Pós Graduação Lato Sensu em Instrumentalidade do

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E
CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
THALITA BELLIENY PINTO
Terceiro Setor e Serviço Social: Questões para o debate
O surgimento do “terceiro setor”
Da crise do Socialismo ao Capitalismo Neoliberal
No final da década de 80, a estrutura sociopolítico do “socialismo real” se erodiu,
principalmente com a Queda do Muro de Berlim, em 1989. E por mais que a crise tenha
assombrado o “campo socialista”, cada país tem a sua peculiaridade (histórica,
econômica, social, política e ideo-cultural), onde os componentes erosivos operam de
diferentes formas em cada Estado Nacional específico. (Netto, 1993: 12-14).
A crise no “campo socialista” se deve mais às particularidade dos Estados Nacionais do
que à centralidade política. Mas, mesmo assim, todas as crises possuem um mesmo
elemento: a contestação prioritária do Estado e da sociedade política articulados como a
ordem pós revolucionária, massivamente deslegitimados quer por comportamentos
anômicos, ou quer por movimentos disnômicos.
Durante a transição socialista ocorre uma dupla socialização: a do poder político e
a socialização da economia, onde o primeiro decide o segundo. A crise do “campo
socialista” está associada a esta articulação, onde a limitação da socialização política
travou a socialização econômica .
Os sistemas políticos das sociedades pós-revolucionárias mostravam-se incapazes de
realizar uma transição do padrão de crescimento extensivo para intensivo, dentro das
forças produtivas.
O padrão de crescimento extensivo é compatível com estruturas sócio-políticas
rígidas, mas podem oferecer vantagens se fossem articuladas com estruturas mais
flexíveis, garantindo taxas de acumulação e crescimento significativas (Idem). É por isso
que “nos Estados operários burocratizados não houve recuo absoluto da produção, nem
desemprego massivo” (Mandel apud Netto, 1993: 16). Então, o esgotamento desse
padrão de crescimento extensivo ocorre nos anos 80,
levando a maioria dos países do “campo socialista” à crise, com risco de ruptura das
estruturas sociais (Netto, 1993: 18). Neste momento de ruptura ocorre a passagem para
o padrão de crescimento intensivo. O padrão de crescimento intensivo é incompatível
com o ordenamento econômico estatizado burocraticamente ou com ordenamento
político de baixa participação autônoma da principal força produtiva.
A crise do “campo socialista” caracteriza-se por uma crise no padrão de
crescimento econômico e do sistema político funcional. Pois, coloca em questão as
limitações do desenvolvimento socialista, como resultado do controle social repressivo,
ou seja, não consegue instaurar a liberdade política que passagem para um padrão
intensivo exigia. As alternativas à crise global do “campo socialista” são: (re)instauração
capitalista ou avanço no processo de socialização do poder político e da economia,
rompendo com as limitações. Não é apenas a crise do “socialismo real” que peculiariza a
história contemporânea, mas também a crise do capitalismo democrático, na sua
acabada configuração do Estado de bemestar social (Przeworki apud Netto, 1993: 68).
O Estado burguês, após a 2° Guerra Mundial, adquire um novo perfil, social-democrata,
com fortes iniciativas no campo de políticas sociais.
De fato, o que se efetiva neste modelo é uma proposta política de controle,
redução e reforma dos aspectos mais brutais da ordem burguesa, mas não afetando
suas estruturas (Netto, 1993: 48).
O projeto social-democrata recebeu uma dupla pressão, internacional (existência do
campo socialista) e nacional (movimento operário). Onde os partidos comunistas se
transformaram em partidos nacionais de massa, centralizados no proletariado, e que
contribuíram para importantíssimas conquistas dos trabalhadores e da cidadania. O
fracasso do projeto social-democrata resulta da natureza da sua própria concepção, que
coloca como limites a aceitação das estruturas básicas da ordem capitalista (como por
exemplo: a desigualdade que gera pobreza).
Nos anos 80 e 90, a ordem burguesa vem experimentando uma curva decrescente
na sua eficácia econômico-social, onde reside o núcleo elementar da sua
problematicidade, gerando custos ascendentes a massa trabalhadora e restringindo os
direitos e as conquistas, oferecendo crescentes instabilidades e insegurança (Mandel
apud Netto, 1993: 44). E na medida em que não efetiva a crítica da ordem burguesa, a
reforma desloca o seu caráter para manutenção desta ordem. Mas, para superar, é
preciso de iniciativa política que, mediante novos padrões organizativos, possa mobilizar
e direcionar massas de homens para empreender a construção de uma ordem vigente. E
implementar reformas que abram caminho no sentido da socialização da economia e do
poder político. (Netto, 1993: 53).
A crise do capitalismo democrático implica no fracasso do único ordenamento
sociopolítico que a ordem do capital criou com o intuito de compatibilizar a dinâmica da
acumulação capitalista, com a garantia dos direitos políticos e sociais mínimos. E ambas
as crises (à do socialismo real e à do “Welfare State”) plasmam um quadro da crise
global da sociedade contemporânea.
A crise do “Welfare State” não significa apenas a crise do arranjo sócio-politico
possível no âmbito da ordem do capital, mas também evidenciam uma crítica do nível
que alcançaram os direitos sociais. “A crise do “Welfare State” é a crise do capitalismo
democrático” (Przeworki apud Netto, 1993: 70), pois é a crise estrutural das condições
que viabilizaram o desenvolvimento do capitalismo num marco de democracia política.
1.2 Neoliberalismo: “Nova estratégia do capital” Com a crise do chamado capitalismo
democrático as idéias neoliberais passaram a ganhar força. A explicação dada para a
essa nova crise foram os gastos sociais que aumentavam com a reivindicação do
movimento operário. Então, a resposta dos neoliberais para a crise foi romper com os
sindicatos e controlar os gastos sociais. A estabilidade econômica se tornaria a meta
para qualquer governo (Anderson, 1995: 9-11).
