olhares sobre ouro preto/mg: espaço e ocupação ao longo de 300

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Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2013. ISSN 2317-9759
OLHARES SOBRE OURO PRETO/MG: ESPAÇO E OCUPAÇÃO AO LONGO DE 300
ANOS
ALMEIDA, S. A.
CORRÊA C. B.
CARNEIRO, R. T.
LARA, P.
PIDHORODECKI, G.
Introdução
Ouro Preto, em Minas Gerais, é uma cidade que simboliza a história de exploração de
recursos minerais e a colonização do Brasil no século XVIII, demarcados no espaço urbano que
permeia o cotidiano moderno. Detalhes como um traçado de ruas caótico, com grandes obras
arquitetônicas e um trânsito de automóveis incompatível com o patrimônio revelam as
dificuldades espaciais e de gestão. A rica diversidade cultural pode ser observada na arquitetura e
na arte financiadas pela riqueza do ouro, assim como na culinária, na organização urbana e na
identidade e expressões do povo ouropretano. A experiência de observações em campo e análises
bibliográficas sugerem um olhar geográfico cultural sobre a espacialidade desta cidademicrocosmo. Considerações sobre patrimônio são pertinentes, já que esta cidade detém o título
de Patrimônio da Humanidade.
Objetivos e metodologia
Este trabalho propõe uma análise geográfico-cultural sobre a cidade de Ouro Preto, a
partir das observações da ocupação espacial sobre um conjunto histórico de mais de 300 anos, e
apoiada em relatos de outros autores, como contribuição para o exercício analítico geográfico
dos acadêmicos envolvidos, em um universo normalmente distante da realidade praticada em
Ponta Grossa. Como metodologia foi utilizada uma revisão bibliográfica sobre a cidade e sua
importante história para o Brasil, além dos registros de campo, visitas a museus, minas, garimpos
e o núcleo urbano de Ouro Preto, com um conjunto arquitetônico barroco.
Resultados e Discussões
O espaço geográfico como definido por Suertegaray (2009) é a representação das interrelações de componentes, sejam eles região, paisagem, território, rede, lugar, geossistema e
ambiente. Isto significa que, ao pensar o espaço geográfico devemos compreendê-lo por meio da
integração do meio físico, da sociedade e do espaço-tempo. É caracterizado pela materialização
da vida humana sobre a superfície da Terra, buscando a relação entre a dimensão natural e social.
Com base neste conceito pode-se relacionar o espaço geográfico da cidade de Ouro Preto,
impactado pela mineração intensa do século XVIII como uma inter-relação da sociedade sobre a
natureza. A morfologia original recebeu inúmeras modificações, desde a remoção de grande
quantidade de rochas e solo até a urbanização não planejada que sofreu adaptações até os dias de
hoje.
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O uso de rochas (técnica da cantaria) também se faz presente por toda cidade - símbolo da
arquitetura e classificada como Patrimônio - sendo comuns rochas em formas geométricas ou
figurativas para aplicação em construção com a finalidade ornamental e estrutural, ocasionando a
transformação do natural para o uso social (Pereira et al. 2008).
A disponibilidade do ouro de aluvião encontrado sobre leito de rios e a facilidade de seu
acesso e de outros minerais fez com que os chamados Bandeirantes (portugueses e paulistas), no
ano de 1698 passassem a povoar a cidade, levando o minério de ouro como a principal fonte de
economia da cidade. Em meados do século XVIII Ouro Preto protagonizou o Ciclo do Ouro no
Brasil, e sofreu, como consequência, um intenso processo de urbanização sobre os vales e
morros. Este ciclo transfigurou a estrutura do terreno, podendo ser observado no traçado urbano
de forma tortuosa e irregular, acompanhando a sinuosidade da superfície a partir do rio e através
da conformação geológica e geomorfológica da região. A cidade é ainda a única produtora
mundial de topázio imperial, o mais valioso entre os diversos tipos do mineral, além de depender
até hoje, economicamente, das grandes minerações de ferro e alumínio dos arredores. O principal
artesanato produzido hoje, e símbolo da cidade, são as peças de pedra-sabão, herança dos
primeiros habitantes que já usavam este material em peças da mineração. As representações de
aspectos da cidade, como o calçamento e as igrejas, ou as curvas exageradas são uma herança e
um forte influência do estilo barroco, que predominou no século XVIII.
