) Hoplias malabaricus (Bloch,1794) Pimelodella australis Eigenmann, 1917 Phalloptychus januarius (Hensel, 1868) Cheirodon interruptus (Jenyns, 1842) Crenicichla lepidota Heckel, 1840 Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard, 1824) Hoplosternum littorale (Hancock, 1828) Hyphessobrycon boulengeri (Eigenmann, 1907) Callichthys callichthys (Linnaeus, 1758) Astyanax alburnus (Hensel, 1870) Astyanax bimaculatus (Linnaeus, 1758) Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819) Characidium rachovii Regan, 1913 Cheirodon ibicuhiensis Eingenmann, 1915 Hyphessobrycon meridionalis Ringuelet, Miquelarena & Menni, 1978 Mimagoniates inequalis (Eigenmann, 1915) Oligosarcus robustus Menezes, 1969 Pseudocorynopoma doriae Perugia, 1891 Cichlasoma facetum (Jenyns, 1842) Cyphocarax saladensis (Meinken, 1933) Dormitator maculatus (Bloch, 1792) Eigenmannia virescens (Valenciennes, 1842) Cnesterodon decemmaculatus (Jenyns, 1842) Awaous tajasica (Lichtenstein, 1822) MUGILIDAE BOTHIDAE CENTROPOMIDAE ENGRAULIDAE MUGILIDAE MUGILIDAE SCIAENIDAE ELIOTRIDAE ARIIDAE GOBIIDAE ATHERINIDAE CLUPEIDAE GOBIIDAE ATHERINIDAE ANABLEPIDAE Mugil gaimardianus Desmarest, 1831 Paralichthys orbignyanus Valenciennes, 1839 Centropomus parallelus (Poey, 1860) Lycengraulis grossidens (Agassiz, 1829) Mugil curema Valenciennes, 1836 Mugil platanus Gunther, 1880 Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) Eleotris pisonis (Gmelin, 1789) Genidens genidens (Valenciennes, 1839) Gobionellus shufeldti (Jordan & Gilbert, 1887) Odontesthes argentinensis (Valenciennes, 1835) Platanichthys platana (Regan, 1917) Gobionellus oceanicus (Pallas, 1770) Atherinella brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) Jenynsia multidentata (Jenyns, 1842) CLUPEIDAE GERREIDAE BOTHIDAE CARANGIDAE CARANGIDAE CARANGIDAE SERRANIDAE CLUPEIDAE ELOPIDAE POMATOMIDAE CARANGIDAE CLUPEIDAE ALBULIDAE ENGRAULIDAE GADIDAE SCIAENIDAE SCIAENIDAE SCIAENIDAE SERRANIDAE Brevoortia pectinata (Jenyns, 1842) Eucinostomus argenteus Baird & Girard 1855 Citharichthys spilopterus Günther, 1862 Trachinotus carolinus (Linnaeus, 1766) Trachinotus marginatus Cuvier, 1832 Selene vomer (Linnaeus, 1758) Epinephelus guaza (Linnaeus, 1758) Harengula clupeola (Cuvier, 1829) Elops saurus Linnaeus, 1766 Pomatomus saltatrix (Linnaeus, 1766) Uraspis secunda (Poey, 1860) Sardinella aurita Valenciennes, 1847 Albula nemoptera (Fowler, 1911) Anchoa marinii (Hildebrand, 1943) Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858) Pogonias cromis (Linnaeus, 1766) MANDUCA PRÉ-LÍMNICO (ZONA SUL) CHICA CAPITÃO GUARITAS BARRA ESTUARIO (ZONA CENTRAL) PAIVA LAGAMAR COSTA PRÉ-LÍMNICO (ZONA NORTE) TALHA MAR VEIA TERRA LÍMNICO PONTE NORTE Stellifer brasiliensis (Schultz) Mycteroperca rubra (Bloch, 1793) 32 33 Mugil platanus 76,4 38,3 Astyanax eingenmaniorum 4,4 Jenynsia multidentata 23,9 9,3 PESO NÚMERO Odontesthes argentinensis 14,2 2,9 Atherinella brasiliensis 9,6 1,9 Outros 3,3 5,1 80 60 40 10,7 20 0 20 40 60 80 % Figura 2.1 – Abundância percentual e biomassa percentual para as espécies mais importantes na zona rasa (todos os setores) da Lagoa do Peixe. Brevoortia pectinata 42,5 42,8 Micropogonias furnieri 16,7 Jenynsia multidentata 11,5 14,6 Geophagus brasiliensis 5,2 7,6 Odonthestes argentinensis 13 5,3 5 PESO NÚMERO Eucinostomus argenteus 3,7 Mugil platanus 2,2 2,6 Hoplias malabaricus 1,6 0,9 Outros 11,8 6,2 50 40 30 20 10 6,9 0 10 20 30 40 50 % Figura 2.2 – Abundância percentual e biomassa percentual para as espécies mais importantes na zona profunda (todos os setores) da Lagoa do Peixe. 33 34 Oligosarcus jenynsii, G. brasiliensis, H. malabaricus foram as espécies encontradas em maior freqüência, peso e número na Zona Pré-límnica profunda. Merecem ainda destaque as espécies A. eingenmaniorum, B. pectinata, J. multidentata e P. platana, que foram espécies abundantes e freqüentes nesta zona. Desta forma, observa-se que, com a exceção de P. platana e B. pectinata, as espécies mais importantes são tipicamente límnicas. Na Zona Pré-límnica rasa, A. eingenmaniorum, G. brasiliensis, J. multidentata, M. platanus e O. jenysii, foram as espécies de maior importância, ou seja, com exceção de M. platanus, a composição especifica das espécies mais abundantes e freqüentes foi semelhante tanto para o raso, como para o fundo (Tabela VI). Complete Linkage City-block (Manhattan) distances Barra Guaritas Costa Lagamarzinho Paiva Manduca Talha mar Capitão Rosa Chica Veia Terra 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 (Dlink/Dmax)*100 Figura 2.3 – Análise de agrupamento baseada Índice de Importância Relativa para os setores da Lagoa do Peixe 34 35 Na Zona Estuarina rasa, a alta abundância específica de M. platanus, fez esta espécie ser a única com valores acima da média neste critério de corte. No entanto, as espécies J. multidentata e O. argentinensis foram importantes em peso e estiveram presentes em aproximadamente 50% das amostras. Ou seja, este setor tem como característica marcante, poucas espécies abundantes e freqüentes, com predomínio de espécies estuarino-relacionadas. A última zona (Estuarina profunda), foi representada principalmente pelas espécies B. pectinata, E. argenteus, J. multidentata, M. furnieri e O. argentinensis. Com relação a CPUE de cada setor (Tabela VI), nota-se que a zona rasa apresentou uma CPUE muito maior em relação às outras zonas, influenciada principalmente pelas elevadas capturas de M. platanus (CPUE = 381,76 ind/rede). Já na zona profunda, B. pectinata apresentou os maiores valores de captura por unidade de esforço na zona central (CPUE = 5,88 ind/rede) e, com o afastamento da desembocadura houve diminuição da CPUE e substituição das espécies, sendo que, espécies de origem límnica (A. eingenmaniorum, G. brasiliensis) e estuarinorelacionadas (J. multidentata), passaram a ter maiores capturas. 35 36 Tabela VI - Freqüência de ocorrência (FO); Percentual numérico (PN%); Percentual em peso (PW%) e; Captura por unidade de esforço (ind/rede) (CPUE) de cada espécie capturada por Aviãozinho e/ou Picaré para as quatro zonas determinadas pela análise de agrupamento. Em negrito, contribuições acima da média. Nome Científico Albula nemoptera Estuarino Profundo Estuarino Raso Pré-limnico Profundo Aviãozinho Picaré Aviãozinho FO% PN% PW% CPUE 6,9 0,0 0,0 0,0 Anchoa marinii FO% PN% PW% CPUE 1,5 0,0 0,0 0,1 FO% PN% PW% Pré-limnico raso Picaré CPUE Astyanax alburnus Astyanax eingemanniorum Atherinella brasiliensis 31,0 0,1 0,1 0,0 1,5 0,0 0,0 0,1 46,3 1,3 4,9 5,6 38,5 89,7 54,1 62,2 5,9 19,4 1,1 2,9 4,9 46,2 7,7 Cichlasoma portalegrense Citharichthys spilopterus 6,9 0,0 0,0 PW% CPUE 1,7 0,1 0,1 0,1 25,2 3,8 0,6 54,2 29,0 54,8 0,0 0,0 30,5 5,5 1,2 4,8 3,4 0,0 0,2 0,0 1,7 0,0 0,0 0,0 10,2 0,8 0,3 0,7 1,7 0,0 0,5 0,0 1,7 0,0 0,0 0,0 8,5 0,4 0,4 0,3 6,2 2,0 0,2 0,6 0,4 0,0 0,4 0,3 0,0 Corydoras paleatus 1,5 0,0 0,0 0,0 Crenicichla lepidota 1,5 0,0 0,3 0,0 Cyphocarax voga 23,1 30,8 3,4 0,0 0,0 0,0 Elops saurus 10,3 0,0 0,1 0,0 Epinephelus guaza 13,8 0,0 0,1 0,0 Eucinostomus argenteus 82,8 4,6 3,1 0,5 0,5 0,0 0,0 0,2 0,3 0,0 2,2 1,7 0,1 Eleotris pisonis 38,5 1,1 0,3 0,0 3,4 0,0 0,0 0,0 30,5 2,6 4,7 2,2 3,4 0,0 0,1 0,0 Geophagus brasiliensis 31,0 0,2 0,8 0,0 69,2 24,7 22,4 0,6 Gobionellus oceanicus 41,4 0,2 0,4 0,0 15,4 0,2 0,1 0,0 24,1 0,3 1,0 0,0 Genidens genidens Gobionellus shufeldti Harengula clupeola Hoplosternum littorale 6,9 0,0 0,3 0,0 Hoplias malabaricus 3,4 0,0 0,1 0,0 Hyphessobrycon bifasciatus Hyphessobrycon boulengeri FO% PN% PW% CPUE 50,0 0,6 0,5 0,1 16,7 0,0 0,0 0,0 16,7 0,0 0,1 0,0 100,0 37,3 71,1 3,7 83,3 0,4 0,5 0,0 0,0 Cnesterodon decemmaculatus Dormitator maculatus PN% 0,1 Cheirodon interruptus Cichlasoma facetum FO% 23,1 Awaous tajasica Brevoortia pectinata Aviãozinho 7,5 0,1 0,1 0,3 53,8 12,3 55,7 0,3 15,4 2,6 0,1 0,1 5,1 0,1 0,1 0,1 27,1 0,9 0,5 0,8 1,7 0,0 0,0 0,0 36 37 Nome Científico FO% Estuarino Profundo Estuarino Raso Pré-limnico Profundo Aviãozinho Picaré Aviãozinho PN% PW% CPUE FO% PN% PW% CPUE FO% PN% PW% Pré-limnico raso Picaré CPUE Hyphessobrycon luetkenii 57,2 25,5 5,6 0,0 1,7 0,0 0,0 0,0 16,7 0,0 0,2 0,0 0,0 52,5 5,5 3,0 4,8 100,0 3,1 1,3 0,3 50,0 0,5 0,6 0,0 33,3 0,6 0,1 0,1 16,7 0,0 0,0 0,0 33,3 0,1 0,1 0,0 46,2 5,2 0,6 0,1 Lycengraulis grossidens 6,9 0,0 0,1 0,0 6,0 0,0 0,7 0,1 7,7 0,1 0,1 0,0 Micropogonias furnieri 86,2 21,5 16,7 2,3 4,5 0,0 0,1 0,2 15,4 0,6 0,4 Mugil curema 13,8 0,4 0,2 0,0 11,9 2,5 2,9 10,9 Mugil gaimardianus 13,8 0,6 0,5 0,1 3,0 0,0 0,0 0,0 Mugil platanus 75,9 2,7 2,1 0,3 80,6 89,1 65,6 381,8 7,7 0,5 0,4 6,9 0,0 0,0 0,0 55,2 2,4 14,7 10,2 7,2 0,7 0,0 Paralichthys orbignyanus 6,9 0,0 0,0 0,0 23,1 0,3 0,1 0,0 13,6 5,5 2,9 4,8 53,8 12,9 7,1 0,3 16,9 0,3 5,1 0,3 7,7 0,1 0,2 0,0 Phalloceros caudimaculatus 3,0 0,0 0,0 0,1 11,9 0,4 0,1 0,3 Phalloptychus januarius 3,0 0,0 0,0 0,0 11,9 0,3 0,1 0,3 1,5 0,0 0,1 0,1 Pimelodella australis Platanichthys platana Pogonias cromis Pomatomus saltatrix 51,7 0,6 0,1 0,1 3,4 0,0 0,1 0,0 10,3 0,0 0,1 0,0 3,4 0,0 0,3 0,0 Rhamdia sp Sardinella aurita Sciaenidae 3,4 0,0 0,0 0,0 Selene vomer 6,9 0,0 0,0 0,0 Stellifer brasiliensis 3,4 0,0 0,1 0,0 24,1 0,1 0,5 0,0 1,5 0,0 0,2 0,1 Trachinotus marginatus 3,4 0,0 0,0 0,0 13,4 0,5 0,2 2,1 Uraspis secunda 3,4 0,0 0,0 0,0 Urophycis brasiliensis 3,4 0,0 0,1 0,0 Trachinotus carolinus CPUE 100,0 12,4 0,0 PW% 0,1 7,3 6,7 2,0 39,3 2,9 0,0 0,9 0,0 49,3 3,4 2,3 PN% 23,3 0,8 96,6 13,6 FO% 0,1 3,4 Oligosarcus jenynsii CPUE 45,2 7,3 Odontesthes argentinensis PW% 1,7 89,7 Mycteroperca rubra PN% 93,2 Hyphessobrycon meridionalis Jenynsia multidentata Aviãozinho FO% 7,7 0,1 0,0 0,0 11,9 0,6 1,7 0,5 53,8 4,4 0,2 0,1 8,5 0,2 0,1 0,2 46,2 1,5 3,7 0,0 7,7 0,1 0,0 0,0 37 38 4 Discussão O presente estudo descreve as associações de peixes das zonas rasas e profundas da Lagoa do Peixe. A análise dos dados possibilitou a divisão ecológica deste ecossistema em dois grandes compartimentos (zona pré-límnica e zona estuarina) que, por sua vez, podem ser divididos, em função da profundidade relativa, em zonas rasas e zonas profundas. Ressalta-se que o setor Ponte Norte, embora não incluído na análise quantitativa, deve ser considerado uma quinta zona a qual denominamos aqui de zona límnica. A análise das amostras identificou três grandes grupos: espécies de origem límnica, estuarina e marinha. Esta diversidade é decorrente da característica da Lagoa do Peixe que possui uma penetração de água salgada na zona central, onde, foram registrados altos valores de salinidade (S=34) e, em seus extremos, arroios e banhados contribuem com uma massa de água de baixa salinidade (S<0,1). Esta estratificação, evidentemente, resultou