Em 1947, os neoliberais fundaram a sociedade de Mont’ Pelerin composta por
adversários do Estado de bem-estar social europeu e do “New Deal” americano, com
intuito de combater o Keynesianismo e o socialismo, e criar outro tipo de capitalismo,
livres de regras. Eles “argumentavam que a desigualdade era um valor positivo” (Idem:
9).
Em 1979, foi eleito na Inglaterra o governo de Thatcher, que implementou o
neoliberalismo, ficando conhecido como pai do Neoliberalismo. Em 1980, Reagan
implementa o neoliberalismo nos EUA.
A Inglaterra e os EUA encabeçam o capitalismo no modelo Neoliberal. Na
Inglaterra, com Thatcher, a chamada “contra-revolução monetarista” baseado numa
pretensa eliminação do Estado como agente econômico e redução do tamanho e dos
gastos com o “Welfare Stare” (Soares, 2002: 13).
No EUA, com Reagan, foi intitulada de “economia da oferta” baseada na redução
da carga fiscal, contração da oferta monetária, restrição do Estado como agente
regulador do mercado e restabelecimento do dólar como moeda de referência
internacional.
No início, apenas países com governos abertamente de direita (EUA e Inglaterra)
tornaram-se neoliberais. Mais tarde, nos anos 90, até os países cujos, governos eram de
esquerda (França e Espanha) fizeram parte do modelo neoliberal (Anderson, 1995: 14).
O neoliberalismo tinha como prioridade deter a grande inflação dos anos 70 e
transformar a deflação em condições para recuperar os lucros, obtendo êxito nesse
aspecto. E o que ajudou essa transformação foi derrota do movimento sindical,
expressado na queda do número de greves e na contenção dos salários, que também foi
resultado do aumento do desemprego.
Essas medidas foram concebidas como meio de alcançar a reanimação do
capitalismo avançado, restaurando as altas taxas inflacionárias da crise, mas não
obtendo mudanças. Pode-se dizer que o neoliberalismo recuperou os lucros (em relação
ao capital financeiro), mas não foi capaz de recuperar os investimentos (em relação ao
capital produtivo) (Idem: 16), “tendo como conseqüência desequilíbrios
macroeconômicos, financeiros e de produtividade” (Soares, 2002:11).
O intenso processo de internacionalização dos mercados, dos sistemas produtivos
e da tendência à unificação monetária e financeira, levou a perda da autonomia dos
Estados Nacionais, reduzindo o espaço e a eficácia das políticas sociais. Essa crise do
Estado Capitalista fez com que os economistas, ideólogos e políticos lançassem mão do
ideal Liberal, constituindo um movimento monetário neoliberal. Trata-se de uma crise
global de um modelo social de acumulação, onde o próprio capital produz uma
transformação estrutural que origina o neoliberalismo. Os elementos mais importantes da
crise global são: a crise financeira, do comércio internacional e a inflação crônica. O
caráter produtivo da crise é atribuído às mudanças no paradigma tecnológico, que
passam a ser chamadas de “3ª Revolução Industrial”.
Por outro lado, o peso do Estado de bem-estar não diminuiu muito, apesar das
medidas tomadas para conter os gastos sociais. O Estado ainda teve um pequeno
aumento nos gastos sociais, isso ocorreu por causa das altas de desemprego e aumento
demográfico dos aposentados na produção (Anderson, 1995: 16).
Nos anos 90, o capitalismo avançado entrou de novo numa profunda recessão, a
dívida pública reassumiu dimensões alarmantes. Mas, mesmo assim o neoliberalismo
ganha mais espaços.
O neoliberalismo se fortaleceu com a queda do comunismo na Europa Oriental e
na URSS, dando a vitória para o Ocidente na “Guerra Fria”. Os países que foram
socialistas para sanear a economia aceitaram mudanças drásticas, promovendo altos
graus de desigualdade (empobrecimento). Esses países ex-comunistas aproximam-se
dos neoliberais na deflação, na desmontagem dos serviços públicos, nas privatizações,
no crescimento do capital corrupto e na polarização social.
A ofensiva neoliberal também se apóia, numa argumentação teórica que restaura
o mercado como instância mediadora societal, e uma proposição política que repõe o
Estado Mínimo como a única alternativa para a “democracia” (Netto, 1993: 77).
Resumindo, a crise do “Welfare State” forneceu ao neoliberalismo combustível
para colocar em xeque as funções estatais como indutoras de crescimento econômico e
promotor de bem-estar social. A ofensiva neoliberal tinha como proposta a superação do
Estado de bem-estar social.
No plano teórico, o neoliberalismo era visto como a “contra-revolução monetarista”
(Nunes apud Netto, 1993: 78). No plano social e político-institucional, coloca em questão
o conjunto dos “direitos sociais e as funções reguladoras do Estado” (Marshall apud
Netto, 1993: 78). No plano ideo-cultural, contrapõe a cultura democrática e igualitária,
que se caracterizava pela busca da redução da desigualdade entre os indivíduos no
plano econômico e social (Nunes apud Netto, 1993: 78).
O livre mercado se sobrepõe ao Estado. O Estado Mínimo intervém apenas sobre
os indivíduos mais pauperizados que não conseguiram se estabelecer ou manter no
mercado. Então, o Estado entra com a assistência à família através de redistribuição de
renda (Netto, 1993: 79-80).
Esse novo modelo de acumulação tem como característica a informalidade no
trabalho, e desemprego, e subemprego, a desproteção trabalhista e conseqüentemente a
“nova” pobreza.
Entretanto, o ajuste neoliberal não é apenas de natureza econômica, mas também
afeta o campo político-institucional e as relações sociais (Soares, 2002: 13). Nessa nova
estrutura os “pobres” passam a ser uma nova “categoria classificatória”, alvo das
políticas focalizadas de assistência que mantém a condição de “pobre” por uma lógica
coerente com o individualismo, que dá sustentação ideológica a esse modelo de
acumulação. Ou seja, esse novo modelo de acumulação tem como base a redução da
concepção de cidadania, acentuando a separação entre o público-privado e
mercantilizando os direitos, reduzindo-os ao assistencialismo. Esse novo ajuste estrutural
pretende desencadear mudanças através de política liberalizante, privatizantes e de
mercado, com intuito de reduzir o déficit fiscal e os gastos públicos, ampliando a política
monetária para combater a inflação e fazer prevalecer a taxa de juros. Ou seja, tem o
objetivo de proporcionar o livre jogo do mercado, sem a interferência do Estado.
