Arribas do Douro um compêndio geológico 09 4|5 setembro Percurso: Vila Real – Mogadouro – Bemposta – Fermoselle Picote – Santo Adrião – Miranda do Douro – Vila Real Organização: Elisa Preto, Artur Sá e Francisco Robles “Lagoaça, 29 de Outubro de 1956. O Doiro entoirido pelas primeiras barragens. É como se na minha própria aorta se formassem aneurismas.” (Miguel Torga, Diário VIII) “Miranda do Douro, 2 de Maio de 1976. PLANALTO Alto céu, alta luz, alta pureza. Ascensão da granítica aspereza Dos homens e do chão. Guiada pela mão Da fome insatisfeita, A teimosa charrua da vontade Lavra e semeia as fragas da planura. Mas a grande colheita É de serenidade: A paz azul em cada criatura.” (Miguel Torga, Diário XII) 5 Introdução Entre as províncias de Zamora e Salamanca, em Espanha, e os distritos de Bragança e da Guarda, em Portugal, localiza-se uma zona de vales fluviais encaixados, cuja espinha dorsal é o rio Douro. Uma estreita faixa com cerca de 10 km de largura estende-se por mais de uma centena de quilómetros, onde canhões fluviais de troços rectilíneos alternam com meandros e vales abertos. O espectáculo deste enorme canhão orográfico, profundo, extenso e selvagem, tem levado alguns a referirem-se-lhe como Grand Canyon Ibérico (PNDI, 1998). As arribas do Douro, como sempre têm sido designadas pelos habitantes dos dois países ibéricos as encostas que o ladeiam, revelam uma paisagem magnífica, que contrasta com a peneplanície da Meseta Ibérica. Nas duas margens do Rio Douro a paisagem é protegida pela criação do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) em Maio de 1998 (lado português) e do Parque Natural de los Arribes del Duero (PNAD) em Abril de 2002 (lado espanhol). A excursão geológica que propomos no âmbito do projecto “­Geologia no Verão 2009”, no ano em que se celebra o 10.º aniversário do PNDI, procura divulgar locais de interesse geológico, paisagístico e histórico-monumental da região. Pretendemos chamar a atenção para as potencialidades do Património Natural e Cultural que, gerido de forma integrada e sustentável, poderá, a médio e a longo prazo, contribuir significativamente para o desenvolvimento desta região. Nos dias 4 e 5 de Setembro a visita incidirá na Zona Norte dos Parques Naturais Douro Internacional/ Arribes del Duero, pertencente aos concelhos de Mogadouro e Miranda do Douro, contemplando no percurso a “travessia” pelo maciço polimetamórfico de Morais e uma visita às minas de Santo Adrião, no concelho de Vimioso. 7 Caracterização geomorfológica e climática A zona de fronteira onde o Rio Douro entra em Portugal corresponde a uma zona de menor influência atlântica, constituída na maior parte por planaltos, de onde se destaca o Planalto Mirandês, com altitudes entre 700 e 800 m, e o vale do Douro bastante encaixado, mostrando algumas escarpas abruptas, sobretudo em rochas graníticas. As condições orográficas favorecem um clima quase semi-árido nesta região, onde o Verão e o Inverno são rigorosos. A prática da agricultura extensiva de sequeiro, em regime de minifúndio, faz-se em explorações de média a pequena dimensão, de tipo familiar. Nas zonas de planalto predominam os cereais e forragens (lameiros) e a produção animal, com destaque para as raças autóctones de bovinos e asininos mirandeses. Enquadramento geológico Quando falamos de sedimentos marinhos(!) no Parque do Douro Internacional, tanto os incrédulos como os menos versados em Geologia o mais que conseguem aceitar ou imaginar é que o mar pode ter estado aí, cobrindo a geografia actual, de onde terá saído em virtude de uma regressão marinha (explicável tanto pelo retrocesso do mar como por uma elevação isostática do continente). Nada mais distante da realidade!!! A história destes materiais começa há mais de 510 milhões de anos, quando os territórios precursores da Ibéria actual faziam parte da plataforma continental marinha do desaparecido macrocontinente Gondwana. Este aglutinava