UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO LUIS ANTÔNIO DA COSTA BENTO TORÇÃO DE ÚTERO EM CADELA: RELATO DE CASO Niterói – RJ 2010 LUIS ANTÔNIO DA COSTA BENTO TORÇÃO DE ÚTERO EM CADELA: RELATO DE CASO Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais, para obtenção do título de Especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientador: Nelson Domingues Pena Niterói – RJ 2010 LUIS ANTÔNIO DA COSTA BENTO TORÇÃO DE ÚTERO EM CADELA: RELATO DE CASO Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais, para obtenção do título de Especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. APROVADA EM:_____/_____/_____ BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Prof. Presidente _______________________________________________ Prof. Primeiro Membro _______________________________________________ Prof. Segundo Membro Niterói – RJ 2010 Dedico este trabalho àquelas que me motivam a levantar todos os dias e ir atrás do meu melhor: Roberta, minha esposa e Rebeca, razão do meu viver. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais por me conduzirem neste caminho tortuoso, mesmo que para isso tivessem que abrir mão de suas necessidades e conforto. Agradeço ao meu irmão e minha irmã pelo incentivo a minha profissão e apoio técnico e afetivo. Agradeço a minha esposa pela paciência, pelas noites de preocupação, pelo incentivo a minha profissão e por acreditar em minha capacitação. Agradeço a minha maior riqueza “minha filha” Rebeca, por amar os animais e amar a profissão do papai; obrigado por você existir. Agradeço ao professor Nelson Domingues Pena por me iniciar nas técnicas cirúrgicas. Agradeço ao professor Alceu Raizer por me mostrar que a medicina veterinária pode ser praticada em alto nível. Agradeço a banca examinadora por abrir mão de tão precioso tempo para estar aqui. Agradeço a todos os aos animais que são nossa fonte de trabalho, estudo e inspiração; os quais eu respeito e amo. Agradeço a Deus pelas pessoas especiais que colocou em minha vida e em nenhum momento me deixou trilhar sozinho. Durante uma instrução militar quando tenente do Exercito Brasileiro ouvi do instrutor de sobrevivência na selva a mnemônica palavra: E-S-A-O-N, que quer dizer: E- estacione S- sente-se A- alimente-se O- oriente-se N- navegue Diante dos desafios do dia a dia sinto que estas palavras são atuais para a sobrevivência em qualquer ambiente e me motiva a continuar navegando. Luis Antônio da Costa Bento LISTA DE FIGURAS Página FIGURA 01 Aparelho reprodutor de cadela................................................................... 12 FIGURA 02 Anatomia de útero e ovários....................................................................... 13 FIGURA 03 Esquematização de ovário-salpingo-histerectomia.................................... 23 FIGURA 04 ovário-salpingo-histerectomia..................................................................... 24 FIGURA 05 Paciente demonstrando distensão do abdome............................................. 27 FIGURA 06 Paciente demonstrando distensão do abdome............................................. 28 FIGURA 07 Ultrassom identificando a presença de massas no útero............................ 28 FIGURA 08 Início da cirurgia, exteriorizando um corno uterino dilatado..................... 29 FIGURA 09 Iniciando a exteriorização de ambos os cornos uterinos............................ 29 FIGURA 10 Exteriorizando todo o útero (observa-se várias aderências)..................... 30 FIGURA 11 Torção uterina no corpo uterino, próximo a cérvix.................................... 30 FIGURA 12 Visualização de todo útero exteriorizado, com a torção............................ 31 FIGURA 13 Observa-se várias aderências..................................................................... 31 FIGURA 14 Identificando o ovário e preparando a ligadura.......................................... 32 FIGURA 15 O útero com seu conteúdo pesava 2,500 kg................................................ 32 FIGURA 16 Término da cirurgia .................................................................................... 33 FIGURA 17 Expondo o conteúdo uterino........................................................................ 33 FIGURA 18 Conteúdo uterino – observa-se a presença de fetos macerados (ossos).... 34 FIGURA 19 Conteúdo uterino – observa-se a presença de fetos macerados (ossos).... 34 RESUMO A torção uterina é uma afecção do trato reprodutivo, rara em cadelas, tendo difícil diagnóstico clínico, sendo comumente confirmado através de laparotomia exploratória. Geralmente ocorre em úteros gravídicos ou em casos de piometra ou hematometra, associados à intensa movimentação da fêmea, que faz com que o útero gire em torno de si mesmo. A literatura cita ser mais comum a ocorrência de torção em um ou ambos os cornos uterinos. A distocia é uma das causas que leva a torção do útero, sendo, portanto, importante suspeitar desta ocorrência sempre que atender um caso de parto distócico. Este estudo procura esclarecer a etiologia desta patologia, através de uma revisão da literatura, associando as informações encontradas com o relato de caso clínico de uma cadela SRD, com seis anos, que apresentava abdome distendido, porém temperatura normal, mucosas normocoradas e tempo de perfusão normal. Foi feito o diagnóstico de torção uterina, através de laparotomia exploratória, e a cirurgia de ovário-salpingo-histerectomia. Palavras-chave: torção uterina; cadela; ovário-salpingo-histerectomia. ABSTRACT Uterine torsion is a disorder of the reproductive tract, rare in dogs, with clinical diagnosis difficult, and often confirmed by exploratory