O discurso mórbido na vida e nas obras de Nietzsche Kamelia Zhabilova 1 Resumo: O primeiro impulso da criação deste texto foi provocado pela dúvida nas concepções existentes na literatura investigadora no que diz respeito ao papel da doença na vida e nas obras de Nietzsche. As dúvidas nasceram do fato de que o mórbido foi tematizado superficialmente, sem uma profunda meditação sobre sua importância. Sobre tal morbidez e sua utilização, nesses termos, não há nenhuma produtividade heurística. Para evitar semelhantes “leituras”, o texto presente se colocou como objeto de pesquisa e como problema – o foco complexo de “utilizações” do mórbido nele programado. Palavras-chave: Mórbido. Doença. Saúde. Doutora em Filosofia pela Academia das Ciências da Bulgária. Mestrado em Filosofia e Cultorologia pela Universidade de Sofia. Atualmente trabalha no Instituto de Filosofia da Academia das Ciências da Bulgária. 1 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 119 Sem dúvida alguma, o mórbido e seus ecos nas obras de Nietzsche são solos férteis e pontos de partida de uma análise, tanto sobre o seu drama pessoal, como também em relação aos campos textuais em quais ele se insere. Em geral, podemos notar que o tema da doença e seu papel “na vida e nas obras” de Nietzsche transformaram-se em um lema obrigatório entre os seus pesquisadores2. Muitos deles são seduzidos a lançar mãos a essa doença misteriosa para então rejeitar, de modo a priori, suas ideias ou para explicar as peculiaridades do seu estilo e as contradições em sua filosofia. Na maioria das investigações medicinais sobre a doença de Nietzsche, deparamo-nos com diferentes diagnoses (de forma latente de paranóia, de paralisia geral e sífilis congênita, até predisposição à esquizofrenia e homossexualismo latente). Todavia, do ponto de vista filosófico, eles não mudam em nada a leitura da mensagem nietzschiana. A opinião de Thomas Mann, no que diz respeito ao papel da doença nas interpretações das obras nietzschianas, talvez seja de maior relevância: Muitas vezes é dito e eu reitero isso novamente, que – a doença é algo puramente formal, tudo depende do fato com que se liga essa forma, o que a preenche. Importa, nesse caso, quem está doente: um bobo qualquer, no qual caso a doença está privada de qualquer aspecto espiritual e cultivante ou é um Nietzsche, um Dostoievski. O fator patológico é apenas um lado da moeda, o seu, por assim dizer, lado naturalista [...]. (MAN, 1993, p. 278). Na realidade, uma releitura de obras através do mórbido é preciosa e fértil como resultado, somente quando se estende na direção de um pensamento mais amplo sobre o papel da doença no processo criador e a sua transformação em texto. Desse foco investigativo, um interesse especial representa a reflexão do próprio Nietzsche sobre a sua experiência Aqui ressaltaremos apenas algumas das mais importantes obras dedicadas à doença de Nietzsche: HMELEVSKII, И. К. O elemento patológico na personalidade e nas obras de Friedrich Nietzsche. Кiev, 1904. MOBIUS, P. C. Über das pathalogische bei Nietzsche. Wiesbaden, 1902. BENDA, J. Nietzsche’s Krankheit. Berlin, 1925. HILDEBRAND, M. Gesundheit und Krankheit in Nietzsche’s Leben und Werke. Leipzig, 1920. PODACH, E. F. The Madness of Nietzsche. London, 1931. 2 120 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 dramática referente à doença e à loucura, experiência em que se sucedem dolorosas crises de inspiração e experiências expressivas, instantes de pressentimentos e delírios, mas também instantes de absoluta concentração e sobriedade que se apagam, ao fim, com absoluto silêncio. Utilizaremos apenas uma passagem bastante demonstrativa para tal fim: [...] no que diz respeito a minha longa doença não lhe devo a ela imensuravelmente a mais, do que a minha saúde? [...] Apenas a grande dor, aquela longa, lenta dor na qual queimamos feito madeira úmida em fogo brando, nos obriga, nós os filósofos, a cair nas profundezas das nossas almas e de nos libertarmos de toda confiança, de toda bondade, de toda piedade, de toda mediocridade, na qual, provavelmente, antes, teríamos depositado a idéia de humanidade. Duvido se uma tal dor nos faz melhores, mas sei que nos torna profundos [...]