Há efeito da temperatura sobre a co-ocorrência de espécies de formiga em uma floresta tropical? Demétrius Martins, Laura C. Leal, Sara Lodi & André Mendonça. espécies Introdução A competição interespecífica que co-ocorrem com as dominantes e não apresentam estas pode determinar o uso e partilhamento características são consideradas de subordinadas e normalmente recursos (Schroener em uma 1974). comunidade Normalmente, apresentam estratégias alternativas para espécies que conseguem explorar um obtenção de recursos (Andersen 1992). mesmo tipo de recurso de maneiras Um exemplo dessas estratégias é o diferentes maior comportamento de infiltração, no qual probabilidade de coexistência. Por outro alguns indivíduos de uma espécie lado,epécies semelhantes nas estratégias subordinada de uso dos recursos competirão entre si dominantes usando uma pequena fração e as que forem competitivamente dos recursos disponíveis (Parr & Gibbs superiores excluirão as menos aptas a 2010). apresentam obter o recurso. Assim, a competição interespecífica relação entre entre as espécies dominantes e subordinadas pode ser distribuição e coexistência das espécies influenciada por fatores ambientais. em comunidades (Dayan & Simberloff Esta influência pode ocorrer por um 2005). efeito fisiológico direto resultante da com determinar infiltram a Espécies pode A se respostas a tolerância de cada espécie a variações estímulos ecológicos que as permitem microclimáticas (De Bie & Hewitt obter um recurso com maior facilidade 1990). Em particular, quando espécies podem ter maior vantagem competitiva competidoras são submetidas a uma (Gotelli & MacCabe 2002; Andersen condição 1992). Animais serão competitivamente dominantes podem deixar de utilizar o superiores e considerados dominantes recurso como uma forma de reduzir o quando apresentarem características que estresse fisiológico. Em consequência, permitam o monopólio dos recursos, espécies subordinadas podem se arriscar como comportamento agressivo ou sob essa condição adversa e utilizar o recrutamento em massa. As demais limitante, as espécies recurso (Andersen 1995; Bestelmeyer Formigas 2000). apresentam variação térmica no sub-bosque ao comportamento hierárquico em relação longo do dia devido à cobertura de ao uso de recursos, onde espécies dossel estratificado. A segunda área é dominantes monopolizam os recursos uma capoeira em regeneração há 20 enquanto subordinadas anos, que apresenta maior variação alternativas térmica ao longo do dia, quando desenvolvem espécies estratégias para ter acesso ao mesmo recurso. Entre os fatore climáticos que podem afetar a comparada à floresta contínua. Em cada tipo de floresta hierearquia de dominancia em formigas, distribuimos 10 iscas de sardinha a mais distantes pelo menos 10 m entre si, em importantes, pois a mirmecofauna é dois horários entre 07:30 h e 07:50 h e sensível ao dessecamento. Desta forma, entre 11:00 h e 11:20 h. Colocamos as temperaturas altas podem influenciar a mesmas quantidades de iscas sobre estratégia de forrageamento de formigas folhas de serrapilheira. Descartamos (Cerdá et al. 1997, 1998). Assim, temos folhas com fissuras ou furos para evitar como a o acesso das formigas por baixo da temperatura influencia a co-ocorrência folhas. Após 40 minutos de exposição, de espécies de formiga em uma floresta recolhemos todas as formigas que tropical. Nossa hipótese é que a estavam sobre a isca ou folha e elevação da temperatura do ambiente contamos o número de espécies e de quebra a hierarquia de exploração dos indivíduos em cada isca. temperatura objetivo é um dos responder como recursos pelas formigas devido à saída das dominantes. Classificamos a abundância total por isca para evitar enviesamento por valores extremos (Andersen 1995). As classes de abundância variaram de um a Métodos Desenvolvemos este estudo em seis, sendo que classe 1 contêm 1 uma área de floresta de terra firme na indíviduo, a classe 2 de 2 a 5, a classe 3 Amazônia na de 6 a 10, a classe 4 de 11 a 20 e a Fazenda Dimona, a 80 Km ao norte de classe 6, mais de 50 indivíduos. Manaus (2º20’S-60º06’O), em duas Analisamos a variação na riqueza e nas áreas vegetacionais classes de abundância entre as duas distintas. A primeira compreende uma áreas e os horários de coleta usando floresta contínua que possui menor uma ANOVA fatorial. Adotamos como com Central, estruturas localizada variável resposta riqueza e classe de co-ocorrência de espécies de formigas abundância de formigas e como variável em 50% das iscas, e na floresta em explanatória horário de coleta e área. Se apenas 15%. Na floresta, 75% das iscas a correta, tiveram abundância entre as classes 5 e esperamos que na área de floresta 6, enquanto que na capoeira, 25% das contínua, a riqueza não se altere com o abundâncias horário de coleta devido à baixa valores. nossa hipótese estiver estiveram entre esses variação térmica, enquanto que na O número de espécies por isca e capoeira, a riqueza aumente com o a abundância foram similares nos dois aumento do horário de coleta. horários de coleta em cada área (Tabela 1, Figuras 1 e 2). No entanto, na área de floresta encontramos menor riqueza de espécies Resultados Observamos de uma a três e maior abundância de indivíduos por isca quando comparada à espécies de