extensas zonas emersas e zonas imersas por mares pouco profundos, hoje repartidas pela Europa, África, América do 8 Sul, Ásia (Arábia, Índia, Sudoeste da China), Oceania (Austrália e Nova Zelândia) e Antártida. Tudo isto ocorreu antes da abertura dos actuais oceanos, que desintegraram o supercontinente Pangea, posterior ao Gondwana e maior do que este. O nosso território de então (Ib no mapa palinspático da fig.1) estaria unido à Bretanha francesa, situando-se em latitudes “paleoantárticas”, muito próximas do Pólo Sul, permanecendo submerso sob mares pouco profundos circundantes do Gondwana. Nessa altura ainda não tinham aparecido as plantas terrestres, pelo que a parte emersa do Gondwana seria um vasto continente ermo, com excepção para as porções paleoequatoriais onde as formas vegetais primitivas e alguns artrópodes aquáticos começavam a fazer as suas primeiras incursões em terra firme. Os vertebrados estavam restringidos a formas escassas, couraçadas ou não, de pequenos peixes amandibulados, limitados aos mares quentes próximos do paleoequador. Mapa palinspático da Terra há 490 M.a. (Adap. Stampfli & Borelli, 2002). Ib - Ibéria 9 A inexistência de uma cobertura vegetal que contivesse a erosão permitia que as plataformas marinhas pouco profundas perigondwánicas fossem muitíssimo mais extensas do que o habitual nas plataformas marinhas actuais, estimando-se casos como o da plataforma marinha da região centro-ibérica que era quase plana e para a qual se estima que, a 500 km da costa, tivesse uma profundidade máxima de 100-150 m. Estas plataformas permaneceram com escassas variações até ao Devónico médio (ca. 385 M.a.), altura em que a sedimentação começou a reflectir o influxo da aproximação do Gondwana às outras placas continentais: a Laurentia, a Báltica e o microcontinente Avalónia, que entretanto se tinha separado por um processo de rifting do Gondwana. No Carbónico superior (ca. 320 M.a.), o Gondwana acaba por colidir com a Laurusia (Laurentia + Báltica + Avalónia), dobrando-se então todos os sedimentos acumulados nas plataformas marinhas de ambos os macrocontinentes, durante o ciclo orogénico (ciclo formador de montanhas) designado por Orogenia Hercínica ou Varisca. Diversas etapas do ciclo de Wilson para a cadeia herciníca ou varisca (adap. Skinner et al., 2004).. 10 Como resultado desta orogenia assistiu-se à elevação e emersão dos materiais até então depositados nos fundos oceânicos. Importa realçar que os sedimentos mais antigos (os primeiros a depositarem-se), à medida que outros se foram acumulando sobre eles formando uma pilha ou coluna, transformaram-se em rochas sedimentares (os mais superficiais) e metamórficas (os mais profundos) tais como quartzitos, xistos e migmatitos. Nesses tempos, algumas rochas chegaram mesmo a fundir-se formando magmas e noutros casos as rochas fundidas do manto ascenderam e intruíram as rochas metamórficas mais profundas, gerando um plutonismo intenso, do qual resultaram diversas rochas granitóides. Este conjunto de rochas antigas está bem representado, por granitos, migmatitos, quartzitos, xistos, gnaisses, no mapa geológico simplificado das duas áreas protegidas PNDI e PNAD. Durante o Mesozóico e Cenozóico decorre o ciclo alpino cuja ­a ctividade tectónica persiste actualmente, como tem sido evidenciado pelos registos sísmicos, históricos e actuais no Norte de Portugal. No Cenozóico os limites do nosso território são muito próximos dos actuais. A sedimentação aparece limitada apenas a domínios restritos, nomeadamente bacias continentais interiores controladas por falhas activas, de que são exemplo os muitos depósitos de sedimentos do Planalto Mirandês (Variz, Sanhoane, Sendim, etc.) com diversas toponímias associadas como “Cascalho, Cascalheira, Seixo, Barrocal, etc.”