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Case Report
Hematoma Subdural: Relato de Complicação
Rara da Raquianestesia
Subdural Hematoma: Case Report of Spinal Anesthesia Rare Complication
Fernando Antonio de Oliveira Costa1
Othelo Moreira Fabião Neto2
Patrícia Larrosa Freire3
Guilherme Gago da Silva4
Eduardo de Moraes Schuch4
Octávio Ruschel Karam5
RESUMO
O hematoma subdural é uma complicação incomum e grave do uso da técnica de raquianestesia. A primeira manifestação clínica
usualmente é cefaleia. Apresentamos o caso de uma puérpera de 29 anos submetida a raquianestesia para parto cesariano
que desenvolveu hematoma subdural. A paciente foi submetida a tratamento conservador, sem necessidade de intervenção
neurocirúrgica com boa evolução. O hematoma subdural pós-raquianestesia é uma patologia grave que sempre deve ser
suspeitada em pacientes com cefaleia, principalmente quando associada a outras manifestações neurológicas, para diferenciar
de outras patologias associadas, como a hipotensão liquórica por punção dural.
Palavras-chave: Hematoma subdural; Raquianestesia; Cefaleia; Relato de caso.
ABSTRACT
Subdural hematoma is an uncommon but serious complication which can occur after spinal anesthesia technique. Headache is the
first clinical manifestation in most of the cases. We present a case of a puerperal 29 years old woman submitted to spinal anesthesia
for cesarean delivery who developed a subdural hematoma. The patient underwent conservative treatment without the need for
neurosurgical intervention presenting full recovery. Subdural hematoma after spinal anesthesia is a serious condition that should
always be suspected in patients with headache, especially when associated with other neurological manifestations, in order to
differentiate from other conditions associated with this type of headache as low CSF pressure by dural puncture.
Key words: Subdural hematoma; Spinal anesthesia; Headache; Case report.
Introdução
Relato do Caso
O hematoma subdural intracraniano é uma complicação
especialmente rara da raquianestesia3-5,8. Sua incidência é de
1:500.000 a 1:1.000.0003. Cefaleia, geralmente o sintoma
inicial, é o que torna esta patologia um diagnóstico diferencial
importante da cefaleia pós-raquianestesia8. Apresentamos
um caso de hematoma subdural pós-anestesia espinhal
diagnosticado tardiamente, inicialmente confundido com
cefaleia pós punção dural. O objetivo deste trabalho é reforçar
a importância da avaliação cuidadosa dos sintomas pósraquianestesia, principalmente a caracterização adequada da
cefaleia, visando evitar o subdiagnóstico potencialmente letal.
Paciente de 29 anos, previamente hígida, submetida a
raquianestesia para parto cesáreo. A cirurgia ocorreu sem
intercorrências e a paciente recebeu alta hospitalar em bom
estado geral. Cerca de 48 horas após a alta hospitalar, a paciente
procurou o pronto socorro por cefaleia hemicraniana esquerda
de início súbito, de moderada intensidade, acompanhada de
episódio hemético e que atenuava no decúbito dorsal. Devido
à clínica sugestiva de hipotensão intracraniana suspeitou-se
de cefaleia pós-raquianestesia. Sendo assim, foi orientada a
repousar, recebeu analgésicos simples e foi liberada para casa.
Após cerca de 72 horas, procurou novamente a emergência por
permanência dos sintomas. Foi solicitada TC de crânio que
PhD em Neurocirurgia, Universidade Federal de São Paulo, Pelotas, RS, Brasil
Mestre em Neurocirurgia, Universidade Federal de São Paulo, Pelotas, RS, Brasil
3
Mestre em Saúde e Comportamento, Universidade Católica de Pelotas, Anestesiologista, Hospital Universitário São Francisco de Paula, Pelotas, RS, Brasil
4
Acadêmico de Medicina, Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
5
Médico,Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
1
2
Received Nov 1, 2016. Accepted Dec 12, 2016
Costa FAO, Neto OMF, Freire PL, da Silva GG, Schuch EM, Karan OR. - Hematoma Subdural: Relato de
Complicação Rara da Raquianestesia.
