Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 AVALIAÇÃO COMPARATIVA ENTRE A TERAPIA PERIODONTAL CONVENCIONAL E A DESINFECÇÃO TOTAL DE BOCA Comparative evaluation between convencional periodontal treatment and full mouth disinfeccion Juliana Felca Queiroz de Santana1, Thais Eiler Guirado1, Rodrigo Carlos Nahás de Castro Pinto2, Mariana Schützer Ragghianti Zangrando3 1 Especialista em Periodontia pela ABO-Santos Doutorando em Periodontia pela FOUSP 3 Doutora em Periodontia pela FOUSP 2 Recebimento: 23/09/13 - Correção: 18/11/13 - Aceite: 20/12/13 RESUMO A cavidade bucal é colonizada por diferentes nichos microbianos, onde uma grande variedade de periodontopatógenos pode sobreviver. A transmissão de tais bactérias de sítios não tratados aos tratados pode ocorrer espontaneamente por diferentes meios antes do término do tratamento periodontal. Com o objetivo de evitar a recontaminação e obter melhores resultados clínicos e microbiológicos, foi desenvolvida uma técnica de tratamento periodontal denominada desinfecção total de boca (full mouth disinfection), realizada em um período de 24 horas com uso abundante de solução de clorexidina. Baseado na literatura científica, esta nova técnica foi comparada ao tratamento periodontal convencional, realizado com raspagem por quadrantes, com objetivo de avaliar o comportamento e resultados das terapias em questão. Os benefícios clínicos e microbiológicos da terapia de desinfecção total de boca em relação à terapia periodontal convencional por quadrante foram tênues e sua aplicação poderá ser empregada de acordo com a necessidade e preferência do paciente/profissional. UNITERMS: Desinfecção. Tratamento periodontal. Clorexidina. R Periodontia 2014; 24:41-47. INTRODUÇÃO As doenças periodontais são infecções causadas por microrganismos que colonizam as superfícies supra e subgengivais. Os microrganismos que causam tais doenças habitam biofilmes presentes em superfícies dentais ou epiteliais. (Socransky & Haffajee, 1991)1. A susceptibilidade do hospedeiro, presença de periodontopatógenos e a ausência de espécies benéficas são consideradas primordiais para o estabelecimento da doença (Socransky & Haffajee, 1992)2. O tratamento não-cirúrgico por meio da raspagem convencional e aplainamento das superfícies radiculares contaminadas, efetuado por quadrantes, em visitas semanais ou quinzenais foi instituído por Badersten et al. (1984a)3. Embora outros métodos de associação terapêutica tenham sido utilizados como irrigação subgengival com diversas soluções, terapia fotodinâmica, dispositivos de liberação lenta, a raspagem e alisamento radicular (RAR) An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 convencional apresentam os melhores resultados clínicos, sendo considerado o padrão ouro no tratamento da periodontite. Estudos microbiológicos demonstraram que os microrganismos periodontopatogênicos presentes em portadores de periodontite habitam não somente as bolsas periodontais, como também o dorso da língua, tonsilas palatinas e mucosa oral. (Van der Velden et al., 19864; Van Winkelhoff et al., 1988a5; Danser et al., 19946). Visando evitar a recontaminação de áreas tratadas por regiões ainda infectadas, foi desenvolvida a técnica de terapia periodontal denominada “Full Mouth Disinfection”, ou seja, desinfecção total de boca. Este procedimento consiste em raspagem e aplainamento de todos os dentes no período de 24 horas, adjunto a bochechos e irrigações subgengivais de clorexidina. Foi preconizado por Quirynen et al. (1995)7 com o objetivo de avaliar os resultados clínicos e microbiológicos da terapia em questão comparada à terapia periodontal convencional por quadrantes. 