O discurso mórbido na vida e nas obras de Nietzsche

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O discurso mórbido na vida e nas
obras de Nietzsche
Kamelia Zhabilova
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Resumo: O primeiro impulso da criação deste texto foi provocado pela dúvida nas concepções existentes na literatura investigadora no que diz respeito ao papel da doença na
vida e nas obras de Nietzsche. As dúvidas nasceram do fato de que o mórbido foi tematizado superficialmente, sem uma profunda meditação sobre sua importância. Sobre tal
morbidez e sua utilização, nesses termos, não há nenhuma produtividade heurística. Para
evitar semelhantes “leituras”, o texto presente se colocou como objeto de pesquisa e como
problema – o foco complexo de “utilizações” do mórbido nele programado.
Palavras-chave: Mórbido. Doença. Saúde.
Doutora em Filosofia pela Academia das Ciências da Bulgária. Mestrado em Filosofia e Cultorologia
pela Universidade de Sofia. Atualmente trabalha no Instituto de Filosofia da Academia das Ciências da
Bulgária.
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Sem dúvida alguma, o mórbido e seus ecos nas obras de Nietzsche
são solos férteis e pontos de partida de uma análise, tanto sobre o seu drama pessoal, como também em relação aos campos textuais em quais ele se
insere. Em geral, podemos notar que o tema da doença e seu papel “na vida
e nas obras” de Nietzsche transformaram-se em um lema obrigatório entre
os seus pesquisadores2. Muitos deles são seduzidos a lançar mãos a essa
doença misteriosa para então rejeitar, de modo a priori, suas ideias ou para
explicar as peculiaridades do seu estilo e as contradições em sua filosofia.
Na maioria das investigações medicinais sobre a doença de Nietzsche, deparamo-nos com diferentes diagnoses (de forma latente de paranóia, de paralisia geral e sífilis congênita, até predisposição à esquizofrenia
e homossexualismo latente). Todavia, do ponto de vista filosófico, eles não
mudam em nada a leitura da mensagem nietzschiana. A opinião de Thomas Mann, no que diz respeito ao papel da doença nas interpretações das
obras nietzschianas, talvez seja de maior relevância:
Muitas vezes é dito e eu reitero isso novamente, que – a doença é
algo puramente formal, tudo depende do fato com que se liga essa
forma, o que a preenche. Importa, nesse caso, quem está doente: um
bobo qualquer, no qual caso a doença está privada de qualquer aspecto espiritual e cultivante ou é um Nietzsche, um Dostoievski. O fator
patológico é apenas um lado da moeda, o seu, por assim dizer, lado
naturalista [...]. (MAN, 1993, p. 278).
Na realidade, uma releitura de obras através do mórbido é preciosa e fértil como resultado, somente quando se estende na direção de um
pensamento mais amplo sobre o papel da doença no processo criador e
a sua transformação em texto. Desse foco investigativo, um interesse especial representa a reflexão do próprio Nietzsche sobre a sua experiência
Aqui ressaltaremos apenas algumas das mais importantes obras dedicadas à doença de Nietzsche: HMELEVSKII, И. К. O elemento patológico na personalidade e nas obras de Friedrich Nietzsche. Кiev, 1904.
MOBIUS, P. C. Über das pathalogische bei Nietzsche. Wiesbaden, 1902. BENDA, J. Nietzsche’s Krankheit.
Berlin, 1925. HILDEBRAND, M. Gesundheit und Krankheit in Nietzsche’s Leben und Werke. Leipzig, 1920.
PODACH, E. F. The Madness of Nietzsche. London, 1931.