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na ocasião foi considerada normal. A paciente foi novamente
liberada.
Cerca de duas semanas após, procurou nosso serviço com
piora da cefaleia, desta vez sem as características posturais,
com fraqueza do lado direito do corpo e distúrbios da fala. O
exame físico neurológico demonstrou disfasia de expressão,
força muscular grau 4 no membro superior direito e grau 4+
no membro inferior direito, de acordo com a escala modificada
do Medical Research Council (mMRC) e leve hiperreflexia à
direita, sem outros sinais de liberação piramidal.
Foi realizada a ressonância magnética (RM) de crânio
demonstrando coleção subdural parietal esquerda, com leve
efeito de massa caracterizado por apagamento dos sulcos e
giros corticais adjacentes, sem desvio das estruturas da linha
média (Fig. 1). Foi indicado tratamento conservador com
analgésicos, dexametasoma e fenitoína. A paciente evoluiu
bem, sem sequelas, e recebeu alta hospitalar 3 dias depois em
uso de dexametasona e fenitoína.
No último follow-up, 18 meses após a alta, a paciente
apresentava-se sem sintomas. A RM realizada na ocasião
evidenciou resolução completa da coleção subdural (Fig. 2).
Figura 2. Ressonância Magnética do crânio ponderada em T1, corte sagital,
evidenciando reabsorção completa do hematoma 18 meses após o diagnóstico.
Discussão
A hemorragia subdural intracraniana (HSD) é uma complicação
incomum, porém potencialmente grave, após raquianestesia
ou associada a procedimentos que involvem perfuração dural,
como mielografia e punção liquórica1,3,6,8. As manifestações
iniciais dessa patologia assemelham-se a cefaleia de
hipotensão intracraniana pós-punção dural, o que torna difícil
o reconhecimento precoce da hemorragia subdural, como pode
ser visto em nosso caso3.
Figura 1. Ressonância Magnética do crânio ponderada em T1, plano sagital, 14
dias após raquianestesia demonstrando hematoma subdural subagudo à esquerda.
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Complicação Rara da Raquianestesia.
A cefaleia pós-raquianesteisa (CPR) pode ocorrer sempre que
for realizada punção dural3. A definição do padrão álgico é
fundamental, pois permite excluir outros diagnósticos como
migrânea. Este tipo de cefaleia geralmente surge entre 1-5
dias após punção e tem como característica principal o caráter
postural1,3. A dor tende a piorar na posição sentada e em
ortostatismo e apresenta melhora dramática com o decúbito
dorsal1,3,7. Certos fatores estão associados a maior incidência
de CPR, tais como: características da agulha de punção, sexo
feminino, estado gestacional, história de CPR e características
anatômicas do sistema liquórico do paciente1. A fisiopatologia
dos sintomas não é plenamente compreendida, mas acreditase que a hipotensão causada pela saída liquórica propicie
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a distração caudal de elementos intracranianos sensíveis a
dor3,6,7. Essas mesmas forças podem induzir a ruptura de vasos
do espaço subdural, principalmente as curtas veias em ponte
que drenam diretamente nos seios durais, processo que leva
à formação de hematomas1-8. O sangue extravasado pode ser
tanto arterial como venoso6. Entre os fatores de risco para o
HSD encontram-se: atrofia cerebral, uso de anticoagulantes e
anormalidades vasculares intracranianas, além dos aspectos
relacionados a CPR, citados anteriormente1,2. Hemorragias
subdurais espontâneas em gestantes, mesmo na ausência de
punção dural também podem ocorrer como consequência da
rápida queda da pressão intracraniana (PIC) induzida pela
manobra de Valsalva2. No nosso caso o único fator de risco
encontrado foi a gravidez. Embora não tenha sido realizado
rastreio para malformações arteriovenosas (MAV) e aneurismas
cerebrais no pré-operatório, a RM de crânio pós-operatória não
evidenciou anormalidades.
