1 OS DESAFIOS DA MATERIALIZAÇÃO DE DIREITOS NO ÂMBITO DAS JUVENTUDES E VELHICES: as duas faces do mesmo espelho Giovani Antônio Scherer Michele Clos * ** *** Rúbia Goetz Resumo: O presente artigo versa a respeito dos desafios das políticas públicas para a no âmbito da família, tomando como exemplo dois segmentos distintos do mesmo processo do curso de vida humano: as juventudes e a velhice. Compreende-se a política social, enquanto um elemento de caráter contraditório, mas que contém as possibilidades de materializar direitos, em uma ordem prática. Desta forma, torna-se um desafio necessário pensar as particularidades que são inerentes tanto no processo vivenciado pelas juventudes, como pelos idosos, uma vez que, ambos os segmentos sociais, apesar de estarem vivenciando processos distintos, necessitam de formas de se integrarem aos processos familiares. Enquanto a juventude é marcada pelos altos índices e homicídios e por processos de (in)visibilidade, os idosos ainda se deparam com um contexto de inúmeras fragilidades, vindo a tona o processo de morte social e luta pelo respeito à dignidade. Diante destes dois extremos uma necessidade: da família enquanto espaço de promoção e proteção social. Palavras- Chaves. Família. Políticas Públicas. Juventudes. Envelhecimento Abstrat: This paper focuses on the challenges of public policies for within the family , taking the example of two different segments of the same process of the course of human life : the youth and old age . Understands social policy as an element of contradictory character , but which contains the possibilities of materializing rights , in a practical . Thus , it becomes a challenge necessary to consider the peculiarities inherent in both the process experienced by youths , such as the elderly , since both social groups, although they are experiencing different processes , require ways of integrating processes family. While youth is marked by high rates and homicides and processes ( in) visibility , older people still face a context of numerous weaknesses , come to the fore the process of social death and struggle for respect for human dignity . Given these two extremes a necessity: the family as a space for social promotion and protection. Keywords: Public Policy. Youth. Ageing 1. INTRODUÇÃO A conjuntura atual aponta para um preocupante contexto em função das mais perversas formas de violação de direitos potencializadas pela lógica do capital na sociedade contemporânea. A permanência de ideologias neoliberais, com a ampliação do contexto de precarização do mundo do trabalho e a ampliação dos movimentos que visam retrair direitos, os transformando em mercadorias; tem * Assistente Social, Mestre e Doutorando em Serviço Social pelo PPGSS/PUCRS. Professor da Faculdade de Serviço Social PUCRS. ** Assistente Social, Mestre em Educação UFRGS, Doutoranda em Gerontologia Biomédica PUCRS, professora da Universidade Luterana do Brasil - Campus Canoas. *** Assistente Social, vinculada Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo, Professora da Universidade Luterana do Brasil - Campus Canoas. 2 impactado diretamente a garantia de Direitos Humanos. Este contexto aponta para a necessidade de ampliar os debates a respeito da materialização de tais direitos em um contexto de contradições, uma vez que, conforme aponta Sales (2007), os movimentos contínuos para que os Direitos Humanos sejam efetivos em uma ordem prática são fundamentais para que estes não se convertam em letra morta. Nesta perspectiva o presente artigo versa sobre o contexto que se inscrevem duas etapas do curso de vida – a juventude e a velhice; apontando para o debate em torno das políticas públicas no âmbito da família Para realizar este debate, o presente artigo se vale da metáfora sobre duas faces do mesmo espelho, demarcando a juventude e a velhice. Inicialmente busca-se realizar uma análise do papel das políticas públicas no que diz respeito à efetivação dos direitos em um contexto de contradições; logo após, constrói-se uma breve contextualização do cenário que se inscrevem as juventudes na atualidade, demonstrando como vem se constituindo os processos de (in)visibilidade neste segmento social. No item seguinte, busca-se refletir a respeito da dignidade na velhice e a complexidade presente nesta fase da vida; por fim, apresentam-se as considerações finais a cerca deste artigo. Desta forma, busca-se articular o debate a respeito de duas faces do mesmo espelho, isto é: duas dimensões do mesmo curso de vida humana mostrando as suas particularidades no desafio da efetivação da proteção social da família a estes segmentos mais vulneráveis. 