em uma diferenciação na composição ictiofaunística ao longo da lagoa, sendo que, além de existir uma tendência da ictiofauna límnica se encontrar nos extremos e uma ictiofauna marinha e estuarina no centro, observou-se que a ictiofauna capturada nos extremos em geral é representada por indivíduos adultos, enquanto que a ictiofauna da zona central é representada principalmente por juvenis. Segundo KENNISH (1990), a composição específica das populações de peixes estuarinos muda constantemente e drasticamente em razão da variabilidade das condições ambientais e dos limites específicos de tolerância de determinadas espécies às alterações no ambiente. O número de famílias que contribuem para a composição da fauna de peixes estuarinos geralmente é muito pequeno, uma vez que poucas espécies podem sobreviver nestes ambientes (HAEDRICH 1983). No caso da Lagoa do Peixe, 38 39 das 26 famílias encontradas, 23 estavam presentes na zona estuarina, contrariando o padrão encontrado para a maioria dos estuários. Esta aparente riqueza de espécies encontrada dentro da Lagoa do Peixe é reflexo de muitas espécies ocasionais ali encontradas em função do agrupamento dos dados coletados ao longo de um ano. A variabilidade de espécies ocasionais em estuários está ligada às mudanças bruscas das características físico-químicas da água. Por esta razão a maioria das espécies de peixes que são encontrados em estuários ali permanecem por um curto período de tempo, como fazem os peixes de água doce, peixes diadrômicos, peixes marinhos não-dependentes e peixes marinhos dependentes (MOYLE & CECH 1988). A distribuição de peixes em estuários (DAY et al. 1989; VIEIRA & MUSICK 1994; VIEIRA & PEREIRA 1997) pode ainda ser dividida em assembléias de peixes quanto ao local em que podem ser encontradas, tais como: associações de águas rasas, associações de águas profundas e associações pelágicas. As zonas rasas dos estuários abrigam o maior contingente da ictiofauna tipicamente estuarina. Nelas vivem peixes de pequeno porte (adultos geralmente com menos de 10 cm) ou juvenis de espécies marinhas, constituídas principalmente pelas famílias Atherinidae, Mugilidae, Gerreidae, Cyprinodontidae e Anablepsidae (VIEIRA & MUSICK 1993). Na zona estuarina rasa da Lagoa do Peixe isto pode ser confirmado, pois através dos valores encontrados pelo calculo do IIR%, observamos que as espécies mais importantes para esta associação foram Atherinella brasiliensis e Odontesthes argentinensis, ambos atherinídeos, Mugil platanus (Mugilidae) e Jenynsia multidentata (Anablepsidae). Já na zona profunda, as espécies Brevoortia pectinata, Geophagus brasiliensis, J. multidentata, Micropogonias furnieri e O. argentinensis como espécies importantes 39 40 em pelo menos um dos setores estuarinos de fundo estudados, diverge do padrão encontrado para outros estuários, onde espécies como J. multidentata, G. brasiliensis e B. pectinata não fazem parte desta associação, que é representada principalmente por cianídeos e arídeos (VIEIRA et al. 1998). Isto é explicado pelo fato de que na Lagoa do Peixe, a chamada “zona profunda”, não é tão característica como, por exemplo, na Lagoa dos Patos, onde as profundidades dos canais são bem maiores do que no estuário aqui estudado. Desta forma, na zona profunda da Lagoa do Peixe, há uma mistura de espécies de associações de meia água (B. pectinata), de raso (J. multidentata) e de fundo (M. furnieri). A presença de G. brasiliensis, uma espécie secundária de água doce capaz de tolerar altas salinidades, já é conhecida na comunidade científica, sendo que GARCIA & VIEIRA (1997) descrevem esta espécie como uma dominante das pradarias de Ruppia maritima no estuário da Lagoa dos Patos e ANDREATA et al. (1989), consideram esta espécie como estuarino residente na Laguna de Marapendi, RJ. A variabilidade na composição da ictiofauna encontrada nos setores da zona estuarina à zona pré-límnica apresentou as seguintes características: 1) existiu uma mudança gradual na dominância das principais espécies; 2) houve uma substituição gradativa das espécies marinhas por espécies de água doce e; 3) ocorreu uma redução drástica nas abundâncias das espécies, fato observado somente na zona rasa. Segundo RASEIRA (2003), este padrão já foi descrito para outros estuários como em Chesapeake Bay, EUA, onde WAGNER & AUSTIN (1999), encontraram um forte padrão longitudinal entre o limite superior do estuário e a região de água doce, a qual determina o limite onde ocorre um marcado aumento na taxa de troca de espécies. Outro exemplo foi descrito por PETERSON & ROSS (1991), que reportam uma série de substituições de espécies marinhas por espécies de água doce com o afastamento de 40 41 zonas de maior influência do mar. Resultados semelhantes também foram encontrados na fauna de outras regiões temperadas e tropicais (WEINSTEIN et al. 1980; WINEMILLER & LESLIE 1992). O menor número de espécies estuarino-relacionadas (S=15), sendo apenas J. multidentata e A. brasiliensis consideradas estuarino residentes, ou seja, que se desenvolvem e completam seu ciclo de vida no estuário (ROZAS & HACKNEY 1984; VIEIRA & MUSICK 1993), é explicado pelo fato de que poucos animais conseguem desenvolver mecanismos fisiológicos complexos para viver em ambientes que apresentam grandes variações físicas como os ambientes de águas salobras. Tais espécies normalmente apresentam uma baixa taxa de especiação quando comparadas com espécies marinhas ou de água doce (DEATON & GREENBERG 1986; RASEIRA 2003). As espécies de água salgada normalmente toleram maior variação de salinidade que as de água doce, tendo uma maior tolerância à água doce. Desse modo, as espécies marinhas não têm uma barreira tão pronunciada em direção a uma região de baixa salinidade, quando comparada com a maior dificuldade fisiológica das espécies de água doce em direção a regiões de maior influência marinha (KEUP & BAYLESS 1964; WAGNER 1999). Espécies primárias de água doce sensu MYERS (1938) ficam mais restritas a regiões límnicas, mas as secundárias de água doce, podem ocorrer ocasionalmente na água salgada (HELFMAN et al. 1997). Das 33 espécies límnicas encontradas na Lagoa do Peixe, apenas nove foram encontradas na zona estuarina, sendo que quatro destas foram somente encontradas no setor Guaritas que recebe água de um sangradouro após a ocorrência de chuva. Já das 19 espécies marinhas coletadas, 41 42 somente quatro ocorreram na região pré-límnica evidenciando a preferência destas espécies em se estabelecerem na região estuarina. Em geral, as espécies da zona estuarina rasa apresentaram um tamanho pequeno, em torno de 20 a 30 mm, sendo que a grande maioria dos indivíduos eram juvenis, como a espécie M. platanus. Esses dados são semelhantes aos encontrados para a zona estuarina do estuário da Lagoa dos Patos (RAMOS 1999; GARCIA et al. 2001), caracterizando essas áreas como zonas de criação para diversas espécies de peixes. Como conclusão, devemos salientar que o PNLP abriga uma ictiofauna diversificada em função de apresentar uma barra intermitente que permite a entrada de água salgada dentro de um sistema alimentado constantemente por água de baixa salinidade oriunda de banhados e arroios. A presença geográfica da barra no centro da Lagoa do Peixe promove uma divisão espacial da Lagoa do Peixe atípica quando comparados aos outros estuários do Rio Grande do Sul, pois tanto para o Norte como para o Sul, há presença de uma zona pré-límnica. Este comportamento faz com que a Lagoa do Peixe apresente uma ictiofauna semelhante nos extremos Norte e Sul, separados por água de alta salinidade dos setores centrais. 42 43 III - O IMPACTO DA PESCA DO CAMARÃO-ROSA Farfantepenaeus paulensis (PEREZ-FARFANTE, 1967) (DECAPODA, PENAEIDAE) NAS ASSEMBLÉIAS DE PEIXES E CRUSTÁCEOS NO PARQUE NACIONAL DA LAGOA DO PEIXE (RS, BRASIL). 1. Introdução Por mais de um século as pescarias artesanais constituem a base sócio-econômica para os pescadores da região costeira do Rio Grande do Sul, que são beneficiados pelas condições naturais de migrações de crustáceos e peixes para dentro e para fora dos estuários. No entanto, os pré-requisitos para um efetivo manejo das atividades pesqueiras nos estuários vem sendo negligenciados em favor de lucros financeiros imediatos (HAIMOVICI et al. 1998). O sistema hídrico costeiro do Rio Grande do Sul é composto por lagunas, lagoas costeiras, lagoas interiores, rios, riachos, arroios e canais que formam uma complexa e peculiar rede hidrológica, com muito de sua dinâmica e morfologia ainda desconhecidas (RAMOS 1999). Ao longo da costa, pela ação do vento predominantemente Nordeste, há a formação de barreiras arenosas múltiplas com diferentes gradientes morfológicos que vão desde lagoas profundas até as rasas (SCHWARZBOLD & SCHÄFER 1984). O rompimento para o mar de alguns destes sistemas hídricos deu origem aos diversos estuários da costa do Rio Grande do Sul. De todas as lagoas costeiras e sistemas estuarinos do Rio Grande do Sul, a Lagoa do Peixe (31º36’S; 051º04’W) é o único que apresenta ligação efêmera com o Oceano Atlântico. Normalmente, a barra da Lagoa do Peixe permanece fechada durante alguns meses do ano, acumulando água de banhados e lagoas adjacentes até romper-se em direção ao mar, provocando a entrada de água salgada transformando assim, a lagoa em um estuário (SCHWARZBOLD & SCHÄFER 1984). Desta forma, a lagoa pode ser 43 44 caracterizada como um ambiente lagunar semifechado, onde há trocas e variações nas características físico-químicas da água, devido à influência de seus sistemas vizinhos. Nos últimos anos, quando a barra não rompe naturalmente, ela é aberta pela intervenção do homem, para a entrada de larvas de camarão-rosa (Observação pessoal dos autores). Toda a extensão da Lagoa do Peixe (35 km2), é parte integrante do Parque Nacional da Lagoa do Peixe (PNLP) (Fig. 3.1). O PNLP foi criado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1986 e, desde sua criação, são freqüentes os conflitos entre a direção do parque e os pescadores residentes, pois, de acordo com a Lei dos crimes ambientais 9.605-98 e pelo Decreto 4340-9.985 de 22/08/02 (Lei SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação) é proibida à pesca dentro de Parques Nacionais. No entanto, até o momento não se encontrou solução para este problema, e a pesca artesanal-profissional, com redes do tipo “Aviãozinho”, para captura do camarão-rosa Farfantepenaeus paulensis, está provisoriamente e excepcionalmente autorizada para os pescadores moradores do entorno do PNLP. O aviãozinho consiste em uma rede cilíndrica com a parte posterior do corpo em forma de funil (saco), onde a panagem é sustentada por aros de ferro. A rede é fixa por estacas (calões) em águas rasas (prof. <2 m). A pesca é efetuada durante a noite (aproximadamente 12 horas), por meio da atração luminosa, proporcionada por lampiões a gás presos no calão que fixa o fundo dos sacos das redes (VIEIRA et al. 1996) (Fig. 3.2). O tamanho da malha segue o recomendado pela portaria do IBAMA n° 09-N/93, que regulamenta o uso de malha de tamanho 24 mm de distância entre nós no saco da rede. 44 45 6 5 4 3 2 1 Figura 3.1 – Área de estudo: 1) Setor Chica; 2) Setor Capitão- Rosa; 3) Setor Paiva; 4) Setor Lagamarzinho; 5) Setor Costa e; 6) Setor Véia Terra. Fonte: IBAMAMostardas. 