. Este ciclo recente é responsável pela modelação do relevo, que juntamente com a erosão de vertentes e o encaixe da rede hidrográfica levou à actual configuração do rio Douro. O rio Douro, escavou um profundo vale em rochas duras, manifestando-se um encaixe fluvial progressivamente mais intenso nas Arribas, em que se produziu um espectacular rejuvenescimento da paisagem (López Plaza et al., 2005). O perfil geográfico do rio Douro (Fig. A) mostra que se passa de uma 11 Mapa geológico simplificado da região abrangida pelos Parques Naturais do Douro Internacional / Arribes del Duero. Adaptada da Carta Geológica de Portugal 1:500 000 (SGP, 1992) e do Mapa Geológico y Minero de Castilla e León, 1:400 000 (1997) altitude de 600 metros em Zamora para 120 metros em Barca de Alva com um declive médio de 4 m/km. Em termos geológicos verifica-se nas Arribas do Douro Internacional uma mudança do sistema fluvial, evoluindo de uma bacia endorreica ou fechada nas planícies terciárias para uma abertura ao atlântico, exorreica, derivada provavelmente da erosão remontante de algum rio que atingiu a bacia endorreica (Fig. B) (Martín Serrano, 1991). 12 Perfil longitudinal do rio Douro (A) e relacções entre os níveis de base da bacia durante as etapas endorreica e exorreica da sal evolução (B) (Martín Serrano 1991). Caracterização florística A flora desta paisagem regista, igualmente, a evolução geológica recente referida, acompanhada de uma variação ambiental muito intensa e constante. Neste sentido é possível observar nas Arribas do Douro restos de floresta tropical atlântica, juntamente com flora subestépica ou com diferentes tipos de vegetação esclerófila. Um dos aspectos mais notórios regista-se no comportamento biogeográfico actual, dominado por flora euroasiática e mediterrânica, com um abundante elenco de endemismos e subendemismos ibéricos. Esta complexa combinação florística reflecte as dramáticas transformações 13 que a este nível aconteceram ao longo dos últimos 50 milhões de anos, tansformando radicalmente uma flora laurântica primitiva num complexo glaciar muito recente. Alguns dos numerosos exemplos das alterações e respostas florísticas às intensas variações ambientais neogénicas: Silene scabriflora subsp. scabriflora, Acer monspessulanum, Saxifraga fragosoi, Plantago holosteum, Onosnis viscosa subsp. pedroi, Holcus annus subsp. Duriensis (Texto e fotos de António Crespi). O mosaico de habitats (lameiros, vinhas, bosques, cereal, etc.) confere a esta região elevada biodiversidade. Nas zonas de altitude média domina o carvalho negral e nas zonas mais temperadas o carvalho cerquinho. A azinheira, conhecida como carrasco, predomina nos fundos dos vales e nas vertentes voltadas a sul. São abundantes os bosques e matorrais densos, destacando-se os bosques endémicos de zimbro. A vegetação autóctone serve de refúgio a mamíferos de grande porte: lobo, corço, javali, gato bravo, etc. As culturas dominantes nas encostas dos vales são o olival, a vinha e a amêndoa, enquanto que no planalto predomina o cereal (trigo, aveia, centeio) em rotação com pousios. 14 Caracterização faunística O grupo das aves é o que mais se destaca dentro da grande diversidade da fauna existente nesta região. O PNDI constitui a área do país mais importante para as aves rupículas (aquelas que nidificam em rochas, vulgarmente ditas fragas) (PNDI, 1998). Entre as espécies mais comuns destacam-se o abutre do Egipto, símbolo do PNDI, a cegonha-preta, o grifo, a águia-real, a águia de Bonelli, o falcão peregrino, a gralha de bico vermelho, o andorinhão real e o chasco preto. Nas arribas hibernam também algumas aves que vêm de outras zonas da península à procura de melhores temperaturas. Muitas das espécies estão protegidas e algumas delas em vias de extinção, pelo que é imprescindível a protecção dos habitats que as sustentam, mediante um adequado ordenamento do território. Na área do PNDI estão assinaladas mais de 230 espécies de vertebrados, incluindo o lobo, o corço, o gato-bravo e o javali. Encontram-se nesta região várias raças autóctones como a bovina mirandesa, asinina de Terras de Miranda e a ovelha churra galega-mirandesa. 