. (NIETZSCHE, 1990, p. 361). Algo mais – a loucura como signo de participação divina e jubilo artístico – está constantemente presente nas obras de Nietzsche. Faremos citação de algumas passagens que perfeitamente trazem à luz essa relação: Ó, deuses, me dêem loucura! Loucura, para acreditar em mim! Dêem-Me um delírio e convulsões, luzes e escuridão, intimidem-me com frio e calor que nenhum mortal jamais experimentou, com relâmpago e trovão, com sombras vagantes... Mostrem-me que eu lhes pertenço. Somente a loucura pode me provar [...]. (NIETZSCHE, 1997, p. 36). Mas, apesar das estratégias estéticas e valorativas que Nietzsche empreende para a exegese da doença e da dor, transformando-as em valores super-positivos, a sua relação com o mórbido não é unilateral. A sua relação com os doentes e os fracos mais claramente se nota no capítulo “viagens de um extemporâneo”, do livro “Crepúsculo dos ídolos”, no aforismo “moral ao médico”: Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 121 O doente é um parasita para a sociedade. Continuar a sua vida em certas condições é indigno [...] o interesse superior da vida ascendente consiste na erradicação das aberrações – isso diz respeito ao direito de ser nascido, de gerar e cuidar, do direito de viver [...]. Morrer digno, caso não seja capaz de viver digno. A liberdade de escolher a morte, na hora certa, aceitá-la com alegria e deleite [...] não temos a possibilidade de evitar o nosso nascimento, porém, podemos corrigir o erro (NIETZSCHE, 1992, p. 113-114). E aqui faremos um desvio. Para podemos compreender essas, na primeira vista, polêmicas e contraditórias palavras referentes à relação saúde – doença (noções estas que serão substituídas nos textos da maturidade pela dualidade fraco-forte), o pesquisador deve responder a seguinte questão: em que sentido a doença está presente na vida e nas obras de Nietzsche? Para decifrar os segredos, a dor e a paixão do seu pensamento, que de perto reconhece o terror arrepiante e com passos silenciosos vai para além do comum e do permitido, ele (o pesquisador) deve levar em consideração a retrospecção e a autoavaliação do próprio Nietzsche, presentes nos segundos prefácios das obras de juventude e, sobretudo, a sua confissão em Ecce Homo. Justamente tais textos revelam os enigmas da sua filosofia e deles ele retira as suas máscaras preferidas. Esses textos constituem uma espécie de “fio de Ariadne”, que nos leva ao labirinto nietzschiano e nos revela o papel da doença em sua vida e obras. Desses textos fica claro que a doença, para Nietzsche, jamais teve estímulo de criação ou fonte de inspiração. Pelo contrário, da vontade de saúde ele inspira sua filosofia e a sua “psicologia heróica”. Uma passagem de Ecce Homo perfeitamente ilustra essa tese: Da ótica distorcida do doente diante das saudáveis noções e valores e, daí, à perfeição e auto-estima da plenitude da vida e de volta para a selva dos instintos decadentes – esse foi o meu longo amadurecimento, exercício de conhecimento real – tomara que algum dia chegue a maestria (NIETZSCHE, 1991, c. 11). 122 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 Para decifrarmos esse fragmento, é necessário que ele seja lido pelo prisma do perspectivismo – essa categoria fundamental da teoria do conhecimento de Nietzsche. Para o filósofo alemão, a doença é unicamente ponto de vista para a saúde, que fornece uma nova perspectiva e ótica para ela (a saúde), ou dito mais acertadamente, tal como ele menciona: “inversão de perspectiva” e, arte de transfiguração”, que conduz “à grande saúde”, mas também ao novo conhecimento - “Um filósofo, que passou por muitas saúdes, e que sempre passa de novo por elas, também passou por tantas outras filosofias: nem poderá ele fazer de outro modo, senão, transformar sempre e cada vez a sua condição em forma mais espiritual e olhar para ela a distância” (NIETZSCHE, 1994, p. 24). Agora não ressoam paradoxalmente as seguintes palavras: “Não existe em mim nenhuma predisposição à doença – não estava doente mesmo no tempo da minha maior doença” ou “A própria doença pode ser encarada como um meio estimulante. Porém, o homem deve ser saudável o bastante para tal estímulo” (NIETZSCHE, 1994, p. 24). Ou, como Stefan Zweig perfeitamente descreve a lógica dessa estratégia paradoxal, ambas são necessárias, a doença como meio, saúde como sentido, a doença como caminho, a saúde como fim. E esta “segunda saúde” depois da