4 1 5 4 2 3 6 Figura 3.2 – Desenho esquemático do Aviãozinho. (Fonte: Enge Pesca). 1 = Atrativo luminoso; 2 = Tralha superior; 3 = Tralha inferior; 4 = Calões de sustentação; 5 = Saco da rede e; 6 = Aros de sustentação do saco. 45 46 Apesar das tentativas de ordenar e minimizar os impactos da pesca do camarãorosa no PNLP, sabe-se que a seletividade em pescarias de camarão geralmente é baixa, de modo que muitas espécies de peixes e outros crustáceos acabam sendo capturados acidentalmente (SILVA 1984; VIEIRA et al. 1996; MARQUES 1997). Neste sentido, o objetivo deste estudo foi avaliar o impacto que a pesca do camarão-rosa causa nas assembléias de peixes e crustáceos capturados pela rede tipo aviãozinho na Lagoa do Peixe. 2. Material e Métodos 2.1 Área de Estudo A Lagoa do Peixe possui profundidade média inferior a 50 cm, exceto nos canais e em sua barra, cujas profundidades são superiores a 2 m (KNAK 1998). A Lagoa do Peixe é localmente dividida em vários setores (aproximadamente 13) sendo que, neste trabalho, seis setores foram amostrados (Fig. 3.1) e estão abaixo descritos em ordem geográfica do Sul para o Norte: 1) Setor Chica - Setor mais ao Sul da lagoa, fortemente influenciado pela água doce dos banhados. Geralmente apresenta baixas salinidades o que dá a este setor características de um ambiente pré-límnico. No ano amostrado este setor não apresentou salinidades superiores a 5. 2) Setor Capitão - Rosa – Setor localizado na região Sul da Lagoa do Peixe, porém mais próximo da Barra, o que faz com que esta região apresente uma maior influência de água salgada com relação ao setor Chica. No ano amostrado este setor apresentou salinidades altas oscilano de 26 a 30. 46 47 3) Setor Paiva – É o setor amostrado mais próximo da barra. Localizado na região Centro-Norte da Lagoa do Peixe, o setor Paiva é tipicamente estuarino, quando a barra encontra-se aberta, apresentando altos valores de salinidade. No ano amostrado a salinidade neste setor oscilou entre 30 a 34. 4) Setor Lagamarzinho – Embora mais distante da barra da lagoa, quando comparado com o setor Paiva, o Lagamarzinho também apresenta características estuarinas devido à inexistência de qualquer tipo de barreira física entre ambos. Nossas coletas de água registraram valores de salinidade oscilando entre 25 a 34. 5) Setor Costa - Setor localizado na região Norte da Lagoa do Peixe. Os valores de salinidade deste setor ficaram entre 13 e 14. Sua proximidade com o setor Lagamarzinho da a ele uma característica estuarina. 6) Setor Véia Terra – Setor mais ao Norte da lagoa que apresentou baixos valores de salinidades (S = 5 - 7). Assim como nos setores ao Sul, o aporte de água doce para o setor Véia Terra caracteriza um ambiente pré-límnico. 2.2 Desenho Amostral. Durante a safra de 2002 foram efetuadas coletas diárias no período de 01/02/2002 a 06/03/2002, sendo que foi amostrado um setor para cada dia de coleta. Sempre que possível os setores, assim como os pescadores, eram escolhidos aleatoriamente. Para evitar que o rejeito de pesca fosse subestimado em função da seleção por parte dos pescadores, todas as amostras foram acompanhadas em tempo integral. Durante a amostragem com os pescadores voluntários, a equipe se deslocava até as suas redes com a embarcação própria dos pescadores. No local de pesca as redes eram contadas, abertas e todo o produto pescado era colocado no bote. Ao chegar na 47 48 margem da lagoa o pescado era então selecionado com base na sua importância comercial e dividido em: a) espécie alvo; b) captura acessória e, c) rejeito de pesca. No próprio local, com a balança dos compradores, eram mensurados os pesos totais de camarão-rosa, do siri grande (comercializado), do siri pequeno (que era devolvido a água após este procedimento), e dos peixes que seriam comercializados. A ictiofauna acompanhante (rejeito), que não tinha interesse comercial, era levada in natura para a base de estudos da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) sediada no Farol de Mostardas, próximo aos limites do PNLP. No laboratório as espécies do rejeito foram identificadas ao nível de espécie, medidas individualmente, contadas e pesadas. Para estimativas do esforço de pesca e captura total de camarão-rosa foram utilizados dados originados das planilhas estatísticas fornecidas pelo IBAMA – Mostardas, onde nelas constavam a produção diária de cada pescador (Kg de camarãorosa), o esforço diário de cada pescador (redes/dia) e o setor onde as redes eram colocadas. Estas planilhas devem ser preenchidas, diariamente, por todos os 165 pescadores autorizados pela administração do PNLP a pescar nesta UC, e entregues mensalmente. Para tentar minimizar a presença de redes clandestinas dentro da Lagoa do Peixe, as redes são individualmente identificadas com lacres, fornecidos pela administração do PNLP, com código impresso que identifica o pescador e cada uma de suas redes. Neste sentido é possível dispor, em teoria, da captura total de camarão-rosa, número de pescadores e redes, por dia e por local de pesca. 2.3 Análise dos dados As proporções de cada item obtido nas amostragens de campo foi analisada seguindo metodologia proposta por ALVERSON et al. (1994), que consiste em avaliar 48 49 a proporção de pescado (espécie alvo : captura acessória: rejeito de pesca ou descarte). Este método foi aplicado para a Lagoa do Peixe como um todo, e separadamente para cada setor. Para efeito comparativo os dados coletados foram padronizados e expressos por uma unidade de abundancia relativa (captura por unidade de esforço – CPUE), calculados a partir da razão entre a captura total, em peso ou em número, pelo número total de redes amostradas, onde: CPUE total = ∑CPUE (Espécie alvo + Captura Acessória + Rejeito de Pesca), em cada série de redes amostradas. Diferenças nas CPUEs transformadas (Log CPUE+1) foram testadas estatisticamente por ANOVA paramétrica (p<0,05) e os pressupostos estatísticos (homogeneidade e normalidade) foram testados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov e de Cochran, respectivamente, e por representações gráficas (Normal Probability Plot). Nas análises onde os pressupostos de homogeneidade de variância e normalidade não tenham sido satisfeitos completamente, a ANOVA paramétrica foi aplicada do mesmo modo, porque a validade do teste e as probabilidades associadas com a distribuição F são pouco afetadas pelas violações dos pressupostos do teste (UNDERWOOD 1997). As estimativas de captura total e os intervalos de confiança das capturas totais, de cada item, foram construídos de acordo com as recomendações propostas por BUCKLAND et al. (1993) que sugerem que, para dados de densidades, como por exemplo as CPUEs, os intervalos de confiança estimados devem ser calculados através de uma estatística denominada C, que é obtida através da fórmula, C = exp[za × dp (log( y ))] , onde za é o valor de t de student (1,96, neste caso) e dp é o desvio padrão das CPUEs transformados (Log CPUE+1). Desta forma, os intervalos foram descritos como: y ≤ y ≥ y × C , onde y é a média das CPUEs de cada intervalo a C 49 50 serem criados. O intervalo gerado desta maneira é positivo (o valor mínimo está sempre acima de zero), porém é assimétrico, pois os valores mínimos sempre estão representados mais próximos da média em relação aos valores máximos. Os resultados analisados estão representados por três grandes conjuntos de dados: 1) Dados obtidos através da amostragem realizada conforme descrito no desenho amostral. Este conjunto de dados é composto por proporções de espécie alvo: captura acessória: rejeito de pesca ou descarte; 2) Dados das capturas totais de camarão-rosa ao longo da safra e esforço total de pesca em cada setor fornecido pelas planilhas estatísticas do IBAMAMostardas e; 3) Matriz de dados gerada pelas extrapolações das capturas acessórias e rejeito de pesca, baseadas nos dados do primeiro conjunto sobre os dados de esforço de pesca obtidos do segundo conjunto, para o período estudado (01/02/2002 e 06/03/2002). Este recurso foi necessário, pois o primeiro conjunto de dados não avalia o esforço de pesca total, enquanto que o segundo conjunto não contém informações sobre as capturas acessórias e rejeito de pesca. Com o objetivo de determinar as espécies de peixes (captura acessória ou rejeito) mais afetadas pela pesca do camarão-rosa foram adotados os seguintes procedimentos: 1 - Foi utilizado o Índice de Importância Relativa ( IIR% = FO % × (PN % + PW % ) ) (VIEIRA et al. 1996), que leva em consideração a freqüência de ocorrência percentual (FO%), a abundância relativa numérica percentual (PN%) baseada na CPUE em número, e a biomassa relativa percentual (PW%), baseado na CPUE em peso de cada espécie, como indicador das espécies mais afetadas. 