O ideário propositivo das políticas de ajuste nas economias não-industrializadas
passa a discutir o papel do Estado, desenvolvendo a idéia de minimização do Estado.
Outros autores chamam isso de “desajuste global”, pois que gerou um agravamento da
desigualdade social. Outra conseqüência dessa reestruturação foi o “processo de
flexibilização do mercado de trabalho”. Mas, a flexibilização do mercado de trabalho
também foi gerada pela crise fiscal, que teve associada à política de ajuste e á
reestruturação econômica, que provocou o agravamento da distribuição da renda e da
riqueza, gerando a maior concentração de riqueza privada já vista no capitalismo (Idem:
19).
As políticas sociais originadas do Estado de bem estar social, depois do ajuste
estrutural do neoliberalismo, sofreram resistências concretas da própria burocracia do
Estado e por parte também das populações-alvo. Pois o ajuste econômico provocou
corte nos gastos sociais e deterioração dos padrões do serviço público.
Nos países que não tiveram um Estado de bem estar social, as políticas de ajuste
vieram mais pelo aspecto econômico do que pela destruição de aparelhos de política
social. E dependendo do ajuste, os países criaram programas sociais emergenciais,
focalizados e contando com a “solidariedade comunitária”. Mas, mesmo com essas
políticas, a desigualdade social não diminuiu. E os que tiveram Estado de Bem-estar
social sofreram com o ajuste de desmonte das políticas sociais universais, e que agravou
as condições sociais, derivando as propostas de políticas de focalização no “ataque” á
pobreza (Ibidem: 21).
Concluindo, o neoliberalismo é uma doutrina coerente, autoconsciente, militante,
lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição
estrutural e sua extensão internacional. Economicamente, ele fracassou, socialmente ele
conseguiu muitos dos seus objetivos (desigualdade), e política e ideologicamente,
alcançou êxito (Anderson, 1995: 22-23).
“Terceiro Setor” em questão - O significado do termo
A noção hegemônica do Terceiro Setor surge nos EUA, na transição dos anos 70
para os 80, num contexto de associativismo e voluntariado, faz parte de uma cultura
política baseada no individualismo liberal (Montaño 2002: 53).
O Terceiro Setor chega no Brasil por intermédio da Fundação Roberto Marinho.
Caracteriza-se por neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, que isola e
autonomiza a dinâmica das três esferas: Estado, como “primeiro setor”; Mercado, como
“segundo setor”; e a sociedade civil, como “terceiro setor”. Colocando o social como
responsabilidade apenas da sociedade civil, tomando-a de maneira despolitizada,
deseconomizada e desistoricizada. Ou seja, esvaziando-a de seu conteúdo de lutas de
classes.
O termo Terceiro Setor foi criado pretensamente para resolver a dicotomia entre o
público e o privado, onde o público é identificado como Estado e o privado como
Mercado. Mas, se o Estado está em crise e o Mercado tem interesses lucrativos, não
podem dar resposta às demandas sociais. Então, o Terceiro Setor passa a ser
compreendido como a articulação entre ambos os setores, público e privado, seria a
atividade pública desenvolvida pelo setor privado, ou então, seria a superação da
equiparação entre público e o Estado – público não estatal.
O Terceiro Setor está diretamente ligado ao conceito da Filantropia, definem-se
suas organizações como: privadas – fundações empresarias, filantropia empresarial,
empresa cidadã; sem fins lucrativos; autogovernadas – ONG’s, movimentos sociais,
organizações e associações comunitárias, Instituições de caridade e religiosas;
associação voluntária; Atividades pontuais e informais.
Silva (2004: 137), subdivide em três modalidades as organizações privadas que
prestam serviços sociais, são elas: as Organizações Sociais (OS), as Organizações
Filantrópicas, e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ou
Terceiro Setor.
As Organizações Sociais (OS) prestam serviços de ensino, pesquisa,
desenvolvimento tecnológico, preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Nelas
ocorre um contrato de gestão, o qual o poder público repassa para a iniciativa privada
determinados recursos, no que configura um parcial processo de privatização.
As Organizações Filantrópicas corresponde a assistência social beneficente e
gratuita. Nelas há o certificado de entidade filantrópica, feito pelo Conselho Nacional de
Assistente Social.
As OSCIP’s ou Terceiro Setor englobam diferentes tipos de serviços, desde a
assistência social a tecnologias alternativas. No Terceiro Setor, o termo de parceria,
firmado entre órgãos do poder público e organizações privadas, prestam serviços no
âmbito da assistência social. As OSCIP’s através da parceria com o poder público,
prestam serviço previsto na lei, sob os princípios da legalidade, economicidade e
eficiência.
A Lei Federal n.º 9.790/99, fortalece o Terceiro Setor através de orientação
estratégica nacional em virtude da sua capacidade de gerar projetos, assumir
responsabilidades, empreender iniciativas e mobilizar recursos necessários ao
desenvolvimento social (Carvalho, Malan, Ornelas e Calheiros apud Silva, 2004: 146,
147 e 148). Essa lei, “reafirma os princípios do interesse social da não-lucratividade, da
gratuidade, da universidade do atendimento, da filantropia e do voluntariado” (Silva,
2004: 148).
A legislação aplicada às entidades filantrópicas é mais restritiva, mas oferece
vários benefícios, como: isenção da cota patronal do imposto sobre Serviços – ISS e da
contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. Nas OSCIP’s foram
pleiteada novos incentivos fiscais, como: dedução do imposto de renda para pessoa
física e o aumento dos limites de dedução para pessoas jurídicas, de 2% passou a 5%
do lucro operacional das empresas (Zygband apud Silva, 2004: 148).
