as erosões antrópicas e suas implicações

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
AS EROSÕES ANTRÓPICAS E SUAS IMPLICAÇÕES
SOCIAMBIENTAIS: O CASO DE UMA VOÇOROCA LOCALIZADA EM
UMA PROPRIEDADE RURAL, NO NOROESTE DO MUNICÍPIO DE
REGENTE FEIJÓ/SP
THE ANTHROPOGENIC EROSIONS AND ITS ENVIRONMENTAL
IMPLICATIONS: THE CASE OF A GULLY ON A RURAL PROPERTY
IN THE NORTH-WESTERN OF MUNICIPALITY OF REGENTE
FEIJÓ/SP
ALESSANDRO DONAIRE DE SANTANA1
Resumo: As erosões antrópicas revelam as contradições decorrentes da relação sociedadenatureza. Neste sentido, a Geografia possibilita a análise dessa realidade, já que busca apreender as
dinâmicas naturais e sociais materializadas no espaço geográfico. Assim, este trabalho tem por
objetivo discutir as causas e as implicações socioambientais decorrentes do surgimento e avanço de
uma voçoroca em uma pequena propriedade rural do noroeste do município de Regente Feijó/SP. A
voçoroca revela a história de uso e ocupação da área, marcada pelo desmatamento da vegetação
original, por décadas de cultivos de gêneros agrícolas em vertentes declivosas e desprotegidas, cujos
solos apresentam predomínio de classe textural arenosa. Hoje, a pecuária é a responsável pelo
agravamento dessa voçoroca e de outras erosões existentes na propriedade, causando a perda de
solos, seu depauperamento, o assoreamento e a contaminação dos cursos d’água.
Palavras-chave: espaço geográfico; erosões antrópicas; voçoroca; Regente Feijó/SP.
Abstract: The anthropogenic erosions reveal the contradictions resulting from a relationship
between society and nature. Thus, Geography enables the analysis of this reality, seeking to
understand the natural and social dynamics. Therefore, this paper aims to discuss the causes and
environmental implications of the rise and advancing of a gully on a small farm in north-western
municipality of Regente Feijó, State of São Paulo. The gully reveals the history of land use and
occupation of the area, flagged by deforestation through decades of agricultural cultivation in exposed
hillside, whose soils are sandy texture class are prevalent. Currently, cattle ranching is in charge of the
increasing of this gully and other erosions on the property, leading the soil depletion, silting and
contamination of waterways.
Key-words: geographical space; anthropogenic erosion; gully; Regente Feijó/SP.
1 – Introdução
O solo, recurso imprescindível para a manutenção da vida no planeta, ainda
é relegado a um segundo plano quando se aborda os problemas ambientais
causados pelas sociedades à natureza. As práticas agropecuárias inadequadas, a
1
- Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Campus de Presidente Prudente. E-mail de contato: [email protected]
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mineração, o desmatamento e outras atividades humanas, se não forem
desenvolvidas de modo a respeitar as especificidades pedológicas, podem acentuar
a erosão, o depauperamento e a contaminação dos solos, principalmente nas
regiões intertropicais, que apresentam solos mais frágeis e quimicamente
empobrecidos (TOLEDO et al., 2009).
As erosões dos solos revelam as contradições decorrentes da relação
sociedade-natureza. Por isso, a Geografia, como ciência que estuda a apropriação e
a organização do espaço geográfico, valendo-se das imposições da natureza, da
aptidão técnica, do poder econômico e das características socioculturais (ROSS,
2009), é capaz de apreender as dinâmicas intrínsecas à constituição dos processos
erosivos antrópicos.
Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo discutir as causas e as
implicações socioambientais decorrentes do surgimento e avanço de uma voçoroca
localizada em uma pequena propriedade rural, no noroeste do município de Regente
Feijó/SP, procurando estabelecer relações têmporo-espaciais mais abrangentes
para a compreensão desse fenômeno.
A voçoroca, que surgiu em uma área de preservação permanente, revela a
história de uso e ocupação da propriedade: desmatamento da vegetação original,
décadas de cultivos de gêneros agrícolas e criação de gado de corte e leiteiro em
solos com predomínio de classe textural arenosa, e em áreas cujo relevo apresenta
vertentes declivosas são fatores que, ao longo do tempo, conformaram o quadro de
degradação verificado na propriedade.