41 Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 - 24(1):41-47 O objetivo desta revisão da literatura foi observar por meio de estudos clínicos e microbiológicos as vantagens e desvantagens da desinfecção total de boca, assim como comparar seus resultados frente à terapia periodontal convencional. Com o objetivo de avaliar clínica e microbiologicamente os efeitos da terapia de desinfecção total de boca após dois meses, Quirynen et al. (1995)7 realizaram um estudo piloto envolvendo dez pacientes com Periodontite Crônica Severa. A perda óssea nestes pacientes deveria comprometer, ao menos, dois terços do comprimento das raízes dentais, evidenciadas radiograficamente. Tais pacientes foram divididos em dois grupos. No grupo teste (cinco pacientes) foi realizada desinfecção total de boca em duas visitas no período de 24 horas. Em cada visita foi realizada escovação da língua com clorexidina gel a 1% durante um minuto, bochecho com solução de clorexidina a 0,2% durante dois minutos e três irrigações subgengivais com clorexidina gel a 1% de todas as bolsas periodontais presentes. Essa irrigação foi repetida no oitavo dia após o tratamento. Adicionalmente, todos os pacientes foram instruídos a bochechar solução de clorexidina 0,2% duas vezes ao dia durante 14 dias. No grupo controle (cinco pacientes) foi realizado tratamento periodontal convencional por meio de raspagem manual por quadrante com intervalos de 14 dias. Orientação de higiene bucal através de escovação e uso de fio dental foram ministradas em ambos os grupos. Os parâmetros clínicos avaliados foram: índice gengival (IG), índice de placa (IP), profundidade clínica de sondagem (PCS), recessão gengival (RG) e sangramento a sondagem (SS). Foram analisadas principalmente proporções de microrganismos patogênicos como: Aggregatibacter actinomycetemcomitans (Aa), Bacteroides forsythus (Bf), Fusobacterium nucleatum (Fn), Peptostreptococcus micros (Pm), Porphyromonas gingivalis (Pg), Prevotella intermedia (Pi), Eubacterium spp.; e microorganismos benéficos, sendo: Actinomyces spp, Streptococcus mitis (S. mitis), Streptococcus sanguis (S. sanguis) e Veillonela spp. Os autores observaram que, quando comparados aos níveis iniciais dos tratamentos, as modalidades clínicas e microbiológicas mostraram melhorias significantes nas visitas subsequentes. Quando a comparação foi realizada entre os grupos, o grupo teste apresentou maior redução na PCS e maior redução na proporção dos microrganismos potencialmente patogênicos após o primeiro mês do tratamento. Em contrapartida, no segundo mês após o tratamento, já não havia diferença significante entre os dois grupos em relação à recolonização bacteriana. Os autores concluíram que a terapia de desinfecção total de boca apresentou vantagens relacionadas aos parâmetros clínicos e microbiológicos em curto prazo. Bollen et al. (1996)8 desenvolveram um estudo piloto comparativo entre a terapia periodontal convencional e a terapia de desinfecção total de boca, a fim de avaliar os efeitos microbiológicos no período de oito meses. Foram selecionados dez pacientes com Periodontite Crônica Severa com PCS ≥ 7mm e SS. No grupo teste (cinco pacientes) foi realizada desinfecção total de boca em 24 horas, com protocolo já descrito no estudo de Quirynen et al. (1995)7, com o diferencial da realização de gargarejo com a solução de clorexidina com o objetivo de desinfecção das tonsilas palatinas. No grupo controle (cinco pacientes) foi realizado tratamento periodontal convencional por quadrantes com intervalos de 14 dias, sem uso de antissépticos orais. A avaliação clínica mensurou IP e PCS. Microbiologicamente, os autores buscaram avaliar uma distinção entre os microrganismos potencialmente patogênicos (Pg, Pi, Aa, F. nucleatum, P.micros e Eubacterium ) e os chamados microrganismos benéficos (Actinomyces species, V. parvula, Capnocytophaga ochracea, S. mitis II, S. sanguis). Ambos os tratamentos tiveram redução de espiroquetas móveis e o aumento na proporção dos cocos após a terapia inicial. No quarto mês, o grupo controle demonstrou aumento discreto nas proporções de bactérias benéficas comparado ao grupo teste. Quando os dois grupos foram comparados entre si, o grupo teste mostrou maior IP, especialmente no segundo e quarto mês após a terapia. Os autores concluíram que apesar da terapia de