50 51 2 - Para as três espécies consideradas mais afetadas de acordo com o IIR% (o Barrigudinho Jenynsia multidentata (Jenyns, 1842), a Savelha Brevoortia pectinata (Jenyns, 1842) e a Corvina Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823)) foram avaliados aspectos de sua biologia e importância na pesca. Foram calculadas estimativas da quantidade em peso e em número de indivíduos que foram mortos durante o período estudado. Para estas estimativas se fez necessário: Calcular a CPUE por classe de comprimento (CPUE-CC), proposta por VIEIRA (1991), VIEIRA et al. (1996). Este método permite visualizar diferenças de tamanhos de indivíduos juntamente com a abundância, com base na distribuição de freqüência por classe de comprimento dos indivíduos medidos (amplitude de classe de 10 mm CT) por amostra. A abundância das espécies por classe comprimento (CPUE-CC) foi calculada para todo o período. O número de indivíduos de cada classe de comprimento foi multiplicado por um fator de ponderação FP =N/n; onde N é o número de indivíduos capturados na amostra e n o número de indivíduos medidos. No caso particular onde N=n (todos os indivíduos da amostra foram medidos) o valor de FP é igual a um (FP=1). Os somatórios do número total de indivíduos estimados por classe de 10mm CT foi dividido pelo esforço amostral (número de redes amostradas) gerando o CPUE-CC. A partir deste ponto, três diferentes critérios foram adotados para concluir as estimativas. Tal procedimento foi necessário em vista dos seguintes fatores: • As capturas de J. multidentata são exclusivamente representadas por sua população adulta e esta espécie não é utilizada em nenhum tipo de pescaria; • Brevoortia pectinata tem baixo valor comercial e suas capturas pela frota pesqueira têm como destino final a produção de farinha de peixe e, portanto, 51 52 não existe a informação sobre o tamanho mínimo que esta espécie é capturada e; • Micropogonias furnieri é aproveitada comercialmente quando atinge cerca de 300 mm de comprimento, a denominada “idade de primeira captura”. Levando em consideração que a maioria dos indivíduos capturados de B. pectinata e M. furnieri foram juvenis (CT < 210 mm), utilizou-se a curva de sobrevivência proposta por GULLAND (1971): ( N b = N a × e − M ×t ) para estimar o número teórico de indivíduos que chegariam a uma idade de primeira captura pela pesca artesanal. Para as duas espécies, baseado nas estimativas de rejeito de pesca (número médio de indivíduos capturados por rede) e no esforço total de pesca para o período (número total de redes utilizadas no período), estimou-se o número médio de indivíduos capturados no período estudado (Na). Estimou-se, também, Nb (múmero de indivíduos que a partir de Na chegariam ao tamanho viável para serem pescados após um tempo t, sendo t o tempo teórico em anos para atingir a idade média de primeira captura. Utilizou-se os índices de mortalidade natural (M = 0,23 para M. furnieri (MARQUES 1997) e M=1,1 para B. pectinata baseado em Brevoortia patronus Goode, 1878, (VETTER 1988)). Ressalta-se que as informações sobre os valores de M para B. pectinata não estão disponíveis na literatura, e como forma de aproximação utilizou-se o valor de mortalidade natural de B. patronus (VETTER 1988). Baseado na literatura estimou-se o peso médio individual (W) que cada indivíduos teria se não fosse capturado na pesca do camarão-rosa e atingisse a “idade de primeira captura”. Este valor é de 287 g para M. furnieri (MARQUES 1997) e de 410 g para B. pectinata (HAIMOVICI & VELASCO 2000). O produto de Nb e W gera o valor da 52 53 biomassa teórica disponível para a pesca, caso os indivíduos não tivessem sido capturados pela pesca do camarão-rosa. 3. Resultados 3.1 A composição das capturas Seguindo a metodologia proposta por ALVERSON et al. (1994), as amostragens feitas ao longo da safra permitiram separar o pescado em três categorias e cinco itens: 1) espécie alvo (camarão-rosa F. paulensis); 2) espécie acessória de interesse comercial, subdividido em (2A) siri-azul Callinectes sapidus Rathbun, 1896, e (2B) peixes de valor comercial (Traíra Hoplias malabaricus (Bloch,1794), Linguado Paralichthys orbignyanus Valenciennes, 1839, Jundiá Rhamdia sp, Tainha Mugil platanus Gunther, 1880, entre outros); 3) rejeito de pesca, subdividido em (3A) rejeito de crustáceos (dominado pelo siri-roxo Callinectes danae Smith, 1869) e (3B) rejeito da peixes (espécies sem interesse comercial ou de pequeno tamanho). Baseado nos itens acima mencionados, a composição percentual para todos os setores (Fig. 3.3) foi dominada pelo camarão-rosa F. paulensis (53,9%), seguida pelo siri-azul C. sapidus (22,0%). O rejeito de pesca total ficou na ordem de 16,8% para crustáceos e 5,6% para peixes, sendo que apenas 1,6% dos peixes capturados foram comercializados. 53 54 Peixe comercializado 2% Rejeito de peixe 6% Siri-Azul 22% Camarão 53% Siri-Roxo 17% Figura 3.3 – Composição percentual das capturas de cada item analisado. No entanto, foi observado que as composições e proporções das capturas apresentavam diferentes características para cada setor (Fig. 3.4), conforme descrito abaixo: 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% CHICA Camarão CAPROSA PAIVA Peixe comercializado LAGAMAR COSTA Rejeito de peixe Siri-Azul VTERRA Siri-Roxo Figura 3.4- Composição percentual das capturas de cada item analisado para cada setor. Valores baseados na CPUE de cada rede em cada setor das amostragens. 54 55 1) Setor Chica – Segundo as estatísticas do IBAMA-Mostardas no ano amostrado este setor foi o que teve menor número de pescadores (n=9) e a menor safra (34 dias de pesca), tendo uma produção registrada de 1.058,5 Kg de camarão-rosa, tal particularidade resultou em um baixo número de amostras de campo (n = 4). Observouse neste local que a proporção de espécie-alvo foi baixa (7,9%) sendo que as capturas acessórias, tanto de siri-azul (58,5%) e dos peixes (23,0%) predominaram nas redes. Neste setor não foi observada a presença de C. danae resultando num valor de 0% de rejeito de crustáceos. Por outro lado, o rejeito de peixes foi o mais alto de todos os setores com 10,6%. 2) Setor Capitão - Rosa – Segundo as estatísticas do IBAMA-Mostardas este setor teve também um baixo número de pescadores (n=22), porém apresentou uma safra mais longa que o setor Chica (107 dias de pesca), tendo uma produção registrada de 11.100,5 Kg de camarão-rosa. Nas amostragens de campo dois itens não foram encontrados: peixes de valor comercial e C. danae. Da mesma forma que o setor Chica, houve predomínio de siri-azul nas redes amostradas (53,0%). Porém, neste setor já foi possível observar uma maior captura da espécie alvo com 39,9% do total amostrado. O rejeito de peixes representou 7,1%. Apenas 6 amostras foram realizadas em função da dificuldade de acesso na área. 3) Setor Paiva – Segundo as estatísticas do IBAMA-Mostardas este setor apresentou o maior número de pescadores (n=53) e maior safra (120 dias de pesca), com uma produção registrada de 61.602,7 Kg de camarão-rosa. O setor Paiva tem a espécie-alvo como principal item nas amostras (64,2%). Diferente dos setores acima mencionados há um predomínio de siri-roxo C. danae (26,7%) em relação ao siri-azul 55 56 C. sapidus (3,3%). Não houve captura de peixes de valor comercial. O rejeito de peixes girou na ordem de 5,7%. 4) Setor Lagamarzinho – Com 49 pescadores e safra de 97 dias obteve uma produção registrada de 44.480,1 Kg de camarão-rosa. Neste setor as amostragens de campo foram semelhantes àquelas encontradas no setor Paiva, tanto em relação à proporção como em relação à composição dos itens. A espécie-alvo teve 61,3% de contribuição em peso seguidas pelo siri-roxo C. danae (19,2%), siri-azul C. sapidus (13,2%) e rejeito de peixes com 6,2%. 5) Setor Costa – Neste setor foi registrado um total de 27 pescadores ao longo de 63 dias de pesca, com uma produção de 13.910,5 Kg de camarão-rosa. A espéciealvo e o siri-azul tiveram praticamente a mesma captura com 40,9% e 40,2%, respectivamente. Houve diminuição do siri-roxo C. danae (17,0%) e o rejeito de peixes foi o menor de todos os setores com apenas 1,9%. Não houve comercialização de peixes. 6) Setor Véia Terra –No ano amostrado este setor esteve representado por 44 pescadores ao longo de 68 dias de pesca, totalizando uma produção registrada de 20.587,7 Kg de camarão-rosa. Neste local a espécie-alvo foi o principal item (63,5%). As proporções de siri-roxo e siri-azul ficaram na ordem de 1,6% e 20,3% respectivamente. As proporções de peixes comercializados e peixes rejeitados foram semelhantes com 6,7 e 7,8%, respectivamente. Considerando a produtividade de cada setor, ou seja, a quantidade total de pescado capturado por rede, representado por ∑CPUE (Espécie alvo + Captura Acessória + Rejeito de Pesca) (Fig. 3.5), podemos observar que o Setor Paiva apresentou o maior CPUE médio (3.221,21 g/rede/dia) seguidos pelos setores Costa 56 57 (CPUE = 1.768,85 g/rede/dia) e Lagamarzinho (1.548,57 g/rede/dia). Os setores considerados ambientes pré-límnicos (Chica e Véia Terra) foram os que apresentaram menor produtividade, com valores médios de CPUE de 715,53 g/rede/dia e 871,39 g/rede/dia, respectivamente. Testados estatisticamente, através de uma análise de variância (p<0,05), observou que o setor Paiva apresenta médias significativamente maiores em relação a todos os outros setores. Os setores Lagamarzinho e Costa mostraram-se estatisticamente iguais entre si, o mesmo acontecendo com os setores Chica, Véia Terra e Capitão - Rosa. 3500 CPUE médio por rede por dia em gramas 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 CHICA CAPITÃO PAIVA LAGAM AR COSTA VTERRA Figura 3.5 – Captura média total (∑CPUE (Espécie alvo + Captura Acessória + Rejeito de Pesca)) (rede/dia) em gramas para cada setor amostrado. Setores em preto representam a região pré-limnica da Lagoa do Peixe e; Setores em branco representam a região estuarina. 3.2 O esforço de pesca Para cálculo do esforço de pesca, o presente estudo levou em consideração os dados encontrados nas planilhas estatísticas do IBAMA-Mostardas. Comparando o esforço de pesca aplicado em todos os setores no período de estudo (01/02/2002 – 06/03/2002) observou-se que a área de estudo representou 93,3% do esforço aplicado 57 58 neste período. Com bases nas planilhas, chegou-se a um esforço de 201.050 redes utilizadas na safra (Tabela VII), o que representa uma média de cerca de 1.678 redes/dia para os 120 dias de safra. O esforço aplicado na zona estuarina (Paiva e Lagamarzinho) representa 54,9% do esforço total. Os dois primeiros meses de safra corresponderam a cerca de 82,1% (2.755 redes/dias) do esforço total, e nos meses de abril e maio observou-se uma queda abrupta no esforço de pesca com 29.230 e 6.740 redes/mês, respectivamente. Tabela VII - Esforço total (número de redes em cada mês por setor ao longo da safra) baseado nas planilhas estatísticas do IBAMA. LOCALIDADE FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO TOTAL CHICA 1.450 660 CAPITÃO ROSA 9.990 3.230 2.250 400 15.870 2.110 PAIVA 25.310 22.370 11.520 3.420 62.620 LAGAMARZINHO 13.740 27.630 6.080 420 COSTA 7.280 9.400 200 16.880 VELHA TERRA 23.880 4.660 240 28.780 DIVERSOS LOCAIS 5.500 9.980 8.940 2.500 26.920 TOTAL 87.150 77.930 29.230 6.740 201.050 47.870 3.3 Avaliação da espécie-alvo Baseado nas planilhas estatísticas do IBAMA-Mostardas foi possível estimar a safra de camarão-rosa. Conforme podemos observar na tabela VI, a safra ficou na ordem de 182 toneladas. Ao longo dos meses a captura diminuiu constantemente sendo que nos meses de fevereiro e março o volume de pesca foi muito maior, representando 45,0% e 36,7% do volume total capturado, respectivamente. É importante ressaltar que nos primeiros três dias de pesca as capturas foram bem maiores perfazendo um total de 12.796,5 Kg de camarão-rosa o que representa cerca de 7,0% do total da safra. 