O controle como mecanismo de poder: elementos da Economia Política do Poder Raquel Dorigan de Matos (Universidade Estadual do Centro Oeste-Unicentro) [email protected] Lilian de Sousa (Universidade Estadual do Centro Oeste-Unicentro) [email protected] Resumo: O presente artigo tem por objetivo evidenciar que as organizações são permeadas por relações complexas e contraditórias, desencadeadas pelos mecanismos de controle psicossocial e pela organização do trabalho. Para tanto, estabelece como fundamento teórico a Economia Política do Poder. O nível de controle psicossocial é apresentado nos seus processos objetivos e subjetivos e nos seus sete modelos: físico, normativo, finalístico ou por resultados, compartilhado ou participativo, simbólico-imaginário, por vínculos e por sedução monopolista. Mais do que remeter a um questionamento sobre os mecanismos de controle, busca-se problematizar a relação capital/trabalho. Palavras chave: Organizações, Organização do Trabalho, Controle Psicossocial. The control like mechanism power: elements of Political Economy of Power Abstract: This paper seeks to demonstrate that organization are permeated by complex and contradicting relationships, triggered among the psychosocial control mechanisms and workplace organizations. To do so, sets as theoretical principles of the Political Economy of Power. The psychosocial control level is presented in its objective and subjective processes and in its seven forms: physical, normative, finalistic or through results, shared or participatory, symbolic-imaginary, through links or through monopolist seduction. More than addressing a questioning about the control mechanisms, this study seeks to problematize the capital/work relation. Key-words: Organizations, Workplace Organization, Psychosocial Control 1 Introdução Atualmente estamos diante de um cenário econômico, no qual se tem como foco principal o sucesso profissional. Diante disso percebemos a importância do trabalho que segundo Carmo (1992), pode-se definir como a atividade realizada pelo homem civilizado. Diante de tal atividade o indivíduo procura se transformar e se relacionar com outros indivíduos, dando origem dessa forma ao que se chama de relações sociais. O trabalho passa a ser fundamental ao indivíduo, seja para o seu bem, para satisfazer suas necessidades ou para integrá-lo a sociedade. A partir de então, surgem às relações de produção, ou seja, entre trabalhadores e organização (ANTUNES, 1997). Diante de tais relações o trabalhador se sujeita a algumas restrições em troca de benefícios oferecidos pela organização, tornando-os cada vez mais dependentes. No entanto, os trabalhadores não percebem, continuam alienados a essa coerção (PAGÈS, 1987). As organizações têm como objetivo principal a acumulação de capital, através da utilização da força produtiva. Diante da busca incessante pelo capital, o sujeito perde a sua autonomia. E para que o objetivo seja alcançado se torna indispensável à utilização de uma ferramenta que acompanhe os trabalhadores diariamente, tal ferramenta pode ser caracterizada como controle. O poder é o meio pelo qual as organizações estabelecem suas estruturas de controle. A união de tais unidades, capital/trabalho, resulta na produção capitalista, que nada mais é do que um grupo de pessoas que trabalham sob um mesmo teto, comandados por um mesmo capitalista, na busca do capital (FARIA, 1987). Neste sentido o controle pode ser entendido como uma ferramenta de gestão capitalista, sinônimo de influência e poder, que é utilizado não somente para a eficácia operacional, mas também para a acumulação de capital (FARIA, 1987). Diante de tais afirmações, são apresentadas as diferentes formas de controle, dando ênfase ao controle psicossocial. Este controle tem por atribuição demonstrar as relações entre os indivíduos inseridos num mesmo processo produtivo e tem como objetivo principal adestrar os sujeitos, vigiando-os e punindo-os, de forma a transformar os seus interesses em interesses organizacionais, de modo que estes não tenham essa percepção (FARIA, 2004). Vale ressaltar que esse controle irá se utilizar das suas diversas formas, para estabelecer intervenção nos processos e relações de trabalho. 