desinfecção total de boca apontar vantagens microbiologicamente significantes no período de dois meses, mais estudos de longo prazo e com diferentes classificações de doenças periodontais são necessários a fim de se estabelecer a eficácia desta nova terapia. Com o mesmo objetivo, Vandekerckhove et al. (1996)9 realizaram estudo clínico para comparar as duas terapias em questão após oito meses em dez pacientes com Periodontite Crônica Severa. Os indivíduos deveriam possuir quatro sítios com PCS ≥7 mm, com SS. O grupo teste foi submetido à terapia de desinfecção total de boca conforme descrição da metodologia de Quirynen et al. (1995) 7 e o grupo controle, raspagem manual convencional por quadrantes. Os parâmetros periodontais avaliados nos tratamentos propostos foram: nível gengival (NG), IP, PCS e SS. Os resultados referentes aos NG e IP, quando os grupos foram comparados aos seus estágios iniciais apresentaram melhora significante. Porém, quando comparados entre si, o grupo teste denotou maior IP, especialmente, no segundo e quarto mês. A relação IP e NG foi suavemente inferior no grupo teste, 42 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Revisão de literatura Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 - 24(1):41-47 especialmente nos primeiros dois meses. A porcentagem de SS reduziu significantemente após os tratamentos periodontais e permaneceu comparavelmente baixo para ambos os grupos até o oitavo mês. Os grupos envolvidos no estudo mostraram significante redução na PCS em bolsas mais rasas após dois meses. Em bolsas com PCS ≥ 7 mm, o grupo teste apresentou maior redução na PCS. A frequência de bolsas com redução de 3 mm ou mais foi significantemente maior no grupo teste do que no grupo controle. O aumento da RG foi maior no grupo controle. Esse aumento das recessões junto às reduções em PCS explicam os maiores ganhos em NCI, quando comparados ao grupo teste. Os autores concluíram que a terapia de desinfecção total de boca apresentou vantagens sobre os resultados clínicos quando comparada à terapia periodontal convencional. Corroborando com estudos anteriores, Bollen et al. (1998)10 realizaram avaliações clínicas e microbiológicas comparando as terapias empregadas. Foram selecionados 16 pacientes com Periodontite Crônica Severa. Cada paciente deveria ter, ao menos, vinte dentes na arcada dentária. Em cada quadrante todos deveriam apresentar, pelo menos, uma bolsa com PCS≥7 mm, SS e severidade de perda óssea evidenciada radiograficamente maior ou igual à metade do comprimento radicular. Os indivíduos foram aleatoriamente divididos entre os grupos teste e controle. Os oito pacientes do grupo teste receberam terapia de desinfecção total de boca (Quirynen et al, 1995)7. Foram realizadas aplicações da clorexidina em spray na região das tonsilas duas vezes ao dia, durante dois meses. Outros oito pacientes do grupo controle foram tratados por terapia periodontal convencional em um total de quatro sessões, com intervalos de 14 dias entre as consultas. Nesse grupo nenhum produto antisséptico foi utilizado. Foram realizadas análises microscópicas de amostras subgengivais em menos de 15 minutos após sua aquisição, para preservar a motilidade dos microrganismos. Além dessas análises, avaliaram parâmetros clínicos como IP, PCS, SS e NCI. Tais parâmetros clínicos foram mensurados na fase inicial, após dois e quatro meses. Em relação à análise microscópica, o grupo teste mostrou maior redução de microrganismos móveis. Quando os grupos foram comparados entre si, o grupo teste obteve maior redução de microrganismos anaeróbios pigmentados, como as Porphyromonas e Prevotella, encontradas na língua no segundo mês e saliva no segundo e quarto mês após a terapia. Em relação aos parâmetros clínicos como IG, IP e SS, não foram observadas diferenças significantes entre os grupos. Ambas as modalidades de tratamento mostraram reduções significantes nas PCS após o segundo e o quarto mês. A terapia de desinfecção total de boca resultou em benefícios