15 ITINERÁRIO PREVISTO Vila Real – Mogadouro – Bemposta – Fermoselle – Urrós Picote – Santo Adrião – Miranda do Douro – Vila Real Extracto da folha n.º 2 - Bragança, da Carta Militar de Portugal, na escala 1: 250 000, com as paragens previstas 16 Entre os principais aspectos de interesse nesta actividade destacam-se: Interesse geológico: Litologias metamórficas: gnaisses, metapelitos, xistos borra de vinho, anfibolitos e rochas calcossilicatadas, assim como metacalcários e mármores, que têm associada uma extraordinária diversidade mineralógica; Leucogranitos de grão médio, de idade carbonífera, intruídos em lâminas sub-horizontais. Granitos porfiróides de idade carbonífera de Ifanes-Sayago e rochas intermédias associadas; Litologias sedimentares: depósitos de cobertura de idade Miocénico; Fracturação tardi-hercínica e alpina e escarpas verticais; Meandros do Douro, encaixados e controlados tectonicamente, e geomorfologia das albufeiras de Bemposta, Picote e Miranda do Douro. Interesse biológico: Bosques de zimbros e matos de azinheira e de carvalho cerquinho; Aves rupícolas – cegonha-preta, grifo, abutre do Egipto, águia real, águia de Bonelli, falcão peregrino, gralha de bico vermelho, chasco-preto; Mamíferos – raças zootécnicas autóctones e espécies selvagens, como o lobo, o javali, o corço ou a raposa. Em St.ª Adrião destaca-se a maior área de calcários do N de Portugal onde se reproduzem várias espécies de morcegos carvenícolas, entre elas a colónia de criação do morcego-rato pequeno e cinco outras espécies, a maioria em “perigo”. Interesse histórico-cultural: Castros, castelos, ermidas, capelas, pelourinhos, fontes, etc.; Aldeias de Bemposta, Urrós e Picote; Cidade de Miranda do Douro; Vilas de Sendim e de Fermoselle; Barragens de Bemposta, Picote, Miranda do Douro e Almendra. 17 Breve descrição das paragens e aspectos a observar 1. Variz - Barreiros da Cerâmica O corte nos barreiros da Cerâmica do Variz permite observar depósitos sedimentares de cobertura, de idade Miocénico, resultantes do enchimento de um paleovale, cuja sedimentação terá ocorrido em regime intermitente, numa sucessão de episódios fluviais. Estes assentam em discordância sobre os metapelitos (xistos borra de vinho), pertencentes ao complexo alóctone inferior envolvente do Maciço de Morais, provavelmente de idade silúrica (~430 Ma). 2. Sr.ª da Assunção (Serra da Castanheira) Este local, situado a cerca de 1000 m de altitude, permite uma vista deslumbrante sobre toda a região de Trás-os-Montes e da peneplanície salamantina-zamorana. É o ponto mais elevado dos “Cimos de Mogadouro” correspondendo a um relevo de erosão diferencial modelado nos quartzitos de presumível idade ordovícica. 18 Grupo durante uma visita na Geologia de Verão 2007 admirando o planalto mirândes. Penas Róias - Castelo e Fraga da Letra Foi vila e sede de concelho, pertenceu à Coroa até inícios do século XIII e foi doada, pela mão de D. Sancho I, à Ordem dos Templários. O castelo de origem medieval é o cartão de visita da aldeia de Penas Roias, monumento classificado como Imóvel de Interesse Nacional, foi erguido em 1166, a mando de D. Afonso Henriques, para defesa do povoado. A poucos metros do castelo destaca-se, ainda, a Fraga da Letra, que preserva pinturas rupestres, possivelmente gravadas na pedra com tinta vegetal. O pequeno abrigo de Penas Róias, ou “Penas da Letra”, como é também conhecido pela população local, possui algumas das pinturas rupestres mais bem conservadas em Portugal. Foi estudado por Carlos A. F. de Almeida e António M. Mourinho (1981). Cronologicamente as pinturas foram muito possivelmente feitas entre 19 o final da Idade do Bronze e a Época do Ferro (3000-2000 anos atrás). O próprio nome da povoação Penas Róias, provavelmente tem a sua origem em petras rúdeas, ou seja, “pedras avermelhadas”, fazendo portanto referência às pinturas. Castelo de Penas Róias e Fraga da Letra (Fotos e texto de Mila Simões de Abreu e Margarida Morais Santos, projecto “Gravado no Tempo”). 