laparotomy. Usually occurs in the gravid uterus or in cases of pyometra or hematometra associated with the intense movement of the female, which causes the uterus to turn around itself. The literature refers to be more common occurrence of twist in one or both uterine horns. The dystocia is one of the causes that lead to twisting of the uterus, and is thus important to suspect this event ever to attend a case of dystocia. This study sought to clarify the etiology of this disease, through a literature review, gathering the information found with a case report of a bitch, with six years, who presented abdominal distension but normal temperature, normal colored mucosa and normal perfusion time. Was made the diagnosis of uterine torsión, by exploratory laparotomy, and ovarysalpingo-hysterectomy surgery. Keywords: uterine torsion; bitch; ovary-salpingo-hysterectomy. SUMÁRIO Página LISTA DE FIGURAS........................................................................................................ 06 RESUMO............................................................................................................................ 07 ABSTRACT........................................................................................................................ 08 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 11 2 REVISÃO DA LITERATURA.................................................................................... 12 2.1 ANATOMIA E FISIOLOGIA DO APARELHO REPRODUTOR DE CADELAS 12 2.1.1 Ovário....................................................................................................................... 13 2.1.2 Tuba Uterina............................................................................................................ 14 2.1.3 Útero.......................................................................................................................... 14 2.1.4 Cérvix........................................................................................................................ 15 2.1.5 Vagina....................................................................................................................... 16 2.1.6 Vulva......................................................................................................................... 16 2.1.7 Ciclo Estral............................................................................................................... 17 2.2 DEFINIÇÃO DE TORÇÃO UTERINA..................................................................... 18 2.3 ETIOLOGIA................................................................................................................ 18 2.4 SINAIS CLÍNICOS...................................................................................................... 20 2.5 DIAGNÓSTICO........................................................................................................... 20 2.6 TRATAMENTO........................................................................................................... 21 2.6.1 Ovário-salpingo-histerectomia................................................................................ 21 3 CASO CLÍNICO............................................................................................................. 27 4 DISCUSSÃO.................................................................................................................... 36 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 38 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 39 1 INTRODUÇÃO O atendimento obstétrico a cadelas para diagnóstico de gestação, gestantes ou em distocia é muito frequente na clínica veterinária de animais de companhia. Fêmeas caninas possuem particularidades reprodutivas diferenciadas quando comparadas a outras espécies domésticas, como a duração do período fértil e da ovulação. Além disso, altas taxas de distocia são observadas nesta espécie, especialmente em algumas raças. Distocias de gestação são problemas que ocorrem no parto ou no terço final da prenhez, sendo um conjunto de causas que tornam o parto uma função difícil, impossível ou perigosa para a mãe e para o(s) feto(s). Entre as distocias está a torção uterina, que é uma afecção do trato reprodutivo, não exclusiva de gestação. É uma patologia bastante rara, de diagnóstico difícil, geralmente associada ao aumento do volume uterino em combinação com outras alterações dos órgãos pélvicos, podendo envolver um ou ambos os cornos uterinos. As torções uterinas são mais comuns em fêmeas com útero gravídico no terço final da gestação ou no puerpério, podendo ser causadas por mudanças bruscas de posição do animal (comportamento muito agitado), durante movimentos fetais intensos, porém podem acontecer em úteros não-gravídicos, principalmente na presença de hemometra ou piometra. A torção uterina é uma patologia incomum tanto em cadelas quanto em gatas, tendo sido descritos alguns casos em animais gestantes que se movimentaram bruscamente no final da gestação ou que apresentaram movimentos fetais ativos. Os sinais clínicos são inespecíficos, como descarga vulvar, distensão abdominal, apatia, inapetência e dor abdominal, mas podem estar ausentes. O diagnóstico é feito quase sempre durante o ato cirúrgico, pois o exame de ultrassonografia geralmente é inespecífico. Este estudo procurou esclarecer a etiologia desta patologia, através de uma revisão da literatura, associando as informações encontradas com o relato de caso clínico de uma cadela com torção uterina, atendida em clínica veterinária particular, no município de Petrópolis – RJ, onde foi feito o diagnóstico e a cirurgia de ovário-salpingo-histerectomia. 