formigas por isca em cada área de capoeira (Tabela 1). área. Na área de capoeira observamos Tabela 1: Resultado da ANOVA fatorial para riqueza de espécies e classe de abundância nas duas áreas amostradas e nos dois horários de coleta. (QM) significa soma de quadrados e (SQ) quadrado médio. Resposta Efeito SQ QM gl F p Horário do dia 0,400 0,400 1 0,742 0,395 Área 0.400 2,500 1 4,649 0,048 Interação horário*área 1,600 1,600 1 2,979 0,093 Resíduo 19,400 0,539 36 Horário do dia 0,100 0,100 1 0,031 0,860 Classes de Área 28,900 28,900 1 9,063 0,005 abundância Interação horário*área 0,100 0,100 1 0,031 0,860 Resíduo 114,800 3,189 36 Riqueza 3 3.0 Número de espécies 2.4 1.8 1.2 0.6 Começo da manhã Final da manhã Período Figura 1: Número médio de espécies de formigas por iscas de sardinha oferecidas em dois horários do dia em áreas de floresta (quadrado) e capoeira (triângulo) na Amazônia Central. Pontos representam a média e barras indicam o erro padrão. 7,0 5,5 ai c nâ d n u b A4,0 e d es sa l C 2,5 1,0 Começo da manhã Final da manhã Período Figura 2: Média das classes de abundância de formigas por iscas de sardinha oferecidas em dois horários do dia em áreas de floresta (quadrado) e capoeira (triângulo) na Amazônia Central. Pontos representam a média e barras indicam o erro padrão. 3 uma condição adversas e, assim, o Discussão Nossos resultados indicam que a comportamento hierárquico é mantido. temperatura isoladamente não é um Nossos resultados indicam que a fator importante para a co-ocorrência de co-ocorrência de espécies de formigas é espécies de formigas que visitam iscas maior em florestas contínuas e capoeiras. O independente de variações térmicas. aumento do número de espécies de Áreas com menor cobertura vegetal, formigas pela como a capoeira, apresentam menor amplitude térmica foi observado no riqueza e abundância de formigas (Leal Mediterrâneo, temperaturas 2003). Isto faz com que a competição extremas podem limitar a ocorrência de por recursos entre essas espécies seja algumas espécies (Cerdá et al. 1997, menor. 1998). No nosso sistema de estudo, esse dominantes padrão encontrado competir menos pelos recursos em áreas variação com menor cobertura vegetal e as térmica em florestas é menor que a dominantes podem reduzir a defesa dos observada no Mediterrâneo. recursos nessas áreas. por isca onde não possivelmente mediado foi porque a A pressão competitiva pode ser em áreas Desta e A de capoeira forma, formigas subordinadas podem manutenção do outro fator responsável pela manutenção comportamento do formigas na utilização de recursos em comportamento hierárquico de hierárquico entre formigas na utilização de recursos florestas mesmo sob condições adversas. Durante importante para espécies subordinadas. a exploração de um recurso, formigas A redução da atividade de formigas dominantes encontram uma demanda dominantes conflitante entre obter o recurso e se fisiologicamente limitantes cria uma proteger de uma condição limitante que janela de oportunidade para exploração pode de de recursos pelas subordinadas. No sobrevivência. Na floresta amazônica, entanto, se a hierarquia é sempre formigas representam 70% da biomassa mantida, formigas subordinadas podem viva acima do solo. Por isso é provável sofrer que a intensidade de competição entre habitats de florestas tropicais. Desta elas seja alta. Desta forma, pode ser forma, é importante compreender quais mais vantajoso investir na defesa e uso estratégias adotadas por esse grupo para do recurso, do que na proteção contra maximizar a exploração de recursos reduzir suas chances pode maior ser em pressão especialmente condições seletiva em 2 monopolizados por formigas dominantes em florestas. community. Journal of Animal Ecology, 69:998-1009. Cerdá, X., J. Retana & S. Cross. 1997. Thermal disruption of transitive hierarchies of Mediterranean ant Agradecimentos Agradecemos inicialmente ao PDBFF, pela infraestrutura fornecida. communities. Journal of Animal Ecology, 66:363-374. Ao Fabrício (vulgo Mr. Pra que?!) Cerdá X., J. Retana & A. Manzaneda. agradecemos pela orientação no projeto, 1998. The role of competition by e por nos mostrar que a floresta dominants and temperature in the amazônica pode ser realmente quente ao foraging of subordinate species in meio dia. Ao Paulo Enrique (nosso Mediterranean Rainbow Master), somos gratos pelos Oecologia, 117:404-412. auxílios com a discussão e pelos momentos “ partoba”. ant communities. Dayan, T. & D. Simberloff. 2005. Ecological community-wide character displacement: the next Referências Bibliográficas generation. Ecology Letters, 8:875- Andersen, A.N. 1992. Regulation of 894. ‘momentary’ diversity by dominant De Bie, G. & P.H. Hewitt. 1990. species in exceptionally rich ant Thermal responses of the semi-arid communities of Australian seasonal zone ants Ocymyrmex weitzeckerii tropics. (Emery) American Naturalist, 140:401-420. custodiens Andersen, A.N. 1995. A classification of and Australian ant communities Anoplolepis (Smith). Journal of Entomological Society of South Africa, 53:65-73. based on functional groups which Gotelli, N.J. & D.J. MacCabe. 2002. parallel plant life forms in relation Species co-occurrence: a meta- to stress in disturbance. 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