Figura 01. Mina de Passagem, fundada no final do século XVIII para extração do ouro e que atualmente recebe
visitação turística, caracterizando um novo ciclo econômico para este espaço. Fonte: CARNEIRO, R. T.
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Figura 02. Espaço urbano de Ouro Preto, MG, demarcado pela superfície acidentada e uma ocupação bastante
desordenada desde seu início, alcançando a saturação no século XXI. Fonte: CARNEIRO, R. T.
Ouro Preto é uma cidade antiga que passou por vários movimentos históricos – como a
própria Inconfidência Mineira - que em conjunto com as complexas relações sociais desde os
tempos da escravidão apresenta uma identidade cultural-espacial única, refletida nos múltiplos
aspectos da paisagem. Lima-Guimarães (2012) relata a valorização da paisagem como um
patrimônio e campos de visibilidades e significâncias. O entendimento da paisagem se dá a partir
de sua percepção e vivência, onde a própria é composta por ‘paisagens, territorialidades,
identidades, memórias, imagens... ’
Pelo seu conteúdo histórico, a arquitetura colonial está presente em toda a cidade,
tornando-se palco de grande produção artística barroca ocorrente no Brasil, que teve como
principal personagem Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), considerado o maior escultor do
Brasil. Dono de obras marcadas pelo equilíbrio, harmonia e serenidade, o principal componente
de seu trabalho eram a pedra sabão e a madeira, que as modificava em pinturas e esculturas
rebuscadas, com detalhes que expressavam emoções da vida do ser humano e que são hoje
reproduzidas pelos artesãos modernos.
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Figura 03. Espaço urbano representado pela arquitetura colonial mostra a forte influência cultural no
desenvolvimento da cidade. Atualmente constitui o principal atrativo turístico Fonte: ALMEIDA, S. A.
Para Scarlato (2005 in Costa 2011) ‘A sociedade não só produz, historicamente, formas
espaciais, condições de sobrevivência material e econômica nos espaços urbanos, mas também
reproduz, no seu imaginário, as representações simbólicas das cidades, dialeticamente’. O espaço
que abrange o patrimônio cultural traz consigo a memória e vivência de seus indivíduos, que
pode ser refletida nas paisagens predominantes.
Castrogiovanni (2000) afirma que ‘o movimento histórico é que constrói o espaço, que é
uma instância da sociedade, portanto, e como instância, contém e é contido pelas demais
instâncias’. O mesmo autor considera que ‘a cidade é viva, com identidade e dinamismo próprio,
e, por isso, deve ser entendida como bem cultural’. Na perspectiva de Monastirsky (1997) ‘a
cidade é como um campo de lugar e lugares composto por aspectos culturais e simbólicos’.
Decorrente dos 300 anos de sua história, a construção espacial de Ouro Preto simboliza um bem
cultural onipresente em razão de sua natureza humana e da geomorfologia peculiar.
A cultura pode ser classificada segundo Geertz (1989 in Corrêa, 2008) como ‘um
contexto, isto é, reflexo, meio e condição social, ou em outros tempos, estrutura, processo,
função, forma e significados em torno desses quatro elementos’. Corrêa (2008) menciona que ‘a
cultura origina-se, difunde-se e evolui no tempo e espaço, sendo compreensível no tempo, porém
traçável no espaço, onde se localiza’. Contida na espacialidade de Ouro Preto, a cultura
representada em sua distribuição espacial é rica em símbolos e significados.