clínicos e microbiológicos significantes frente à terapia convencional durante quatro meses. Seguindo ainda pesquisas comparativas das terapias periodontais, Quirynen et al. (1999)11, propôs um estudo com foco no impacto microbiológico nos tratamentos de desinfecção total de boca e tratamento periodontal quadrante a quadrante, durante oito meses. Para o estudo, foram recrutados quarenta pacientes, divididos em Periodontite de Início Precoce (n = 16) e Periodontite Crônica Severa (n = 24). Ambos os grupos foram subdivididos em grupo teste (desinfecção total de boca) e grupo controle (raspagem quadrante a quadrante). Concomitantemente às consultas iniciais, um, dois, quatro e oito meses seguintes, amostras de conteúdos subgengivais, dorso da língua, mucosa oral e saliva foram coletadas e analisadas microbiologicamente. Os resultados mostraram redução significante na quantidade de microrganismos móveis e espiroquetas em todas as visitas, para ambos os grupos. No grupo de pacientes com Periodontite de Início Precoce, a desinfecção total de boca apresentou melhores resultados relacionados à redução bacteriana em todas as amostras. Nos pacientes com Periodontite Crônica Severa, os resultados benéficos foram menores comparados à Periodontite de Início Precoce. O decréscimo da população bacteriana pode ser observado somente na visita do segundo mês pós-terapia. Os autores concluíram haver ambiguidade no tratamento de desinfecção total de boca e questionam se as melhorias observadas nas visitas são de fato devido à desinfecção total de boca ou ao intenso uso de clorexidina proposto no tratamento. No ano de 2004, Apatzidou & Kinane12 compararam as duas terapias em pacientes com Periodontite Crônica de moderada a severa durante seis meses. Os parâmetros clínicos avaliados foram: PCS, NCI e SS. Os quarenta pacientes foram divididos em grupo teste (vinte pacientes), tratados pela técnica de desinfecção total de boca e o grupo controle (vinte pacientes), referente ao tratamento periodontal convencional (quadrante a quadrante). Os participantes não receberam desinfecção adicional com solução de clorexidina ou qualquer outro antisséptico bucal. Eles foram instruídos a não utilizálos durante todo o estudo, para se averiguar a eficácia da escovação na remoção da placa bacteriana. As mensurações foram realizadas na visita inicial. Subsequentemente, os grupos foram tratados e reavaliados seis semanas após a última intervenção clínica (R1), e novamente reexaminados seis meses após a consulta inicial (R2). As análises revelaram que não existiram diferenças significantes entre as terapias propostas. Melhorias significantes foram notadas em todos os índices clínicos tanto nas visitas R1, quanto na R2, inclusive atingindo picos nos índices avaliados na consulta An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 43 Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 - 24(1):41-47 R2. Não existiu diferença significante para SS e IP em todas as reanálises. Em bolsas com PCS> 5 mm e PCS< 7 mm e bolsas com PCS> 7 mm, notou-se significantes reduções em PCS na terapia periodontal convencional entre as análises iniciais e R1, comparadas à desinfecção total de boca. Em bolsas profundas (>7mm), o grupo teste mostrou melhores resultados em ganho relativo de inserção entre análise inicial e R2. Os autores concluíram que o clínico deve selecionar a terapia baseado nas condições de praticidade, escolha do paciente e carga de trabalho. Buscando ainda determinar os efeitos clínicos da desinfecção total de boca comparada à terapia periodontal convencional após três e seis meses, Jervoe-Storm et al. (2006)13 desenvolveram um estudo clínico com vinte pacientes portadores de Periodontite Crônica. Tais pacientes deveriam possuir ao menos vinte dentes presentes e PCS≥ 5 mm, com SS. Os parâmetros clínicos avaliados foram PCS, nível relativo de inserção (NRI) e SS. Todos os pacientes receberam instruções de higiene bucal até que um baixo índice de placa fosse obtido (<20%). O