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 ANATOMIA E FISIOLOGIA DO APARELHO REPRODUTOR DE CADELAS Os órgãos femininos da reprodução são compostos por (Figuras 01 e 02): ovários, ovidutos ou tubas uterinas, útero, cérvix uterina, vagina e genitália externa (vulva). A irrigação sanguínea destes órgãos é feita pelas artérias ovariana, uterina média e pudenda interna e a vascularização segue através dos ligamentos até os órgãos (GETTY, 1975). Figura 01: Aparelho reprodutor de cadela. Fonte: GUIDO, 2010. Figura 02: Anatomia de útero e ovários. Fonte: SICARD; FINGLAND, 2008. 2.1.1 Ovário O ovário é um órgão duplo de forma variável, encontrado dorsalmente na cavidade abdominal, próximo ao bordo pélvico, apresentando função celular (liberação de gametas) e endócrina (secreção de hormônios). Apresenta epitélio superficial (germinativo), túnica albugínea (tecido conjuntivo fibroso que cobre todo o ovário), cortical externa e medular interna (com vasos e nervos). Na cortical ficam os folículos primários, que se desenvolvem até a ovulação. Durante o cio, os ovários de cadelas ficam com formato de cachos de uva, pois possuem múltiplas ovulações (GETTY, 1975; HAFEZ; HAFEZ, 2003). Possuem função celular, que é a produção de gametas femininos (oócitos – óvulos), e função endócrina, que consiste na secreção de hormônios (FELDMAN; NELSON, 2003; HAFEZ; HAFEZ, 2003): Estrogênio: responsável principalmente pelas características sexuais secundárias, sinais de cio e desenvolvimento da glândula mamária. Progesterona: responsável pela manutenção da gestação, lactação e comportamento materno. Inibina: importante para a regulação endócrina por feedback negativo. Ocitocina ovariana: influi no processo de involução do corpo lúteo. Relaxina: facilita a passagem do feto no canal do parto. 2.1.2 Tuba Uterina Segundo Feldman; Nelson (2003) e Hafez; Hafez (2003), a tuba uterina tem as funções de: captar o óvulo e encaminhá-lo até o útero, secreção de muco e transporte dos espermatozóides. Possui formato sinuoso e divide-se em três porções: Infundíbulo: é a porção mais próxima ao ovário. O infundíbulo afunila formando um tubo (alarga na extremidade). Em sua abertura se encontram fímbrias, que na época da ovulação se prolongam e envolvem o ovário para que o(s) óvulo(s) seja(m) atraído(s) para tuba. Ampola: é uma porção mais dilatada dorsalmente, aproximadamente à metade do comprimento da tuba. Istmo: estreita porção proximal, ligando as tubas ao útero. 2.1.3 Útero correspondendo O útero de cadela é do tipo bipartido, possui corpo em forma cilíndrica e dois cornos uterinos, extremamente compridos e estreitos, localizando-se na cavidade abdominal. Histologicamente é composto por (GETTY, 1975; HAFEZ; HAFEZ, 2003): Camada serosa (perimétrio); Camada muscular (miométrio): músculo liso, tecido conjuntivo e vasos; Camada mucosa (endométrio): rico em glândulas. As funções do útero são (FELDMAN; NELSON, 2003; GRUNERT; BIRGEL, 1989; HAFEZ; HAFEZ, 2003): Transporte espermático: feito pelo endométrio, do ponto de ejaculação até o local de fertilização, no oviduto. Receber o embrião (concepto) e permitir sua nidação (fixação). Gestação. Expulsão do feto (parto). Secreção de prostaglandina, relaxina e ocitocina. Regulação da função do corpo lúteo. O útero é o órgão do aparelho reprodutor feminino que recebe o embrião, faz sua implantação e ainda estabelece as relações vasculares do embrião ou feto durante todo o período de gestação. É um órgão cavitário que apresenta parede relativamente espessa, grande capacidade de distender-se e de voltar ao tamanho normal (NASCIMENTO; SANTOS, 1997). 2.1.4 Cérvix A cérvix se localiza entre o útero e a vagina. Suas funções são (FELDMAN; NELSON, 2003; HAFEZ; HAFEZ, 2003): Secreção de muco cervical para facilitar o transporte dos espermatozóides até o útero; Atua como reservatório de espermatozóides, que ficam alojados nas criptas cervicais, abastecendo o trato reprodutivo com subsequentes liberações de material seminal, ou impedindo que um número excessivo atinja o local da fertilização. Promove a retenção de espermatozóides defeituosos e inviáveis. Passagem do feto. A cérvix é semelhante a um esfíncter, permanecendo fechada, exceto durante o cio, quando relaxa para permitir a passagem de espermatozóides para o útero, e durante o parto, permitindo a passagem do feto (GRUNERT et al., 2005; HAFEZ; HAFEZ, 2003). Durante a gestação, o muco produzido pela cérvix se torna altamente viscoso, espesso, turvo e não se cristaliza, formando uma barreira contra o trânsito de espermatozóides e bactérias, prevenindo infecções uterinas. No momento do parto este tampão se liquefaz e a cérvix se dilata para passagem do feto e de suas membranas fetais. A secreção do muco cervical é estimulada pelos estrógenos ovarianos e inibida pela progesterona (FELDMAN; NELSON, 2003; HAFEZ; HAFEZ, 2003). 2.1.5 Vagina Possui formato cilíndrico, é músculo membranosa (para dilatar na saída do feto) e produz muco. Localiza-se na cavidade pélvica, posterior a cérvix e anterior a vulva. Suas funções são (GETTY, 1975; HAFEZ; HAFEZ, 2003): Secreção de muco: para umidificar a vagina. Acolhimento de pênis durante a cópula. Passagem do feto. Depósito de sêmen. 