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D EMOCRACIA, POD ER JU D ICIAL E RESPON SABILID AD E D OS
JUÍZES
PROBLEMAS GERAIS
1. Em boa hora o senhor Ministro da J ustiça decidiu, dentro da reforma do
contencioso adm inistrativo levada a cabo pelo XIV Governo Constitucional,
encarregar o Gabinete de Política Legislativa e Planeam ento de elaborar um
projecto de proposta de lei que regule a responsabilidade civil extracontratual
do Estado Português,
Não traça o despacho m inisterial, de 15 de J aneiro de 2 0 0 1, as balizas da
reform a, senão que as respectivas acções devem ser julgadas pelos tribunais
administrativos independentemente de os actos geradores terem sido praticados
no âm bito da gestão pública ou privada da Adm inistração
ponto A) 2. do
respectivo Anexo, sobre as orientações para a elaboração dos Projectos de
Código de Processo nos Tribunais Adm inistrativos e do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Tributários.
Esta única vinculação ao legislador responde ao anseio, m ais ou m enos
generalizado nos especialistas e de que foi dada pública voz nos diversos
colóquios organizados pelo Ministério da J ustiça para o debate dos
anteprojectos do CPTA e do ETAT, de pacificar as discórdias da Doutrina e da
J urisprudência acerca da jurisdição com petente em casos lim ite de
responsabilidade civil, onde a natureza do acto ilícito gerador não era clara, nem
fácil de discernir, para evitar conflitos inúteis e delongas prejudiciais às partes,
que nada nem ninguém prestigiam.
Ao labor doutrinário científico, sem dúvida profícuo do ponto de vista teorético,
respondeu-se com a preferência pela certeza e segurança da solução que, se não
regala os académ icos, beneficia porém os práticos e é trave m estra do justo. A
velocidade dos tem pos m odernos e a globalização das respostas não com porta
m ais incertezas num cam po em que não se torna necessário o rigor científico
absoluto por não dispor directam ente dos direitos substantivos das gentes,
sobretudo quando os benefícios são imediatos e evidentes.
Se a opção de jurisdição foi ou não a m elhor ou se serão necessárias operações
de cosm ética á Constituição da República, nom eadam ente ao capítulo da
Organização dos Tribunais, especialm ente ao artigo 212º , não é disso de que
vim os aqui falar. O que por agora nos interessa é que foi feita um a opção e se
termina assim um ciclo de titubeantes e estéreis inseguranças.
2 . O senhor Ministro da J ustiça, no m esm o Anexo do m esm o despacho, em
sede de orientações ao Gabinete de Política Legislativa e Planeam ento para a
elaboração dos projectos de proposta de lei do CPTA e do ETAT diz também que
O âm bito da jurisdição adm inistrativa deve ser alargado ( ... ) devendo
designadam ente abranger a responsabilidade em ergente de actos das funções
legislativa e jurisdicional.
Tirando a vinculação ao foro competente que, já vim os, será o adm inistrativo, e
a subtracção das questões relativas á responsabilidade por actos judiciais e
legislativos à jurisdição arbitral, nos termos dos ponto H) 2. do Anexo, o GPLP a
mais nada está obrigado.
Na verdade, a directiva apenas alarga o âm bito da responsabilidade
extracontratual aos actos do poder judicial e aos actos do poder legislativo, nada
mais.
Nada nos diz sobre quem é o responsável por tais actos, se o próprio agente
lesante, se o Estado Português, se ambos, e em que termos.
Nada diz sobre o com o dessa responsabilidade, os respectivos pressupostos, o
âmbito de incidência, os títulos de imputação.
Nada nos diz sobre o quando , nem o porquê dela.
Tão pouco esgota a linha de expansão aos actos do poder judicial e aos actos do
poder legislativo pois, com o a expressão designadam ente sugere, o senhor
Ministro deixa a porta aberta a outros cam pos de responsabilização,
nomeadamente, digo eu, os actos do poder político.
Numa palavra: num bom e salutar exercício de Democracia, ninguém está acima
ou fora da Lei e, por isso, é patente a vontade de não escam otear a obrigação de
responder pelos danos causados, seja por quem for, no exercício de funções
públicas, ainda que soberanas, acabar com discrim inações, positivas ou
negativas, rasoirar a lei sobre todos, perm itindo ao legislador que satisfaça
livremente o princípio, inclusivamente ao próprio Estado.