As atuais características de exploração da área, privilegiando a criação de
gado de corte e leiteiro, têm acentuado o quadro erosivo, causando a perda de
solos, seu depauperamento, e o assoreamento dos cursos d’água. Logo, o
agravamento dos processos erosivos, principalmente em pequenas propriedades
rurais, revela a precariedade socioeconômica de grande parte dos agricultores, que
têm que otimizar os reduzidos espaços de produção, mesmo comprometendo os
recursos que lhes permitem produzir: os solos e as águas.
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2 – Procedimentos metodológicos
Foram utilizadas algumas referências bibliográficas que permitem à
discussão do método em Geografia, enfatizando sua capacidade de apreender as
dinâmicas que são imanentes à relação sociedade-natureza. Neste sentido, a
caráter social do espaço geográfico (MOREIRA), bem como as “intencionalidades”
(SANTOS) que estão no bojo de sua apropriação, são diretrizes fundamentais para a
compreensão das especificidades que caracterizam este espaço em constante
transformação; também foram utilizadas outras importantes referências que
possibilitam analisar as características das dinâmicas socioambientais, próprias do
sistema do sistema de exploração capitalista.
Além disso, foram realizados diversos trabalhos de campo para a maior
apreensão das dinâmicas naturais e sociais que estão materializados naquele
espaço geográfico. Assim, partiu-se de entrevistas semiestruturadas com um
pequeno produtor rural, já que conhecer a história e as atuais características de uso
e ocupação de sua propriedade é fundamental para desvelar detalhes que a
bibliografia não consegue alcançar, mas que servem para a articulação com escalas
de análise mais abrangentes, que refletem as dinâmicas de formação geoeconômica
do município de Regente Feijó, do oeste paulista e do Brasil.
3 – Produção e apropriação do espaço geográfico: o método em Geografia
para compreender a relação sociedade-natureza
O espaço geográfico é resultado das ações humanas, moldado ao longo do
tempo de acordo com suas necessidades de reprodução enquanto espécie. Moreira
(2008, p. 65) considera que “[...] Não haveria relações sociais se não houvesse a
necessidade de os homens transformarem o meio natural em meio de subsistência
ou de a este chegarem por meio do trabalho.”
De acordo com Santos (1985), os elementos sociais e naturais interagem e
são interdependentes, sendo necessário, portanto, estudar tais interações para
compreender o espaço e a sociedade como um todo. Por isso, cabe a Geografia
apreender os processos que caracterizam o espaço geográfico, e que são mediados
por características históricas, econômicas e culturais das sociedades.
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Partindo da concepção de que o espaço geográfico é produzido a partir das
relações sociais sobre uma base física (natureza) transformada, é necessário que o
geógrafo tenha consolidado o método de investigação e compreensão da(s)
realidade(s) que pretende investigar. Neste sentido, ainda segundo Moreira (2008), o
método em Geografia consiste, primeiramente, em ver e pensar; ou seja, cabe ao
geógrafo passar do aspecto da descrição visível da paisagem (plano do sensível)
para a apreensão da estrutura invisível do espaço (plano do inteligível), possível a
partir da utilização do conceito, produzindo sua representação de mundo.
Nessa perspectiva, cabe destacar que a complexidade das relações
humanas - e das várias nuances de apropriação e transformação da natureza -,
torna árduo o trabalho no plano inteligível, sendo oportuno ressalvar que a
representação da realidade que o geógrafo produz reflete sua própria concepção de
mundo, sua ideologia, bem como as especificidades conjunturais da ciência de seu
tempo. É, portanto, uma visão parcial, mas que não pode ser considerada uma
fragilidade, pois é uma característica imanente às ciências.
Assim, quando se pretende olhar para determinada realidade e apreender
suas dinâmicas e interações sociais e naturais, é importante analisá-las levando em
conta as limitações que são imanentes ao método (ou métodos) da Geografia e de
outras ciências. Todavia, a ciência geográfica tem a primazia de procurar entender
como se dá a interação do homem com o meio em que vive e todas as relações
subjacentes.