O Terceiro Setor está inserido no processo de reforma Neoliberal do Estado e das
relações capital/trabalho, em respostas ás seqüelas da questão social. A criação do
Terceiro Setor correspondeu mudanças, como à perda de direitos cidadania por serviços
e políticas sociais, universais e de qualidade, e à sua precarização e focalização, à
remercantilização e refilantropização da “questão social”, afetam profundamente tanto os
setores mais carentes quanto o conjunto dos trabalhadores (Montaño, 2002: 15).
O Terceiro Setor presta um grande serviço ao capital e à ofensiva neoliberal, na
luta pela hegemonia na sociedade civil, no processo de reestruturação do capital, e o
afastamento do Estado nas suas responsabilidades de respostas às seqüelas da
“questão social”. Um grande problema é o enfraquecimento das reivindicações e das
lutas de classe, onde o indivíduo não se vê como classe, ainda que reconhece sua
situação pauperizada. Então, ao priorizar as ações da sociedade civil, anula o processo
democratizador, ou seja, no lugar da contradição capital/trabalho, tem a parceria entre
classes de interesse comuns; no lugar da superação da ordem tem a confirmação e
humanização da mesma.
No projeto neoliberal, a política social deixa de ser responsabilidade do Estado e
passa a ser responsabilidade dos próprios sujeitos portadores de necessidade e da ação
filantrópica, solidária-voluntaria, de organizações e indivíduos. A relativa
desresponsabilização estatal das respostas às seqüelas da “questão social” seria
compensada pela ampliação de sistemas privados, mercantis e filantrópicos-voluntários.
Retirando assim a responsabilidade do Estado na intervenção da “questão social” e
transferindo-a para o Terceiro Setor. Nesta transferência é que se opera uma
mistificação político e ideológico, que retira a idéia de direito, criando uma cultura de
auto-culpabilização do indivíduo de promoção da auto-ajuda.
A crise fiscal e a ineficiência do Estado tem sido acompanhado do crescimento da
intervenção da sociedade civil, ocorrendo um processo de passagem da intervenção
estatal para a intervenção comunitária. Essa redução da intervenção estatal nas
seqüelas da “questão social” tem sido compensada pelo crescimento do Terceiro Setor.
“No debate sobre o Terceiro Setor participa uma ampla gama de autores com
perspectivas diversas, desde empresários, acadêmicos, membros de organizações
populares, políticos, representantes do capital e do trabalho, de concepções
conservadoras e regressivas e de perspectiva progressista, de ideologia neoliberal e
trabalhistas, de direita e de esquerda” (Montaño, 2002:59).
Alguns autores do Terceiro Setor trazem diferentes temas como se fosse
novidade, como: “associativismo”, “questão social”, “sociedade sem emprego” ou de
“tempo livre”, “contradições supra-classistas”, “solidariedade”, “consciência social do
empresariado”. Não se trata de uma “nova questão social”, mas sim de novas formas de
manifestação da velha contradição de classe; a sociedade “sem emprego” representa a
substituição da força de trabalho por tecnologia perpassada pela contradição entre
capital/trabalho. Decorre daí uma pretensa “nova solidariedade”, como forma de “ajuda
ao outro”, assim como surge uma também pretensa “responsabilidade empresarial”.
Desenvolvimento Histórico do Terceiro Setor
Um grande erro dos autores do Terceiro Setor é não diferenciar Estado do
governo, onde as políticas realizadas por um determinado governo são vistas como
mudança do Estado. Essa confusão acerca de políticas não estatais e o seu caráter nãogovernamental é questionada, por seguir a lógica da política de governo. O Terceiro
Setor realiza parcerias com o Estado, mas segue tendências de uma política
governamental (Petras apud Montaño, 2002: 137).
Na década de 70 e 80, os movimentos sociais desenvolveram atividades contra o
Estado. As Organizações Não-Governamentais (ONG’s) surgiram nesse contexto,
vinculadas aos movimentos sociais procuravam melhor participação, articulação,
reivindicação e lutas. Com o fracasso de muitos desses movimentos sociais grande parte
das lideranças foram trabalhar em ONG’s. As entidades articuladas ao Terceiro Setor
passam a desenvolver uma prática nãopolítica, mas harmônica, integradora, de
parcerias, visando o bem comum e não os interesses de classe. Tem-se como
conseqüência a despolitização das organizações populares, onde parte dos movimentos
sociais passa a não se articular aos sindicatos e aos partidos políticos. Ocorre, uma
tendência de substituição dos movimentos sociais pelas ONG’s, através de parcerias,
articulando com o capital e o Estado. Com isso tais movimentos perdem a identidade das
lutas de classes, que questionavam a ordem do capital, a contradição entre o capital e o
trabalho (Montaño, 2002: 149).
Para os autores do Terceiro Setor, a solidariedade e o associativismo contrapõem
o paternalismo do Estado de Bem-Estar Social. O neoliberalismo defende a
argumentação da minimização do Estado, das privatizações, do voluntariado, do
esvaziamento de recursos das políticas sociais.
O Terceiro Setor coloca-se como diferente do Estado e da empresa privada, por
não ter fins lucrativos, mas isso está equivocado, pois o Estado também não tem fins
lucrativos. A diferença entre eles está na condição de governamental ou não. E em
contrapartida, as instituições filantrópicas das empresas privadas, incluídas no Terceiro
Setor, visam direta ou até indiretamente a lucros. Na perspectiva do Terceiro Setor a
sociedade civil seria composta de organizações de ajuda e político-econômico. Nessa
ótica, o desenvolvimento democrático aparece através de negociações e parcerias, e não
através das lutas de classe. A diminuição das respostas do Estado para as demandas da
“questão social” estimula o crescimento da solidariedade e do voluntariado. O termo
solidariedade aparece como característica central do Terceiro Setor, gerando sentimento
de responsabilidade dos cidadãos em ajudar, primeiro os vizinhos, depois a comunidade.