Onde a orientação governativa foi m agnânim a, tam bém os seus feitores nos dão
crédito de não desfigurar o esboço.
3 . Resta-nos a nós, dentro de parâm etros tão largos, equacionar alguns
problem as gerais que vão surgindo das interrogações postas num a prim eira
tentativa de aproximação sobre o tema da responsabilidade emergente dos actos
da função jurisdicional, que logo se distingue dos actos dos próprios juizes
quando a exercem , e só desta tratarem os evidentem ente, seja por vocação, seja
por devoção.
Os pedidos de indem nização por responsabilidade civil extracontratual perante
a Adm inistração Pública devem ser julgados pelos tribunais adm inistrativos
independentemente de os actos geradores terem sido praticados no âm bito da
gestão pública ou privada da Administração.
O âm bito da jurisdição adm inistrativa deve alargar-se á responsabilidade
emergente de actos da função jurisdicional.
É sabido que no m om ento presente não é assim . Actualm ente só são julgadas
pelos tribunais adm inistrativos, m ais propriam ente pelos Tribunais
Adm inistrativos de Círculo, nos term os da al. h) do nº 1 do artigo 51º do ETAF,
as acções de responsabilidade civil do Estado e dem ais entes públicos e dos
titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão
pública, incluindo acções de regresso.
As acções em ergentes de actos danosos de gestão privada são da com petência
dos tribunais comuns de jurisdição cível.
Assim, pelo despacho ministerial de 15 de Janeiro último, o âmbito da jurisdição
adm inistrativa vai poder alargar-se tam bém aos actos de gestão m eramnete
privada.
Ora, como se disse atrás, se é de louvar a atitude de atribuir a uma só jurisdição,
no caso a adm inistrativa, todo o contencioso da responsabilidade
extracontratual da Adm inistração Pública ( AP ) pelas inerentes certeza e
segurança em m atéria adjectiva, já no tocante á indagação do conteúdo dos
direitos das partes, a atribuição, só por si, não chega para celebrar
definitivamente a paz jurídica.
Na verdade, as form as de im putação de responsabilidade, seja ao Estado ou aos
seus agentes, incluindo os seus juizes, se se vier, naturalm ente, a aceitar a sua
responsabilidade pessoal nos actos ilícitos que praticarem no exercício da
função de judicar, tem sido delineada, de jure condito, de m odos
com pletam ente diferentes consoante se trate de actos de natureza privatística
ou se trate de gestão pública.
A responsabilidade do Estado pelos prim eiros tem sido tratada nos term os em
que os com itentes respondem pelos danos dos seus com issários , ou seja, se o
acto foi praticado no exercício da função confiada ao com issário, ainda que
intencionalm ente ou contra as instruções do com itente, independentem ente de
culpa, se o comissário também tiver obrigação de indemnizar.
Porém , quanto á responsabilidade da AP pelos actos danosos de gestão pública,
já existe em qualquer caso de culpa do agente no âm bito dos actos ilícitos e
estende-se m esm o a casos de responsabilidade objectiva ou até por actos lícitos
quando os prejuízos devam ser suportados pela com unidade, globalm ente
considerada, atenta a natureza dos actos e o beneficio social decorrente.
Surge então a m elindrosa questão jurídica do direito aplicável, e o alcance da
pacificação que se pretendeu com este contencioso por atribuição pode
desvanecer-se se o legislador não encontrar fórm ulas sim ples e suficientemente
identificadoras dos dois tipos de responsabilização. A m anter-se a dualidade de
regimes jurídicos tão diferenciados, apenas se deslocará o pomo da discórdia, do
tribunal com petente em razão da m atéria para o direito aplicável. Mas, com o a
solução de qualquer destes dois problem as depende da m esm a e única
averiguação acerca da natureza do acto danoso, causa de pedir da
responsabilidade, pouco ou nada se ganhará com a unicidade do foro, pois o
grande e difícil labor de investigação se m antém e, solucionado, encontrado
estaria também um tribunal em razão da matéria.
Razão que nos leva a perguntar se, neste caso, se tornava necessária a directriz
m inisterial e, antes, não sairá ela inglória. Haverá, pois, o legislador que
interpretar correctamente a orientação e adm itir que o foro administrativo é a
foz de um com plexo processo legislativo a em preender a m ontante não a
panaceia de todas as dúvidas e conflitos de jurisdição até agora existentes.