3. Assentamento urbano e geologia (Urrós e Bemposta) Muitos povos nas Arribas, mostram uma paisagem singular quando interpretamos as suas formas, e compreendemos como os condicionalismos geológicos e físicos foram no passado determinantes para a adaptação do Homem ao meio físico, bem como podem potenciar actividades futuras para uma maior integração e valorização desta região. Os achados arqueológicos em Urrós indicam que se trata de uma povoação de origem pré-histórica. O povoamento, no local onde se encontra actualmente, deve datar da Idade Média. Encontram-se sepulturas de características paleo-cristãs cavadas na rocha junto à Igreja Paroquial e junto das ruínas da capela de S. Fagundo (Mourinho, 1995). A aldeia de Urrós representa um exemplo interessante de adaptação humana ao ambiente natural. A aldeia localiza-se sobre o morro gra20 nítico e as bodegas, concentradas no lado Oeste da povoação no lugar da Fonte Nova, são condicionadas em grande parte pela presença de rochas xistentas e migmatíticas mais brandas, sendo mais raras a Este do povo. Os terraços quaternários permitem no lugar da Fonte Nova a existência de hortas férteis, onde se destacam as típicas cegonhas que servem para extracção da água, bem como as pias graníticas. Para completar este quadro tradicional, na encosta, encontram-se 3 pombais sobre vinhas, e oliveiras. Conjunto de hortas, bodegas, vinha e oliveira, sucessivamente em sedimentos quaternários, xistos e granitos. A aldeia de Bemposta foi vila e sede de concelho até ao séc. XVIII, com foral de D. Dinis em 1315 e novo foral de D. Manuel em 1512. A povoação como a toponímia diz, está ”bem posta”, pois situa-se no bordo junto ao contacto entre granito e o encaixante metassedimentar, que causa um desnível bem marcado na paisagem e permite o aproveitamento para cereais e forragens na zona granítica e para vinha e olival na zona xistenta. Para além disso, filões de quartzo instalados em pequenas falhas atravessam o contacto e a aldeia, permitindo a existência de várias nascentes e hortas férteis. Na aldeia aflora granito porfíróide, de duas micas, muito deformado e contém raros encraves 21 metassedimentares. Associam-se-lhe rochas mais escuras como granodioritos e tonalitos, que permitem em geral solos mais férteis. Tem bolsadas e filões pegmatíticos com turmalina e aplito-pegmatíticos com granada e turmalina. No conjunto estes povos com as suas ruas, casas tradicionais típicas, varandas, muros de pedra, arcos, pelourinhos, património religioso, etc, bem merecem ser declarados, em conjunto, como Património de Interesse Público. Paisagem vista do miradouro de Santa Bárbara e pelourinho de Bemposta. 4. Barragem de Bemposta A barragem de Bemposta localiza-se a montante da confluência com o rio Tormes, onde o rio depois de um troço aberto curvo encaixa mais o seu vale num ramo NE-SW, condicionado por falha N70ºW. O vale é aberto, de margens suaves cavado em rochas migmatíticas. Do ponto de vista litológico ocorre uma série metassedimentar muito heterogénea com zonas mais pelíticas e algumas rochas calcosilicatadas. Para além disso existem intrusões de granito de grão fino muito deformado, com forte lineação de estiramento e dobras. Todo o conjunto é cortado por pegmatitos discordantes. 22 A visita ao interior da central hidroeléctrica, cuja barragem é do tipo arco de gravidade aligeirado permite observar o amplo arco e o fundo do antigo leito do rio, escavado na rocha migmatítica. A barragem está em exploração desde 1964. Exterior e interior da barragem de Bemposta. 5. Fermoselle Miradouro de Torrejón. 23 Aspectos a observar: Granito de grão médio a fino com encraves de origem restítica; Enquadramento da cidade no meio das bolas de granito; Migmatitos, que afloram sob a lâmina de granito de grão médio no castelo de Doña Urraca; Bodegas da localidade – condicionantes geológicas da sua instalação e história. 