2 Importância e organização do trabalho Segundo Carmo (1992), pode-se definir trabalho como toda a atividade realizada pelo homem civilizado que transforma a natureza pela inteligência. Há mediação entre o homem e a natureza: domando a ele seu desejo, visa extrair dele sua subsistência. Realizando tal atividade, o homem se transforma se autoproduz e ao se relacionar com outros homens, na realização da atividade, estabelece a base das relações sociais. O trabalho pode ser considerado um fator de produção, ou seja, uma atividade pertencente ao indivíduo que se torna fundamental tanto a classe masculina quanto feminina, para satisfazer suas necessidades e para o bem estar pessoal, contribuindo na constituição do próprio ser humano (ANTUNES, 1997). Carmo (1992) afirma que para muitos o trabalho é a chave para superar os flagelos e o parâmetro para medir a acumulação de capital, evidenciando a habilidade de vencer na vida. Os donos de grandes fortunas passam a ideia de que toda a riqueza é montada à custa de grande disposição para o trabalho. Bem sucedidos, sentem-se estimulados a trabalhar cada vez mais, e por esse mesmo estímulo, forjam uma imagem de que estão sempre satisfeitos com suas ocupações. Impulsionados por esse ideal, ostentam uma suposta igualdade de oportunidades, pretendendo impor a todos um modelo de sucesso e felicidade que aparentemente só diz respeito a eles próprios. O trabalho em si acaba criando o homem e influencia no potencial de sua força produtiva desenvolvendo as bases que futuramente irão estabelecer as relações de trabalho. Apesar de nos dias atuais a força produtiva ser substituída pelas máquinas, as organizações buscam aproveitar cada vez mais a mão-de-obra para otimizar o capital, causando grandes transformações na relação de produção (ANTUNES, 1997). Pagès (1987), afirma que as vantagens que integram o indivíduo à organização, fazem com que ele aceite as restrições propostas por ela e até mesmo os objetivos de dominação da empresa. Os privilégios são oferecidos pela organização conforme sua lógica, reforçando a dependência dos trabalhadores em relação a si mesmo. Logo tais vantagens funcionam como um fator mediador entre os objetivos dominantes da empresa e a percepção das coerções aos trabalhadores. Deste modo a organização utiliza-se de um processo que transforma uma contradição entre os trabalhadores e a organização em uma contradição interna às políticas da organização, caracterizado como mediação. Fazendo referência a organização do trabalho, Lipietz (1990) afirma que o sistema de capital estabelece princípios gerais que governam a mesma. Esses princípios não apenas englobam as formas de organização do trabalho no interior das organizações, mas também as formas de divisão do trabalho entre elas. O autor explica que a adequação aos princípios coletivos do regime de acumulação, se estabelece mediante mecanismos que efetuam o ajuste dos comportamentos contraditórios e conflituosos dos indivíduos. O regime de acumulação aparece como resultado macroeconômico do funcionamento do modo de regulação, com base num modelo de organização do trabalho. E é o conjunto que constitui um modelo de desenvolvimento (LIPIETZ, 1990). Braverman (1987) fundamenta que há um mecanismo regulador e organizador no trabalho humano que se caracteriza como poder do pensamento, e que tem origem em um todo excepcional. Assim, o trabalho como atividade proposital, orientado pela inteligência, é produto da espécie humana, que por sua vez é produto especial desta forma de trabalho. A força diretora do trabalho continua sendo a mente humana, mas a ligação entre o trabalho e a mente pode ser rompida no indivíduo e recuperada no grupo ou na sociedade como um todo. Assim para os humanos em sociedade a força de trabalho é uma categoria especial, simplesmente porque é humana. Só quem for o senhor do trabalho de outros confundirá força de trabalho com qualquer outro meio de executar uma tarefa, porque para ele vapor, cavalo, água, ou músculo humano que movem seu moinho são vistos como equivalentes, como “fatores de produção” (BRAVERMAN, 1987, p.54). Tal consideração fundamenta o ponto de partida para a teoria do trabalho, que os capitalistas seguramente desprezam, porque não estão interessados nas relações sociais e sim nas relações dos preços, ou seja, não no trabalho, mas na produção. Conforme Braverman (1987), o empregador como possuidor de uma unidade de capital se esforça para ampliá-la e transformá-la em lucro. Por tal motivo, põe-se a funcionar um processo de trabalho, o qual se tornou um processo para expansão do capital, ou seja, para criação do lucro. A partir de então se torna indispensável perceber o processo de trabalho de um ponto de vista técnico, como simples modo de trabalho. Além do mais este aspecto domina as atividades do capitalista, em cujas mãos se estabelece o controle sobre o processo de trabalho. Nesse sentido o processo de trabalho é denominado e modelado pela acumulação de capital. Segundo o mesmo autor o trabalho, como qualquer processo vital é uma propriedade inalienável do indivíduo. Deste modo o trabalhador na troca, não entrega ao capitalista a sua capacidade para o trabalho, mas a retém e o capitalista só pode obter vantagem se vincular o trabalhador ao trabalho. Conforme Braverman (1987, p.56) “O que o trabalhador vende e o que o capitalista compra não é uma quantidade contratada de trabalho, mas a força para trabalhar por um período contratado de tempo”. O autor afirma que, o que distingue a força do trabalho humano não é a sua capacidade de produzir um excedente, mas sim seu caráter inteligente e proposital. Do ponto de vista do capital essa potencialidade dos indivíduos na sociedade é a base através da qual se amplia o seu capital, tornando-se fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para as suas próprias. 