58 59 As CPUEs em peso (Kg médio de camarão/rede/mês) (Fig. 3.6) foram testados através da análise variância (p<0,05) para comparar os resultados de CPUE obtidos para cada mês. Embora as capturas diminuam com o decorrer da safra (Tab. VIII), observou-se que, para os três primeiros meses de safra, os valores de CPUE não foram estatisticamente diferentes em si e foram maiores que o mês de maio (Fig. 3.6; p < 0,01). Assim como a produtividade (Fig. 3.5) os maiores valores de CPUE para F. paulensis foram observados na região estuarina (Fig. 3.7). LAGOA DO PEIXE Tabela VIII - Capturas mensais totais de Camarão-Rosa em cada setor da Lagoa do Peixe. Dados obtidos das planilhas estatísticas do IBAMA-Mostardas. LOCALIDADE FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO TOTAL CHICA 698,5 360,0 0,0 0,0 1.058,5 CAPITÃO ROSA 7.092,5 2.365,0 1.485,0 158,0 11.100,5 FORMIGA 895,0 1.142,0 774,0 0,0 2.811,0 NATALICIO 118,5 0,0 0,0 0,0 118,5 CAMBOTA 1.460,0 5.905,0 5.929,0 944,0 14.238,0 BARRA 0,0 3.122,0 1.876,0 178,0 5.176,0 PAIVA 29.730,5 17.503,2 11.896,0 2.101,0 61.602,7 LAGAMARZINHO 16.306,5 24.564,6 3.519,0 90,0 44.480,1 COSTA 5.537,5 8.316,0 57,0 0,0 13.910,5 VELHA TERRA 18.221,2 3.070,5 971,0 0,0 22.262,7 OUTRAS 1.756,2 248,5 2.738,0 149,0 4.891,7 TOTAL 81.816,4 66.596,8 29.245,0 3.620,0 181.650,2 59 60 1,2 Mean ±SE ±0,95 Conf. Interval 1,0 LOG CPUE+1 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO MÊS Figura 3.6 – Captura mensal de Camarão – Rosa expressos em (Kg/rede/dia) com seus respectivos intervalos de confiança (p>0,05) para toda a safra. 70 Peso estimado em toneladas 60 50 40 30 20 10 0 CAPITÃO ROSA PAIVA Dados IBAMA LAGAMARZINHO COSTA VÉIA TERRA Dados das Amostragens Figura 3.7 – Estimativas da biomassa total de camarão-rosa por setor. O esforço é o mesmo para as duas estimativas, no entanto, a CPUE (captura média por dia por rede) são calculadas sobre os dados amostrados e dados do IBAMA. 60 61 3.4 Estimativa dos itens presentes nas capturas no período amostrado Para estas estimativas optou-se pela retirada do setor Chica devido ao baixo número de amostras realizadas nesta localidade. As estimativas de capturas totais de camarão-rosa nos setores amostrados puderam ser estimadas pelas CPUEs das amostras de campo e das planilhas estatísticas do IBAMA-Mostardas. Tais comparações foram necessárias para obter a projeção dos itens coletados, durante as amostragens, sobre o esforço de pesca estimado pelos dados das planilhas estatísticas do IBAMA. Conforme podemos observar na figura 3.7, nota-se que os valores de captura total do IBAMA, com exceção do setor Paiva, mostraram-se maiores quando comparados aos dados de nossa amostragem. Os setores em que se observaram maiores diferenças foram Paiva e Véia Terra com 32,75 e 11,22 toneladas de diferença entre as estimativas, respectivamente. Considerando as flutuações de CPUEs mensais já discutidas anteriormente, as estimativas foram calculadas sobre o esforço de pesca realizado durante o período amostrado (01/02/2002 – 06/03/2002). De acordo com os dados das planilhas estatísticas do IBAMA (Tabela IX), este esforço girou na ordem de 95.220 redes nos setores amostrados, cerca de 55,2% do esforço total destes setores. Tabela IX - Comparação dos esforços aplicados no período amostrado (Esforço 1), durante toda a safra (Esforço 2) e contribuição percentual (%) para os setores que foram utilizados para estimar as capturas totais de cada item. SETOR CAPITÃO - ROSA PAIVA LAGAMARZINHO COSTA VELHA TERRA TOTAL Esforço 1 11.170 30.630 19.040 9.240 25.140 95.220 Esforço 2 15.870 62.940 47.870 16.880 28.780 172.340 % 70,38 48,7 39,8 54,7 87,3 55,2 61 62 A análise de variância indicou diferença significativa (p < 0,05) entre os setores, porém observa-se um padrão semelhante entre os dados provenientes das amostragens com pescadores voluntários e planilhas estatísticas do IBAMA (Fig. 3.8). Apenas os dados provenientes do setor Paiva podem ser considerados superestimados em nossas projeções. Para confirmar o padrão encontrado, foi aplicado o teste de comparações Post-hoc (Teste de Tukey) e observou-se que os dados, de ambas as fontes, para cada setor são estatisticamente iguais ao nível de 95%, o que dá suporte estatístico para comparação e projeção do rejeito de pesca sobre a safra. 0,68 0,66 0,64 LOG (CPUE+1) 0,62 0,60 0,58 0,56 0,54 0,52 0,50 CAPITÃO ROSA PAIVA FONTE LAGAMARZINHO 1 FONTE COSTA VÉIA TERRA 2 Figura 3.8 - Interação entre os fatores (FONTE 1 = IBAMA e FONTE 2 = Amostragem com pescador voluntário) mostrando as média e intervalos de confiança (I.C. 95%) para fonte de dados de cada local amostrado. 62 63 3.5 Avaliação do impacto na população do Siri-Roxo Callinectes danae A biomassa total de C. danae nas amostras foi na ordem de 427 kg. O Paiva foi o setor onde se observou maior CPUE desta espécie (CPUE =861,6 g/rede; 75,2% de toda a captura deste item), seguidos pelo setor Costa (CPUE = 301,0 g/rede) e Lagamarzinho (CPUE = 297,2 g/rede). O CPUE médio ficou em torno de 295,60 g/rede. De maneira geral, os indivíduos são de ambos os sexos e adultos e, embora muito raro, encontraram-se exemplares de fêmeas ovadas nas amostras. Os resultados extrapolados sobre o esforço aplicado sugerem que, durante o período amostrado, a biomassa total de siri-roxo, capturada nos setores amostrados, foi na ordem de 22,60 a 56,57 ton, com média em 35,38 ton. (Tabela X). 3.6 Avaliação da captura acessória O total de Callinectes sapidus capturado nas amostras foi na ordem de 494 kg e o CPUE médio ficou em torno de 351,03g/rede. No setor Costa foi onde se observou o maior CPUE desta espécie (CPUE = 713g/rede), seguidos pelo setor Capitão - Rosa (CPUE = 557,80g/rede). As estimativas de captura de C. sapidus foram, semelhantes àquelas encontradas em C. danae, ficando entre 13,29 a 57,27 ton. com média em 24,34 ton. (Tabela X). Para os setores analisados somente a Véia Terra apresentou capturas de peixes comercializáveis (0,16 a 11,82 ton., com média em 1,38 ton.) (TAB. X). Cabe ressaltar que poucos são os atravessadores que se interessam em comprar este subproduto da pesca, visto que há uma maior dificuldade de comercialização do mesmo na região. 63 64 3.7 Avaliação do impacto na ictiofauna rejeitada A ictiofauna impactada foi analisada pela CPUE em número e em biomassa. Constatou-se que a CPUE em biomassa média (gramas/rede) de ictiofauna rejeitada foi de 109,51 g/rede, oscilando entre 35,01 g/rede (Costa) até 258,23 g/rede (Paiva), enquanto que, o número médio de peixes rejeitados por rede foi de 8,72 ind./rede, com valores médios para cada setor oscilando entre 2,09 ind./rede (Véia Terra) até 14,00 ind./rede (Paiva). Baseado nos resultados de CPUE médios da biomassa capturada de cada setor estimouse que a biomassa média capturada no período de estudo foi da ordem 12,76 toneladas com valores mínimos e máximos estimados entre 4,77 e 60,94 toneladas, respectivamente (Tabela X). As estimativas máximas foram influenciadas pelas grandes flutuações encontradas no setor Paiva, onde se registraram valores máximos e mínimos de CPUE de 12,39 g/rede até 1599,41 g/rede, respectivamente. Com relação às estimativas de número de indivíduos mortos no período chegouse a um valor médio de 965.874 indivíduos para os setores amostrados (com exceção ao setor Chica), sendo que as três espécies mais importantes (o barrigudinho Jenynsia multidentata, a corvina Micropogonias furnieri e a savelha Brevoortia pectinata) representaram 76,4% da captura em número total. 64 65 Tabela X – Estimativas totais do período amostrado dos itens capturados para cada local. Os intervalos foram gerados baseados nos valores encontrados nas amostras e extrapolados sobre os dados fornecidos pelo IBAMA. Estimativa 1 = Captura mínima estimada; Estimativa 2 = Captura média estimada e; Estimativa 3 – Captura máxima estimada. Os valores das estimativas estão em quilogramas. CAMARÃO DO REJEITO PEIXES (REJEITO) PEIXES (VENDIDOS) SIRI GRANDE SIRI PEQUENO LOCAL CAPITÃO ROSA PAIVA LAGAMARZINHO COSTA VELHA TERRA TOTAL CAPITÃO ROSA PAIVA LAGAMARZINHO COSTA VELHA TERRA TOTAL CAPITÃO ROSA PAIVA LAGAMARZINHO COSTA VELHA TERRA TOTAL CAPITÃO ROSA PAIVA LAGAMARZINHO COSTA VELHA TERRA TOTAL CAPITÃO ROSA PAIVA LAGAMARZINHO COSTA VELHA TERRA TOTAL # MÉDIA 6 8 11 10 9 44 6 8 11 10 9 44 6 8 11 10 9 44 6 8 11 10 9 44 6 8 11 10 9 44 396,41 2036,88 971,10 637,03 571,84 922,65 89,82 258,23 100,82 35,01 63,67 109,51 0,00 0,00 0,00 0,00 54,82 10,96 557,79 104,88 199,83 713,83 178,83 351,03 0,00 869,04 295,70 297,97 15,26 295,60 I.C. 226,07 1408,03 734,15 451,37 393,06 642,54 41,25 74,98 61,98 17,45 26,92 44,52 695,08 2946,60 1284,54 1235,12 831,93 1398,65 195,56 889,37 164,00 70,26 150,57 293,95 6,39 6,39 346,36 15,00 124,30 420,37 107,80 202,77 470,05 470,05 898,30 733,29 321,25 1212,15 296,65 692,33 524,33 229,06 225,35 3,80 245,63 1440,37 381,73 394,01 61,29 569,35 MÍN MÁX DESVPAD 150,00 725,00 510,20 323,53 233,33 150,00 32,64 12,39 37,12 7,17 10,39 7,17 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 218,75 0,00 81,63 172,41 68,97 0,00 0,00 294,12 172,41 166,67 0,00 0,00 640,00 2681,82 1500,00 1733,33 958,33 2681,00 353,24 1599,41 175,55 90,83 152,17 1599,41 0,00 0,00 0,00 0,00 178,57 178,57 800,00 227,27 531,91 1433,33 535,71 1433,33 0,00 1466,67 408,33 411,76 42,86 1466,67 231,64 653,85 294,07 431,56 236,46 369,51 129,08 543,43 52,90 27,75 55,62 161,76 0,00 0,00 0,00 0,00 70,74 14,15 250,18 79,47 130,98 417,50 139,76 203,58 0,00 461,55 83,31 89,29 18,79 130,59 Est. Mínima 2525,25 43127,83 13978,16 4170,68 9881,46 73683,38 460,81 2296,52 1180,15 161,23 676,87 Est. Média 4427,89 62389,69 18489,81 5886,14 14375,94 105569,47 1003,28 7909,54 1919,64 323,54 1600,65 Est. Máxima 7764,04 90254,32 24457,66 11412,51 20914,69 154803,23 3945,69 48989,98 3342,47 839,24 3825,47 4775,57 0,00 0,00 0,00 0,00 160,72 12756,65 0,00 0,00 0,00 0,00 1378,15 60942,85 0,00 0,00 0,00 0,00 11817,10 160,72 3868,82 459,47 2366,76 3884,22 2710,09 1378,15 6230,56 3212,46 3804,81 6595,77 4495,71 11817,10 10034,04 22460,71 6116,61 11200,24 7457,84 13289,34 0,00 16060,32 4361,31 2082,20 95,54 24339,30 0,00 26618,75 5630,17 2753,27 383,68 57269,44 0,00 44118,56 7268,18 3640,62 1540,88 22599,36 35385,88 56568,24 N° REDES 11170 30630 19040 9240 25140 95220 11170 30630 19040 9240 25140 95220 11170 30630 19040 9240 25140 95220 11170 30630 19040 9240 25140 95220 11170 30630 19040 9240 25140 95220 65 66 3.8 A composição da ictiofauna acompanhante e as espécies potencialmente afetadas As 