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dramática referente à doença e à loucura, experiência em que se sucedem
dolorosas crises de inspiração e experiências expressivas, instantes de pressentimentos e delírios, mas também instantes de absoluta concentração
e sobriedade que se apagam, ao fim, com absoluto silêncio. Utilizaremos
apenas uma passagem bastante demonstrativa para tal fim:
[...] no que diz respeito a minha longa doença não lhe devo a ela imensuravelmente a mais, do que a minha saúde? [...] Apenas a grande dor,
aquela longa, lenta dor na qual queimamos feito madeira úmida em
fogo brando, nos obriga, nós os filósofos, a cair nas profundezas das
nossas almas e de nos libertarmos de toda confiança, de toda bondade, de toda piedade, de toda mediocridade, na qual, provavelmente,
antes, teríamos depositado a idéia de humanidade. Duvido se uma tal
dor nos faz melhores, mas sei que nos torna profundos [...]. (NIETZSCHE, 1990, p. 361).
Algo mais – a loucura como signo de participação divina e jubilo artístico – está constantemente presente nas obras de Nietzsche. Faremos citação de algumas passagens que perfeitamente trazem à luz essa relação:
Ó, deuses, me dêem loucura! Loucura, para acreditar em mim! Dêem-Me um delírio e convulsões, luzes e escuridão, intimidem-me
com frio e calor que nenhum mortal jamais experimentou, com relâmpago e trovão, com sombras vagantes... Mostrem-me que eu lhes
pertenço. Somente a loucura pode me provar [...]. (NIETZSCHE,
1997, p. 36).
Mas, apesar das estratégias estéticas e valorativas que Nietzsche empreende para a exegese da doença e da dor, transformando-as em valores
super-positivos, a sua relação com o mórbido não é unilateral. A sua relação com os doentes e os fracos mais claramente se nota no capítulo “viagens de um extemporâneo”, do livro “Crepúsculo dos ídolos”, no aforismo
“moral ao médico”:
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O doente é um parasita para a sociedade. Continuar a sua vida em
certas condições é indigno [...] o interesse superior da vida ascendente consiste na erradicação das aberrações – isso diz respeito ao direito de ser nascido, de gerar e cuidar, do direito de viver [...]. Morrer
digno, caso não seja capaz de viver digno. A liberdade de escolher a
morte, na hora certa, aceitá-la com alegria e deleite [...] não temos a
possibilidade de evitar o nosso nascimento, porém, podemos corrigir
o erro (NIETZSCHE, 1992, p. 113-114).
E aqui faremos um desvio. Para podemos compreender essas, na primeira vista, polêmicas e contraditórias palavras referentes à relação saúde
– doença (noções estas que serão substituídas nos textos da maturidade
pela dualidade fraco-forte), o pesquisador deve responder a seguinte questão: em que sentido a doença está presente na vida e nas obras de Nietzsche? Para decifrar os segredos, a dor e a paixão do seu pensamento, que de
perto reconhece o terror arrepiante e com passos silenciosos vai para além
do comum e do permitido, ele (o pesquisador) deve levar em consideração a retrospecção e a autoavaliação do próprio Nietzsche, presentes nos
segundos prefácios das obras de juventude e, sobretudo, a sua confissão
em Ecce Homo. Justamente tais textos revelam os enigmas da sua filosofia
e deles ele retira as suas máscaras preferidas. Esses textos constituem uma
espécie de “fio de Ariadne”, que nos leva ao labirinto nietzschiano e nos
revela o papel da doença em sua vida e obras. Desses textos fica claro que
a doença, para Nietzsche, jamais teve estímulo de criação ou fonte de inspiração. Pelo contrário, da vontade de saúde ele inspira sua filosofia e a sua
“psicologia heróica”.
Uma passagem de Ecce Homo perfeitamente ilustra essa tese:
Da ótica distorcida do doente diante das saudáveis noções e valores
e, daí, à perfeição e auto-estima da plenitude da vida e de volta para a
selva dos instintos decadentes – esse foi o meu longo amadurecimento, exercício de conhecimento real – tomara que algum dia chegue a
maestria (NIETZSCHE, 1991, c. 11).