2. POLÍTICAS PÚBLICAS: A CONTRADIÇÃO NO CAMPO DA FAMÍLIA Pensar direitos mostra-se como uma necessidade em um contexto onde se produzem e reproduzem diversas formas de violações, em um contexto onde entra em voga debates a qual buscam reduzir e fragmentar lógicas universalistas relacionadas à construção de tais direitos. Neste sentido, este pensamento requer um olhar para a totalidade, compreendendo tais direitos enquanto comuns a todos, sem distinção de qualquer espécie, decorrendo do reconhecimento da dignidade humana, intrínseca a todo ser humano (BENEVIDES, 2007). Tais direitos, para serem acessados necessitam ser consolidados em ações práticas, a fim de que possam se constituir enquanto elementos fundamentais que impactam na vida concreta dos sujeitos. Desta forma, as Políticas Públicas constituem-se meios que 3 possibilitam a materialização dos direitos, conquistados historicamente, através de diversas lutas travadas por particulares segmentos sociais. Diante deste contexto, deve-se compreender o caráter contraditório presentes em torno das Políticas Públicas, para Ahlert (2003), as políticas públicas são resultados de forças sociais contraditórias, trazendo pressupostos estruturais e conjunturais da história do país, que emergem em uma intima relação com as complexidades históricas da realidade social em que insurgem. Para Montaño (2007), compreendem-se as Políticas Sociais como instrumentos privilegiados de redução de conflitos, uma vez que estas contêm conquistas populares transvertida de concessões do Estado ou/e demais setores da sociedade. Independentes da nação em que se constituem, as políticas públicas apontam em sua gênese resultados de conflitos político-econômicos, onde as contradições sociais tornam-se tão expressivas que fomentam transformações nas táticas utilizadas pelos governos para conservarem a sua governabilidade. Apesar destas contradições, inerentes ao debate em torno das Políticas Públicas, percebe-se estes como importantes instrumentos de materialização de direitos, tendo que ser pensadas a fim de concretizar ações práticas acolhendo a diversidade de demandas por direitos no contexto atual. Em uma perspectiva histórica, a efetivação destas políticas passa a ser pauta de domínio nas agendas públicas no Brasil, especialmente, a partir do período da transição democrática vivido na década de 1980, principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, que passa a situar novas diretrizes para concretização destas políticas públicas. O marco desta época, arma expressivos desafios ao Estado e a Sociedade Civil, ao passo em que fica implicado neste percurso, a configuração dos processos de descentralização e sucessivamente gestão compartilhada das políticas públicas, entre Estados, Municípios e União, chamando para compor este cenário também, a sociedade civil. Importante observar que a partir da Constituição de 1988 passam a ser pensados dispositivos legais a fim de possibilitar a ampliação de direitos para alguns segmentos especificos, por exemplo a lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003 (BRASIL, 2004), que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, e abre possibilidades para o debate no contexto atual em torno do Estatuto da Juventude, recentemente aprovado. 