grupo teste (dez pacientes) recebeu tratamento de desinfecção total de boca sem uso de qualquer tipo de antisséptico oral. No grupo controle (dez pacientes), o tratamento foi a terapia periodontal convencional por quadrante, com intervalos de uma semana para cada consulta. Os pacientes deveriam abster-se do uso de enxaguantes bucais. Não existiram diferenças significantes entre os grupos teste e controle em relação aos parâmetros avaliados. Ambos os grupos mostraram-se frequentemente semelhantes após o terceiro e sexto mês. Baseado nos presentes resultados os autores concluíram que tanto a terapia periodontal convencional quanto a desinfecção total de boca são viáveis e equiparáveis para os benefícios no estado periodontal e são válidas como técnicas de tratamento em pacientes com Periodontite Crônica. Latronico et al. (2008)14 também contribuíram com as pesquisas sobre as terapias realizando um estudo clínico randomizado durante 12 meses. Foi avaliada também a opinião pessoal dos pacientes sobre cada terapia. Foram recrutados vinte pacientes divididos em grupo controle (dez pacientes), correspondente à terapia periodontal convencional e grupo teste (dez pacientes), tratados pela desinfecção total de boca em 24 horas. Os parâmetros clínicos avaliados foram: SS, IP, NCI e PCS. Os pacientes do grupo teste receberam durante o tratamento o protocolo de uso de clorexidina proposto por Quirynen et al. (1995)7, juntamente às instruções do uso contínuo da solução por meio de bochechos e escovação do dorso da língua, por dois meses após o tratamento, até que a avaliação dos resultados fosse concluída. Cada parâmetro foi avaliado na consulta inicial (T0); primeira consulta controle (T1), três meses após a T0; segunda consulta controle (T2), três meses após a T1 e a terceira consulta (T3), seis meses após a T2. O grupo teste apresentou melhorias significantes em todos os parâmetros clínicos entre as consultas T0 e T3. Resultados de benefícios estatisticamente significantes em todos os parâmetros clínicos avaliados também foram vistos no grupo controle, durante todo o período do estudo. Quando os grupos foram comparados, não existiram diferenças significantes nos quesitos avaliados, sugerindo desta forma, que ambas as modalidades de tratamento são igualmente eficazes do ponto de vista clínico. Os pacientes responderam similarmente em relação à satisfação sobre as técnicas de tratamentos utilizadas. Os autores concordaram que a terapia de desinfecção total de boca pode se tornar uma rotina para pacientes que não conseguem visitar o cirurgião dentista regularmente, porém a escolha do tratamento poderá ser avaliada somente pelo profissional. Swierkot et al. (2009)15 elaboraram um estudo baseado em análises clínicas e microbiológicas de terapia periodontal convencional e a desinfecção total de boca, durante oito meses. O objetivo foi tentar comprovar se a nova terapia apresenta melhores resultados clínicos e microbiológicos em pacientes com Periodontite Crônica generalizada. Foram recrutados 25 pacientes e todos deveriam ter vinte dentes presentes, seis sítios com PCS≥5 mm e SS. Os pacientes foram divididos em grupo controle (sete pacientes), tratados com a terapia periodontal convencional com intervalos semanais; grupo teste um (nove pacientes), realização de desinfecção total de boca em 24 horas segundo Quirynen et al. (1995)7 e grupo teste dois (nove pacientes), com desinfecção total de boca em 24 horas, sem o uso de clorexidina. Os parâmetros clínicos avaliados na consulta inicial foram: PCS, NCI e SS, reavaliados, por sua vez, um, dois, quatro e oito meses ao término do tratamento. Amostras subgengivais foram coletadas e avaliadas microscopicamente para verificar a presença de Aa, Pg, Pi, Dialister pneumosintes (Dp), Camplyobacter rectus (Cr) e Parvimonas micra (Pm). Com relação aos parâmetros clínicos avaliados, todos os grupos apresentaram reduções significantes em todos os quesitos propostos. Após um e dois meses, PCS, NCI e SS tiveram uma