3 A produção capitalista e o sistema de controle Segundo Faria (1987) o fator que estabelece a produção capitalista é a reunião de um número de pessoas, ao mesmo tempo e no mesmo campo de trabalho para produzir a mesma mercadoria sob o comando de um mesmo capitalista. Mészáros (2002) afirma que o sistema de capital é destrutivo em sua lógica e não trata o valor de uso e valor de troca como estando separados, mas sim de tal forma que o primeiro seja subordinado ao segundo. De modo que uma mercadoria pode variar seu valor de um extremo ao outro. Logo, essa variação tende a reduzir a sua vida útil e por essa razão agilizar o ciclo produtivo, através do qual o capital atinge um crescimento sem medidas ao longo da história. Como a lógica do capital estrutura seu sistema de controle, qualquer tentativa de superar tal sistema de controle está impossibilitada de derrotá-lo. Somente um grande movimento pode ser capaz de destruir o sistema de domínio social do capital. Segundo o mesmo autor o capital acaba por degradar o sujeito fruto da produção, ou seja, o trabalho, transformando a relação real existente entre sujeito e objeto. O trabalho em si deve ser feito para reconhecer a si mesmo, ainda que na realidade este seja um falso subordinado. No que se refere ao controle Pagès (1987), afirma que o desenvolvimento das forças produtivas proporciona aos trabalhadores novos meios de luta e em contrapartida exige um reforço de controles por parte das organizações, ou seja, criação de novas formas de controle que se estendam a novas situações. O autor relata ainda, que a mediação assegura o controle pelo fato de que a contradição é resolvida, pela organização. Mészáros (2002) deixa evidente que a produção e seu controle estão separados e se encontram de alguma forma opostos um ao outro, ou seja, adquirem uma independência problemática e uma existência separada. Destaca ainda que o capital deveria ser capaz de se integrar ao domínio global, com o objetivo de superar a contradição entre produção e circulação, de tal forma que a dominação e subordinação prevalecem não só nos universos particulares, mas também nas diversas fronteiras. Para tanto, para o capitalista fazer com que a mercadoria, fruto da venda da força de trabalho, amplie seu valor de uso, de modo que reflita na maximização da mais valia se torna a sua preocupação. Logo, o controle do capitalista sobre o trabalhador é o fator que mais atende essa preocupação. Tal controle é um instrumento utilizado para minimizar os conflitos que se referem à relação capital/trabalho. 4 Perspectiva crítica do controle e as organizações Na prática, em todas as grandes organizações, seus membros em virtude da posição que ocupam na pirâmide hierárquica, dispõem de informações que resultam finalmente em possibilidades de controle e poder. A ausência de controle inviabiliza a permanência no poder. Portanto se torna indispensável que uma ordem hierárquica e uma estrutura institucional disciplinem e coordenem as reivindicações de cada grupo e de cada indivíduo. Porém esse poder de disciplina e coordenação não pode ser absoluto. Logo, dois tipos de poderes terão tendência a se desenvolver: poder do perito o qual o indivíduo dispõe em virtude de sua capacidade pessoal para controlar uma fonte de incerteza que afeta o funcionamento da organização e em segundo o poder hierárquico funcional, ou seja, o poder próprio para controlar o poder do perito, completá-lo ou substituí-lo. Nenhuma organização pode realmente funcionar sem impor sérias restrições ao poder de negociação dos seus membros, o qual representa conceder a alguns indivíduos a liberdade de ação suficiente para que possam solucionar os conflitos entre as reivindicações contraditórias, e impor decisões que beneficiem o desenvolvimento do conjunto da organização, ou se for preferido, o jogo desta contra o seu ambiente (CROZIER, 1974, p.241). Em oposição a essa perspectiva, Faria (1987) afirma que formas despóticas de gestão que impõem técnicas de produção e organização do trabalho têm duplo objetivo: tornar o trabalho mais produtivo possível para o capitalista e através dessa finalidade impor ao trabalhador o máximo rendimento por meio da combinação dos meios de produção e das exigências objetivas de sua execução. Trabalhar até a exaustão, gerando máximo de excedente possível, visando à maximização da acumulação do capital, da qual o trabalhador não tem parte alguma, tal