48 amostras provenientes de 1.632 redes resultaram na captura de 45 espécies pertencentes a 23 famílias de peixes num total de 13.988 indivíduos (Tabela XI). Considerando os valores de abundância das espécies coletadas temos B. pectinata como a espécie mais abundante em número, compreendendo 42,5% dos indivíduos capturados. Temos ainda como abundantes M. furnieri (16,7%), J. multidentata (14,6%), o cará Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) (7,6%), o peixe-rei Odontesthes argentinensis (Valenciennes, 1835) (5,3%), o carapicu Eucinostomus argenteus Baird & Girard 1855 (3,7%) e a tainha Mugil platanus (2,6%), totalizando 93,8% do número total de peixes capturados (Fig. 3.9). Com relação aos valores totais de biomassa de cada espécie, B. pectinata foi, novamente, a espécie dominante , compreendendo 42,8% do peso total capturado. Geophagus brasiliensis (13%), a traíra Hoplias malabaricus (11,8%), M. furnieri (11,5%), J. multidentata (5,2%), O. argentinensis (5,0%), E. argenteus (2,2%) e M. platanus (1,6%) totalizaram 93,1% do peso total capturado. Um grande número de espécies apresentaram alta freqüência de ocorrência, com destaque para J. multidentata (80,8%), B. pectinata e O. argentinensis ,ambos com 68,0%. Cada setor apresentou variação na composição de ictiofauna, sendo que: 1) no setor Chica, dominaram espécies de origem límnica como G. brasiliensis, H. malabaricus, Oligosarcus jenynsii (Günther, 1864) e Astyanax eingenmaniorum (Cope, 1894); 2) no setor Capitão - Rosa, apenas duas espécies dominaram G. brasiliensis e J. multidentata; 3) nos setores Paiva e Lagamarzinho, espécies estuarino relacionadas e visitantes marinhas foram as mais importantes, destacando-se B. pectinata, M. furnier, 66 67 O. argentinensis e E. argenteus; 4) no setor Costa as espécies dominantes foram J. multidentata, B. pectinata, O. argentinensis, M. furnieri, E. argenteus e; 5) no setor Véia Terra sete espécies foram classificadas como freqüentes e dominantes (em peso e/ou número), G. brasiliensis, H. malabaricus, O. jenynsii, A. eingenmaniorum, B. pectinata e J. multidentata. Baseado nos valores calculados para o IIR% (Fig. 3.9) observa-se que B. pectinata e M. furnieri, com as maiores capturas nos setores centrais da lagoa, são espécies de interesse comercial, porém não são aproveitadas devido ao pequeno tamanho, representando, desta forma, as espécies que sofrem maior desperdício neste tipo de pescaria. Jenynsia multidentata é capturada em grande número, porém devido ao seu pequeno tamanho se torna menos importante na biomassa total. 50 BREPEC 40 PN% 30 20 JENMUL 10 0 68,75% 60,42% ODOARG EUCARG 70,83% 60,42% 81,25% MUGPLA 68,75% 58,33% PW% -10 MICFUR -20 GEOBRA HOPMAL 25,00% -30 -40 -50 Figura 3.9 – Índice de Importância Relativa (IIR%) graficado. Eixo do Y os valores acima representam a abundância percentual (PN%) de cada espécie e os valores abaixo representam a contribuição em peso (PN%) de cada espécie. Eixo do X é a freqüência de ocorrência percentual (FO%) para cada espécie. Notar que quanto maior a área do retângulo formado pelas três variáveis, maior será a importância da espécie 67 68 Tabela XI - Número total de indivíduos coletados (Ntot); Percentual numérico (%Ntot); Freqüência de Ocorrência (FO); Freqüência de Ocorrência ajustada a 100% (FO% aj.); Biomassa capturada de cada espécie (W); Percentual da Biomassa (% W) e, Índice de Importância Relativa (IIR%). ESPÉCIE Ntot % Ntot FO FO% aj. W %W IIR % Brevoortia pectinata (Jenyns, 1842) 5958 42,594 33 8,049 61372,3 42,78 5869,66 Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) 2332 16,671 29 7,073 16503,2 11,50 1702,30 Jenynsia multidentata (Jenyns, 1842) 2041 14,591 39 9,512 7475,7 5,21 1608,95 Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) 1055 7,542 28 6,829 18717,2 13,05 1201,09 Odontesthes argentinensis (Valenciennes, 1835) 740 5,290 34 8,293 7197 5,02 730,10 Eucinostomus argenteus Baird & Girard 1855 513 3,667 29 7,073 3115,6 2,17 352,79 Hoplias malabaricus (Bloch,1794) 129 0,014 12 2,927 16866,9 11,76 294,31 Mugil platanus Gunther, 1880 362 2,588 33 8,049 2314,5 1,61 288,85 Oligosarcus jenynsii (Günther, 1864) 137 0,979 12 2,927 2174,7 1,52 62,39 Astyanax eigenmanniorum (Cope, 1894) 240 1,716 9 2,195 1144,7 0,80 47,13 Platanichthys platana (Regan, 1917) 107 0,765 23 5,610 183,5 0,13 42,78 Gobionellus oceanicus (Pallas, 1770) 37 0,265 19 4,634 461,9 0,32 23,22 Rhamdia sp 17 0,122 10 2,439 1114,6 0,78 18,72 Harengula clupeola (Cuvier, 1829) 36 0,257 7 1,707 1018,7 0,71 14,11 Atherinella brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) 26 0,186 13 3,171 230,3 0,16 9,38 Cyphocarax voga (Hensel, 1870) 23 0,164 8 1,951 498,6 0,35 8,53 Mugil gaimardianus Desmarest, 1831 71 0,508 4 0,976 500 0,35 7,13 Trachinotus carolinus (Linnaeus, 1766) 10 0,071 7 1,707 453,2 0,32 5,65 Hoplosternum littorale (Hancock, 1828) 2 0,922 2 0,488 308 0,21 4,74 Mugil curema Valenciennes, 1836 46 0,329 4 0,976 241,9 0,17 4,15 Hyphessobrycon bifasciatus Ellis, 1911 27 0,193 4 0,976 29,3 0,02 1,78 Cichlasoma facetum (Jenyns, 1842) 6 0,043 3 0,732 129,5 0,09 0,83 Epinephelus guaza (Linnaeus, 1758) 5 0,036 4 0,976 83,7 0,06 0,78 Lycengraulis grossidens (Agassiz, 1829) 4 0,029 3 0,732 120,3 0,08 0,70 Sardinella aurita Valenciennes, 1847 5 0,036 1 0,244 311 0,22 0,53 Cichlasoma portalegrense (Hensel, 1870) 4 0,029 3 0,732 76,2 0,05 0,51 Pomatomus saltatrix (Linnaeus, 1766) 4 0,029 3 0,732 74,6 0,05 0,50 Elops saurus Linnaeus, 1766 3 0,021 3 0,732 75 0,05 0,46 Paralichthys orbignyanus Valenciennes, 1839 1 0,007 3 0,732 93,5 0,07 0,45 Crenicichla lepidota Heckel, 1840 2 0,014 2 0,488 100,4 0,07 0,35 Corydoras paleatus (Jenyns, 1842) 5 0,036 4 0,976 6,8 0,00 0,34 Trachinotus marginatus Cuvier, 1832 4 0,029 3 0,732 12 0,01 0,23 Urophycis brasiliensis (Kaup, 1858) 1 0,007 1 0,244 142,7 0,10 0,22 Pimelodella australis Eigenmann, 1917 5 0,036 2 0,488 12,9 0,01 0,19 Phalloptychus januarius (Hensel) 13 0,093 1 0,244 3,6 0,00 0,20 Selene vomer (Linnaeus, 1758) 3 0,021 3 0,732 10,4 0,01 0,18 Albula nemoptera (Fowler, 1911) 2 0,014 2 0,488 39,9 0,03 0,18 Mycteroperca rubra (Bloch, 1793) 2 0,014 2 0,488 31 0,02 0,15 Genidens genidens (Valenciennes, 1839) 3 0,021 1 0,244 71,2 0,05 0,15 Citharichthys spilopterus Günther, 1862 2 0,014 2 0,488 12,7 0,01 0,10 Pogonias cromis (Linnaeus, 1766) 1 0,007 1 0,244 54,9 0,04 0,09 Stellifer brasiliensis (Schultz) 1 0,007 1 0,244 52,8 0,04 0,09 Eleotris pisonis (Gmelin, 1789) 1 0,007 1 0,244 9,5 0,01 0,03 Uraspis secunda (Poey, 1860) 1 0,007 1 0,244 2 0,00 0,02 Sciaenidae 1 0,007 1 0,244 1 0,00 0,02 Total geral 13.988 100 410 100 143.449,40 100 12305,06 68 69 3.9 As estruturas de tamanho e o impacto sobre as três espécies mais abundantes A análise das curvas das CPUEs por classe de comprimento (CPUE-CC) (Fig. 3.10) demonstraram que as maiores capturas estiveram presentes entre os comprimentos totais de 60 a 120mm, representando 77,8% da captura total. Esta amplitude de tamanho está representada por 30 espécies sendo que as três espécies mais abundantes (J. multidentata, M. furnieri e B. pectinata) representam juntas 74,8% da abundância total desta amplitude de comprimentos. 1,8 1,6 1,4 1,2 C P 1,0 U 0,8 E 0,6 0,4 0,2 90 10 0 11 0 12 0 13 0 14 0 15 0 16 0 17 0 18 0 19 0 20 0 21 0 22 0 23 0 24 0 25 0 26 0 27 0 28 0 29 0 30 0 70 80 40 50 60 20 30 0,0 Classe de CT (10mm) BREPEC MICFUR JENMUL OUTRAS Figura 3.10 – Composição da CPUE (número médio de indivíduos por rede) por classe de comprimento (10mm CT) das capturas para os setores amostrados na Lagoa do Peixe, destacando as três espécies mais importantes. Código das espécies BREPEC = B. pectinata; MICFUR = M. furnieri e; JENMUL = J. multidentata. 3.9.1 Jenynsia multidentata Jenynsia multidentata está representada por uma única moda de comprimento entre 50-89 mm (Fig. 3.11). O CPUE médio total foi de 1,00 ind/rede/dia que 69 70 multiplicado pelo esforço total no período (f = 95.220 redes) gera uma captura total estimada para o período de cerca de 95.620 indivíduos. A estimativa do limite de confiança baseada na estatística C, varia de um mínimo de 64.418 e um máximo de 144.280 indivíduos de J. multidentata capturados acidentalmente nesta pescaria. Os setores Capitão - Rosa e Costa representam juntos cerca de 74,0% da captura total desta espécie. Os valores estimados de biomassa total capturada estão na ordem de 236,5 a 529,5 Kg, o que representa cerca de 0,0002% das capturas totais estimadas de todos os itens. 3.9.2 Micropogonias furnieri No caso de M. furnieri os indivíduos capturados, em sua grande maioria são representantes da idade 0 (<110mm de CT) que representam 96,6% da captura total da espécie. As projeções totais para M. furnieri de idade 0 foram na ordem de 94.426 até 273.400 indivíduos capturados no período estudado, com média em 160.510 indivíduos. Ao aplicarmos a taxa de mortalidade da corvina (M = 0,23) na expressão N b = N a × e − M ×t , temos, ao final de dois anos (período no qual esta espécie passa a ter tamanho de interesse comercial), que o número total de indivíduos restantes seria de 59.610 até 172.593. Projetando estas estimativas para o peso médio da corvina com dois anos de idade (287 g) temos então que a biomassa potencial total seria de 17,1 a 49,5 toneladas. Estes valores, quando comparados com as estimativas totais de captura da pesca do camarão-rosa passam a representar entre 7,9% e 19,8% da captura total. 3.9.3 Brevoortia pectinata A representação gráfica da CPUE-CC (Fig. 3.11) de B. pectinata mostra três modas de comprimento. As duas primeiras modas (60-70mm e 90-110mm) podem ser 70 71 consideradas como indivíduos de idade 0 (<119 mm de CT) e representam as classes de maior captura. Estima-se que a captura total da idade 0 é de 418.796 indivíduos (Min = 172.263 e Máx = 1.028.638) o que corresponde à cerca de 88,3% do total capturado. A terceira moda (160-199mm de CT) pode ser considerada de idade I e apresenta menores abundâncias (Média = 51.541; Min = 21.200 e Máx = 126.596) correspondendo a cerca de 10,9% do total capturado. Os indivíduos de idade II (> 200 mm) representam cerca de 0,8% do total capturado. Ao aplicarmos a taxa de mortalidade para B. pectinata (M=1,1) temos, para idade 0, que após dois anos o número total de indivíduos que chegará à fase comercialmente viável (período no qual a espécie passa ter um peso médio individual de 410g) é de 19.087 até 113.977 indivíduos. O mesmo raciocínio, quando aplicado à classe de idade I, resulta em estimativas de 7.057 a 42.140 indivíduos. A soma das estimativas da classe de idade 0 e idade I, projetadas para a classe de idade II estão na ordem de 26.144 a 156.116 indivíduos. Projetando estas estimativas sobre o peso médio individual de 410g temos então que a biomassa potencial total de B. pectinata afetada, está entre 10,71 a 64,00 toneladas. Estes valores, quando comparados com as estimativas totais de captura da pesca do camarão-rosa passam a representar entre 4,6% e 22,4% da captura total. 