redução significantemente maior no grupo teste dois do que nos outros dois grupos. No entanto, após oito meses, não se observaram diferenças dos quesitos avaliados entre os grupos. Os resultados microbiológicos mostraram que os periodontopatógenos reduziram em todos os grupos. Uma significante redução na carga bacteriana foi observada após oito meses no grupo teste um. Em todos os grupos, a maior redução bacteriana foi detectada 24 horas após o tratamento e na análise do oitavo mês pós-terapia. Resultados similares 44 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 - 24(1):41-47 fizeram-se presentes na contagem do Aa que reduziu significantemente após 24 horas, e assim permaneceu após o oitavo mês nos grupos controle e teste dois. A redução do Pg ocorreu após oito meses em todos os grupos. Pm permaneceu inalterado após oito meses. As maiores reduções foram observadas após 24 horas em todos os grupos, porém, não existiu correlação positiva após oito meses entre as contagens de Pi e Dp para o grupo teste dois. Os autores concluíram que as três modalidades de tratamento propostas levaram a benefícios clínicos e microbiológicos após oito meses e que, o uso adjunto da clorexidina da terapia de desinfecção total de boca não implica em vantagens clínicas e microbiológicas frente à raspagem total em um dia ou à terapia periodontal convencional. Após estudos clínicos realizados, alguns autores buscaram comprovar a eficácia da nova terapia proposta por meio de revisões sistemáticas. Eberhard et al. (2008)16 selecionaram 216 artigos, porém somente as pesquisas de Apatzidou e Kinane, 200412; Jervoe-Storm et al., 200613; Koshy et al., 2005; Mongardini et al., 1999; Quirynen et al., 2006a; Wennström et al., 2005 e Zanatta et al., 2006 foram incluídas. Os resultados constataram não haver diferença significante entre as terapias quando avaliados SS e NCI. Em relação à PCS, evidenciou-se uma diferença estatisticamente significante a favor da terapia de desinfecção total de boca para bolsas de profundidade moderada (> 5mm e < 6 mm). Os autores concluíram que ambas as terapias resultam em melhorias nos parâmetros clínicos periodontais, no entanto, os benefícios da terapia de desinfecção total de boca são inconsistentes quando associados ao grupo dental (multirradiculares ou unirradiculares) e profundidade inicial da bolsa periodontal e que, a decisão do tratamento selecionado dependerá da preferência do paciente e conveniência do tratamento escolhido. Lang et al. (2008)17, com o mesmo objetivo, realizaram uma revisão sistemática, dos quais dentre 205 títulos apurados, apenas os estudos de Vandekerckhove et al., 19969; Bollen et al., 19968; Quirynen et al., 199911; Quirynen et al., 2000; De Soete, 2001; Apatzidou & Kinane, 200412; Apatzidou e Kinane, 2004b; Koshy et al., 2005; Wennström et al., 2005; Quirynen et al., 2006; Jervoe-Storm et al., 200613 e JervoeStorm et al., 2007 foram incluídos. Os autores concluíram que quaisquer técnicas de tratamentos avaliadas podem ser eleitas para pacientes com Periodontite Crônica e que, nenhuma conclusão pode ser feita em relação aos diferentes resultados microbiológicos, principalmente devido às diferentes técnicas microbiológicas utilizadas. Farman & Joshi (2008)18 revisaram sistematicamente as terapias de desinfecção total de boca, tratamento periodontal convencional (quadrante a quadrante) e debridamento total de boca, onde foram selecionados sete estudos clínicos (Vandekerckhove et al., 19969; Quyrinen et al.,., 2000; Apatzidou & Kinane, 200412; Wennström et al., 2005; JervoeStorm et al., 200613 e Quyrinen et al., 2006). A conclusão foi de que não houve diferença nos resultados clínicos entre a terapia periodontal convencional e o debridamento total de boca. A vantagem da terapia de desinfecção total de boca frente à terapia convencional foi somente no grupo que incluiu o uso da clorexidina, no entanto, é ainda inconclusivo e maiores estudos tornam-se necessários para tal comparação. Na atualização da revisão