4 O princípio da prevalência dos direitos, por exemplo, apresenta-se ainda muito aquém do pretendido pela Constituição Federal de 1988, uma vez que vivemos em uma sociedade onde vem sendo consolidada uma cultura que acredita que os serviços públicos devem ser destinados para “os pobres”, fortalecendo as ações políticas neoliberais que destinam expressiva parte da população a serviços privados, criando a chamada inclusão excludente (SPOSATI, 1995). Soma-se a esta questão, a forma em que a família vem sendo compreendida no contexto das políticas públicas. Neste sentido, tem-se a família, enquanto espaço de proteção social e centralidade das políticas, que deve ser protetora de seus membros e facilitadora do desenvolvimento e amparo para os que não puderem se autoprover, mostrando-se como foco de muitas políticas públicas na perspectiva da materialização de direitos. A família, neste sentido, passa a ser concebida não mais na sua configuração tradicional nuclear, mas agora com configurações sanguíneas, de afeto ou reconfiguradas, exigindo um novo olhar interventivo e de planejamento. Tem-se, neste sentido, o desafio de compreender os impactos conjunturais sofridos no âmbito da família, no que diz respeito à ampliação dos processos de vulnerabilidade social, impactadas pela lógica do modo de produção capitalista. Tal reflexão mostrase fundamental para não catalisar processos de culpabilização e moralização dos sujeitos sociais, compreendendo os limites da função projetiva da família diante da atual conjuntura. Torna-se cada vez mais necessário pensar em um contexto ampliado no que se refere ao debate a respeito de políticas públicas, possibilitando a lógica da efetivação dos direitos em uma perspectiva universalista. Porém, nesta perspectiva, há de se levar em conta algumas particularidades de alguns segmentos específicos, como é o caso de duas etapas do curso de vida humano – a juventude e a velhice, que demandam estratégias diferentes a fim de assegurar os mesmos direitos. 3. AS JUVENTUDES: AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS E OS PROCESSOS DE (IN)VISIBILIDADE O debate a respeito dos direitos humanos torna-se fundamental em uma conjuntura onde se produzem e reproduzem diversas formas de violações que vem impactando diretamente alguns segmentos sociais. Dentre estes segmentos, 5 encontram-se as juventudes1 que vêm se constituindo um das categorias que mais tem sofrido o impacto das transformações societárias das últimas décadas. Um exemplo destes impactos, diz respeito aos dados referentes à violência, uma vez que, percebe-se a centralidade das juventudes no que se refere às altas taxas de homicídio no país, segundo dados da Secretaria Nacional de Juventude em 2009, 54% das pessoas mortas por homicídios no país eram jovens. Observa-se que as taxas de homicídios entre os jovens resistem e permanecem altas quando consideradas junto ao conjunto da população. No período de 1994 a 2004, o aumento da taxa de homicídios entre jovens foi de 32,6%, maior do que o aumento da taxa geral de homicídios (CARA, GAUTO, 2009). O Brasil é um dos países que mais matam seus jovens, perdendo apenas para nações em que há conflitos armados explícitos, como na Colômbia (CARA, GAUTO, 2009). Neste aspecto, no que tange às juventudes, o problema da violência chegou a tal ponto que se pode observar atualmente um déficit de jovens do sexo masculino na estrutura demográfica brasileira (SOARES, 2007). Observa-se a juventudes como um dos segmentos sociais que mais tem vivenciado a maior de todas as violações, isso é, a violação do direito a vida. Neste sentido, verifica-se, também, a inserção das juventudes em atos infracionais, sendo que os jovens aparecem como os principais autores das ocorrências registradas por tráfico de drogas em todo o Brasil (FERREIRA, FONTOURA, CAMPOS, 2009). Dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do Sul – SUSEPE2 revelam que 47 % dos detentos no estado são jovens. O Estudo de Homicídios, realizado em 2011, pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande Sul, refere a faixa etária de 20 a 29 anos como uma “Zona de Alerta”, isso é, a faixa etária que mais pratica e sofre homicídios no estado. Neste contexto, em meio as mais variadas formas de violações de direitos humanos, há uma vinculação, no âmbito da sociedade na contemporaneidade, quanto concepções das juventudes relacionadas à “desordem social”, impondo a identificação dos jovens como o grupo que necessitava ser controlado e tutelado (AQUINO, 2009). Desta forma, a imagem da juventude, especialmente juventude 1 Apesar da complexidade na definição de juventudes, onde deve se considerar diversos aspectos além da abordagem etária, entende-se aqui por juventude todo o sujeito na faixa etária dos 15 aos 29 anos, conforme determinado pela Política Nacional de Juventude. Neste artigo também se adota o termo juventudes, no plural, a fim dar visibilidade para a heterogeneidade desta categoria. 