No cam po ainda da com petência, tam bém a territorial tem que ser adaptada e,
eventualm ente, unificada, pois são diversos os regim es actualm ente existentes,
no ETAF e no Código de Processo Civil.
O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais adopta, para a efectivação da
responsabilidade civil extracontratual, o tribunal do lugar do facto danoso, se
for um facto m aterial ou, se for jurídico, o tribunal que fosse com petente para o
recurso contencioso dele ou ainda, se este for um tribunal superior, o TAC da
residência habitual do A.
J á o Código de Processo Civil ( CPC ), se o R. for o Estado, em acções de
responsabilidade actualm ente do foro dos tribunais judiciais evidentem ente, o
tribunal será o da ocorrência do facto m aterial ou o do dom icílio do A., nos
outros casos.
Porém , se o R. for o juiz, nos casos em que o juiz possa ser responsabilizado e
não com preendidos no artigo 10 84º CPC, para as acções que devessem ser
propostas na circunscrição em que o juiz exerce jurisdição, é com petente o
tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a m enor distância da sede
daquela.
Nos casos do artigo 10 83º CPC , é com petente o tribunal da circunscrição
judicial a que pertença o tribunal em que o magistrado exercia funções ao tempo
do facto lesante.
A atribuição de um foro único para accionar a responsabilidade civil
extracontratual do Estado e, eventualm ente, dos seus agentes, incluindo ou
autonomizando os magistrados judiciais, implica do mesmo passo a unificação e
sim plificação destes regim es díspares, o que tem de fazer-se pesando os
interesse em conflito, privados e públicos, o m aior cóm odo para os particulares
e sobretudo deslocando a tónica da regulam entação jurídica inerente, mais
ligada á culpa, para a do lesado.
4 . O âm bito da jurisdição adm inistrativa vai pois alargar-se à responsabilidade
emergente de actos da função jurisdicional.
O despacho do senhor Ministro da J ustiça não esclarece, desde logo, quem vai
ser responsabilizado. Poderia, portanto, o dem andado ser apenas o próprio
Estado, com regresso, ou não, sobre o m agistrado autor da conduta causante do
dano.
É um a leitura possível do despacho que, aliás, não afronta as leis vigentes, tão
pouco a Constituição da República.
Com efeito, o artigo 22º do diplom a fundam ental, desde a revisão de 1982, já
estatui que O Estado e as dem ais entidades públicas são civilm ente
responsáveis, em form a solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários
ou agentes, por acções ou om issões praticadas no exercício das suas funções e
por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e
garantias ou prejuízo para outrém.
O artigo 22º , porque nada distingue a tal respeito, não exim e, pois, os actos
jurisdicionais, nem os legislativos aliás, da responsabilidade civil.
E, com o o nº 2 do artigo 216º estipula que Os juizes não podem ser
responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei e o
nº 4 do artigo 271º diz que A lei regula os term os em que o Estado e as dem ais
entidades públicas tem direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos,
funcionários e agentes, poderia fundadam ente concluir-se que nada im pede,
face á orientação governativa, que apenas se quis responsabilizar o Estado, e
não pessoalm ente os juizes, pelos actos danosos que estes com etam no exercício
da sua função de julgar. Pode até dizer-se que, no mom ento presente, é esta a
única leitura favorável ao texto constitucional do despacho em questão, tanto
quanto a pretensão de responsabilizar pessoalm ente os m agistrados carece de
adaptação da Constituição da República.
Tem os porém para nós que não é esta a intenção governativa, considerando a
inserção histórica, jurídica e política da questão da responsabilidade pelos actos
da função jurisdicional.
Com efeito, do ponto de vista histórico, nem sem pre foi assim . Até ao Código
Civil de 18 67, de Seabra, a resposta era até a contrária: o Estado não respondia,
a responsabilidade era entendida sem pre a vínculo pessoal do funcionário e,
m esm o assim , m ediante autorização governam ental prévia, a cham ada garantia
adm inistrativa. Só a partir de Decreto nº 19 126, de 16 de Dezembro de 1 930 ,
que alterou o artigo 2 399º do CC, o Estado passou a responder solidariamente
com os seus funcionários, por actos de gestão pública, que é do que falamos.