71 72 0,9 0,8 CPUE (Ind./Rede) 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 90 10 0 11 0 12 0 13 0 14 0 15 0 16 0 17 0 18 0 19 0 20 0 21 0 22 0 23 0 24 0 25 0 26 0 27 0 28 0 29 0 30 0 80 70 60 40 50 30 20 10 0,0 Classe de comprimento (CT=10mm) JENMUL 0,9 0,8 CPUE (Ind./Rede) 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 90 10 0 11 0 12 0 13 0 14 0 15 0 16 0 17 0 18 0 19 0 20 0 21 0 22 0 23 0 24 0 25 0 26 0 27 0 28 0 29 0 30 0 80 70 60 50 40 30 20 10 0,0 Classe de comprimento (CT=10mm) MICFUR 0,9 0,8 CPUE (Ind./Rede) 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 90 10 0 11 0 12 0 13 0 14 0 15 0 16 0 17 0 18 0 19 0 20 0 21 0 22 0 23 0 24 0 25 0 26 0 27 0 28 0 29 0 30 0 80 70 60 50 40 30 20 10 0,0 Classe de comprimento (CT=10mm) BREPEC Figura 3.11 - Composição da CPUE (número médio de indivíduos por rede) por classe de comprimento (10mm CT) das capturas para os setores amostrados na Lagoa do Peixe de B. pectinata (BREPEC), M. furnieri (MICFUR) e J. multidentata (JENMUL). 72 73 4. Discussão 4.1 A composição das capturas e a arte de pesca Os resultados das proporções dos itens capturados pela pesca de camarão-rosa com aviãozinho para a Lagoa do Peixe (compilação dos dados de todos os setores amostrados) indicam que a contribuição percentual média da espécie-alvo (F. paulensis) é semelhante à observada na Lagoa dos Patos e Tramandaí (VIEIRA et al. 1996; MARQUES 1997), onde as capturas da espécie-alvo geralmente são maiores que 50,0%. Os altos valores percentuais da espécie-alvo, neste tipo de pescaria, sugere que a arte de pesca é bastante eficiente, se comparada aos arrastos de fundo para pesca de camarão, utilizados em todo o mundo, onde mais de 80,0% das capturas totais são consideradas descartes (ANDREW & PEPPERELL 1992; ALVERSON et al. 1994). No entanto, assim como no rejeito da pescaria de arrasto, devemos considerar que uma grande parcela do rejeito de peixes capturado pelo aviãozinho é constituída de juvenis de peixes. A maioria destes indivíduos, devido ao seu pequeno tamanho, são inviáveis para a comercialização. Tais capturas são remoções reais do estoque, sendo necessário avaliar os descartes segundo uma ótica que considere a estrutura de tamanho e o número de indivíduos rejeitados, e não simplesmente o peso (VIEIRA et al. 1996; CHEN & GORDON 1997; MARQUES 1997). Desta forma a análise dos dados de CPUE-CC por espécie permitiu um refinamento das estimativas, pois com ela foi possível visualizar numericamente os indivíduos capturados em cada idade. Esta informação é importante, pois só assim podemos ter uma estimativa mais aproximada do verdadeiro impacto, pois com ela podemos avaliar a probabilidade das espécies com potencial pesqueiro deixarem de tornar rejeito e passar a serem pescadas comercialmente. Esta transformação da espécie 73 74 de rejeito para comercializada, envolve uma considerável perda em número de indivíduos, devido a mortalidade natural de cada espécie, mas, por outro lado, adquire um ganho em biomassa que em alguns casos compensa tais perdas em número. Jenynsia multidentata é considerada uma espécie freqüente e amplamente distribuída nas lagoas costeiras do RS (RAMOS & VIEIRA 2001). Das três espécies mais afetadas em termos de abundância na pesca do camarão-rosa, J. multidentata, ao contrário das outras duas espécies mais abundantes, tem suas classes de comprimento representadas por sua população adulta. Tal característica nos permite concluir, para esta espécie, que a biomassa capturada é igual à biomassa potencialmente impactada. Por não ter interesse comercial, J. multidentata não é espécie-alvo nem captura acessória, além disto, seu pequeno tamanho faz com que exista uma seletividade, dando chance de escape aos indivíduos de comprimentos totais inferiores a 30mm (tamanho que pode ser considerado comum para esta espécie). O principal aspecto negativo da captura acidental desta espécie deve-se ao fato de que os indivíduos maiores que 30mm geralmente são fêmeas e, considerando que esta espécie é vivípara, muitos destes indivíduos poderiam estar carregando filhotes. Embora tal informação não tenha sido coletada neste trabalho, GARCIA et al. (2003) sugerem, para o estuário da Lagoa dos Patos, que esta espécie possui dois períodos reprodutivos. O principal ocorre de dezembro a março, período na qual é efetuada parte da pesca do camarão-rosa. De qualquer forma, os resultados encontrados não evidenciam impacto na população de J. multidentata pela pesca do camarão-rosa. A Corvina M. furnieri é uma espécie que vive em águas costeiras, sendo que seus estoques são de grande importância econômica nas pescarias do Brasil, Uruguai e Argentina (HAIMOVICI et al. 1997). No estuário da Lagoa dos Patos é a espécie mais 74 75 capturada na pesca artesanal (CASTELLO 1986; CHAO 1986), principalmente a partir dos dois anos de idade, com duas modas expressivas em 200 e 400mm CT (REIS 1992). Comparando os resultados obtidos para a pesca artesanal da corvina na Lagoa dos Patos, que segundo MARQUES (1997) tem média de 6893,3 ton/safra, os valores estimados de biomassa potencialmente capturada são relativamente baixos, pois na pior das hipóteses o volume de corvina morto acidentalmente nos Aviõezinhos, no período estudado, seria na ordem de 0,7% da captura da pesca artesanal do Rio Grande do Sul. Por outro lado, ao compararmos com as estimativas de captura acessória de peixes encontradas para a Lagoa do Peixe, podemos observar que os valores estimados para corvina (17,1 - 49,5 ton) são bem superiores, pois a estimativa máxima de peixes comercializados ficou na ordem de 11,8 toneladas. A quantidade de juvenis de M. furnieri capturados nos aviõezinhos, ao contrário da Lagoa dos Patos, não tem efeito local sobre o estoque adulto, uma vez que, a pesca da corvina como espécie-alvo, dentro da Lagoa do Peixe, não é realizada. Ao contrário do Estuário da Lagoa dos Patos, onde se observa que M. furnieri é a espécie mais capturada seguida de Netuma barba (VIEIRA et al. 1996), a Savelha B. pectinata deve ser considerada a espécie mais afetada na Lagoa do Peixe, tanto em número, como em biomassa. As capturas desta espécie variaram ao longo da Lagoa do Peixe, em decorrência de ser uma espécie tipicamente marinha que se concentra nos setores de maior salinidade. Do ponto de vista pesqueiro B. pectinata tem baixa valor comercial na costa do Rio Grande do Sul, no entanto, é freqüentemente usada na fabricação de farinha de peixe. De acordo com (HAIMOVICI et al. 1997), esta espécie representou cerca de 75 76 15,0% de toda o desembarque de peixes estuarinos e demersais de plataforma entre os anos de 1975-94, com uma média de 3.862 ton/ano. De qualquer forma, assim como os resultados encontrados para as outras duas espécies mais abundantes, a pesca do camarão-rosa parece não afetar negativamente a população de B. pectinata e, provavelmente, a frota pesqueira, que atua ao longo de toda a costa do Sul do Brasil, deve ser a principal responsável pelas capturas acidentais desta espécie. Peixes comercializados foram capturados apenas nos extremos da lagoa (setores Véia Terra e Chica). Isto é explicado pelo fato de que nas amostragens, os peixes de interesse comercial, eram de origem límnica (traíra H. malabaricus e o jundiá Rhamdia sp) e, conforme já descrito anteriormente, estes setores recebem águas de baixa salinidade (S < 0,1) provenientes de banhados e arroios. A salinidade, portanto, pode ser considerada o principal fator controlador da composição de pescado na rede. Por exemplo, o siri-roxo C. danae, esteve em maiores proporções nos setores mais próximos da barra da Lagoa do Peixe, com diminuição gradativa quanto mais próximo dos extremos da lagoa, tanto para o norte como para o sul, enquanto que o contrario foi observado para o siri-azul C. sapidus. As flutuações nas proporções da espécie-alvo são diferentes entre as safras, pois em alguns setores em que a pesca do camarão-rosa foi escassa este ano, são tradicionalmente conhecidos como bons locais de captura. Tais flutuações não devem ser confundidas com algum impacto de origem antrópica, uma vez que não há indício de nenhuma fonte poluidora neste local, assim como, em toda a Lagoa do Peixe. Com relação à composição da ictiofauna, traçando um comparativo com a Lagoa dos Patos, a composição pode ser considerada bastante diferente, sobretudo as 76 77 espécies mais freqüentes e abundantes. Das cinco espécies mais importantes para a Lagoa dos Patos (M. furnieri, B. pectinata, Netuma barba, Lycengraulis grossidens (Agassiz, 1829) e Genidens genidens (Valenciennes, 1839)) (VIEIRA et al. 1996), apenas as duas primeiras são importantes para a Lagoa do Peixe. Duas espécies também são consideradas importantes para Lagoa dos Patos e nem sequer foram capturadas na Lagoa do Peixe, são elas: Parapimelodus nigribaris (Boulenger, 1889) e Catathyridium garmani (Jordan, 1889). As espécies não presentes na Lagoa do Peixe são típicas de meia água (L. grossidens), ou de fundo (bagres e linguados) (CHAO et al. 1985). A baixa profundidade da Lagoa do Peixe parece ser o fator determinante para estas espécies que não ocorreram na Lagoa do Peixe. Cabe ainda lembrar que embora a proporção do rejeito de peixe seja o item mais constante, sua composição é extremamente diferente ao longo dos setores. De modo geral, a principal diferença entre a ictiofauna capturada nos extremos da Lagoa do Peixe e a ictiofauna capturada pelo aviãozinho na região central é que a maioria dos indivíduos dos extremos são adultos de suas respectivas espécies, enquanto que na zona central, o predomínio é de juvenis. Portanto é coerente dizer que a biomassa potencial de rejeito de peixes morta na pesca nos setores extremos é simplesmente a biomassa de peixes total capturada. Por outro lado, devido ao predomínio de juvenis capturados na zona central, se fez necessário uma avaliação em número de indivíduos e estrutura de tamanhos, para que se possam estimar as possíveis biomassas potenciais a que estes indivíduos poderiam chegar se não fossem acidentalmente capturadas por esta pescaria. Cabe ressaltar que a sobrevivência da ictiofauna capturada está ligada tanto a fatores biológicos, tal como a mortalidade diferente para cada espécie, como a fatores operacionais, sobretudo