2 SUSEPE, Dados Penitenciários, disponível em http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_menu=32, acesso em 15.06.2012. 6 pobre é associada normalmente a revolta, sendo que esta revolta, pode consistir na confrontação desesperada da interrogação humana frente ao silêncio do mundo, nascendo do espetáculo da desrazão, diante de uma condição injusta e incompreensível, porém, paradoxalmente, como paixão cega, reivindica a ordem em meio ao caos. (SALES, 2007). Para Scherer (2013) esta concepção hegemônica da relação entre juventude e “falta de ordem”, deixa de ver toda a complexidade do fenômeno que envolve as juventudes, partindo de idéias pré-concebidas que rotulam, humilham estigmatizam principalmente o jovem pobre, negro e morador de periferia. e Este papel de “jovem perigoso” constitui-se em uma máscara que invisibiliza e humilha, colocada normalmente na face das juventudes pertencentes a estratos sociais menos favorecidos (SCHERER, 2013). Desta forma, tudo que os jovens pobres questionam e produzem, assim como todas as formas de reação, são interpretadas socialmente como violência, mesmo quando se trata de meras transgressões e incivilidades, já que este é um dos recursos acionados pelos múltiplos poderes da ordem burguesa, que associa a juventude pobre a transgressores, pertencentes a classes perigosas (SALES, 2007). Como consequência, a juventude pobre e vulnerabilizada é constantemente invisibilizada, sendo que esta invisibilidade não se manifesta no que esconde, mas sim no modo cruel com que revela imagens distorcidas de uma projeção que não observa toda a complexidade do fenômeno a qual refere (SCHERER, 2013). Tais tendências (in)visibilizantes, identificadas em diversos âmbitos da sociedade, dizem respeito a uma tendência de não compreender a realidade das juventudes em sua totalidade, buscando “respostas simplistas para problemas complexos”(AGUISKY, CAPITÃO, 2008, p.02) no que tange às questões ligadas às juventudes. É necessário compreender toda a lógica que permeia e impacta diretamente as juventudes, tendo em seu cerne a relação desigual desencadeada pela forma complexa que se organiza a lógica do capital. Devido a isso, torna-se fundamental pensar ações e estratégias, no âmbito das Políticas Públicas, que venham a contribuir de modo significativo no reconhecimento dos Direitos Humanos para todos os segmentos sociais, em especial para as juventudes, por conta dos diversos processos de violação aos quais estão expostas, e, muitas vezes, (in)visibilizadas (SCHERER, 2013). 7 Compreendendo a lógica do curso de vida humano, percebe-se a juventude como uma fase de grandes desafios, tanto em função do índice de homicídios vivenciam cotidianamente, bem como pelas concepções (in)visibilizantes que permeiam a construção social em torno desta categoria. Os sujeitos que passarem por esta fase transitória do desenvolvimento humano, após vivenciarem a maturidade, chegará à velhice, sendo esta uma etapa de grandes desafios para a efetivação de direitos humanos. 4. VELHICE: UM EXTREMO EM ANÁLISE A velhice, enquanto conceito pode ser considerada uma categoria social e cultural não homogênea, uma vez que para cada sociedade se constituem diferentes formas de compreender, perceber e vivenciar o processo de envelhecimento. Para Santin “a velhice é um direito humano fundamental porque ‘ser velho significa ter direito à vida, significa dar continuidade a esse fluxo, que deve ser vivido com dignidade’(SANTIN, 2012). Considera-se que não há apenas um tipo de velhice, uma vez que é uma etapa que chega para um grupo extremamente heterogêneo de adultos. Há a velhice que acontece no espaço familiar, nas Instituições de Longa Permanência, na solidão da viuvez, na parceria comunitária. Há velhice que permite uma vida de participação social, saúde e segurança, conforme preconiza a política do envelhecimento ativo (OMS, 2005). Mas, ainda assim, a ideia de morte social é presente no processo de envelhecimento. Em paralelo a este tipo de morte estão atreladas situações de violação e violência contra idosos, manifestadas em múltiplas dimensões e em diferentes espaços, como exemplo as Instituições de Longa Permanência, denominadas no passado de Asilos. Numa breve retomada histórica, os lugares em que a velhice deveria ser abrigada eram descritos de modo pejorativo, como uma divisória entre o mundo social e o isolamento, ou seja, um local de passagem para a morte, ou ainda, a morte civil. Nada era esperado da velhice, a não ser um caminhar contínuo em direção ao morrer. Pode-se dizer que, neste contexto, à medida que a velhice ganha um lugar na sociedade, perde simbolicamente seu lugar na vida (CORTELLETTI, CASARA, HERÉDIA, 2004, p.19). 