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Para decifrarmos esse fragmento, é necessário que ele seja lido pelo
prisma do perspectivismo – essa categoria fundamental da teoria do conhecimento de Nietzsche. Para o filósofo alemão, a doença é unicamente
ponto de vista para a saúde, que fornece uma nova perspectiva e ótica para
ela (a saúde), ou dito mais acertadamente, tal como ele menciona: “inversão de perspectiva” e, arte de transfiguração”, que conduz “à grande saúde”,
mas também ao novo conhecimento - “Um filósofo, que passou por muitas saúdes, e que sempre passa de novo por elas, também passou por tantas
outras filosofias: nem poderá ele fazer de outro modo, senão, transformar
sempre e cada vez a sua condição em forma mais espiritual e olhar para ela
a distância” (NIETZSCHE, 1994, p. 24).
Agora não ressoam paradoxalmente as seguintes palavras: “Não existe em mim nenhuma predisposição à doença – não estava doente mesmo
no tempo da minha maior doença” ou “A própria doença pode ser encarada como um meio estimulante. Porém, o homem deve ser saudável o
bastante para tal estímulo” (NIETZSCHE, 1994, p. 24).
Ou, como Stefan Zweig perfeitamente descreve a lógica dessa estratégia paradoxal, ambas são necessárias, a doença como meio, saúde
como sentido, a doença como caminho, a saúde como fim. E esta “segunda saúde” depois da doença, desejo ardente, arrancado à força, redimido
por sofrimento, exatamente essa saúde é mais verdadeira e vital do que a
prosperidade do homem sempre saudável. Por isso a convalescença, a cura,
conquistada assim, é mais preciosa do que a vida normal, porque ela não
é apenas transformação, mas algo bem mais significativo – é crescimento,
elevação e enobrecimento (ZWEIG, 1985, p. 150).
Uma tese bastante semelhante defende um dos interpretadores mais
originais de Nietzsche – o filósofo francês Giles Deleuze, segundo o qual
essa “transformação de perspectiva” e a leveza, por meio da qual ela se realiza, testemunham em favor da “grande saúde”, o que faz possível a própria criação. Essas manobras de passagem de doença e saúde e vice-versa
fracassam quando não resta mais “saúde”, que permite que a doença seja
perspectiva para ele. O próprio Nietzsche inteiramente e sem esforço controla esse processo e “dança sobre o abismo” até o ano de 1888. Mas a
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crise vem quando a doença se mistura com a criação e o leva à loucura – a
última “palhaçada” ou como ele mesmo atesta ‘saída cósmica’, na qual se
apagam todas as fronteiras e se misturam todas as máscaras – do palhaço,
de Dioniso, do Crucificado, do estranho, do decadente, do niilista, do
espírito livre etc (DELEUZE, 2001).
Tais momentos extremos são fixados, principalmente, em suas últimas cartas, antes do surto, quando suscitam a questão do consciente elemento “hamletiano” na loucura de Nietzsche. Consciente não no sentido
de livremente escolhido, mas no sentido de uma claramente compreendida inevitabilidade e destinação, expressa na sua fórmula favorita de grandeza humana – amor fati. Realmente, talvez ninguém teria se colocado
tão próximo ao abismo da loucura, sem perder a sua concentração, sem
sofrer de vertigem. E isso é o mais estranho, mais improvável que descobrimos nas últimas obras de Nietzsche – “[...] uma suprema clareza que
com passo de sonâmbulo acompanha a suprema embriaguez... Nietzsche
é perfeitamente sóbrio em sua embriaguez, suas palavras permanecem implacavelmente duras e agudas no meio das chamas do êxtase” (ZWEIG,
1985, p. 193).