O Código Adm inistrativo de 1936 haveria depois regular a responsabilidade das
autarquias locais em caso de ilicitude da actuação dos seus funcionários ou
agentes por actos praticados no exercício das funções.
O eixo da responsabilidade deslocou-se, então, da sanção ao próprio agente
lesante, pela sua culpa, para o lado da reparação ao lesado, pela ilicitude do
dano.
Daí, caminhou-se sem pre nesta orientação, até ao extrem o da
irresponsabilidade do Estado e da pessoal dos juizes, pelos actos praticados no
exercício da função jurisdicional - e apenas falam os desta, que não da função
tam bém de natureza adm inistrativa que, nos m agistrados, pode ainda ver-se em
assuntos da condução do giro do tribunal. São os casos do artigo 120 º da
Constituição de 1933 e da alínea h) do artigo 241º do Estatuto J udiciário, em
am bos os casos salvaguardadas as excepções consignadas no CPC, já atrás
referidos, e bem assim o caso de erro judiciário, consoante dispunham o artigo
8º da m esm a Constituição e o CPP de 1929, verificado que fosse em processo de
revisão extraordinária.
Em 21 de Novem bro de 1967, o Decreto-Lei 48 0 51, veio alterar, m antendo-se
até aos nossos dias, a m atéria da responsabilidade civil extracontratual do
Estado e dem ais pessoas colectivas públicas, no dom ínio dos actos de gestão
pública.
Por ele, o Estado e os titulares dos seus órgãos e agentes respondem civilm ente
perante terceiros pelos actos ilícitos praticados no exercício das funções deles e
por causa desse exercício, que ofendam os seus direitos ou interesses
juridicamente tutelados.
O Estado responde se existiu culpa do agente. A responsabilidade pessoal dos
agentes existe se tiverem excedido os lim ites das suas funções ou se, no
desem penho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosam ente, caso este
último em que o Estado responde também e solidariamente.
Ora, sendo os juizes, com o tal, irresponsáveis pelas suas decisões, isto é,
com etidas no exercício da função jurisdicional, a Doutrina e a J urisprudência
não exim em porém o Estado de responsabilidade civil nos casos de exercício,
pelo juiz, de funções de outra natureza, que não a jurisdicional, m as de cariz
adm inistrativo, ou seja, pelo funcionam ento anormal da adm inistração da
Justiça.
Separaram-se até as aguas entre esta últim a espécie de responsabilidade e a
responsabilidade pelo chamado erro judiciário. e
A esta últim a são reportadas as acções conducentes a interpretar e aplicar o
direito, plasm adas na decisão judicial. À prim eira, o conjunto das restantes
actuações atinentes á função de julgar e fazer executar o julgado, incluindo
actuações processuais, seja de órgãos judiciários ou não, v.g. policiais.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é fértil em decisões sobre
fautes de service em m atéria judicial, em decisões unanim em ente construídas,
pois, na base de conceitos de direito adm inistrativo, onde não logra ver-se, nos
com portam entos ilícitos e danosos, m ais do que o exercício de funções, ainda
administrativas, de gestão pública do tráfico judiciário, levadas que sejam a
cabo pelos próprios juizes. É sintom ático, neste cam po, pelas repercussões
nacional e de direito com unitário que tem tido nos m edia e no público em geral,
o caso das delongas processuais que culm inam em decisões não operadas em
prazo razoável.
Este atraso da J ustiça, sistem ático nos últim os anos, criou um m al estar
generalizado e um a desconfiança no aparelho judicial, incluindo contra os seus
actores principais, os juizes que, em sondagens de opinião, passaram num ápice
de um lugar cim eiro na sim patia dos portugueses para um a posição abaixo da
m ediana, m as sobretudo indesejável e desprestigiante, com o questão de Estado
que é.
Não vam os obviam ente criticar este estado de coisas e suas razões,
fundadam ente ou não assum idas pelo grande público, que não é aqui e agora o
momento indicado.