8 No atual contexto social, o aspecto da pobreza e da fragilidade presentes num dos tipos de velhice, apagam, ou ao menos tentam, a história pessoal de seus habitantes. Quando se adentra em uma Instituição de Longa Permanência – ILPI, é possível que não haja o reconhecimento dos idosos por suas singularidades, mas, normalmente há um processo de nivelamento e os categorização como “idosos institucionalizados” e passa-se a sentenciar: se não recebe visita é porque está abandonado; se não possui pessoas com as quais se relaciona no ambiente é um solitário. Diante destas concepções, dificilmente se olha um idoso numa instituição e se pensa que ele está vivendo como sempre viveu, ou então, a sociedade atual não dispõe de mecanismos de seguridade social suficientes para a demanda destes idosos, sendo este o aspecto que mais assuste as pessoas de modo geral. Na mesma medida em que a velhice é a representação do nosso direito de viver, também é o período em que as fragilidades sociais, econômicas, físicas e espirituais. A família, a sociedade e o Estado, segundo a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto do idoso compõem a tríade que deve assegurar de forma plena o direito a vida, a segurança, a saúde e a assistência de seus idosos. Isso nos remete a reflexão de que instrumentos e políticas nacionais consolidam a compreensão de que homens e mulheres idosos são sujeitos de direitos, não seres destinatários de caridade, compaixão ou dó. Tal mudança de paradigma se apoia na ideia de que a atenção aos idosos se insere no âmbito das políticas de Direitos Humanos, cujo fundamento diz respeito à dignidade intrínseca da pessoa.( VANNUCHI, 2010. p.01) A dignidade humana é elemento central quando direitos humanos é pauta para discussão. Numa perspectiva de totalidade não há como se pensar o homem como um sujeito que perde sua dignidade, uma vez que a mesma é intrínseca a condição de humano. Mas é possível que a dignidade seja violada na mesma medida em que os direitos a vida (e de viver), a segurança e a participação social não se materializam na vida dos sujeitos. Esta percepção se inicia com a função social que seus membros ocupam no imaginário social e na concretude das relações, onde o adulto com mais de 60 anos se torna legalmente um idoso e já pode ser legitimamente afastado do mundo do trabalho. No Brasil é contraditória a luta dos idosos por maior reconhecimento social 9 ao mesmo tempo em que se permitem serem categorizados, rotulados e massificados, mesmo sendo um segmento social marcadamente heterogêneo. Na trajetória de conquistas do idoso estão os direitos sociais destacados na Constituição Federal e consolidados em legislações protetivas, mas que caminham lentamente no campo da efetivação. Em verdade, a efetividade das normas protectivas dos direitos dos idosos e do próprio princípio da dignidade da pessoa humana são um processo, pois a simples elaboração de textos legais, mesmo que contemplem todos os direitos, não é suficiente para que o ideário que os inspirou introduza-se efetivamente nas estruturas sociais, passando a reger com preponderância o relacionamento político, jurídico, econômico, cultural e social de seus integrantes. Trata-se de uma luta diária de conquista efetiva desses direitos, a qual passa não apenas pelos poderes constituídos, mas por cada cidadão (SANTIN, 2012. p.22). Para as juventudes mencionamos vivências relacionadas à exclusão do mundo do trabalho e de altos índices de homicídios, ao falarmos das velhices também percebemos que estas duas dimensões se apresentam através do afastamento do mundo do trabalho (o sujeito que já contribuiu e que agora não oferece as mesmas condições de produtividade – população excedente) e de morte, não enquanto homicídio, mas morte