2.1.6 Vulva É a porção externa da genitália feminina, se estendendo da vagina para o exterior. Possui dois lábios (maior e menor), uma comissura dorsal e outra ventral. Na ventral fica o clitóris. As funções da vulva são (GETTY, 1975; HAFEZ; HAFEZ, 2003): Proteção da entrada do trato genital. Cópula. Passagem da urina. Passagem do feto. 2.1.7 Ciclo Estral Ciclo estral é o período compreendido entre dois estros (entre uma ovulação e outra), variando de duração de acordo com a espécie animal. Apresenta fases bem evidentes, caracterizadas por modificações da genitália interna e externa, assim como no comportamento da fêmea (HAFEZ; HAFEZ, 2003). O ciclo estral possui duas grandes fases: proliferativa (sob influência estrogênica) e secretora (influência progesterônica). A fase sob ação do estrogênio é a em que ocorre manifestação do cio. Essa fase corresponde ao pró-estro e ao estro: Pró-estro é a fase em que ocorre liberação de hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) pela hipófise, para que haja desenvolvimento do folículo e produção de estrógeno. Iniciam-se as modificações da genitália e as alterações comportamentais. Estro (cio) é a fase em que ocorre um pico de LH, determinando um aumento na liberação de estrógeno. A fêmea passa a apresentar todas as características de cio (cérvix relaxada, vulva edemaciada, aceita o macho, entre outras) e culmina com a ruptura do folículo. Na fase secretora ou progesterônica ocorre quiescência do trato genital. Corresponde às fases de metaestro e diestro. Metaestro é a fase pós-ovulatória, que se segue à formação do corpo lúteo funcional. Ocorre redução do estrogênio e aumento da progesterona. O aparelho genital entra em estado de quiescência. O útero fica flácido e a cérvix começa a fechar. Vulva e vagina ficam mais pálidas e menos umidificadas. Diestro é a fase onde há plena atividade do corpo lúteo, com produção de progesterona e o órgão quiescente. É a fase secretora. Vulva e vagina se apresentam com coloração normal, cérvix fechada, umidificação. Há também a fase de anestro, que corresponde a um longo período de quiescência (inatividade) do trato genital, ocorrendo entre os períodos de reprodução (GRUNERT; BIRGEL, 1989; GRUNERT et al., 2005; HAFEZ; HAFEZ, 2003). As cadelas são monoéstricas, ciclam duas vezes ao ano, tendo períodos de anestro. Seu período fértil estende-se do final do proestro ao meio do estro e cada uma dessas fases do ciclo estral pode durar de três dias a três semanas, com duração média de sete a dez dias. Após a cópula, os espermatozóides podem permanecer armazenados em glândulas uterinas durante o estro, e a proximidade do espermatozóide com o epitélio colunar não apenas ajuda a manter a sua viabilidade, mas pode também promover ou modular a capacitação espermática e as mudanças na motilidade. Durante a fase folicular do ciclo (proestro e estro), folículos monovulares (com apenas um ovócito) ou poliovulares (contendo em média de dois a quatro ovócitos) desenvolvem-se nos ovários. Nas cadelas, as ovulações ocorrem em média 48 horas após o pico pré-ovulatório de LH e caninos podem permanecer fertilizáveis por período superior a 200 horas. O período de gestação em cadelas é de 63 dias, com uma variação de 56 a 72 dias (CONCANNON, 2000; CONCANNON et al., 1989; HAFEZ; HAFEZ, 2003; KAWAKAMI et al., 2000; LINDE-FORSBERG; ENEROTH, 2004; VERSTEGEN et al., 2001 apud LUZ et al., 2005). 2.2 DEFINIÇÃO DE TORÇÃO UTERINA Torção uterina é definida como sendo uma rotação de mais de 45º do útero em torno do seu eixo axial (LARA et al., 1999). É uma condição aguda, rara em cadelas e gatas, e que traz riscos a vida, e as manifestações clínicas variam desde nenhum sinal até sintomas de distocias, dores abdominais ou choque, e geralmente está relacionada com o útero gravídico próximo ao final da gestação. Um ou ambos os cornos uterinos podem rotacionar ao longo do eixo longitudinal ou em torno do outro corno, ocorrendo mais frequentemente em fêmeas agitadas e saltadoras (LINDE-FORSBERG; ENEROTH, 2004; NELSON; COUTO, 2006; SORRIBAS, 2006; WYKES; OLSON, 1996). 2.3 ETIOLOGIA As principais causas de torção de útero estão relacionadas com movimentos fetais ativos, contração uterina prematura, anormalidades do útero, estiramento do ligamento ovariano próprio e excessiva atividade da fêmea no final da gestação (WYKES; OLSON, 1996). As torções uterinas podem ser de diferentes graus e podem predispor um parto distócico ou ser consequência de um. Em algumas situações, casos de distocia por ou com torção uterina, por ser difícil identificar a torção, levam a administração de ocitocina, muitas vezes feita por leigos, sem prescrição médica, em dose excessiva, e podem levar a ruptura uterina, o que agrava ainda mais o quadro, elevando o risco à saúde e a vida da paciente (MARTINS et al., 2007; SAMPAIO et al., 2002). Distocias são comuns em cadelas e isso ocorre porque a conformação do canal do parto nesta espécie é inadequada para possibilitar a parição, em razão de um tamanho relativamente desproporcional do feto ou por fatores que possam interferir na função contrátil do útero. Acreditase que a incidência mundial de distocias em cadelas seja de 5%, podendo chegar a 100% em algumas raças, especialmente as do tipo acondroplásico e as selecionadas para terem a cabeça grande. Fêmeas de raças pequenas, como Toy, que possuem cabeça grande e canal pélvico relativamente estreito, são predispostas a distocias. Em raças como Bulldog e Pekingese, os partos distócicos são tão comuns que os criadores geralmente solicitam cesariana antes mesmo que as fêmeas entrem em trabalho de parto (GRAVES, 2008; LINDE-FORSBERG; ENEROTH, 2004). Em estudo desenvolvido por De DARVELID; LINDE-FORSBERG (1994) apud LINDE-FORSBERG; ENEROTH (2004) foram estudados182 casos de distocias em cadelas e destes, 1,1% envolveram torção uterina, demonstrando não ser uma patologia muito comum. Estudos epidemiológicos têm demonstrado que a produção e acúmulo de secreção purulenta de natureza infecciosa no útero, denominada como piometra, tem se destacado como a principal patologia do trato reprodutivo