Porém , não podem os deixar de retirar uma ilação política em m atéria de tão
grave m elindre, no contexto constitucional, com o o português, de Estado de
Direito dem ocrático, no respeito e na garantia da efectivação dos direitos
fundamentais,
A legalidade dem ocrática exige um edifício de responsabilidade de todos os
poderes do Estado e, neles, dos respectivos titulares dos órgãos e seus agentes. A
lei é igual para todos e ninguém está acim a dela e, se é verdade que contextos
históricos houve em que a irresponsabilidade do juiz era com preensível e até
exigida de certo m odo pelo sistem a, no m om ento actual a irresponsabilidade do
juiz não se com padece com a ideia dem ocrática, não esquecendo que aqueles
foram os momentos até em que a magistratura foi mais odiada e que os laivos de
elevada autonom ia correspondem a épocas de saída de crise dem ocrática,
passados tem pos de obscurantism o político, por centralização autocrática do
Poder.
O juiz exerce um poder soberano, democrático, sendo que é atinente ao conceito
a responsabilidade pelo respectivo exercício. A definição do artigo 2º da CRP
não se esgota, com efeito, na soberania popular ou na participação dos cidadãos
na vida nacional, tão pouco na descentralização adm inistrativa. É ainda
enform ada pelos princípios fundam entais da própria Constituição, ou seja, o
poder conform e á Constituição. Expressão de tal exercício conform ador é, entre
outras, a protecção jurídica dos cidadãos contra a injustiça, o arbítrio ou a
prepotência, especialm ente por parte do Estado e dos seus agentes, onde cabe
claram ente um direito geral á reparação dos danos sofridos, seja em que
circunstâncias for. E, se ainda é conform ador do Estado de Direito dem ocrático
o princípio da independência dos juizes, já o não é, pelo contrário, a
irresponsabilidade pessoal deles pelos respectivos julgam entos, tanto quanto
choca até com o artigo 22º ou com o nº 4 do artigo 37º , segundo o qual A todas
as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e
eficácia - ( sublinho igualdade e eficácia )
o direito de resposta e de
rectificação, bem com o o direito a indem nização pelos danos sofridos que,
sendo aplicações especiais para um sujeito e um caso concretos, é certo, não
deixam de exprim ir um dos princípios gerais fundam entais de um Estado com
tal natureza.
Aliás, dele é expressão ainda, no estatuto dos titulares dos cargos políticos, a
responsabilidade destes que, além de política, é tam bém civil e crim inal pelas
acções e om issões que pratiquem no exercício das suas funções, m esm o que não
queira ver-se no nº 1 do artigo 117º CRP incluídos os juizes por não se
confundirem os cargos políticos com órgãos de soberania, não obstante term os
para nós que, se nem todos os cargos políticos são órgãos de soberania, já todos
os órgãos de soberania são cargos políticos, pelo m enos no sentido am plo da
expressão, e é este que nos im porta no balizam ento da definição do Estado de
Direito dem ocrático quando falam os da responsabilidade dos titulares que
sejam agentes públicos.
Nem sem pre foi assim . Mas é som ente em sistem as jurídicos fundados num a
filosofia e num a estrutura tendente a uma organização racional ou a um a
dem ocracia ligada aos direitos do Hom em que tem os hipótese de verificar o
postulado da responsabilidade inerente às autoridades judiciárias, sobretudo
nos Estados m odernos em que o poder judicial sofreu enorm e desenvolvim ento,
seja pelo próprio desenvolvimento do Estado-Providência que, paralelamente ao
estender da m ancha de protecção social, acarreta grandes responsabilidades de
controlo ao aparelho judiciário, sobretudo nas vertentes constitucional e
administrativa, seja pelo expansionismo da Lei para satisfazer os apetites sociais
cada vez m ais diversificados, com a correlativa am biguidade a exigir do
intérprete e aplicador uma cada vez maior criatividade.
Tal expansionism o traz ínsito um m aior risco que não pode obviam ente ficar
im pune quando lesa o destinatário. E, se é verdade que num a actividade como a
do juiz, essencialm ente interpretativa, não pode censurar-se todo e qualquer
erro, por m ínim o, sob pena da liberdade se transform ar em opressão e prisão
para o aplicador do Direito, com o consequente prejudicial constrangim ento e
retraimento e, assim , prejuízo para quem se deseja o beneficiário, tam bém o é
que o erro palm ar, patente, grosseiro, não pode deixar de inculpar quem o
produziu com dano para terceiro.
Por outras palavras: se não deve chegar-se ao ponto de responsabilizar o juiz
por culpa leve, deve haver coragem para o responsabilizar pelo m enos por culpa
grave.