conteúdo é o despotismo de fábrica. Conforme Merton (1966) está integrada em uma organização uma série de cargos, de status hierarquizados, nos quais está implícito grande número de obrigações e de privilégios estreitamente definidos por regras limitadas e específicas. A cada um desses cargos é atribuída uma área de competência e de responsabilidade. A autoridade, o poder de controle que tem origem em uma situação reconhecida, é inerente ao cargo e não a pessoa em particular que desempenha o papel oficial. Em contraponto a Merton, Faria (1987) afirma que com o desenvolvimento capitalista, a gerência não se limitou ao controle direto do processo de produção. Teve início uma imensa burocracia dada à necessidade cada vez maior de controlar o processo de acumulação de capital. No que se refere ao processo de trabalho, os produtores capitalistas têm sobre ele considerável controle. Tal situação facilitava o controle do ritmo de trabalho, mas em contrapartida dificultava ao capitalista a elevação da taxa de exploração. Segundo Faria (1987), o controle pode ser entendido como sinônimo de influência e poder, ou o que é quase o mesmo, o poder é entendido como forma coercitiva de controle. A modificação introduzida é a explicitação do controle não como mecanismo de administração, mas como mecanismo de poder. O controle, portanto é a forma principal de instrumentalização da gestão capitalista. A utilização de tal controle é mais intensa na gestão do processo de trabalho, pois a gerencia capitalista sabe que este é o local de sua sobrevivência, ou seja, origem da simples e ampliada reprodução do capital. O imperativo da gestão capitalista é controlar para produzir, sob o primado da repetição, da racionalidade do processo de trabalho. Todo o tempo da produção é também o tempo do controle cerrado, em cada seção, oficina, em cada movimento, gesto. Só é permitido o que está previsto; só é previsto o que importa à produção capitalista (FARIA, 1987, p.50). Faria (1987) ressalta que de maneira direta ou indireta o controle é um mecanismo considerado dominante do capitalista, ou seja, capaz de controlar os agentes de valorização do capital, aqueles que produzem não o que se julga necessário, mas o que gera mais lucro. Além de controlar os gestos e movimentos e o modo como são utilizados os instrumentos de trabalho. Neste sentido entende-se que o objetivo do controle não é a eficácia operacional, mas sim a acumulação de capital. Em relação ao poder Faria (2004), coloca que o conceito se refere, à capacidade de um grupo social de definir e realizar ele mesmo seus interesses. Assim, as relações de poder não são relações entre indivíduos em si mesmos, mas entre classes, categorias ou grupos sociais. Portanto, em termos de exercício, o poder somente será importante e contínuo se resultar do acesso do grupo social ao comando das principais estruturas da sociedade e das organizações. Em todo caso são as relações de poder, em suas formas distintas de exercício, que dão suporte aos mecanismos de controle e às formas de controle. O controle é a mais bem estruturada garantia da permanência do poder. Desse modo as relações de poder constituem a forma de realização de interesses definidos pelo grupo social, que investirá suas energias políticas no acesso ao comando das principais estruturas sociais e organizacionais, pois estas têm como finalidade operacionalizar os mecanismos de controle de que o grupo vai se valer para que seus interesses sejam dominantes (FARIA, 2004). Segundo Faria (2004) o fato é que o controle e em consequência, as relações de poder, fundamentam todo um conjunto de propostas das organizações. Dessa forma o controle pode ser entendido como sinônimo de influência e poder, ou ainda um mecanismo de poder, tornando-se a forma de instrumentalização da gestão. O objetivo de tal controle não é a eficácia operacional, mas sim o resultado e consiste em subtrair do trabalhador as iniciativas e as decisões em relação à produção, impondo a opção de trabalhar nas condições dadas. Seja para o capitalista, seja o produtor que se submete à autoridade do capital, a função do controle da produção tem como foco principal permitir a acumulação capitalista. Deste modo o autor deixa claro, que para que o capital seja reproduzido, é necessário que o controle exercido nas organizações não seja qualquer, mas especifico, ou seja, capitalista. Tendo por pressuposto teórico esta perspectiva do controle, Faria (2004) apresenta tipos distintos de controle, tais como o controle econômico, político-ideológico e psicossocial. O controle econômico envolve os elementos técnicos ou econômicos na gestão do processo de trabalho e que não se esgota. Nesse mesmo contexto as relações de posse, que indicam o controle sob as mercadorias produzidas, abrangem agentes que valorizam o capital e os meios