6. Faia da Água Alta de Lamoso Esta zona de elevado interesse geológico e geomorfológico situa-se perto de Lamoso, um pouco antes da ribeira do mesmo nome desaguar na ribeira de Bemposta. Trata-se de uma cascata que se observa em grande parte do ano, excepto na época estival. A sua formação obedece a um contraste litológico entre uma lâmina granítica no topo e a rocha encaixante metapelítica subjacente (xistos e migmatitos). A ausência de fracturas longitudinais na Ribeira de Lamoso e a presença de um diaclasamento subortogonal paralelo à Ribeira de Bemposta são factores que facilitaram o “salto” da água. Nas imediações existem antigos moinhos que merecem ser reconstruídos. Queda de água da Faia da Água Alta na ribeira de Lamoso e moinho abandonado na rib. de Bemposta. 24 7. Miradouro de Picote – Peinha de l´Puio Aspectos a observar: Remanso do rio Douro, num meandro encaixado; Dois tipos de granitos – granito porfiróide com silimanite e granito equigranular fino; O afloramento granítico da Penha do Puio situado no alto da escarpa do rio Douro, é um dos Locais de Interesse Geológico do tipo panorama mais característicos das Arribas do Douro. Do local avistase a vasta superfície de aplanamento cenozóica, correspondente à Superfície Fundamental da Meseta, entalhada pelo profundo vale em canhão fluvial do Rio Douro, que neste local apresenta uma escarpa de 250 m de altura. É bem expressivo o traçado do rio talhado na rocha granítica, fortemente condicionado pela fracturação. O local de grande beleza terá inspirado o Homem pré-histórico, que gravou nas suas lajes figuras rupestres como a do Caçador de Picote. Na aldeia a identificação das ruas faz-se em língua mirandesa e portuguesa. Algumas construções rurais típicas demonstram a estreita relação entre o homem e a geologia local. 25 8. Barragem de Picote A barragem é do tipo abóbada de dupla curvatura. Trata-se da barragem mais antiga do troço internacional do Douro, em exploração desde 1958. A arquitectura da barragem, as suas infraestruturas e o bairro dos engenheiros no Barrocal possuem um enquadramento paisagístico exemplar, tendo sido a primeira barragem a ser proposta para classificação pelo IPPAR, em Junho de 2002. É interessante observar o estreito leito do rio Douro, controlado tectonicamente e a morfologia granítica, incluíndo os domos do Barrocal. 26 9. Metacalcários de São Pedro da Silva (Miranda do Douro) Antiga pedreira instalada em afloramentos de metacalcários intercalados com rochas vulcânicas básicas (xistos verdes) de idade Kralodvoriano (Ordovícico Superior). Actualmente abandonada, foi outrora fonte de calcário para os fornos de cal da região. Em frente observam-se as antigas pedreiras de Santo Adrião onde foram descobertas diversas grutas revestidas de alabastro, cujas estalactites e estalagmites foram vandalizadas. 10. Barragem de Miranda do Douro O aproveitamento hidroeléctrico de Miranda do Douro consiste numa barragem de tipo contrafortes e encontra-se em exploração desde 1960. Aspectos a observar: Contactos granitos-xistos-gnaisses. 27 11. Miranda do Douro “Miranda do Douro, 3 de Agosto [1947] – Até que enfim! Mas não foi o menino Jesus da Cartolinha que vim ver, nem mesmo uma rua quinhentista tal e qual como a deixaram os pedreiros manuelinos. Foi o planalto transmontano, adusto, largo, arejado, guardado por esta severa Sé de granito, erguida diante dos olhos castelhanos como a cruz dos crentes alçada diante da tentação de Satanás.” (Miguel Torga, Diário IV) Importância histórica e monumental da cidade, com a Sé Catedral, o Menino Jesus da Cartolinha e o Museu de Terras de Miranda. Em termos etnográficos destacam-se os Pauliteiros de Miranda do Douro e o Mirandês, língua com o estatuto de segunda língua oficial portuguesa. Em termos geológicos destaca-se o Planalto granítico no maciço de Ifanes e os ortognaisses ocelados e gnaisses finos com veios migmatíticos, alvo de diversas datações isotópicas recentes. 