Um momento interessante da recepção nietzschiana no espaço cultural europeu apresenta os esforços de sua filosofia e sua personalidade serem lidas pela psicanálise freudiana. Antes de nos determos mais detalhadamente nesses esforços, cabe observar a relação contraditória do próprio
Freud com a filosofia nietzschiana. Durante toda sua vida, Freud se esforça
para se libertar não apenas de si mesmo, mas também e primordialmente
da atração que a filosofia nietzschiana exerce sobre ele3, declarando – o
seu mais perigoso adversário na luta de influência intelectual. Os discípulos e os sucessores de Freud – K.G Young, Otto Rank, D. Jones, Schpilrein, etc., muitas vezes, por motivos diferentes, mostram-se influenciados
por Nietzsche, fato que deixava Freud bastante descontente. Mais ainda,
Freud, que com vigor defende sua autonomia intelectual e independência
teórica, rejeitava qualquer influência direta ou indireta tanto sobre a consTestemunho disso é o fato de que depois do rompimento com Freud, tanto Young como Rank lhe enviam
as obras completas de Nietzsche com capa de luxo.
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trução basilar da psicanálise4, como também sobre os seus detalhes. Em
1934, ele tenta desestimular o escritor Stefan Zweig da sua intenção de escrever um livro sobre Nietzsche, contra-argumentando, insistentemente,
o desejo de Zweig de os contrapõe. Aqui não discutiremos os motivos de
Freud referentes a esse distanciamento a Nietzsche, apenas ressaltaremos
que, anos antes de Freud, Nietzsche já teria esboçado muitas das ideias da
assim chamada “psicologia profunda”. Sendo assim, independentemente
da polêmica se há ou não recepção ou influência, o modelo das ideias:
inconsciente – libido – sublimação quase em versão pronta se descobre em
Nietzsche5.
Assim, por exemplo, desde o primeiro aforismo do primeiro capítulo
de Humano demasiado humano, ele utiliza a noção de sublimação quase
no mesmo sentido em que mais tarde Freud utilizará em sua estética e
cultorologia6. Aliás, desde a primeira importante obra de Freud – A decifração dos sonhos (1900) – o ponto de partida da psicanálise (os sonhos
e os erros são seus lados constitutivos), mostra-se novamente uma semelhança curiosa entre as concepções de Freud e as de Nietzsche. De modo
bastante “freudiano” ressoa o pensamento de Nietzsche de que: “[...] um
impulso quis ser satisfeito, revelado, exercido, liberado – eis como aparece
nos sonhos. A vigília não possui a liberdade da interpretação, tão peculiar
no mundo dos sonhos” (NIETZSCHE, 1997, p. 154).
É conhecido que, em sua juventude, Freud leu as obras juvenis de Nietzsche e até tenha participado no
“Círculo de estudantes de Wiena”, que estudam as obras de Schopenhauer, Nietzsche e Wagner. Um congresso da sociedade psicanalítica de Wiena, durante 1908, foi dedicado às discussões das ideias de Nietzsche
e sua proximidade com as ideias da psicanálise. Conforme o conferencista – Pol Federn, Nietzsche tanto
se aproxima à psicanálise, que resta saber somente com que se diferencia dela. Todavia, Freud afirma nessa
ocasião que o nível de introspecção alcançada por Nietzsche não foi alcançada por nenhum outro e nem se
espera que fosse alcançada por alguém; mas também completa que ele mesmo não consegue ler sua obras,
apontando como causa, que parece paradoxal – o pensamento de Nietzsche é demasiado complexo para ele.
Ver. Leibin, In. Freud, psicanálise e filosofia contemporânea ocidental. M., 1990.
5
Nesse problema, uma atenção especial dedica Isak Passi em seu estudo, voltado à personalidade e às obras
de Nietzsche, cujos resultados utilizaremos mais adiante no texto: Passi, I. Fridrich Nietzsche. Sofia., 1996,
p. 87-89.
6
“Os gregos não ignoram o impulso natural, que se realiza em mais baixa escala, mas o incluem e restringem
em determinados cultos, depois de tomarem várias medidas de segurança, para facilitar na medida do possível a comemoração mais inofensiva das forças selvagens... Dá-se a condição de equilibrado encadeamento
– sem tendência à plena aniquilação – do bixo e duvidoso, do animalesco.” (NIETZSCHE, 1993, p. 81).