das fêmeas caninas, e é uma das alterações que ocorrem no útero que podem predispor à ocorrência de torção uterina, segundo relatos que associam a torção uterina também ao útero não gravídico. Outros casos citam a hematometra (presença de sangue no útero) como outra causa que predispõe a torção. Tanto a piometra quanto a hematometra promovem saculações no útero, sendo esta a causa que favorece a ocorrência da torção (SAMPAIO, 2010). Piometra é o acúmulo de pus no útero. Difere da endometrite, que é inflamação do endométrio, e da metrite, que é a inflamação das três camadas. Piometra é o acúmulo de pus no lúmem uterino. Podendo ser causada pela endometrite ou pela metrite ou por infecção por microrganismos. Os patógenos mais comuns são as bactérias, mas pode ocorrer por fungos, vírus e protozoários. Os principais sintomas são apatia, febre e prostração. O acúmulo de pus pressiona o endométrio, lesando-o, fazendo com que perca sua funcionalidade: não libera prostaglandinas, não lisa o corpo lúteo (corpo lúteo persistente), diestro constante até que entra em anestro (infertilidade). O diagnóstico é feito através de palpação e ultra-sonografia. Hemograma com aumento de leucócitos, associado à clínica, pode ser indicativo. Geralmente a piometra surge após o cio, pois há abertura da cérvix, possibilitando entrada de patógenos. Se a imunidade da fêmea estiver baixa, leva a instalação do patógeno (endometrite). No início se traduz em uma fase assintomática, subclínica. Com o fim do período de cio, a cérvix se fecha e a proliferação de patógenos leva a formação de pus (piometra) e ao aparecimento da sintomatologia. É comum em cadelas, pois só ciclam de seis em seis meses, ficando a cérvix fechada por todo esse tempo, favorecendo a proliferação de bactérias, criando um ambiente propício (FELDMAN; NELSON, 2003; GRAVES, 2008; GRUNERT et al., 2005). A causa da torção do útero gravídico ou daqueles com saculações geralmente está relacionada à movimentação intensa do animal, levando a ocorrência da torção de todo um corno, ou parte de um, sobre o seu próprio eixo. Na gata e na cadela a torção normalmente afeta apenas um corno ou parte do mesmo, sendo a torção de ambos os cornos mais rara e isto se explica pela ausência do ligamento intercornual nestas espécies. Os pontos de fixação são o mesovário e o corpo uterino. Os vasos do mesovário e mesométrio ipsilaterais à torção sofrem colapso o que dá origem à lesão isquêmica da parede uterina e às suas consequências como ruptura e septicemia, quando a torção está acompanhada de piometra (MARTINS et al., 2007; SAMPAIO, 2010). Pacientes em trabalho de parto prolongado e que apresentem distocias sempre devem ser minuciosamente avaliadas, pois podem apresentar graves alterações, como é o caso da torção uterina, que coloca em risco a vida do paciente (MARTINS et al., 2007). 2.4 SINAIS CLÍNICOS Nem sempre há sinais clínicos aparentes, mas mesmo quando há sinais estes são inespecíficos, incluindo distensão abdominal, dor abdominal, descarga vaginal hemorrágica, pulso fraco, palidez das mucosas, rápida diminuição na temperatura corporal, massa abdominal dura à palpação, levando ao choque e a morte se não tratada a tempo (GROOTERS, 1998; SORRIBAS, 2006). 2.5 DIAGNÓSTICO Por não oferecer sintomas específicos e pela ultrassonografia não fornecer exatidão sobre o problema, o diagnóstico é frequentemente estabelecido durante a laparotomia exploratória (WYKES; OLSON, 1996). É importante suspeitar de torção uterina sempre que houver um parto distócico, pois a utilização de ocitocina para auxiliar o parto pode agravar o problema e levar a ruptura uterina. Às vezes alguns fetos podem nascer e o processo de parto continuar, ocorrer a torção uterina e a condição da cadela pode deteriorar rapidamente, sendo indispensável a cirurgia de ovário-salpingohisterectomia e o diagnóstico rápido da torção para salvar a vida da paciente (LINDE-FORSBERG; ENEROTH, 2004; MARTINS et al., 2007). 2.6 TRATAMENTO O tratamento da torção uterina é a ovário-salpingo-histerectomia, pois o tecido uterino fica isquêmico e geralmente se encontra desvitalizado. Usam-se muitas técnicas para ovário-salpingohisterectomia, no entanto os objetivos são os mesmos: remoção dos ovários, mais cornos e corpo uterinos. Pode-se tentar desfazer a torção uterina, porém geralmente é uma manobra que não dá resultado positivo (BOJRAB, 1996; FOSSUM, 2005; GROOTERS, 1998; SORRIBAS, 2006). Além do tratamento cirúrgico, é importante verificar os sinais vitais e de saúde da paciente, visto que esta patologia geralmente leva a desidratação e alterações metabólicas, bem como o risco de septicemia, principalmente se vinculada a piometra. Para isso é necessário promover uma terapia antimicrobiana e reposição de fluidos para a devida correção dos desvios metabólicos (SAMPAIO, 2010). 