28 12. São João das Arribas (Aldeia Nova - Miranda do Douro) O interesse paisagístico deste sítio emblemático, localizado num antigo castro sobre o qual foi construída uma pequena capela, deve-se ao canhão espectacular que se observa a montante do miradouro. Aspectos a observar: Morfologia granítica; Granito de grão médio, biotítico-moscovítico, porfiróide, do maciço de Ifanes-Sayago. 29 Bibliografia Almeida, C. A. F. e Mourinho A. M..(1981). Pinturas Esquemáticas de Penas Róias. Terra de Miranda do Douro. Arqueologia 3:43-48, Porto: GEAP. Baptista, J., Coke, C.; Gomes, M.E.P.; Plaza, M.; Peinado, M.; Pereira, D.; Rodríguez Alonso, M.D.; Sá, A.; Sousa, L. (2003) Proposta de itinerários de interesse geológico-paisagístico nos parques naturais de “Douro Internacional-Los arribes del Duero”. 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Aspectos geológicos, geomorfológicos e paisagísticos de maior interesse: 1. Na barragem da Bemposta, é interessante o enquadramento paisagístico da própria barragem e do bairro habitacional e o impacto social que esta teve na região, que é “esculpida” em rochas xistentas, bastante migmatizadas (rochas xistentas que sofreram metamorfismo de alto grau e iniciaram a fusão, gerando rochas mistas- ígneas e metamórficas) intruídas por algumas rochas filoneanas de tipo pegmatítico. A colina do Castelo de Oleiros (castelo dos Mouros) destaca-se pela forma bastante suave, limitada por duas ribeiras, que criam reentrâncias acentuadas no rio. 2. As rochas graníticas que afloram em alguns cabeços, são de grão médio e duas micas e atravessam por vezes as duas margens. Os afloramentos não são muito extensos e consistem em intrusões de tipo tabular ou laminar (lacólitos), no meio de rochas xistentas. Na vegetação destaca-se a presença de zimbros (Juniperus oxicedrus) com alguns povoamentos de extensão considerável e quase monoespecíficos. 3. No alinhamento do vértice geodésico de Cabeçudo conseguem observar-se ruínas de antigos fornos de cal e uma bancada de rochas 31 carbonatadas. Estes mármores foram explorados na década de 1930 para cal, sendo esta região popularmente conhecida por Caleiras, devido a essa antiga actividade. O rio muda de direcção para NW-SE, segundo a fracturação, fazendo um ângulo quase recto, ao intersectar uma lentícula mais espessa de rocha granítica, que aflora na margem espanhola, com paredes verticais, sendo designada na região como Faia Amarela, observando-se um nítido diaclasamento vertical e subhorizontal do granito, formando capas que servem de suporte a ninhos de andorinha da rocha e de cegonha preta. 4. O rio inflecte de novo para NE-SW com o vale bastante aberto, apresentando reentrâncias, que cortam rochas metamórficas (xistos e gnaisses). Ao intersectar o contacto com o maciço granítico de Picote, o rio muda de novo de direcção descrevendo meandros encaixados condicionados pelas fracturas principais NE-SW e NNW-SSE, seguindo-se um troço rectilíneo de direcção quase N-S, de tipo canhão fluvial com paredes bastante verticais. Esta é também uma área muito propícia à nidificação de aves, nomeadamente a cegonha preta, grifos e abutres do Egipto. 5. De realçar a toponímia de Picão do Diabo, usada para uma parede vertical, rectilínea, de altura superior a 150 metros, que divide a rocha granítica, mostrando o claro alinhamento da falha, com continuidade em ambas as margens. É visível material granítico, que terá sofrido desprendimento recentemente, ao longo de diaclases verticais. Junto ao cais de Picote na zona de Remanso, o rio sofre um novo desvio condicionado pela tectónica. Este local no sopé da Fraga do Puio tem grande interesse, pois na encosta afloram para além de xistos e grauvaques, rochas de natureza carbonatada e argilosa que foram exploradas pelo Homem, para materiais de construção, olaria e fabrico de cal. 32 33 34