A passagem da responsabilidade estatal para a sociedade civil gera a perda da
concepção de direito, principalmente, por parte dos próprios necessitados das políticas
sociais. (Idem: 166). O Terceiro Setor através das políticas sociais fragmenta o
tratamento da “questão social”. Isso ocorre porque as organizações do Terceiro Setor
atuam em pequenas áreas de abrangências, não podendo compensar em qualidade,
quantidade, variedade e abrangência as políticas sociais abandonadas pelo Estado
(Bresser Pereira apud Montaño, 2002: 169).
O Terceiro Setor aparece como uma denominação equivocada encoberta pelas
organizações da sociedade civil, substituindo parte das organizações do Estado ou do
mercado frente as respostas às demandas sociais (Montaño, 2002: 184).
O Terceiro Setor é um fenômeno representado pela alteração de um padrão de
resposta à “questão social”, através da desresponsabilização do Estado, a desoneração
do capital e a autoajuda da Sociedade civil. Tendo como conseqüência a fragmentação
do combate a “questão social”, passando a enfrenta-la isoladamente.
O neoliberalismo tem objetivo de reduzir ou eliminar a intervenção do Estado e a
reconstrução do mercado, dando ênfase à “lógica da Sociedade civil” e do “mercado”
para a área social. Nessa lógica, a desregulamentação, a flexibilização das relações
trabalhistas e a reestruturação produtiva reforçam a reforma do Estado, com a
desresponsabilização da intervenção social.
A reestruturação estatal caracteriza-se por algumas alterações, como:
Privatização das políticas sociais que interessam a iniciativa privada e transferência das
atividades sociais ou funções assistenciais para o Terceiro Setor; Focalização das
políticas sociais estatais nos indivíduos, mas necessitados, perdendo a concepção de
direito universal; Descentralização administrativa, financeira e executiva, e não política,
caracterizada pela Municipalização e transferência par organizações locais do Terceiro
Setor.
O Terceiro Setor não tem condições de autofinanciamento e dependem da
transferência dos fundos públicos, através de parcerias entre o Estado e a sociedade
civil. Havendo assim uma real redução dos gastos sociais. As parcerias também têm
uma perspectiva ideológica, como esvaziamento dos direitos e serviços sociais.
A atividade de captação de recursos pode levar a perda de uma suposta
“identidade” do Terceiro Setor, descaracterizando a “missão” da organização, levando ao
aumento do número de ONG’s, com o intuito de obter dinheiro internacional, por causa
da escassez de emprego (Petras apud Montaño, 2002: 208). A “missão” da organização
é caracterizada de acordo com o perfil, interesses e exigências do doador. Isso se
denomina como “fetiche da doação”.
Em 2002, foi criada a Associação Brasileira de Captadores de Recursos – ABCR
para atividade de “fundraising”. Os recursos são providos de doação, não mais de
grandes entidades, mas de muitos pequenos e médios contribuidores (Durcker apud
Montaño, 2002: 207-208).
O Terceiro Setor tem a captação de recurso como atividade central, no que
comprova a sua dependência aos recursos externos, como: Simpatizantes, filiados à
organização e público em geral – as doações podem ser financeira, material e humanos
(trabalho voluntário); Empresas “doadoras” ou fundações de filantropia empresarial –
empresa cidadã; Atividades comerciais e vendas de serviços; Instituições estrangeiras –
ONU, Banco Mundial e outros, desembolsando recursos através de parcerias e da
isenção de impostos (Bailey apud Montaño, 2002: 211-214).
O numero de ONG’s e de organizações sociais vem crescendo, não apenas por
causa das parcerias com o Estado, mas também do interesse dessas de captarem
recursos dos doadores internacionais e de gerarem (auto)emprego (Montaño, 2002:
224).
Os principais motivos do crescimento do Terceiro Setor são: “o crescimento das
necessidades socioeconômicas; da crise do setor público; do fracasso das políticas
sociais tradicionais; do crescimento dos Serviços Voluntários; do colapso do socialismo;
da degradação ambiental; da crescente onda de violência; do incremento das
organizações religiosas; da maior disponibilidade de recursos a serem aplicados em
ações sociais; da maior adesão das classes alta e média a iniciativas sociais; maior
apoio da mídia; da maior participação das empresas que buscam a cidadania
empresarial” (Melo Neto & Froes apud Silva, 2004: 148 e 149).
O capitalismo monopolista transforma as relações sociais, instituições, indivíduos,
valores em instrumentos de acumulação do capital e reprodução das relações sociais.
“Instrumentaliza todas as esferas da vida social para o seu primordial fim: a acumulação
ampliada de capital”. O projeto neoliberal re-instrumentaliza o Estado e as relações de
trabalho, tornando a sociedade civil um espaço harmônico, anulando assim as lutas de
classe (Montaño, 2002: 231).
A estratégia também instrumentaliza o Terceiro Setor, com valores altruístas de
solidariedade e voluntarismo. Onde o Terceiro Setor transforma a sociedade civil em
instrumento do projeto neoliberal. Fazendo com que a sociedade civil reproduza a
ideologia neoliberal, ficando acomodados frente à precarização e eliminação da
responsabilidade do Estado. O Terceiro Setor tem a função de minimizar os impactos da
oposição às reformas neoliberais.
A relação entre Estado e sociedade é instrumentalizada através da parceria do
Estado com o Terceiro Setor, buscando romper com as lutas sociais compostas na
sociedade, “docilizando” o conflito social. Consequentemente, nessa ótica, a sociedade
civil basearia-se na auto-ajuda e na ajuda mútua, criando uma nova ideologia do
“possibilismo”.
O Projeto Ético-Político do Serviço Social na Contemporaneidade
Projeto Ético-Político do Serviço Social: questões conceituais
O projeto ético-político envolve um conjunto de valores e concepções éticopolíticas, pelos quais se expressa à categoria dos assistentes sociais, e que se tornam
hegemônico na profissão, como veremos adiante (Braz, 2004: 56 e 57).