2.6.1 Ovário-salpingo-histerectomia O objetivo deste procedimento é a remoção do útero e dos ovários. É indicada não apenas para esterilização ou para prevenção de tumores mamários, mas também é o tratamento de escolha para a maior parte das doenças uterinas, que incluem a piometra, hiperplasia cística de endométrio, neoplasia uterina e torção uterina (FOSSUM, 2005; SICARD; FINGLAND, 2008). O material cirúrgico utilizado, segundo Sicard; Fingland (2008) inclui: material cirúrgico padrão; fios de sutura; gancho para ovário-salpingo-histerectomia. A técnica segue os seguintes passos (Figuras 3 e 4), segundo Fossum (2005) e Sicard; Fingland (2008): 1. Realizar a tricotomia e preparar cirurgicamente o abdome ventral desde a cartilagem xifóide até o púbis, antes da indução da anestesia para reduzir o tempo de anestesia total; 2. Proceder a anestesia; 3. Posicionar o animal em decúbito dorsal; 4. Fazer a incisão na pele, na linha média ventral, desde a cicatriz umbilical até a margem do púbis (porém em caso de útero aumentado uma incisão mais ampla é necessária); 5. Penetrar na cavidade abdominal através da linha alba; 6. Localizar o corno uterino esquerdo,e com a utilização de um gancho de ováriosalpingo-histerectomia, ou com o dedo indicador – deslocar o omento e o intestino no sentido cranial, para alcançar o útero; 7. Aplicar uma pequena pinça hemostática de halsted através do ligamento próprio, para auxiliar na retração caudal do ovário; 8. Segurar o ovário entre o polegar e o dedo médio; posicionando o dedo indicador o mais próximo possível do ligamento suspensor; aplica-se tensão neste ligamento, girando o dedo indicador sentido caudal até que o mesmo se rompa; 9. Identificar o complexo arteriovenoso ovariano (CAVO), e com o auxílio de uma pinça (clampe) hemostática Rochester-Carmalt, faz-se uma abertura no mesovário imediatamente caudal ao CAVO em uma área livre de vasos e gordura; 10. Aplica-se três pinças hemostáticas Rochester-Carmalt e faz-se a transecção do CAVO (a primeira é colocada imediatamente proximal ao ovário; a segunda cerca de 5mm proximal a primeira; a terceira no ligamento próprio, entre o ovário e o corno uterino); 11. Aplicar uma ligadura em circunferência frouxa ao redor da pinça proximal, aperta-se a ligadura enquanto remove a pinça, assim ela se posicionará no sulco de tecido formado pela pinça; 12. Aplicar outra ligadura, por transfixação, entre a ligadura em circunferência e a extremidade seccionada do CAVO; 13. Prender o CAVO distal à ligadura, com uma pinça digital; remove-se a pinça do meio e verifica-se se há hemorragia. Se houver, aplicar uma segunda ligadura em circunferência no CAVO, proximal à primeira; 14. Seguir o corno uterino esquerdo distalmente até a bifurcação, localizar o corno uterino direito seguindo até o CAVO direito; 15. Repetir o procedimento descrito de ligadura e transecção do CAVO direito; 16. Seccionar o ligamento largo; 17. Exteriorizar o corpo uterino e localizar a cérvix; 18. Seccionar o corpo uterino após a aplicação de duas ligaduras, removendo todo o útero proximal à cérvix; 19. É importante verificar se há presença de hemorragia nos pedículos dos CAVOs e no corpo uterino antes de proceder a sutura abdominal; 20. Suturar a incisão abdominal como se faz na rotina. Figura 03: Esquematização de ovário-salpingo-histerectomia. Fonte: FOSSUM, 2005. Figura 04: Ovário-salpingo-histerectomia: A- isolando o ligamento suspensor; B- Fazendo abertura no mesovário, caudal ao CAVO; C- Ligadura tripla no CAVO; D- Secção do CAVO entre ovário e pinça; E- Método alternativo; F- Ligadura em circunferência ao redor da pinça proximal; G- Apertando o fio de sutura no sulco de tecido; H e I- Ligadura por transfixação; J- Abertura no ligamento largo (próximo a cérvix, adjacente à veia e artéria uterinas); K-Segurando o ligamento largo; L- Tracionando o ligamento largo no sentido cranial até que ele e o ligamento redondo sejam liberados; M- Aplicando a 1ª ligadura por transfixação; N- aplicando a 2ª ligadura por transfixação; O- Fazendo a transecção do corpo uterino. Fonte: Sicard; Fingland, 2008. Indicar a administração de antibiótico e analgésico após a cirurgia, caso se faça necessário. É importante limitar a atividade física e observar se há ocorrência de complicações ou hemorragias na ferida cirúrgica. Em casos de cadelas com piometra, é comum a ocorrência de disfunção renal, podendo apresentar azotemia, oligúria ou anúria, portanto deve-se monitorar a função renal e manter a hidratação da paciente após a cirurgia. E É recomendada a diurese induzida com administração intravenosa (IV) de fluido cristalóide por no mínimo 24 a 36h após a cirurgia. A colocação de um cateter uretral auxilia a monitoração da produção urinária. A administração de antibiótico de amplo espectro é fundamental em casos de piometra, para evitar o risco de toxemia ou sepse, devendo ser aplicado durante a cirurgia e no pós-operatório (SICARD; FINGLAND, 2008). Segundo Sicard; Fingland (2008), as complicações mais comuns que podem surgir no pósoperatório são: Hemorragia: é a mais comum, principalmente em fêmeas que pesem mais de 25kg. Ocorre principalmente por erro de técnica, como por aperto insuficiente das ligaduras, laceração do CAVO ao romper o ligamento suspensor, falha em ligar os grandes vasos, laceração da artéria uterina (por tração excessiva do corpo uterino e remoção prematura da pinça na ligadura). Pacientes com distúrbios de coagulação (não tratados ou não identificados – ex: doença de Willebrand) também podem apresentar hemorragia persistente. O risco de hemorragia pode ser evitado através da aplicação da técnica corretamente, para isso é necessário evitar sempre o excesso de confiança durante uma ovário-salpingo-histerectomia de rotina. Piometra de coto uterino: pode ocorrer quando não se remove uma porção de corpo ou corno uterino e o animal apresenta alta concentração sérica de progesterona, geralmente causada por tecido ovariano remanescente (causa endógena) ou por administração de compostos a base de progesterona para tratamento de dermatite (causa exógena). Síndrome de tecido ovariano remanescente: causa cio recorrente e ocorre devido à presença de tecido ovariano remanescente funcional. O tratamento se resume à remoção do tecido ovariano remanescente. Caso não se consiga localizar o tecido ovariano, localiza-se os dois ureteres e faça a ressecção dos pedículos de CAVO bilaterais remanescentes. Recomenda-se enviar o tecido para exame histopatológico. Ligadura de