doença, desejo ardente, arrancado à força, redimido por sofrimento, exatamente essa saúde é mais verdadeira e vital do que a prosperidade do homem sempre saudável. Por isso a convalescença, a cura, conquistada assim, é mais preciosa do que a vida normal, porque ela não é apenas transformação, mas algo bem mais significativo – é crescimento, elevação e enobrecimento (ZWEIG, 1985, p. 150). Uma tese bastante semelhante defende um dos interpretadores mais originais de Nietzsche – o filósofo francês Giles Deleuze, segundo o qual essa “transformação de perspectiva” e a leveza, por meio da qual ela se realiza, testemunham em favor da “grande saúde”, o que faz possível a própria criação. Essas manobras de passagem de doença e saúde e vice-versa fracassam quando não resta mais “saúde”, que permite que a doença seja perspectiva para ele. O próprio Nietzsche inteiramente e sem esforço controla esse processo e “dança sobre o abismo” até o ano de 1888. Mas a Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 123 crise vem quando a doença se mistura com a criação e o leva à loucura – a última “palhaçada” ou como ele mesmo atesta ‘saída cósmica’, na qual se apagam todas as fronteiras e se misturam todas as máscaras – do palhaço, de Dioniso, do Crucificado, do estranho, do decadente, do niilista, do espírito livre etc (DELEUZE, 2001). Tais momentos extremos são fixados, principalmente, em suas últimas cartas, antes do surto, quando suscitam a questão do consciente elemento “hamletiano” na loucura de Nietzsche. Consciente não no sentido de livremente escolhido, mas no sentido de uma claramente compreendida inevitabilidade e destinação, expressa na sua fórmula favorita de grandeza humana – amor fati. Realmente, talvez ninguém teria se colocado tão próximo ao abismo da loucura, sem perder a sua concentração, sem sofrer de vertigem. E isso é o mais estranho, mais improvável que descobrimos nas últimas obras de Nietzsche – “[...] uma suprema clareza que com passo de sonâmbulo acompanha a suprema embriaguez... Nietzsche é perfeitamente sóbrio em sua embriaguez, suas palavras permanecem implacavelmente duras e agudas no meio das chamas do êxtase” (ZWEIG, 1985, p. 193). Um momento interessante da recepção nietzschiana no espaço cultural europeu apresenta os esforços de sua filosofia e sua personalidade serem lidas pela psicanálise freudiana. Antes de nos determos mais detalhadamente nesses esforços, cabe observar a relação contraditória do próprio Freud com a filosofia nietzschiana. Durante toda sua vida, Freud se esforça para se libertar não apenas de si mesmo, mas também e primordialmente da atração que a filosofia nietzschiana exerce sobre ele3, declarando – o seu mais perigoso adversário na luta de influência intelectual. Os discípulos e os sucessores de Freud – K.G Young, Otto Rank, D. Jones, Schpilrein, etc., muitas vezes, por motivos diferentes, mostram-se influenciados por Nietzsche, fato que deixava Freud bastante descontente. Mais ainda, Freud, que com vigor defende sua autonomia intelectual e independência teórica, rejeitava qualquer influência direta ou indireta tanto sobre a consTestemunho disso é o fato de que depois do rompimento com Freud, tanto Young como Rank lhe enviam as obras completas de Nietzsche com capa de luxo. 3 124 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 trução basilar da psicanálise4, como também sobre os seus detalhes. Em 1934, ele tenta desestimular o escritor Stefan Zweig da sua intenção de escrever um livro sobre Nietzsche, contra-argumentando, insistentemente, o desejo de Zweig de os contrapõe. Aqui não discutiremos os motivos de Freud referentes a esse distanciamento a Nietzsche, apenas ressaltaremos que, anos antes de Freud, Nietzsche já teria esboçado muitas das ideias da assim chamada “psicologia profunda”. Sendo assim, independentemente da polêmica se há ou não recepção ou influência, o modelo das ideias: inconsciente – libido – sublimação quase em versão pronta se descobre em Nietzsche5. Assim, por exemplo, desde o primeiro aforismo do primeiro capítulo de Humano demasiado humano, ele utiliza a noção de sublimação quase no mesmo sentido em que mais tarde Freud utilizará em sua estética e cultorologia6. Aliás, desde a primeira importante obra de Freud – A decifração dos sonhos (1900) – o ponto de partida da psicanálise (os sonhos