Segundo Netto (apud Guerra, 2007: 10), o projeto profissional formula um conjunto
de referências, técnicas, éticas e políticas para o exercício profissional. Ou seja, o projeto
profissional constitui-se como um guia para a ação, estabelecendo finalidades e
resultados ideais para o exercício profissional e as formas de concretizá-lo. Fazem
necessária uma problematização crítica sobre as perspectivas teóricas, metodológicas,
éticas, políticas e operativas existentes na profissão (Guerra, 2007: 23).
O projeto profissional requisita o conhecimento da realidade, o conhecimento dos
meios e modos de sua utilização, o conhecimento da prática acumulada em forma de
teoria, contribuindo para o estabelecimento das finalidades que pretende atingir.
Netto (apud Iamamoto, 1998: 141) coloca que a consolidação do projeto éticopolítico profissional requer remar na contra-corrente, alinhando forças que impulsionem
mudanças na vida em sociedade. O Serviço Social reconhece a liberdade como valor
ético central, que implica desenvolver o trabalho profissional para reconhecer a
autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais, reforçando princípios
e práticas democráticas.
O período de construção do projeto profissional foi fruto de lutas e conquistas no
plano teórico-metodológico, acadêmico-pedagógico, político e de intervenção sócioprofissional.
Considerado-o, como um ponto de partida para a compreensão dos desafios do
Projeto Ético Político Profissional como processo de ruptura com o conservadorismo
(Abramides apud Netto, 2007: 35).
O projeto profissional e as contradições nele contidas, são fruto de determinações
econômicas, sócio-históricas, políticas e culturas, que expressam-se na correlação de
forças entre as classes sociais e os projetos societários, na sociedade de ordem
burguesa (Abramides,2007: 36).
Para Guerra (2007: 24), o projeto ético-político é um produto da luta e da
correlação de forças de sujeitos coletivos que representam tanto interesses particulares
quanto universais. O projeto profissional é um elemento de unidade entre a teoria e a
prática, diferenciando-se as ações profissionais das voluntárias, necessária para que
uma atividade se converta em práxis.
Os projetos profissionais críticos apresentam uma auto-imagem da profissão,
elegem valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam objetivos e funções,
formulam requisitos para o comportamento dos profissionais e estabelecem limites entre
a relação com os usuários, com outras profissões e com instituições sociais privadas ou
públicas (Guerra apud Netto, 2007: 15).
O projeto ético político profissional do Serviço Social ganha sustentabilidade
através de um conjunto de leis e de regulamentações, como: o novo Código de Ética
Profissional em 1993; a nova Lei de regulamentação da Profissão em 1993; as Diretrizes
Curriculares dos cursos de Serviço Social em 1996; as legislações sociais que
referenciam o exercício profissional e vinculam-se a garantia de direitos, como: Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Orgânica da Saúde (LOAS) (Abramides,
2007: 37).
O projeto profissional do Serviço Social está vinculado a um projeto de
transformação da ordem social, através da ruptura da ordem social vigente (CRESS
apud Braz, 2004: 57). O projeto de profissão como processo de ruptura com o
conservadorismo apresenta sua referência sócio-histórica, ideopolítica e cultural do
avanço das lutas sociais – a categoria profissional organizou-se no interior do
sindicalismo classista, autônomo e independente (Abramides, 2007: 39).
A prática do Serviço Social no Terceiro Setor
Esse capítulo tem como objetivo realizar um debate crítico do Terceiro Setor como
espaço ocupacional do Serviço Social, focando a inserção do assistente social, sua
inserção nesta esfera do mercado de trabalho, sua forma de contratação e a sua própria
atuação profissional. Para isso utilizei como referencia bibliográfica, os autores: Carlos
Montaño, Gerardo Sarachu, Renato Andrade e Vera Núbia Santos.
O último quarto do século XX foi um período marcante para o Serviço Social
brasileiro, pois ocorreram alterações no Código de Ética Profissional (em 1975,1986 e
1993)5; o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – Congresso da Virada (1979); a
nova lei de Regulamentação da Profissão (1993); amadurecimento do processo de
formação profissional com a criação do Currículo Mínimo (1982); o aumento do número
de profissionais inseridos no mercado de trabalho (Santos, 2007: 125).
Esse período foi marcado pelo empobrecimento acentuado da população e a
ampliação da violência e do desemprego decorrentes das mudanças no padrão de
produção; viu-se também a privatização das empresas públicas e corte dos gastos
públicos, em nome do pagamento da dívida interna e externa; que marcam a regulação
do mercado sobre o Estado. As políticas sociais, embora fortalecidas pela Constituição
Federal de 1988, sofrem retrocesso no que concerne à responsabilidade do Estado,
minimizando suas ações, passando a gestão das políticas sociais estatais a
organizações que atendam ao modelo de mercado.
As políticas sociais são à base de sustentação funcional-ocupacional do Serviço
Social, caracterizando sua funcionalidade e sua legitimidade. Mas, as alterações
ocorridas no atual contexto socioeconômico e político, afetam a profissão, sofrendo
transformações na demanda, no campo de atuação, na intervenção e no vínculo
empregatício (Montaño, 2002: 244).
Na interpretação da política social como instrumento da ação profissional, as
reformas neoliberais do Estado, principalmente em relação às políticas sociais, são vistas
como problemas no espaço profissional, nas suas funções, havendo um deslocamento
da função de prestação de serviços para atividade político-educativo, e também uma
separação da base material e da função sócio-educativo, gerando uma crise na
legitimidade da profissão (Serra apud Montaño, 2002: 246).
Na primeira perspectiva, a qual, a política social é vista como instrumento de
intervenção profissional, a realidade leva a um enfrentamento do projeto neoliberal. Na
segunda, o assistente social como agente de implementação da política social, o Serviço
Social aceita como mudança do Estado e busca novos espaços de intervenção
profissional, havendo uma “passagem” do Serviço Social estatal para o Terceiro Setor
(Montaño, 2002: 247).