ureter: mais provável ocorrer quando a ovário-salpingo- histerectomia está associada a hemorragia, piometra ou cesariana. Também pode ocorrer quando a bexiga está distendida e o trígono e a junção ureterovesical estão deslocados cranialmente. Esta complicação pode resultar em hidronefrose e pielonefrite. Pode levar a realizar uma ureteronefrectomia. Para evitar que isto ocorra, deve-se fazer uma aplicação cuidadosa de ligaduras no CAVO e no corpo uterino. Incontinência urinária: mais comum de ocorrer em fêmeas suscetíveis (são em torno de 20% das fêmeas caninas), em razão de uma combinação de baixo teor de estrógeno sistêmico e maior produção e secreção de FSH e LH. Nestes casos podese recomendar a administração cuidadosa de estrógenos exógenos ou αadrenérgicos. Algumas causas estruturais também podem estar envolvidas, como aderência ou granuloma de coto uterino (compromete a função do esfíncter da bexiga, ou uma condição mais rara que é a fístula vaginureteral decorrente de ligadura de vagina e ureter. Fístula e granuloma: pode ocorrer o desenvolvimento de fístula sublombar em fêmeas caninas castradas, quando se utiliza fio de sutura não absorvível de multifilamentos, como caprolactama polimerizada contaminada, para ligadura de CAVO ou corpo uterino. O tratamento envolve celiotomia exploratória e remoção dos fios de sutura. Ganho de peso corporal: muitas fêmeas demonstram ganho de peso após a ovário-salpingo-histerectomia e a causa disto é pouco compreendida. Síndrome eunucóide: rara complicação identificada em cadelas de trabalho, após ovário-salpingo-histerectomia, que envolve sintomas como menor grau de agressividade, perda de interesse pelo trabalho e menor resistência. Complicações relacionadas à celiotomia: automutilação da ferida cirúrgica; formação de seroma; deiscência de sutura; esquecimento de compressas de gaze na cavidade abdominal; laceração de baço ou bexiga. 3 CASO CLÍNICO A paciente, da espécie canis familiaris ,SRD, de aproximadamente seis anos pesando 5.500kg, porte pequeno e pelagem branca chegou à clínica para uma consulta dia 30 de outubro 2006. Durante a anamnese, a ficou constatado que o animal havia acasalado em janeiro, tendo o coito bruscamente interrompido no final ao jogarem água nos cães, apos nove meses não apresentava sintoma de prenhez. Porém, nas últimas semanas a proprietária observou que o abdome da cadela crescia rapidamente. Durante o exame clinico foi observado abdome estava bastante distendido (Figuras 05 e 06), temperatura corpórea normal, mucosas normocoradas e o tempo de perfusão normal. A cadela mostrava cansaço ao se deslocar e visível desconforto com o volume abdominal, porém com apetite normal. Figura 05: Paciente demonstrando distensão do abdome. Fonte: Própria autoria. Figura 06: Paciente demonstrando distensão do abdome. Fonte: Própria autoria. Solicitado exame ultrassonográfico (Figura 07), onde ficou evidente que a dilatação uterina era causada pela presença de massas em seu interior,sendo recomendada a laparotomia exploratória. Figura 07: Imagem utrassonográfica identificando a presença de massas no útero. Fonte: Própria autoria. Laparotomizada no dia 09 de novembro de 2006, sob anestesia inalatória e epidural. o útero apresentava-se distendido , com torção do corpo uterino e várias aderências (Figura 08 a13). Figura 08: Início da cirurgia, exteriorização do corno uterino dilatado. Fonte: Própria autoria. Figura 09: Inicio da exteriorização de ambos os cornos uterinos. Fonte: Própria autoria. Figura 10: Exteriorização de todo o útero (observa-se várias aderências - setas). Fonte: Própria autoria. Figura 11: Torção uterina no corpo uterino (seta preta), próximo a cérvix (seta azul). Fonte: Própria autoria. Figura 12: Visualização de todo útero exteriorizado, com a torção. Fonte: Própria autoria. Figura 13: Observação de várias aderências. Fonte: Própria autoria. Foi feita a ovário-salpingo-histerectomia (Figura 14). Figura 14: Identificando o ovário e preparando a ligadura. Fonte: Própria autoria. Comparando-se o peso corpóreo no pré-operatório com o volume e o peso do útero (2,500kg), após a cirurgia (Figura 15), deduz-se que o animal perdeu cerca de 45% do seu peso corporal (Figura 16) o que indica uma incrível adaptabilidade do organismo. Figura 15: O útero com seu conteúdo pesava 2,500 kg. Fonte: Própria autoria. Figura 16: Término da cirurgia. Fonte: Própria autoria. O útero continha muito líquido inflamatório e fetos macerados (ossos) (Figuras 17 a 19). Figura 17: Exposição do conteúdo uterino. Fonte: Própria autoria. Figura 18: Conteúdo uterino – presença de fetos macerados (ossos). Fonte: Própria autoria. Figura 19: Conteúdo uterino – presença de fetos macerados (ossos). Fonte: Própria autoria. A cirurgia levou cerca de 2 horas, tendo se iniciado com uma incisão pré-retroumbilical na linha media, seccionando se a linha alba para acessar a cavidade abdominal. Foi feita a ováriosalpingo-histerectomia, as ligaduras foram feitas com fio de algodão e as camadas muscular, subcutânea e pele com pontos simples, separados. As aderências foram desfeitas através de divulsão com tesoura romba. O pós-operatório se deu na clínica com analgesia (cloridrato de tramadol), antibioticoterapia (cefalexina) e reposição da volemia com soro ringer lactato. A cadela demonstrou ótima recuperação. 