Para Corrêa (2012) ‘ as formas simbólicas refletem os significados estabelecidos e
também criam significados, tornando-se espaciais quando estão vinculados ao espaço a partir de
lugares simbólicos e espaço vivido’. Ouro Preto esta repleto de significados desde sua origem, a
interpretação de sua espacialidade, seja esta de forma passada, presente e futuro, transparece
imagens e memórias de um grupo social a qual compõe uma identidade.
Atualmente os agentes sociais que constroem a identidade de Ouro Preto, além dos
moradores, são os turistas que afluem aos milhares na cidade modificando intensamente a
paisagem e as relações sociais - e os estudantes universitários, que constituem expressiva parcela
da população com uma anômala rotatividade, já que permanecem por cerca de cinco anos em
média e são substituídos por novos estudantes. Estes agentes constantemente proporcionam a
ressignificação do espaço com um dinamismo que em Ouro Preto é muito característico.
Considerações Finais
A análise geográfica sobre a espacialidade de Ouro Preto durante a experiência de campo
mostrou uma diversidade de ações e comunicações simbólicas num universo distante da
realidade vivenciada em Ponta Grossa- PR. A percepção do espaço-tempo, do antigo sobre um
novo território é demarcada por expressões simbólicas, que contém significados e um dinamismo
cultural todo próprio. A ressignificação de uma vila de mineração para uma cidade que hoje
detém o título de Patrimônio da Humanidade é um estudo de caso extremamente didático e claro,
principalmente em função das dimensões da cidade, que ainda mantém uma escala humana,
podendo ser percorrida em sua maior parte a pé.
A mistura do elemento histórico muito presente na cidade, com a arte, arquitetura e
relevo, juntamente com a economia mineral e o artesanato expressivo fazem de Ouro Preto um
microcosmo, excelente objeto de estudo para análise geográfica. O dinamismo de suas mudanças
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ficou claro pelos diferentes tipos de construção desordenada atuais e pelo excesso de veículos
passando por ruas que não foram planejadas para este uso.
Os pontos importantes que contribuíram para esta análise foram principalmente a
arquitetura colonial, a geomorfologia acidentada, o traçado caótico da cidade, os garimpos e
minerações, os ricos museus e impressionantes igrejas. Certamente é um exemplo único de
urbanização no Brasil e com um caldo cultural exclusivo.
Referências Bibliográficas:
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A. C. (org.). Turismo urbano. São Paulo: Contexto, 2000.
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CORRÊA, A. de. M. (Orgs.). O Brasil, a América Latina e o mundo: espacialidades
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CORRÊA, R. L. Espaço e simbolismo. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L.
(Orgs.). Olhares geográficos: modos de ver viver o espaço. Rio de Janeiro: Betrand Brasil:
2012.
COSTA, E. B. As cidades coloniais mineiras face a modernidade. In: COSTA, E. B.;
OLIVEIRA, R. S. (Orgs.). As cidades entre o “real” e imaginário: estudos no Brasil. São
Paulo: Expressão Popular, 2011.
LIMA-GUIMARÃES, SOLANGE, T. Valoração de paisagens: campos de visibilidade e de
significâncias. In: COSTA, E. B.; BRUSADIN, L. B; PIRES, M. C. (Orgs). Valor patrimonial e
turismo: limiar entre história, território e poder. 1. ed. São Paulo: Outras expressões, 2012.
MONASTIRSKY, L. B. Cidade e ferrovia: a mitificação do pátio central da RFFSA em
Ponta Grossa. 1997, 189 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 1997.
PEREIRA, C. A.; LICCARDO, A.; SILVA, F. G. A Arte da Cantaria. Belo Horizonte: Arte,
2007.
SUERTEGARAY, D. M. A. Geografia física (?) geografia ambiental (?) ou geografia e ambiente
(?). In: MENDONÇA, F; KOZEL, S., Elementos de Epistemologia da Geografia. 1. ed.
Curitiba: UFPR, 2009. cap. 2. p. 111-120.
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