Ou seja, a retração das ações do Estado no âmbito das políticas sociais culmina
numa redução do Serviço Social no âmbito estatal, no que leva a novas determinações
do mundo do trabalho, que dentre outras manifestações, aponta a possibilidade de
inserção em novos espaços ocupacionais, como é o caso do Terceiro Setor (Santos,
2007: 128).
Paralelamente, a tendencial substituição da prática do assistente social para a
filantropia, ocorre a desprofissionalização do atendimento social (Rosanvallon apud
Montaño, 2002: 248).
Havendo com isso uma diminuição nas despesas estatais, gerando precarização
das condições de trabalho do assistente social e a sua terceirização e substituição por
profissionais menos qualificados, com salários inferiores.
Montaño (apud Andrade, 2006: 111) coloca que na verdade não ocorre uma
passagem de “práticas profissionais” dos assistentes sociais para “práticas filantrópicas”,
discordando de Rosanvallon. O que ocorre é uma perda do espaço profissionalocupacional dos assistentes sociais, que deixa lugar para o aumento das práticas
filantrópicas e voluntárias. Ainda que o Terceiro Setor não represente um significativo
mercado de trabalho para o Serviço Social (Netto apud Montaño, 2002: 249), os
profissionais têm sido levados a atuar nas ONG’s como espaço profissional efetivamente
existente (Netto apud Andrade, 2006: 111).
A “descentralização administrativa” (via municipalização) das políticas sociais
trouxe impactos para o mercado de trabalho do assistente social. “No âmbito federal e
estadual a principal forma de contrato do Assistente social é estatutária, no âmbito
municipal o vínculo estatutário diminui e cresce a multiplicidade de contratos,
aumentando a precarização do vínculo contratual” – tercerização do assistente social.
(Serra apud Montaño, 2002: 250).
Havendo maior contratação no âmbito municipal, e conseqüentemente ausência
de concurso público no âmbito federal e estadual (Silva apud Montaño, 2002: 250 e 251).
Essa redução no número de assistentes sociais que atuam nos níveis Federal e
Estadual, e conseqüentemente, esse aumento do nível no âmbito Municipal, leva ao
distanciamento do assistente social nos processos decisórios (Andrade, 2006: 109).
Dentro deste universo de descentralização administrativa, parte dos profissionais
tende a assumir posturas mais dispersas e despolitizadas. Tendo dificuldade de perceber
que por trás da relação contratual há uma relação ideológico-política. Como
conseqüência, o Serviço Social se
distancia dos núcleos decisórios da Política Social, passando a atuar nos momentos de
implementação das políticas sociais, que é um momento precário e instável. A atuação
profissional vem passando por um redimensionamento, visto o remodelamento dado às
políticas sociais no âmbito do Estado neoliberal.
A precarização das políticas sociais influencia no trabalho nelas realizado, na
qualidade e quantidade dos serviços prestados e no salário dos assistentes sociais. Pois,
os padrões dos salários nos órgãos do governo federal são mais altos do que os salários
dos padrões das empresas privadas, mas, este espaço vem cada vez mais diminuindo
os cargos de Serviço Social.
A privatização (“publicização”) e transferência das políticas sociais para o Terceiro
Setor trouxeram rebatimentos no espaço do mercado de trabalho do assistente social. O
Terceiro Setor tem uma importante presença de multiplicidade de contratos, gerando
maior instabilidade dos assistentes sociais. Por um lado, o Terceiro Setor mostra um
aumento de novas contratações, mas também mostra um grande número de demissões,
havendo um movimento de rotatividade Essas contratações são terceirizadas, levando à
precarização e instabilidade do profissional de Serviço Social. Os baixos salários
acarretam na procura de pluriemprego, explícita na flexibilização do trabalho do
assistente social (Serra apud Montaño, 2002: 254).
O aumento de contrato de assistentes sociais pelas ONG’s ocorre como
conseqüência da redução das políticas públicas estatais e na ampliação das demandas
no âmbito das ONG’s (Andrade, 2006: 112 e 113).
Serra (apud Andrade, 2006: 115) coloca que a transferência da responsabilidade
do Estado para o Terceiro Setor não implica na transferência do mesmo volume de
recursos gastos, nem na ampliação do número de postos de trabalho.
Serra (2006: 117) afirma que as ONG’s não são postos de trabalho para o Serviço
Social, pois muitas delas não possuem assistente social. E muitas outras se utilizam de
serviço subcontratado, terceirizado e precarizado.
Na pesquisa realizada por Andrade (2006: 118 e 120), na região metropolitana de
Vitória, mostra que aproximadamente 76% dos assistentes sociais trabalham no espaço
público, 15,2% trabalham em empresas privadas, 5,3% trabalham em ONG’s e 3,5% em
outros. Desses profissionais que trabalham em ONG’s, 79,4% tem carteira assinada via
CLT, 5,9% com contrato por tempo indeterminado e 14,7% de voluntários.
Os voluntários têm uma carga horária muito alta, que pode inviabilizar a
contratação de um profissional, pois as ONG’s não sentem necessidade de criar um tipo
de vínculo empregatício. A ação voluntária como resposta à “questão social” tende a
substituir os espaços de trabalho do Serviço Social, levando a uma tendência de redução
da contratação de assistentes sociais. Faz-se necessária a criação de espaços de
participação onde os profissionais possam a partir de vínculos institucionais, construir
identidade com o compromisso de transformação social.
Para Vianna (apud Silva, 2004: 167), o trabalho voluntário insinua a construção de
uma “Welfare Society”, não substutiva do “Welfare State” e sim complementar a ele.
Essa proposta não requer o encolhimento do Estado, mas coloca como nova modalidade
da relação Estado/Sociedade, na qual o Estado assume função normatizadoras e a
sociedade organizada realiza parte de sua função de intervenção nas seqüelas da
“questão social”.