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Mesmo no introduzido por Freud, mais tarde (em “Ego e id” – 1923)
componente na estrutura da consciência – Super Ego – como função reguladora superior da consciência social, assimilado no individual, podemos encontrá-lo em Nietzsche (1993, p. 172):
Cada homem vive seu dia feliz quando se depara com a sua essência
superior [...]. As pessoas dialogam de modo bastante diferente com
essa sua essência superior e freqüentemente fazem papel de atores de
si mesmos, enquanto, em seguida, novamente ensaiam aquilo que eles
foram durante aqueles instantes. Alguns vivem com medo e conformismo perante seu ideal e estão prontos para negá-lo; eles têm medo
da sua própria essência superior, porque, quando ela começa falar ela
requer rigor e precisão. Por essa razão, porém, possui a liberdade fantasma de chegar e de se ausentar quando quiser.
Agora se torna compreensível aquela estranha, na primeira vista, mas
perfeitamente exata avaliação de Thomas Man (1993, p. 292):
Nietzsche simplesmente nasceu para ser psicólogo, a psicologia é a
sua paixão: o conhecimento e a psicologia são, para ele, uma e mesma
paixão; e marca para a toda contradição interna desse espírito sublime
e sofrido é a condição, de que ele, para o qual, a vida é infinitamente
superior que o conhecimento cai irreversivelmente sob o domínio da
psicologia.
Essa característica lembra muito e quase coincide com o dito de Lev
Shestov sobre Dostoievski e Nietzsche:
Dostoievski e Nietzsche falam não para preconizar entre as pessoas suas convicções e iluminar os beatos. Eles mesmo procuram a luz,
mas não acreditam que o que parece luz é na realidade luz e não uma
brasa perdida na escuridão ou ainda pior – delírio da sua distorcida
imaginação... O idealismo e a teoria do conhecimento os condenam:
sois insensatos, imorais, condenados, homens acabados... Talvez a
maioria dos seus leitores não queiram saber, mas seus escritos contêm
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não resposta, mas pergunta. A pergunta: tem esperança para aqueles
que foram abandonados pela ciência e pela moral, com efeito, é possível uma filosofia do trágico? (SHESTOV, 1993, p. 49).
Algo a mais. As muitas viagens e as mudanças constantes feitas por
Nietzsche de cidades e lugares, forjadas, principalmente, por causa da sua
frágil saúde, passando por alívios temporários e crises profundas, transformam-no em andarilho e estranho. Com os anos, a sua sofrida experiência
cristaliza numa peculiar “geografia da saúde” (ZWEIG, 1985), que busca
descobrir aquele lugar, que pode lhe fornecer uma paz corporal e espiritual. Segundo Nietzsche, o homem do espírito se sente em casa não onde
nasceu, mas lá e somente lá, onde ele mesmo se cria e cria – Ubi pater sum,
ubi patria. Para Nietzsche, a pátria não é o lugar onde estão os nossos pais,
mas onde estão os nossos filhos, isto é, os frutos da nossa criação – “Ó,
meus irmãos, não é para trás que se devem voltar para nosso gênero nobre,
mas para frente! Vós deveis amar a terra dos seus filhos – que esse amor seja
o vosso novo aristocratismo – a terra descoberta no mar mais distante!”
(NIETZSCHE, 1990, p. 216).
Mas qual é essa tão procurada com paixão pátria? Em sua longa viagem para si, Nietzsche a descobre no Sul, na Itália. E como ressalta Zweig
em seu ensaio “Fridrich Nietzsche”, unicamente em vínculo fraternal de
Nietzsche com Van Gog, podemos descobrir essa penetração demoníaca de luz e sol do sul em uma consciência quase escurecida que anseia a
clareza, encontrando a expressão nas telas de Van Gog do seu período de
“Provans” e no estilo de Nietzsche da sua experiência italiana. Somente
nesses dois fanáticos pela transformação, encontramos essa autoembriaguez, tão instantâneo apagamento de luz com sede de vampiro . Como
outro fraterno espírito, Hölderlin, que aos poucos substitui sua Elada pelo
orientalismo e o bárbaro, assim Nietzsche, no fim da sua vida consciente,
planeja uma viagem e longa permanência no sul dos trópicos, como se
procurando “[...] já insolação em vez da luz do sol, clareza, que possa cortar horrivelmente, em vez de destacar somente as siluetas, delírio frenético
em vez de alegria; sem parar jorra dele a sede ávida de transformar o afeto
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dos sentidos em plena embriaguez, a dança em vôo, de derreter a sensação
quente que existe.” (ZWEIG, 1985, p. 181).