Neste sentido, a análise de processos erosivos antrópicos permite o
estabelecimento de múltiplas relações causais, bem como de implicações
socioambientais. Para se entender o surgimento e o avanço de tais processos, é
necessário lançar um olhar refinado para a paisagem e pesquisar a história de
ocupação, as características culturais e geoeconômicas de formação de dado
espaço geográfico, bem como as características naturais que servem de base para a
reprodução e apropriação humana. É, portanto, um tema que possibilita a discussão
das contradições sociedade-natureza de forma muito patente.
Daí a eminência dos estudos que partem da escala local, espaços imediatos
da reprodução humana, onde os impactos socioambientais repercutem de forma
pronunciada. Suertegaray e Nunes (2001) apontam a importância dos estudos em
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nível local, visto que esta escala de análise se articula com as demais em múltiplas
esferas: política, econômica, social e ambiental. Argumentam, ainda, que os
problemas socioambientais são agudos e visíveis no lugar; por isso a emergência
dos estudos nessa escala e seu caráter global, uma vez que é produto de uma
lógica econômica hegemônica.
Essa lógica econômica hegemônica (capitalista) preconiza a exploração
predatória dos recursos naturais. Porto-Gonçalves (2006) a caracteriza pela busca
incessante do lucro, sobrepondo-se às particularidades das dinâmicas naturais e
socioculturais das mais distintas regiões do planeta.
Logo, os processos erosivos antrópicos refletem essa lógica econômica
hegemônica, e as inter-relações escalares permitem entender que as dinâmicas
geoeconômicas e sociais verificadas no lugar se articulam com escalas mais amplas
e vice-versa, pois o sistema capitalista preconiza a maximização das relações que
permitam a ampliação de sua capacidade produtiva e de consumo, o que implica
consequências socioambientais cuja repercussão é abrangente.
4 – Erosões antrópicas: implicações socioambientais causadas pelo
surgimento de uma voçoroca em uma pequena propriedade, no noroeste de
Regente Feijó/SP
A discussão realizada até aqui mostra que a lógica de exploração da
natureza faz parte de um sistema consolidado (capitalismo), que imprime seu ritmo
predatório a todas as regiões do planeta. O oeste paulista não foge a essa lógica, já
que foi incorporado como espaço de produção de gêneros agropecuários que
atendessem a pauta de exportações brasileira, desde fins do século XIX.
Essa forma de exploração geoeconômica da região foi assentada na
devastação da floresta original, em práticas agropecuárias massivas, o que,
associado à fragilidade dos solos arenosos, conformaram um quadro grave de
degradação ambiental, com destaque para a erosão e o depauperamento dos solos,
a poluição e a contaminação dos cursos d’água.
Neste sentido, o manejo inadequado da terra é fator de evolução dos
processos erosivos, que podem atingir o nível de voçorocas. A aradura, a
semeadura e o cultivo realizados no sentido morro abaixo favorecem o transporte do
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solo; os animais, em decorrência do pisoteio constante, trilhando encostas
declivosas, também acentuam o quadro erosivo (LEPSCH, 2002).
Para exemplificar esta situação, será analisado o caso de uma voçoroca que
surgiu em uma pequena propriedade rural de Regente Feijó/SP. O município está
localizado no oeste paulista (22º13’17” S e 51º18’10” O). Possui área territorial de
265,071km² e população estimada, em 2014, de 19.602 habitantes, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A propriedade rural e a
voçoroca em questão estão localizadas na Sub-bacia do Córrego do Embiri, ao
noroeste do município (Figura 01).
Figura 01: Localização do município de Regente Feijó/SP.
Organização: PRATES, R. P., 2011.
Nesta propriedade, as práticas agrícolas pretéritas tiveram por objetivo
produzir gêneros agrícolas adaptados satisfatoriamente ao clima da região, como o
café, o amendoim e o algodão. Cabe incluir a pecuária, responsável pelo avanço das
pastagens em todo o oeste paulista. Todavia, a produção agropecuária foi efetivada
em áreas declivosas, de solos frágeis, sem a devida preocupação em protegê-los da
degradação provocada pela exploração intensiva. Esta lógica era considerada
“natural”, além de ser incentivada por políticas governamentais.