pelo tempo de duração da operação da pesca, tempo de 77 78 exposição do pescado fora d’água e grau de manipulação do pescado depois de efetuada a despesca (ANDREW & PEPPERELL 1992). No caso em questão, o costume dos pescadores de separarem o pescado em seus acampamentos e casas impede a sobrevivência de peixes. O siri-roxo C. danae, por não possuir interesse comercial, pois, segundo os pescadores locais, sua carne não pode ser aproveitada, é considerado como uma “praga” para os pescadores, devido ao fato que os siris danificam as redes de pesca. De modo geral, os pescadores da região preferem separar seu pescado em suas residências ou acampamentos e sempre costumam evitar a devolução dos siris-roxos para água que, ao contrário da maioria dos peixes, sempre chegam vivos após a despesca. Além disto, a maioria dos pescadores utiliza-se de pedaço de madeira com pregos na ponta (localmente conhecido por “batedor”) para separar os siris do camarão-rosa. Tal ferramenta perfura a carapaça do siri e compromete a sobrevivência dos mesmos. Não há registros sobre as flutuações de biomassa de C. danae na Lagoa do Peixe ao longo dos anos, e as estimativas de captura anual de 35,38 toneladas parecem não estarem afetando a população residente desta espécie. De qualquer forma, alguns pescadores utilizam-se de uma grade na qual se consegue a separação do camarão e dos siris, pois o camarão cai no fundo de um monobloco enquanto que os siris ficam retidos na grade. Pelas nossas observações, tal artefato é bastante eficiente, e sugerimos para as autoridades competentes, a implantação dos mesmos para as próximas safras, visando minimização do impacto sobre a população de C. danae. As capturas do siri-azul (C. sapidus) demonstraram que este recurso, embora indesejável pela maioria dos pescadores, contribui, na maioria dos casos, expressivamente, no orçamento final, podendo atingir rendimentos superiores ao do 78 79 camarão-rosa. Conforme já descrito anteriormente, esta espécie apresentou uma tendência a se distribuir nos extremos da Lagoa do Peixe. Isto é explicado pelo fato de que C. sapidus, ao contrário de C. danae, está melhor adaptado para suportar águas de baixa salinidade, podendo ser encontrado até em ambientes límnicos (SANTOS 2002). 4.2 Produção X Produtividade Com relação às estimativas de CPUE total, houve uma tendência de maior produtividade na zona estuarina da Lagoa do Peixe. A produção total de camarão-rosa também foi maior na região estuarina, assim como os valores de CPUEs da espécie alvo. Isto pode ser explicado pelo fato de que os estuários suportam grandes estoques de juvenis de peixes e crustáceos (KENNISH 1990). A abundância de alimento e a proteção contra predadores nas águas rasas certamente influenciam na evolução do padrão reprodutivo e migratório dos peixes e crustáceos que usam os estuários como zona de crescimento na fase juvenil (MILLER & DUNN 1980; CASTELLO 1986; LONERAGAN et al. 1989; POTTER et al. 1990; HOUDE & RUTHERFORD 1993; VIEIRA & MUSICK 1993; 1994). Dos aproximadamente 30 Km2 da Lagoa do Peixe, cerca de 50% foi considerada zona estuarina e produz 71,3% da CPUE total de camarão-rosa. Todos os anos, através de amostragens nos setores da Lagoa do Peixe, um técnico especializado contratado pelo IBAMA determina a abertura da safra. O critério utilizado para abertura da safra é quando mais de 70% dos indivíduos de todos os setores possuem o tamanho de 90mm de comprimento rostro-telson (tamanho mínimo permitido para a pesca). Para atingir este comprimento, as larvas levam em torno de três meses após se estabelecerem dentro de um estuário. O período de penetração das 79 80 larvas nos estuários do Rio Grande do Sul ocorre desde a primavera até o outono, com pico de abundância no verão (CALAZANS 1978). Os elevados valores de captura de camarão–rosa nos primeiros dois meses de safra 2002 se deveu ao maior esforço de pesca, e à maior disponibilidade do recurso, tanto em número quanto em biomassa, esta última bastante influenciado pelo chamado camarão residual (camarão-rosa da safra anterior que não migrou para o oceano e que apresenta maior tamanho e peso). O decréscimo na abundância de F. paulensis no decorrer da safra é explicado pela diminuição, e até o término, do recurso em alguns setores da lagoa. Por outro lado, pescadores que colocaram suas redes em locais privilegiados, puderam continuar pescando até abril. Como conseqüência observa-se uma diminuição na captura total e no esforço, mas uma aparente estabilidade no CPUE, explicando assim os valores de CPUE semelhantes para os três primeiros meses de safra. 4.3 O esforço de pesca Com relação ao esforço de pesca existem registradas no IBAMA um total de 4180 redes tipo aviãozinho. Isto significa que, se todos os pescadores pescassem com todas suas redes devidamente registradas em todos os dias da safra (em torno de 120 dias) poderíamos supor que o esforço total de pesca seria de 501.600 redes por safra (=4.180 redes x 120 dias). No entanto, existem fatores que contribuem para que o esforço não seja constante. Estes fatores podem ser divididos em dois grupos distintos: A) Aqueles que contribuem para uma sub-estimativa do esforço de pesca. • Uso de redes sem lacres – observou-se que alguns pescadores utilizam mais redes que o permitido pela direção do IBAMA; 80 81 • Pescadores clandestinos – antes e durante a safra, pescadores de outras localidades (Santa Catarina, São José do Norte, Rio Grande, Tramandaí, entre outros), e pescadores locais, que não possuem autorização do IBAMA, pescam clandestinamente; • Roubos das capturas - houve relatos de que pescadores clandestinos, durante a noite, despescavam redes com lacre de pescadores locais. Tais registros foram esporádicos e parecem não afetar significativamente os resultados; • Uso de redes alternativas - existe, embora em número bastante reduzido quando comparados a outros estuários do Rio Grande do Sul, o uso de redes do Tipo “Coca” (rede de arrasto manual em forma de saco com atrativo luminoso). Esta arte de pesca é proibida pela legislação ambiental. B) Aqueles que contribuem para uma redução efetiva do esforço estimado: • Redes em manutenção – conforme o decorrer da safra observa-se que inúmeras redes são retiradas da água para serem reformadas; • Diminuição da abundância do camarão-rosa – Ao longo da safra observou-se que há uma diminuição da abundância de camarão-rosa em certos setores, podendo chegar até uma suspensão da pesca por alguns pescadores de pescar em função da escassez da espécie-alvo; • Motivos diversos - diariamente há casos de pescadores que não colocam suas redes por vários motivos (viagem, doença, etc), contribuindo assim para decréscimo do esforço; Mesmo sabendo da existência dos fatores supramencionados, a mensuração dos mesmos é complexa e, portanto, optou-se em utilizar os dados fornecidos pelas 81 82 planilhas estatísticas do IBAMA. Os dados de esforço devem ser considerados subestimados, pois não registram redes e pescadores clandestinos. Sendo assim, todos os resultados mostrados aqui dão uma idéia mínima do impacto desta pescaria sobre os recursos naturais envolvidos. Muitas discussões vem sendo colocadas nas assembléias entre IBAMA e pescadores credenciados sobre o número de redes que devem ser liberadas para a safra. Não se sabe ao certo se as 4.180 redes/dia devem ser consideradas como um número aceitável para a Lagoa do Peixe. Para a Lagoa dos Patos VIEIRA et al. (1996) estimaram 15.866 redes/dia, numa área potencial de 244,2 km2 ao longo do estuário o que representa cerca de 65 redes por km2. Na Lagoa do Peixe as 4.180 redes autorizadas teriam uma área aproximada de 30 km2, o que significa dizer que a densidade de redes na Lagoa do Peixe estaria na ordem de 139,3 redes por km2, aproximadamente duas vezes mais ao encontrado na Lagoa dos Patos. A maior densidade de redes na Lagoa do Peixe está relacionada à possibilidade de se pescar em praticamente toda a sua área, ao contrário da Lagoa dos Patos, onde há locais em que a profundidade não permite a utilização deste tipo de arte de pesca, sendo substituídas por artes de pesca clandestinas. 4.4 Considerações Finais Cabe lembrar que alguns setores da Lagoa do Peixe não foram amostrados e, o período estudado, representou cerca de 55,2% do esforço total da safra. Desta forma, seria coerente dizer que as estimativas de mortalidade de peixes e crustáceos poderiam ser o dobro do valor estimado. As projeções finais sugeridas neste trabalho (Fig. 3.12), embora não tenham sido aplicadas a todas as espécies de peixes, dão uma idéia mais aproximada do verdadeiro impacto que esta pesca causa dentro desta UC. Mesmo considerando, desta 82 83 maneira, que o rejeito de peixes passa a ser o segundo item mais capturado nesta pesca, o valor de 45,0% da captura total para a espécie-alvo é satisfatório, do ponto de vista pesqueiro, se comparado com o rejeito da pesca de arrasto de camarão. Sendo assim, se tratando de um Parque Nacional, este tipo de pescaria seria o menos impactante possível, já que por razões políticas ou sócio econômicas, ainda é permitida a pesca dentro desta UC. S avelha 11% Barrigudinho 0% Corvina 13% Rejeito de peixe 3% Peixe Comercializado 1% S iri-Azul 11% Camarão 45% S iri-Roxo 16% Figura 3.12 – Comparação entre as estimativas das proporções dos itens. A = Baseado nos valores de CPUE encontrados nas amostras com pescadores voluntários e; B = Baseado nas estimativas e considerando os valores encontrados para corvina e savelha como rejeito de pesca. De qualquer forma, a principal questão é determinar se a população de F. paulensis, que usa a Lagoa do Peixe como uma das suas zonas de criação, se preservada, poderá garantir um recrutamento suficiente ao estoque adulto, a ponto de compensar as retiradas desta espécie em todos os outros estuários do Sudeste-Sul do Brasil. Como ainda não há resposta para esta questão fica a sugestão de manter o 83 84 monitoramento do número de redes, o credenciamento dos pescadores e o acompanhamento da pesca do camarão-rosa através de novos estudos. 84 85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alverson, D.L., M.H. Freeberg, J.G. Pope & S.A. Murawski. 1994. A global assessment of fisheries bycacth and discards. FAO Fisheries Technical Paper: 233. Andreata, J.V., A.M. Saad & L.R.R. Barbieri. 1989. Associação e distribuição das especies de peixes na Laguna de Marapendi, Rio de Janeiro, no período de marco de 1985 a fevereiro de 1987. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 84: 45-51. Andrew, D.L. & J.G. Pepperell. 1992. 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