Em conclusão, queremos ressaltar os motivos que suscitaram a presente análise. O primeiro impulso da criação desse texto foi provocado
pela dúvida nas concepções existentes na literatura investigadora no que
diz respeito ao papel da doença na vida e nas obras de Nietzsche. As dúvidas
nasceram do fato de que o mórbido foi tematizado superficialmente, sem
uma profunda meditação sobre sua importância. Sobre tal morbidez e sua
utilização, nesses termos, não há nenhuma produtividade heurística. Para
evitar semelhantes “leituras”, o texto presente se colocou como objeto de
pesquisa e como problema – o foco complexo de “utilizações” do mórbido
nele programado.
Ou, dito de outra maneira, o que nos interessava, principalmente,
não era tanto de reler corretamente a patograma de Nietzsche ou a sua
releitura pelo prisma da psicanálise, mas fixar a atenção às suas reflexões
sobre o seu vínculo com o processo criador.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, J. Nietzsche. 2001. Disponível em: <www.nietzsche.ru/look/delez.php>.
Acesso em: 20 mar. 2012.
DIMITROVA, N. Entre sobriedade e loucura. Traços da imagem de Yurodivite em
Dostoievski. Disponível em: <http://liternet.bg/publish16/n_dimitrova/uma.htm>.
Acesso em: 20 mar. 2012.
LEIBIN, В. Freud, a psicanálise e a filosofia contemporânea ocidental. Moskow: Literatura Politica, 1990.
MANN, Т. A filosofia de Nietzsche à luz da nossa experiência. In: Nietzsche, F. Humano, demasiado humano. Sofia: Hristo Botev, 1993.
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NIETZSCHE, F. Ecce Homo, Sofia: Hristo Botev, 1991
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos. Sofia: Hristo Botev, 1992
NIETZSCHE, F. Aurora. Sofia: Editora universitária, 1997.
______. Nascimento da tragédia e outros escritos. Sofia: Ciência e arte, 1990.
______. Assim falou Zaratustra. Sofia: Ed. Hristo Botev, 1990.
______. Humano, demasiado humano. Sofia: Ed. Hristo Botev 1993.
PASSI, I. Friedrich Nietzsche. Sofia, Editora universitária 1996.
STOYTCHEV, V. Filosofia do corpo. Sofia: Ed. Paradigma, 2012.
TURLKOV, N. “A sabedoria dionisíaca” ou da superação do niilismo em Nietzsche –
Alternativas filosóficas. Sofia: Ed. Instituto de pesquisas filosoficas, 2010.
ZWEIG, S. Pensamento europeu. Sofia: Ed. George Bakalov, 1985.
CHESTOV, L. Dostoievski e Nietzsche. Sofia: Editora universitaria 1993.
Title: The morbid discourse in the life and creative works of Nietzsche.
Author: Kamelia Zhabilova.
ABSTRACT: The initial impulse that provoked the writing of this text was the suspicion cast on some of the theories that exist in the scientific literary sources that deal with
the role of the ‘illness’ in the life and work of Nietzsche. Those suspicions were induced
by the fact that those existing theories interpret the idea of morbidity too superficially
and tend to use the concept as a thematic framework, which does not result in any heuristic productivity. So as to avoid similar result this text focuses on the texts of Nietzsche
as a subject to examine, and in terms of problems discussed, the text focuses on the complex spectrum of ‘uses’ of morbidity treated therein.
Keywords: Morbid. Diease. Health.
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