É que, hoje, o juiz não julga apenas conform e à lei, vinculadam ente, m as judica
cada vez m ais em conceitos discricionários, tendo unicam ente por bússola o
interesse público posto a cargo pelo legislador. No âm bito do direito
adm inistrativo esta asserção é então patente. A m assificação de tudo, até dos
próprios sentim entos, os interesses difusos a breve trecho ultrapassando os
individuais, leva a que um a acção individual lese cada vez m ais pessoas
simultaneamente.
Assim tam bém , o juiz desem penha m ais e m ais profundos papéis sociais, assim
também o juiz terá que prestar mais contas á sociedade.
Com o diz Mauro Cappelletti, no livro Le Pouvoir Des J uges, Existe( hoje ) em
todo o m undo um a tendência para subm eter os juizes a controlo, tendo em vista
melhorar o seu desempenho e eficácia ( ... ) e reconhecer a sua responsabilidade,
sem dim inuir todavia, de m odo excessivo, o seu isolam ento em relação ao poder
político, que garante a respectiva independência.
É neste ponto de encontro que residirá a sabedoria do legislador.
Que não sejam obstáculo a reconhecê-lo teorias reaccionárias, com o a da
própria incom patibilidade da responsabilidade com a ideia da dem ocracia,
fundada em ultrapassados conceitos suseranos de soberania ou a confusão, de
má consciência, com a independência do magistrado.
Que o caso julgado não é tam bém im pedim ento para aceitar o erro judiciário, é
hoje pacífico no plano da justiça material.
Se a razão principal que sustenta a tese da irresponsabilidade é garantir que a
função jurisdicional se realize com plena autonom ia e total independência,
então desenganem o-nos pois neste país até há bem pouco a vida do juiz era
inteiramnete controlada pelo Executivo, desde a nomeação à aposentação.
A independência, longe de ser um fim em si, deve, sim , ser instrum ental
garantístico de outro valor diferente a imparcialidade do juiz.
Estam os a falar, evidentem ente, da responsabilidade pessoal do juiz, não de
responsabilidade política ou social, ou pública dos juizes, esta últim a, com o se
sabe, muita vezes das mais eficazes.
E da responsabilidade civil, não outra.
J á dissem os que os juizes devem poder ser responsabilizados, directa e
pessoalm ente, pelos erros de facto ou de direito que com eterem no exercício da
sua função de julgar e por virtude dos quais causem danos a terceiros.
J á dissem os tam bém , porém , que só o devem ser em caso de dolo ou de culpa
grave, por erro grosseiro.
Acrescentam os agora que não se nos afiguram justificadas as restrições,
conhecidas no direito comparado, a tal responsabilização dos juizes, seja de foro
ou de pressupostos prévios especiais, com o é o caso italiano, com
consentim ento prévio do Ministro da J ustiça ou a escolha do próprio tribunal
judicante.
É também o caso do nosso país, com as restrições do artigo 1083º do CPC e uma
outra, m uito curiosa, do artigo 1 0 85º , que exige audiência prévia do
m agistrado arguido para dizer o que se lhe ofereça sobre o pedido e seus
fundamentos.
Não chegando ao ponto do direito italiano que, em caso de denegação de justiça,
o lesado não pode accionar o juiz sem prim eiro o interpelar para agir, em 10
dias, onde, claro está, o juiz há-de fazer qualquer coisa no processo nesse prazo,
crem os não obstante que chegará ao juiz o contraditório das form as processuais
comuns.
Mas, atenção. A J ustiça da situação cobre a responsabilidade do agente m as não
a penalização infundada. Não pode, nem deve, identificar-se responsabilização
com perseguição, sequer com melhor Justiça.
Melhor J ustiça, ou m elhor, J ustiça, consegue-se, sim , com m elhor qualidade
dos seus aplicadores e esta com o m elhoram ento a m ontante, na hora do seu
recrutam ento, sendo certo que o actual corre o risco de isolar os J uízes da sua
com unidade, ou dentro da própria corporação, com o algum as vozes vem
propagando.
O equilíbrio, já se disse, está entre a independência do J uíz e a sua
responsabilidade. Esta não deve im portar apenas ao J uíz ou ao Estado m as
tam bém , e sobretudo, ao consum idor da J ustiça, pelo que deve o J uíz estar
atento e aberto a todas as reivindicações sociais e consciente que deve justificar
o que faz.
Lisboa, 8 de Março de 2001
( Rui Manuel Pinheiro Moreira )
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