social, a morte que chega primeiro, que leva ao afastamento social, que priva os sujeitos da convivência comunitária e que usurpa do outro o direito de participação e de reconhecimento social. No âmbito da família, é construído historicamente como o lugar de amparo e proteção da velhice, porém, devido às mudanças na estrutura da sociedade, com a saída da mulher para o mercado de trabalho e a redução do número de filhos, perde boa parte de sua capacidade cuidadora e protetora. Neste sentido, se desenha um grande desafio no bojo das políticas públicas no atual contexto, pensar em formas de cuidados e proteção no contexto da velhice em uma conjuntura em constantes transformações. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora se tenha um processo normativo avançado e reconhecido no Brasil, muitos desafios ainda se colocam na efetivação das políticas públicas, especialmente, no que tange a proteção social da família, em especial os segmentos da juventude e do idoso. Um deles com expressiva relevância é o da solidificação de 10 uma cultura de direitos no país, onde as políticas públicas estejam voltadas a totalidade da população, respeitando as diversidades existentes e rompendo com a perspectiva de ações compensatórias para alguns segmentos ditados como minorias sociais3, neste artigo, representados pela juventude e os idosos. A realidade atual mostra uma série de violações de direitos que são vivenciados cotidianamente pelas juventudes, especialmente no que diz respeito às altas taxas de mortalidade juvenil presentes no Brasil; diante deste contexto emergem processos de (in)visibilidade, que, por levarem em consideração imagens calcadas em pré concepções, não compreendem toda a complexidade do fenômeno juventudes. Desta forma, percebe-se a necessidade de pensar em políticas públicas a fim de compreender como vem constituindo o atual cenário das juventudes, buscando respostas a heterogeneidade de suas demandas a fim de assegurar a materialização de direitos humanos para este segmento. No campo da velhice, há que se considerar a mesma é resultado de um processo de envelhecimento que se inicia na adultez e que, portanto, requer políticas públicas que contemplem ações, políticas e projetos pertinentes a todas as faixas etárias. O curso de vida faz diferentes exigências no âmbito das políticas públicas que sinalizam investimentos nas áreas de saúde, assistência social e previdência – tripé da seguridade social, mas não apenas isso. A educação numa perspectiva de solidariedade entre pares, estruturas públicas de lazer, e habitação e a convivência intergeracional também são estratégias para pôr em prática o que preconizam os direitos, reconhecendo que a família não detém o domínio pelas condições de cuidado e amparo de alguns tipos de velhice presentes na sociedade contemporânea. A metáfora das duas faces do mesmo espelho demarca o debate entre segmentos etários, que apesar de pertencerem a fases distintas da vida, demandam a efetivação dos mesmos direitos, ao mesmo tempo em que, também demandam que as particularidades destas duas fases distintas sejam levadas em conta na formulação de políticas públicas no reconhecimento da família nos campo da promoção e proteção social. Desta forma, permanecem grandes desafios para que possam ser pensadas em políticas públicas que realmente respondam às 3 As minorias sociais são os segmentos sociais que sofrem processos de estigmatização e discriminação, que resultam em variadas formas de desigualdade ou exclusão social,onde por sua vez, impedem a materialização dos direitos humanos. 11 necessidades humanas, tanto de idosos, quanto de jovens, bem como, de todos os seres humanos. Este desafio está alicerçado na forma de pensar em políticas sociais universais, na perspectiva da intersetorialidade, a fim de possibilidade a materialização de direitos em um contexto tão complexo, com sujeitos com demandas distintas, mas com os mesmos direitos. REFERÊNCIAS ACOSTA, Rojas Ana; VITALE, Maria Amalia Faller (Org.) Família: Redes, Laços e Políticas Públicas. 5ª.ed. São Paulo: Cortez, 2010. AGUISKY, Beatriz; CAPITÃO, Lúcia. Violence and socieducation: an ethical inquiry based on the contributions of restorative justice. 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