Determinação da massa do quark top Introdução A famosa equação de Einstein que estabelece a equivalência entre a energia e massa é verificada todos os dias em diversas experiências realizadas em aceleradores. Este conceito pode ser verificado num conjunto de eventos adquiridos pela experiência D0 no Fermilab (USA). Nestes eventos é observada a produção e decaimento de pares de quarks tt (top-antitop). Os eventos apresentados foram escolhidos para este trabalho pela sua simplicidade topológica. A generalidade dos eventos apresentam topologias mais complexas. A ideia de que existe uma equivalência entre massa e energia é essencial para quem quiser compreender o processo de produção de pares de quarks tt em colisões pp (protãoantiprotão). O análogo clássico desta experiência seria o caso em que da colisão de duas bolas de ping-pong resultasse duas bolas de aço de massa consideravelmente maior. Na experiência realizada no acelerador, um protão colide com um antiprotão, resultando um par de partículas cada uma com uma massa aproximadamente igual 180 vezes a massa do protão. A energia cinética dos protões/antiprotões é convertida na massa dos quarks top. D0 Detector O quark top foi descoberto pela primeira vez em 1995 em Fermilab. A descoberta foi realizada independentemente por duas experiências, D0 e CDF, em colisões de feixes de protões e antiprotões com energias de 900 GeV, perfazendo uma energia total no centro de massa de 1.8 TeV. Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 1 Esta energia será partilhada entre a massa e energia cinética das partículas resultantes da colisão. Na figura abaixo encontra-se uma representação que esquematiza uma colisão pp seguida de produção e decaimento de um par tt . Esquema da colisão pp . Partículas detectadas em D0. Esta é de facto uma de entre muitas possibilidades. O quark top é uma partícula de vida média extremamente curta (da ordem de 4×10-25 s), que se desintegra dando origem a um quark b e a um bosão W (mediador da interacção fraca). As partículas que resultam desta desintegração são também elas instáveis, desintegrando-se em voo. Assim obtemos a cadeia de desintegrações que está representada abaixo t b + W lν ou jj q + W lν ou jj j em que q é um quark u ou c, j um jacto de partículas e o leptão l pode ser um electrão e, muão µ ou tau τ. Um jacto é um conjunto de partículas, que aparecem segundo um cone e que resultam da hadronização de um quark. Uma vez que nunca se observaram quarks isolados a hadronização é o processo pelo o qual um quark após ter sido criado se agrupa com outros quarks para dar origem às partículas detectadas. Nos eventos que irão ser estudados o bosão W resultante da desintegração do quark b desintegra-se dando origem a um muão e a um neutrino. Este muão que aparece incluído no jacto, possui uma energia pequena e ajuda a identificar a presença do quark b no evento. Por outro lado consideram-se eventos em que o bosão W resultante da desintegração do top se desintegra em dois jactos de partículas. Esta é a situação esquematizada na figura acima. Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 2 Energia, Massa e Momento Para o cálculo da massa do quark top é essencial compreender-se o processo da determinação do “momento em falta” do neutrino. Uma vez conhecido este momento teremos todos os ingredientes necessários para o cálculo da massa do top. A relação relativista para a energia total E de uma partícula livre estabelece que E 2 = p 2c 2 + m 2c 4 em que p é o momento linear, c a velocidade da luz e m a massa da partícula. Neste domínio da física é útil usar-se o sistema de unidades em que as energias são expressas em GeV, o momento em GeV/c e a massa em GeV/c2. Este sistema de unidades é na prática equivalente ao sistema “natural” de unidades onde se faz c=1. As equações vêm então simplificadas pelo facto do factor c “desaparecer” das mesmas. A equação acima ficará então, E 2 = p 2 + m 2 ficando reforçada a equivalência entre massa e energia. Define-se então massa invariante M de um sistema de n partículas a partir da equação M = (∑ E ) − (∑ pr ) 2 2 i i . Esta quantidade é um invariante de Lorentz (não depende do referencial de inércia em que é calculado) e é conservada