e os erros são seus lados constitutivos), mostra-se novamente uma semelhança curiosa entre as concepções de Freud e as de Nietzsche. De modo bastante “freudiano” ressoa o pensamento de Nietzsche de que: “[...] um impulso quis ser satisfeito, revelado, exercido, liberado – eis como aparece nos sonhos. A vigília não possui a liberdade da interpretação, tão peculiar no mundo dos sonhos” (NIETZSCHE, 1997, p. 154). É conhecido que, em sua juventude, Freud leu as obras juvenis de Nietzsche e até tenha participado no “Círculo de estudantes de Wiena”, que estudam as obras de Schopenhauer, Nietzsche e Wagner. Um congresso da sociedade psicanalítica de Wiena, durante 1908, foi dedicado às discussões das ideias de Nietzsche e sua proximidade com as ideias da psicanálise. Conforme o conferencista – Pol Federn, Nietzsche tanto se aproxima à psicanálise, que resta saber somente com que se diferencia dela. Todavia, Freud afirma nessa ocasião que o nível de introspecção alcançada por Nietzsche não foi alcançada por nenhum outro e nem se espera que fosse alcançada por alguém; mas também completa que ele mesmo não consegue ler sua obras, apontando como causa, que parece paradoxal – o pensamento de Nietzsche é demasiado complexo para ele. Ver. Leibin, In. Freud, psicanálise e filosofia contemporânea ocidental. M., 1990. 5 Nesse problema, uma atenção especial dedica Isak Passi em seu estudo, voltado à personalidade e às obras de Nietzsche, cujos resultados utilizaremos mais adiante no texto: Passi, I. Fridrich Nietzsche. Sofia., 1996, p. 87-89. 6 “Os gregos não ignoram o impulso natural, que se realiza em mais baixa escala, mas o incluem e restringem em determinados cultos, depois de tomarem várias medidas de segurança, para facilitar na medida do possível a comemoração mais inofensiva das forças selvagens... Dá-se a condição de equilibrado encadeamento – sem tendência à plena aniquilação – do bixo e duvidoso, do animalesco.” (NIETZSCHE, 1993, p. 81). 4 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 125 Mesmo no introduzido por Freud, mais tarde (em “Ego e id” – 1923) componente na estrutura da consciência – Super Ego – como função reguladora superior da consciência social, assimilado no individual, podemos encontrá-lo em Nietzsche (1993, p. 172): Cada homem vive seu dia feliz quando se depara com a sua essência superior [...]. As pessoas dialogam de modo bastante diferente com essa sua essência superior e freqüentemente fazem papel de atores de si mesmos, enquanto, em seguida, novamente ensaiam aquilo que eles foram durante aqueles instantes. Alguns vivem com medo e conformismo perante seu ideal e estão prontos para negá-lo; eles têm medo da sua própria essência superior, porque, quando ela começa falar ela requer rigor e precisão. Por essa razão, porém, possui a liberdade fantasma de chegar e de se ausentar quando quiser. Agora se torna compreensível aquela estranha, na primeira vista, mas perfeitamente exata avaliação de Thomas Man (1993, p. 292): Nietzsche simplesmente nasceu para ser psicólogo, a psicologia é a sua paixão: o conhecimento e a psicologia são, para ele, uma e mesma paixão; e marca para a toda contradição interna desse espírito sublime e sofrido é a condição, de que ele, para o qual, a vida é infinitamente superior que o conhecimento cai irreversivelmente sob o domínio da psicologia. Essa característica lembra muito e quase coincide com o dito de Lev Shestov sobre Dostoievski e Nietzsche: Dostoievski e Nietzsche falam não para preconizar entre as pessoas suas convicções e iluminar os beatos. Eles mesmo procuram a luz, mas não acreditam que o que parece luz é na realidade luz e não uma brasa perdida na escuridão ou ainda pior – delírio da sua distorcida imaginação... O idealismo e a teoria do conhecimento os condenam: sois insensatos, imorais, condenados, homens acabados... Talvez a maioria dos seus leitores não queiram saber, mas seus escritos contêm 126 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 não resposta, mas pergunta. A pergunta: tem esperança para aqueles que foram abandonados pela ciência e pela moral, com efeito, é possível uma filosofia do trágico? (SHESTOV, 1993, p. 49). Algo a mais. As muitas viagens e as mudanças constantes feitas por Nietzsche de cidades e lugares, forjadas, principalmente, por causa da sua frágil saúde, passando