As manifestações clínicas dependem de fatores como: idade,
dimensões, velocidade de formação, compressão de estruturas
intracranianas e das condições clínicas do paciente1. A
apresentação típica do HSD inclui: cefaleia, diminuição do
nível de consciência, hemiparesia contralateral e midríase
ipsilateral à lesão6. Hemiparesia ipsilateral a hemorragia,
apresentando-se como falso sinal localizatório também já foi
documentada6. Entretanto, o diagnóstico diferencial entre a
síndrome de hipotensão liquórica e hemorragia subdural pode
ser difícil, o que impede o diagnóstico precoce, como pode ser
visto em nosso caso1.
Neste caso, a cefaleia persistente durante as primeiras 2 semanas
apresentava caráter postural e, como tal, era consistente com
CPR . Os sinais neurológicos e dor de cabeça intensa (não
mais posicional) que ocorreram mais tarde, provavelmente,
estavam relacionados com compressão direta do hematoma
sobre o parênquima cerebral e com o aumento da pressão
intracraniana7.
Na maior parte dos casos, uma dor de cabeça não postural, de
progressão gradual, que sofre mudanças no padrão e persiste
mesmo após tratamento, associada a vômitos e rebaixamento do
sensório deve ser considerada um sinal de alerta3,4,7. É comum
que uma cefalalgia no pós-operatório com raquianestesia seja
muitas vezes assumido como CPR, mas é importante considerar
a possibilidade de hemorragia subdural, especialmente na
presença dos sinais de alarme supracitados, tendo em vista
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o possível desfecho desastroso associado ao diagnóstico
tardio5. Entretanto, a ocorrência de sintomas neurológicos não
necessariamente significa que houve hemorragia intracraniana,
sendo assim, a diferenciação clínica nem sempre é simples3.
O tratamento do hematoma subdural inclui medidas
conservadoras (observação médica, medicação anti-edema), ou
cirúrgicas (monitorização da pressão intracraniana, drenagem
ventricular externa (DVE), trepanação simples ou múltipla,
craniotomia/craniectomia)2. O tratamento conservador está
indicado nas coleções pequenas, sem desvio de linha média
intracraniana e que não provocam repercussões clínicas
relevantes1. Hematomas de menos de 10 mm de largura, muitas
vezes desaparecem espontaneamente2. Entretanto, hematomas
espessos, mesmo que pequenos podem causar edema
cerebral reativo, frequentemente com sintomas neurológicos
importantes e necessitam de intervenção cirúrgica2. Em nosso
caso, ocorreu resolução espontânea do sangramento e a terapia
conservadora com analgésicos e corticosteroides foi suficiente.
Conclusão
A cefaleia é a complicação mais frequente após raquianestesia e
apresenta evolução benigna na maioria dos casos. Devido a isso,
alguns diagnósticos potencialmente fatais, como o hematoma
subdural pode ser realizado de forma tardia, apesar do presente
caso ter sido tratado de forma conservadora com sucesso.
Este relato descreve uma ocorrência rara, portanto, é crucial
investigar cefaleias recorrentes, ainda mais quando associadas
com outras manifestações neurológicas principalmente nas
pacientes no período puerperal.
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ijoa.2004.08.005
Corresponding Author
Guilherme Gago da Silva
Acadêmico de medicina
Universidade Católica de Pelotas
Rua Pe. Anchieta, nº 784, Apto 201, Centro
96015-420 - Pelotas, RS, Brasil
Telefone: (53) 99980714
Email: [email protected]
Os autores referem que não existem conflitos de interesse.
Relato de caso organizado conforme CARE guideline
(consensus-based clinical case reporting)
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