na colisão. No caso da colisão de dois feixes de partículas de igual massa r r m e energia E e que fazem entre si um ângulo de 180º, têm-se que p1 = − p2 pelo que o termo r 2 ∑ pi é nulo será nulo nesse caso. Ficamos então com M = (2 E ) = 2 E e portanto, se na colisão produzirmos duas partículas em repouso e de massa m' igual teremos m' = E . Este é por exemplo o caso em que a colisão é entre partículas elementares como um electrão e um positrão. Para produzir um par partícula-antipartícula em repouso basta nesse caso “sintonizar” a energia do feixe para o valor da massa da partícula a produzir. As colisões estudas em Fermilab foram contudo entre protões e antiprotões. Estas partículas apresentam estrutura interna, sendo cada uma delas constituída por três quarks (antiquarks). A colisão faz-se então entre um dos quarks do protão e um dos antiquarks do antiprotão, não sendo necessário que a sua energia seja igual, pelo que o termo r ∑ pi não será em geral nulo. No entanto, e uma vez que os feixes encontram-se alinhados entre si, o momento linear só tem componente segundo a linha de feixe, pelo que o momento linear no plano perpendicular à direcção do feixe é sempre nulo. No caso de eventos planares (eventos que se encontram na prática contidos no plano perpendicular à linha de feixe) o momento linear segundo a linha de feixe é também nulo (ou quase). Nestas condições é possível usar a expressão M = 2mtop = (∑ E ) 2 i para obtermos a massa do top a partir do valor das energias dos produtos da colisão, uma vez que sendo o momento total conservado, esse valor é o mesmo antes e depois da colisão. Embora os eventos planares não sejam os mais frequentes, existem alguns exemplos, onde esta técnica pode ser utilizada. No entanto um problema ainda fica por resolver. Do decaimento do W directamente descendente do quark top resulta um neutrino muito energético que escapa à detecção. Assim a soma das energias detectadas não perfaz 2mtop . Para avaliarmos a energia transportada pelo neutrino teremos que recorrer à conservação do momento linear. Como foi explicado, a soma das componentes dos Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 3 momentos lineares no plano perpendicular deve resultar nula. A soma de todos os momentos r r lineares visíveis pvis deverá ser simétrica ao momento do neutrino pυ que se escapa (momento “em falta”) n −1 r r r p vis = ∑ pi = − pυ . i =1 Por sua vez, como o neutrino tem uma massa desprezável tem-se que Eυ = pυ , pelo que se obtêm o termo de energia que faltava para poder-se calcular a massa do quark top. Procedimento Experimental São fornecidos quatro eventos. Três deles são simulados em computador e um, o evento Run 92704 Event 14022, é real. Na figura abaixo estão duas projecções deste evento. Uma segundo o plano perpendicular ao feixe, e outra, num plano que contem o feixe. Pode verificar-se que este evento cumpre de forma aproximada o requisito de ser planar. Neste evento são visíveis jactos de partículas, que resultam da hadronização quarks. Nos detectores, os jactos podem ser vistos como conjuntos de deposições de energia nos detectores (as “torres” nas figuras). Os eventos que vão ser estudados encontram-se segundo um corte transversal do detector. Os detectores de altas energias são frequentemente constituídos por várias camadas de sub-dectores que desempenham diferentes funções (ver figura abaixo). Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 4 Determinação da massa do top Para cada evento determine o "momento em falta" através da soma de todos os momentos visíveis, não esquecendo que o momento é uma grandeza vectorial! Nos gráficos, a torre magenta já indica a direcção provável tomada pelo neutrino. Uma vez obtido o momento linear do neutrino, determine a soma de todos os momentos (ou energias já que as massas envolvidas são pequenas) e obtenha a massa do quark top dividindo esse valor por dois. Momento (GeV/c) Evento Jacto1 Jacto 2 Jacto3 Jacto4 Muão Duro Muão Suave Neutrino Massa Top (GeV/c2) Referências: Tony M. Liss and Paul L. Tipton, Scientific American, Setembro 1997 B.R.Martin & G.Shaw, "Particle Physics", Wiley 1997 http://www-ed.fnal.gov Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 5