sistemática publicada em 2008, Eberhard et al. (2012)19 selecionaram 12 publicações dos autores Apatzidou & Kinane, 200412; Jervoe-Storm et al., 200613; Koshy et al., 2005; Mongardini et al., 1999; Quirynen et al., 2006; Wennström et al., 2005; Zanatta et al., 2006; AAP, 1996; AAP, 1999; Armitage, 1999; Begg & Mazumdar, 1994 e Beikler et al., 2004. Os autores concluíram que em pacientes com Periodontite Crônica com bolsas de PCS moderadas a severas, os resultados relacionados à redução de PCS e ganho de inserção foram ligeiramente melhores para os grupos que receberam a terapia de desinfecção total de boca, adjunto ao uso da clorexidina. Porém, mais estudos comparativos tornamse necessários para a real conclusão sobre os benefícios da desinfecção total de boca. An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 45 DISCUSSÃO Diversos estudos apontam a importância de um eficiente tratamento periodontal com o objetivo de se controlar a doença periodontal. Autores como Quirynen et al., 19957 e Papaiannou et al., 1997 20 sugeriram a transmissão de periodontopatógenos de sítios não tratados para os recém-tratados, no qual a saliva seria o maior veículo dessa recontaminação no tratamento periodontal convencional (Van Winkelhoff et al., 1988a)5. Tal fenômeno deve-se ao fato das bactérias periodontopatógenas serem capazes de habitar vários nichos da cavidade bucal, como por exemplo, língua, mucosa, tonsilas palatinas, saliva, além das bolsas periodontais. Certo de que o sucesso da terapia periodontal consiste na eliminação de microorganismos patogênicos exógenos e diminuição das espécies endógenas (Slots e Rams, 199021; Pavicic et al., 199422), foi preconizada a terapia de desinfecção total de boca por Quirynen et al. (1995)7. A técnica consiste em raspagem dos arcos superior e inferior no período de 24 horas e uso de solução de clorexidina pelo paciente, impedindo assim, uma possível recontaminação, haja visto não existir sítios não tratados. Tal terapia apresentou melhores Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 - 24(1):41-47 resultados em estudos clínicos e microbiológicos realizados pelo grupo idealizador da técnica, Quirynen et al., 19957; Bollen et al., 19968 e 199810 e Quirynen et al., 199911 Todavia, de acordo com Vandekerckhove et al., 19969, os melhores parâmetros clínicos apresentados pelo grupo tratado pela desinfecção total de boca não perdurou os oito meses de durabilidade do experimento e equiparou-se à terapia periodontal convencional. O fato da terapia de desinfecção total de boca utilizar abundante solução de clorexidina levantou questionamentos sobre seu uso e levou os autores a iniciar outros estudos para esclarecer o papel desse colutório no tratamento proposto. Quirynen et al., 2000 realizaram talvez o primeiro estudo nesse sentido e concluíram que talvez os benefícios sejam mais em função da desinfecção total de boca ser realizada em 24 horas, do que ao próprio uso da clorexidina como antisséptico, assim como reafirmado por Koshy et al., 2001. Mais uma vez, justificando a importância da realização do tratamento em 24 horas para se evitar a recontaminação entre os sítios. Excluindo os trabalhos realizados pelo grupo idealizador da técnica de desinfecção total de boca (Quirynen et al., 19957; Quirynen et al., 199911; Vandekerckhove et al., 19969; Bollen et al., 19968 e 199810), Apatzidou & Kinane, 200412; Jervoe-Storm et al., 200613; Swierkot et al., 200915; Eberhard et al., 200816; Eberhard et al., 201219 e Farman & Joshi, 200818 comprovaram em suas pesquisas não haver diferenças significantes entre os grupos tratados por meio da terapia periodontal convencional comparados àqueles tratados com a técnica de desinfecção total de boca. Esses autores sugerem que a escolha da técnica a ser utilizada, justamente por não apresentar diferenças em relação aos resultados clínicos, pode ser proposta pelo clínico de acordo com a escolha do paciente e carga de trabalho. Outro fator a ser considerado na técnica proposta