4 DISCUSSÃO Os autores Linde-Forsberg; Eneroth (2004), Nelson; Couto (2006), Sorribas (2006) e Wykes; Olson (1996) definem a torção uterina como uma condição aguda, rara em cadelas e gatas, e que traz riscos a vida, geralmente estando relacionada com o útero gravídico próximo ao final da gestação, onde um ou ambos os cornos uterinos podem rotacionar ao longo do eixo longitudinal ou em torno do outro corno, ocorrendo mais frequentemente em fêmeas agitadas e saltadoras. No caso clínico estudado neste trabalho a rotação uterina ocorreu no corpo uterino, próximo à cérvix, e não nos cornos uterinos, como é mais comumente relatado na literatura. A fêmea em estado de prenhes, seus fetos estavam macerados, não sendo possível identificar há quanto tempo havia ocorrido a torção. Wykes; Olson (1996) afirmam que as principais causas de torção de útero estão relacionadas com movimentos fetais ativos, contração uterina prematura, anormalidades do útero, estiramento do ligamento ovariano próprio e excessiva atividade da fêmea no final da gestação. No caso do presente estudo, não foi possível identificar o que causou a torção, porém é possível que se encaixe no que relatam os autores, que tenha ocorrido no final da gestação, visto que os fetos macerados já deviam estar bem formados antes de terem seu desenvolvimento interrompido, a deduzir pelo tamanho de seus ossos, presentes no lúmen uterino. Mas também é possível que tenha ocorrido no início da gestação, visto que o local onde ocorreu a torção foi próximo a cérvix, não interrompendo o fluxo sanguíneo para os fetos, porém impedindo o nascimento. Martins et al. (2007) e Sampaio et al. (2002) citam que os vasos do mesovário e mesométrio ipsilaterais à torção sofrem colapso o que dá origem à lesão isquêmica da parede uterina e isso ocorre principalmente quando a torção se dá nos cornos uterinos, pois a irrigação sanguínea proveniente das artérias e veias que seguem por seus ligamentos fica prejudicada. Porém, neste caso, não constatou-se isquemia no tecido uterino, visto que os vasos sanguíneos citados não sofreram torção. Ainda segundo Martins et al. (2007) e Sampaio et al. (2002), as torções uterinas podem ser de diferentes graus e podem predispor um parto distócico ou ser consequência de um. Pelos dados colhidos supomos que a torção ocorreu no corpo uterino, o que tanto pode ter sido no início da gestação, neste caso sendo motivo de parto distócico, impedido a passagem dos fetos, ou pode ter ocorrido no final da gestação em consequência da distocia. De acordo com as publicações de Grooters (1998) e Sorribas (2006), nem sempre há sinais clínicos aparentes, Quando há estes são inespecíficos, incluindo distensão abdominal, dor abdominal, descarga vaginal hemorrágica, pulso fraco, palidez das mucosas, rápida diminuição na temperatura corporal e massa abdominal dura à palpação. No nosso estudo, a paciente apenas apresentava distensão abdominal, incômodo por ela e consequente intolerância ao exercício. Wykes; Olson (1996) lembram que pela torção uterina não oferecer sintomas específicos e a ultrassonografia não fornecer exatidão sobre a patologia, o diagnóstico é frequentemente estabelecido após a laparotomia exploratória, no concordamos plenamente . Os sintomas demonstrados pela paciente estavam relacionados a distensão abdominal, enquanto a ultrassonografia demonstrou a presença de massas no lúmen uterino. Os autores Bojrab (1996), Fossum (2001), Grooters (1998) e Sorribas (2006) afirmam que o tratamento da torção uterina é a ovário-salpingo-histerectomia, pois o tecido uterino fica isquêmico e geralmente se encontra desvitalizado. No caso clínico citado o tecido uterino encontrava-se normal, sem áreas isquêmicas, visto que a torção ocorreu no corpo do útero, não causando grandes prejuízos a vascularização. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A torção uterina é uma condição rara em cadelas, de difícil diagnóstico clínico, sendo comumente confirmado através de laparotomia exploratória. Geralmente ocorre em úteros gravídicos ou em casos de piometra ou hematometra, associados à intensa movimentação da fêmea, que faz com que o útero gire em torno do se próprio eixo, sendo mais comum em um ou ambos os cornos uterinos. Existem raças mais propensas a ocorrências de distocias durante a gestação, e a distocia é uma das causas que leva a torção do útero, sendo, portanto, importante suspeitar desta ocorrência sempre que atender um caso de parto distócico. Nunca deve-se usar ocitocina em fêmeas com parto distócico, pois se houver torção pode levar a ruptura do útero, agravando ainda mais o quadro clínico e pondo em risco a vida da cadela. O caso apresentado difere do que é citado na literatura consultada devido a torção ter ocorrido no corpo uterino, fato não encontrado registrado na literatura consultada e que resultou em quadro não tão agudo quanto normalmente seria o de uma torção uterina, visto que, por não causar isquemia, não desenvolveu maiores problemas sistêmicos a paciente. Com isso, desenvolve-se a suspeita de que a torção possa ter ocorrido logo após a cópula, que foi interrompida de forma brusca, o que pode ter levado a ocorrência da torção no corpo do útero, o que permitiu que a gestação ocorresse normalmente, porém impediu o nascimento dos filhotes, levando os fetos a serem macerados no útero e com isso se desenvolvido o quadro de distensão abdominal, que levou a proprietária a encaminhar a cadela à clínica veterinária. REFERÊNCIAS BOJRAB, M.J. Técnicas atuais em cirurgia de pequenos animais. São Paulo: Roca, 1996. Cap. 29, p. 375. CONCANNON, P.W. Canine pregnancy: predicting parturition and timing events of gestation 2000. In: Recent advances in small animal reproduction. Disponível em: <http://www.ivis.org/advances/Concannon/concannon/chapter_frm.asp?LA=1>. Acesso em 10 fev 2005. CONCANNON, P.W.; MCCANN, J.P; TEMPLE, M. Biology and endocrinology of ovulation, pregnancy and parturition in the dog. 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