produtivos nele envolvidos. Tais agentes constituem o que se chama de elementos técnicos ou econômicos da gestão de trabalho. O nível político-ideológico tem por finalidade recobrir o campo jurídico. A partir da necessidade de dividir o processo de trabalho e de se apropriar dos resultados na organização capitalista, acaba implicando na natureza jurídica na medida em que se definem as relações legais. Desse modo, no nível político-ideológico a estrutura da objetividade econômica precisa estar amparada por uma estrutura de poder que lhe corresponda, já que demanda articulações entre ambas as estruturas, pois enquanto os elementos de nível econômico expedem relações de propriedade e de posse, os elementos do político-ideológico remetem às relações de dominação que devem garantir a permanência das relações de poder. A definição dos elementos que compõem o nível político-ideológico pode ser resumida e caracterizada como consolidação da superioridade (FARIA, 2004). Na abordagem do controle psicossocial, Faria (2004) torna evidente que a vida social é percebida como um comportamento, o qual é ordenado através de normas e regulamentos da estrutura organizacional. Isto é compreendido porque o objetivo da organização é controlar para produzir, através do disfarce da repetição, pois a realidade dos sistemas de relações só deve ser traduzida como foi definida pelos fundadores da organização. Logo, o discurso do indivíduo será o discurso da organização. A organização coloca tal indivíduo no desafio de provar sua existência e o faz estabelecendo elementos de identidade social que irão definir a maneira como cada um irá lutar por tal reconhecimento. O indivíduo irá procurar uma forma de manter as aparências e seguir o mesmo modo de pensamento da organização, pois esta repele os que mudam constantemente de opinião. Em relação à palavra na organização, Faria (2004) observa que existe certo receio com a palavra livre, pois os dirigentes insistem na necessidade de inovação, colocando em ação técnicas que facilitam mudanças. Mas, o que se esconde atrás desta cena, é que tais técnicas ao promoverem a palavra espontânea, de um lado escondem o sistema de controle sobre o indivíduo e de outro, não levam em consideração a estrutura que abriga as relações internas nas quais a palavra pode ser pronunciada. Desta maneira o discurso dos indivíduos se torna espreitado, pois a palavra espontânea se torna uma palavra em liberdade vigiada. Segundo Faria (2004) a racionalidade interage com a subjetividade e resulta tanto em outras racionalidades quanto em outras subjetividades. O subjetivo permite acomodar a razão em sua estruturação, de modo que seja compatível com suas formulações inconscientes, em um mecanismo contraditório e dinâmico. Neste sentido, a racionalidade e subjetividade funcionam como unidades contrárias, mas que mantêm entre si uma espécie de dependência essencial. Desse modo, as relações sociais não impõem a supremacia da racionalidade sobre a subjetividade, mas a valorização da razão, enquanto máscara, sobre o afeto. O afeto é visto como um empecilho na lógica da racionalidade das organizações, como capaz de desviar a energia dos indivíduos do cumprimento da missão, para a execução dos objetivos estratégicos, para a realização das metas operacionais. É por reconhecer a existência da subjetividade que as organizações investem no controle psicossocial (FARIA, 2004). Faria (2004) afirma que o controle psicossocial está relacionado com as relações existentes entre os sujeitos, sejam estes individuais ou coletivos, que estão inseridos nos processos produtivos e políticos. O controle psicossocial tem por atribuição vigiar e punir, de modo a praticar o adestramento do sujeito, tornando os seus desejos em interesse organizacional, mas de forma que o trabalhador sinta-se satisfeito. Tal controle pode ser classificado nas seguintes formas: físico, normativo, finalístico ou por resultados, compartilhado ou participativo, simbólico-imaginário, por vínculos e por sedução monopolista. Em relação ao controle físico Faria (2004), estabelece o domínio do corpo do indivíduo ou do grupo social por base, age através da violência, exploração, de permissões e proibições, de definições de espaço e de movimentos, delimitação de tempo e de natureza de trabalho. Esse tipo de controle se encontra na divisão social e técnica do trabalho, nas formas e no desempenho de relacionamento social. O controle normativo se refere ao conjunto de regras, dispositivos formais e regulamentações que não são explicitadas, mas entendidas pelos sujeitos como definidoras de condutas que regem a ordem organizacional. A ação do sujeito é limitada por regras estabelecidas pela organização. Esse controle define tanto procedimentos burocráticos, como convenções que geram obediência e aceitação impostas pela natureza