seria a postura de trabalho para o profissional e paciente. A terapia de desinfecção total de boca parece ser um procedimento árduo para ambos, já que em um período curto de tempo (24 horas) é necessária a realização de raspagem em todos os quadrantes. Para o profissional, há um desgaste físico extenso e para o paciente foram relatados aumento da temperatura corporal, ocorrência de herpes labial e maior sensibilidade dolorosa. (Vandekerckhove et al., 19969). As vantagens para o paciente seriam o menor número de deslocamentos para o atendimento. Outra grande desvantagem em relação aos resultados dessa terapia seria o contato/tempo reduzido entre profissional/paciente, o que acarretaria, por sua vez, em menor motivação de instrução de higiene oral. O profissional tem um menor tempo viável para tentar modificar o hábito do paciente, um dos maiores desafios do periodontista. Sendo assim, são necessários outros métodos de motivação, incluindo até mesmo o trabalho de técnicos em saúde bucal (TSB). Dos estudos apresentados foi possível observar diferenças nos resultados clínicos obtidos na comparação das duas técnicas de tratamento periodontal. Na tentativa de justificar e entender os prováveis fatores relacionados a esses resultados, Eberhard et al., (2012)19 citaram as variações nas metodologias dos trabalhos. Dentre os estudos selecionados para revisão sistemática19 podem-se observar uso de diferentes técnicas de sondagens, tipos de instrumentos utilizados para o tratamento (manual, ultrassônico ou a combinação de ambos), associação ou não com clorexidina, instruções de higiene bucal no início do tratamento (pacientes que receberam instruções padronizadas quanto a escovação por profissionais antes do estudo e grupo de pacientes que não foram instruídos), entre outros. Em relação aos resultados clínicos, os autores concluíram que os efeitos da desinfecção total de boca comparados à terapia periodontal convencional são sutis e suas implicações em relação aos cuidados periodontais, (redução de SS, PCS e redução bacteriana) não são relevantes ou perduráveis o suficiente para que substitua o tratamento periodontal convencional por meio de raspagem quadrante a quadrante. Baseados nos dados dessa revisão sistemática, os autores não recomendam mais esforços em pesquisas sobre o assunto. 46 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 CONCLUSÃO Considerando-se as limitações desta revisão, pode-se concluir que: O tratamento periodontal por meio da desinfecção total de boca não apresentou resultados clínicos e microbiológicos suficientes que justifiquem sua utilização em comparação ao tratamento periodontal convencional. Embora ele possa ser utilizado considerando-se preferências do profissional/ paciente. ABSTRACT The oral cavity is colonized by different niches where a wide variety of periodontal pathogens may survive. The contamination of those bacterial groups from treated places to untreated ones may occur spontaneously through salive before the periodontal treatment ends. In order to avoid this recontamination and gain better clinical and microbiological results, a technique to periodontal procedures was developed called full mouth disinfection. It is done in a 24 hour time period and with constant use of clorehexidine. Based on Braz J Periodontol - March 2014 - volume 24 - issue 01 - 24(1):41-47 the scientific literature, this new technique was compared to conventional periodontal treatment, performed by quadrant scaling and root planning in order to evaluate the behavior and results of the therapies on this study. The clinical and microbiological benefits between full mouth disinfection therapy and the conventional periodontal therapy were fair and their choice of use will be held according to the needs and preference of patients and professional. UNITERMS: Disinfection. Periodontal treatment. Chlorhexidine. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Socransky SS, Haffajee AD. 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