Através da pesquisa, Andrade percebeu que o número de contratações de
assistentes sociais em ONG’s aumentou a partir da década de 1990. Das 16 ONG’s
pesquisadas, contrataram apenas 3 assistentes sociais na década de 80, e na década de
90 foram 8 contratadas e 5 voluntárias. Esse aumento é marcado pelo inicio das ações
dos governos neoliberais no Brasil, o que confirma as mudanças regressivas do Estado
em relação às intervenções sociais (Andrade, 2006: 124).
O aumento dos assistentes sociais no Terceiro Setor está associado com a
redução do mesmo no âmbito do Estado. O assistente social passa a ser contratado para
profissionalizar a filantropia, como se esse fosse um compromisso ético-político com a
população.
O Terceiro Setor mostra-se funcional para o projeto neoliberal, pois a sua função
ideológica encobre o real fenômeno da “questão social”, despolitiza e homogeniza os
atores sociais, desarticulando a luta em setores, priorizando a sociedade civil,
menosprezando as lutas sociais (Montaño, 2002: 268).
É de interesse do projeto neoliberal de tomar a sociedade civil como um espaço
alienado, reificado, preocupando-se e ocupando-se com atividades ligadas a auto-ajuda
e ajuda mútua, ao invés de lutas e movimentos sociais.
A auto-responsabilização dos sujeitos portadores de carências pelas respostas as
suas necessidades é formada pela desresponsabilidade estatal, que transforma a função
social para cotidianidade individual dos sujeitos na esfera da sociedade civil.
O Terceiro Setor se aproxima das ações do Estado, porém como doação e não
como direito. Esse não tem o dever de garantir a qualidade, quantidade e/ou freqüência
das ações voltadas às manifestações da “questão social”. A pessoa que é ajudada deixa
de ser visto como um cidadão de direito e passa a ser visto como um despossuído
(Andrade, 2006: 108 e109).
A expressão “lutas da sociedade civil” tem uma perspectiva compreendê-la como
um todo articulado, organizado e homogêneo. O problema aparece quando isso remete
pensar a esfera social não como espaço de lutas, isolando-a e autonomizando-a da
totalidade social, transforma em harmonia. Mas, na verdade a sociedade civil não é
homogênea, e não pode ser vista como um sujeito emancipador. As lutas não são vistas
como internas à sociedade civil, mas como enfrentamento a ela. Nessa perspectiva, o
Terceiro Setor aparece como sociedade civil, que luta contra ou em parceria com o
Estado (Montaño, 2002: 274, 275 e 276).
O assistente social que trabalha no Terceiro Setor está mais preocupado com a
elaboração e articulação de “parcerias” para manter os trabalhos das ONG’s, do que com
o seu próprio trabalho. As competições entre as ONG’s, para conseguir recursos é muito
grande deixando de lado a luta pelos direitos da população usuária (Andrade, 2006:
130).
A lógica de mobilização contida no debate do Terceiro Setor é gerencial, sendo
fundamental à manutenção da ordem, eliminando com a concepção de classes
antagônicas. Ela reproduz a concepção de política social e serviços sociais e
assistenciais como resultado da concessão do Estado, e sustenta a idéia de
solidariedade individual, auto-ajuda e ajuda mútua. É resultado da intervenção estatal
descentralizada, privatizada e terceirizada, transferindo para a comunidade a
responsabilidade da gestão social (Montaño, 2002: 277 e 278). Dessa forma, as relações
sociais deixam de serem consideradas através dos conflitos de classes existentes na
sociedade capitalista, e passam a serem vistas sobre o argumento da solidariedade de
classes no combate às manifestações da “questão social” (Santos, 2007: 134).
Sarachu (apud Santos, 2007: 136) crítica a forma que os defensores do Terceiro
Setor simplificam o debate entre Estado/sociedade. E coloca a necessidade do Serviço
Social estar atento às relações sociais na sociedade capitalista, não podendo ser
reduzida na relação de indivíduos, levando em consideração as relações políticas e
econômicas.
Na luta contra o projeto Neoliberal, de superação da ordem capitalista é
fundamental que a sociedade civil, seja vista como espaço de luta de classes. Assim, o
Terceiro Setor presta um grande serviço ao neoliberalismo, na luta por uma sociedade
civil homogênea (Montaño, 2002: 277 e 280).
Cabe ao Serviço Social uma ação profissional amparada em reflexões da relação
entre a dimensão do público e do privado, como também dos conflitos de classes na
sociedade capitalista e no compromisso histórico da profissão no Brasil (Santos, 2007:
130).
Sarachu (apud Santos, 2007: 128) coloca algumas questões que não estão
presentes no debate trazido pelo Serviço Social. Uma das questões refere-se à
necessidade de transcender o nominalismo. Ou seja, o profissional de Serviço Social, na
sua condição de profissão mediadora, tem o dever de refletir sobre as transformações
ocorridas na sociedade civil, compreendendo a ampliação do conceito de Estado e de
Sociedade Civil (Santos, 2007: 128 e 129).
“O Serviço Social no Brasil opta por um projeto político que, para além de dar
contornos à defesa de uma sociedade justa, igualitária e democrática, pressupõe uma
prática cotidiana perpassada pelo cuidado em apreender as mudanças na sociedade e
suas interferências nas determinações colocadas à profissão” (Idem: 131).
Aprender a realidade contribuindo para a definição das ações do Serviço Social
nas respostas às demandas postas pela própria realidade. Apreensão da realidade como
atitude política, visando a não acomodação perante os desafios e a não rotinização do
trabalho, tendo uma posição profissional centralizada na posição ético-política na defesa
dos direitos sociais e na não manutenção da desigualdade social (Andrade, 2006:153).
“Do profissional do Serviço Social espera-se uma ação que privilegie o acesso aos
direitos e a justiça social”. Considerando o papel do Terceiro Setor como de suporte à
minimização das políticas sociais por parte do Estado, por meio de parcerias entre
Estado e Sociedade. No âmbito do Terceiro Setor, o Serviço Social tem o desafio de
superar as mudanças impostas no padrão societário vigente, em defesa de um novo
projeto societário (Santos, 2007:141).
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