moral (FARIA, 2004). Em relação ao controle finalístico ou por resultados, o autor se refere como o controle que busca garantir o cumprimento da finalidade econômica e política da organização, através do estabelecimento de metas e objetivos, especialmente os que configuram sentimentos de cumplicidade. Em relação ao controle compartilhado ou participativo, Faria (2004) destaca que se trata da busca da legitimidade da ação, por meio da construção e manutenção de convicções e de procedimentos tidos como éticos, seja pelo envolvimento dos participantes no processo de decisão, seja pelo estabelecimento de sistemas de comandos representativos. Esse controle é evidenciado nas formas de definição das estruturas de gestão e nas estratégias de ação. O controle simbólico-imaginário se refere a processos de adesão imaginária, ou seja, ao desenvolvimento de modelos de comportamentos tidos como referências, a instauração de aparelhos que funcionam pela ameaça do uso da força e por demonstrações de domínio dos mecanismos coercitivos sem necessidade de utilizá-los, pela valorização de símbolos que representam sucesso ou fracasso e que devem guiar as atitudes esperadas. O controle por vínculos se refere à concepção de um projeto social comum, que atua através de contratos formais ou psicológicos, dos interesses e das necessidades, do amor e da ternura, da expressão de confiança nos desígnios da organização que só pensa em si, na medida em que os sujeitos desejam o vínculo para se inscreverem no campo do outro. E por fim Faria (2004) trata do controle por sedução monopolista, que é caracterizado pelo seu discurso único, pela realização de um poder sem projeto, que uniformiza o discurso e a censura, retira dos grupos e dos indivíduos a voz e sua existência, tornando estes apáticos, ou seja, totalmente crédulos na condição monopolista dos dirigentes enquanto detentores das alternativas melhores de condução da organização. Os diferentes tipos de controle possuem conteúdos que agem simultaneamente, sejam eles objetivos ou subjetivos. Faria (2004), ressalta que interessa mostrar como estas formas de controle psicossocial intervêm nos processos e relações de trabalho, na gestão econômica e nas articulações político-estratégicas das organizações, em suas instâncias ocultas e manifestas. Pode-se entender por instâncias ocultas, as formas de comportamento dos sujeitos ou as atitudes que o mesmo toma. As instâncias manifestas são aquelas que se encontram no contexto organizacional, tais como técnicas de gestão, estruturas, o processo e a organização do trabalho. As relações complexas entre essas duas instâncias é que vão dar operacionalidade às formas de controle psicossocial. 5 Considerações finais Diante desse estudo é notória a importância do trabalho na vida do sujeito, mas este está submetido ao sistema de capital. Frente às necessidades pessoais básicas e de integração social, o indivíduo se sujeita aos domínios de uma gestão capitalista. Buscando realizar sua atividade diária, caracterizada como trabalho, o trabalhador está exposto, a um regime de dominação e controle. Pois diante da procura incessante pelo capital, ou seja, produzir não o que é necessário, mas o que gera lucro, os trabalhadores são coagidos de alguma forma pela organização. A organização faz com que os trabalhadores se tornem cada vez mais dependentes, proporcionando-os vantagens e deixando-os alienados ao poder de coerção que exercem sob os mesmos. Utilizam ainda sua força produtiva e os adestram de modo que os objetivos organizacionais se tornem seus objetivos e sua liberdade fique vigiada. Neste sentido é possível perceber o domínio capitalista em execução, mas através de ferramentas que não o tornam explicito, pois de alguma maneira o capital consegue camuflálo. Entende-se que as organizações se utilizam mecanismos de controle para efetivarem o “sequestro da subjetividade” dos trabalhadores, visando à manutenção do sistema de capital. Porém, esse controle não se dá sem resistências. 6 Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1997. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação dotrabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. CARMO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992. CROZIER, Michel. El Fenomeno Burocrático: ensayo sobre las tendencias burocráticas de los sistemas de organización modernos y sus relaciones conel sistema social. Buenos Aires: Amorrortu, 1974. FARIA, José Henrique de. Comissões de fábrica: poder e trabalho nas unidades produtivas. Curitiba: Criar, 1987. FARIA, José Henrique de. Economia política do poder: as práticas do controle nas organizações. Volume 3. Curitiba: Juruá, 2004. LIPIETZ, Alain. Audácia: uma alternativa para o século 21. São Paulo: Nobel, 1990. MERTON, Robert K. 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