por alívios temporários e crises profundas, transformam-no em andarilho e estranho. Com os anos, a sua sofrida experiência cristaliza numa peculiar “geografia da saúde” (ZWEIG, 1985), que busca descobrir aquele lugar, que pode lhe fornecer uma paz corporal e espiritual. Segundo Nietzsche, o homem do espírito se sente em casa não onde nasceu, mas lá e somente lá, onde ele mesmo se cria e cria – Ubi pater sum, ubi patria. Para Nietzsche, a pátria não é o lugar onde estão os nossos pais, mas onde estão os nossos filhos, isto é, os frutos da nossa criação – “Ó, meus irmãos, não é para trás que se devem voltar para nosso gênero nobre, mas para frente! Vós deveis amar a terra dos seus filhos – que esse amor seja o vosso novo aristocratismo – a terra descoberta no mar mais distante!” (NIETZSCHE, 1990, p. 216). Mas qual é essa tão procurada com paixão pátria? Em sua longa viagem para si, Nietzsche a descobre no Sul, na Itália. E como ressalta Zweig em seu ensaio “Fridrich Nietzsche”, unicamente em vínculo fraternal de Nietzsche com Van Gog, podemos descobrir essa penetração demoníaca de luz e sol do sul em uma consciência quase escurecida que anseia a clareza, encontrando a expressão nas telas de Van Gog do seu período de “Provans” e no estilo de Nietzsche da sua experiência italiana. Somente nesses dois fanáticos pela transformação, encontramos essa autoembriaguez, tão instantâneo apagamento de luz com sede de vampiro . Como outro fraterno espírito, Hölderlin, que aos poucos substitui sua Elada pelo orientalismo e o bárbaro, assim Nietzsche, no fim da sua vida consciente, planeja uma viagem e longa permanência no sul dos trópicos, como se procurando “[...] já insolação em vez da luz do sol, clareza, que possa cortar horrivelmente, em vez de destacar somente as siluetas, delírio frenético em vez de alegria; sem parar jorra dele a sede ávida de transformar o afeto Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 127 dos sentidos em plena embriaguez, a dança em vôo, de derreter a sensação quente que existe.” (ZWEIG, 1985, p. 181). Em conclusão, queremos ressaltar os motivos que suscitaram a presente análise. O primeiro impulso da criação desse texto foi provocado pela dúvida nas concepções existentes na literatura investigadora no que diz respeito ao papel da doença na vida e nas obras de Nietzsche. As dúvidas nasceram do fato de que o mórbido foi tematizado superficialmente, sem uma profunda meditação sobre sua importância. Sobre tal morbidez e sua utilização, nesses termos, não há nenhuma produtividade heurística. Para evitar semelhantes “leituras”, o texto presente se colocou como objeto de pesquisa e como problema – o foco complexo de “utilizações” do mórbido nele programado. Ou, dito de outra maneira, o que nos interessava, principalmente, não era tanto de reler corretamente a patograma de Nietzsche ou a sua releitura pelo prisma da psicanálise, mas fixar a atenção às suas reflexões sobre o seu vínculo com o processo criador. REFERÊNCIAS DELEUZE, J. Nietzsche. 2001. Disponível em: <www.nietzsche.ru/look/delez.php>. Acesso em: 20 mar. 2012. DIMITROVA, N. Entre sobriedade e loucura. Traços da imagem de Yurodivite em Dostoievski. Disponível em: <http://liternet.bg/publish16/n_dimitrova/uma.htm>. Acesso em: 20 mar. 2012. LEIBIN, В. 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George Bakalov, 1985. CHESTOV, L. Dostoievski e Nietzsche. Sofia: Editora universitaria 1993. Title: The morbid discourse in the life and creative works of Nietzsche. Author: Kamelia Zhabilova. ABSTRACT: The initial impulse that provoked the writing of this text was the suspicion cast on some of the theories that exist in the scientific literary sources that deal with the role of the ‘illness’ in the life and work of Nietzsche. Those suspicions were induced by the fact that those existing theories interpret the idea of morbidity too superficially and tend to use the concept as a thematic framework, which does not result in any heuristic productivity. So as to avoid similar result this text focuses on the texts of Nietzsche as a subject to examine, and in terms of problems discussed, the text focuses on the complex spectrum of ‘uses’ of morbidity treated therein. Keywords: Morbid. Diease. Health. Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 119-129, junho, 2012 129