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Assim, o quadro erosivo se instalou com intensidade na propriedade,
comprometendo sua capacidade produtiva, além de promover a degradação dos
solos e dos cursos d’água. Segundo o produtor rural, a voçoroca em questão
ganhou maiores proporções nos meses de verão do presente ano, o que aumentou
sua extensão longitudinal, bem como o pronunciado solapamento das bordas. Em
alguns pontos, é possível constatar que a voçoroca atingiu os arenitos (Formação
Adamantina); nota-se, também, a coloração avermelhada da água e dos sedimentos
em vários trechos, em decorrência da redução do óxido de ferro presente nas rochas
e no solo (Figura 02).
Figura 02: Pecuária em área declivosa (1). Voçoroca mais a jusante, com destaque para o curso
d’água e o solapamento das bordas (2).
Fonte: (1) – Acervo pessoal, 2015; (2) – Leonardo Ferigatto, 2015.
Esse processo de voçorocamento se instalou em uma área de fundo de vale,
que recebe as águas pluviais das cabeceiras de drenagem do entorno. Assim, ao
longo do tempo, o solo removido das áreas a montante foi sendo transportado e
depositado na área mais baixa do terreno, o que, associado ao manejo inadequado,
provocou o surgimento da voçoroca. O processo erosivo é contínuo, acentuado no
período de chuvas mais intensas; o solo, que continua sendo carreado, chega ao
córrego que está localizado mais a jusante, aumentando o assoreamento.
Neste sentido, para entender a história de formação daquela porção da
propriedade, recorreu-se, além dos relatos do proprietário rural, à Folha Topográfica
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do IBGE (1974)2, já que mostra a rede de drenagem e as cotas altimétricas
pretéritas da área. Assim, a carta hipsométrica elaborada a partir desse documento
mostra a presença de um curso d’água perene na área onde se localiza a voçoroca
(Figura 03). Este córrego é resultado da configuração geomorfológica dessa área de
embaciamento, sendo que o processo erosivo localiza-se à jusante.
Figura 03: Carta hipsométrica da porção noroeste do município de Regente Feijó/SP.
Fonte: SANTANA, A. D. 2011.
Organização: SANTANA, A. D. 2011(Modificado).
Porém, o produtor rural, que há mais de cinquenta anos vive na propriedade,
não confirma a existência deste córrego verificado na Folha Topográfica do IBGE
(1974). Logo, é possível inferir que, em virtude da antropização da área - que já era
intensa antes de a família adquirir a propriedade -, com os cultivos agrícolas
desenvolvidos sem a proteção das vertentes, o curso d’água migrou sua nascente
original para um ponto mais a jusante.
A Figura 04, elaborada com a ajuda da imagem do Google Earth, mostra a
referida área de embaciamento, ocupada, eminentemente, por pastagens,
2
Folha topográfica de Presidente Prudente. Mapa color, 37,15 X 29,72cm. Escala 1:50.000. Fonte:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/mapas/GEBIS%20-%20RJ/SF-22-Y-B-III-1.jpg, acesso em 2
de março 2015.
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pontuadas por alguns resquícios de mata e uma plantação de cana-de-açúcar
próxima a voçoroca 1. É possível constatar duas voçorocas, mas que são originadas
pelo mesmo processo de escoamento concentrado.
Figura 04: Representação das características da área de embaciamento.
Figura 04: Alguns detalhes da área de estudo.
Fonte: Imagem do Google Earth (2015). Recorte da Folha Topográfica do IBGE (1974). Fotos do
acervo pessoal, 2015.
Segundo o produtor rural, seu pai construíra represas que serviriam para a
dessedentação dos bovinos na margem esquerda, a montante da voçoroca (que
ainda não existia). Contudo, as bacias não suportaram a grande quantidade de
águas pluviais canalizadas das cabeceiras de drenagem e se romperam, agravando
o processo de voçorocamento.
Para efeitos ilustrativos, foi desenhado o curso d’água sobre a imagem do
Google Earth, segundo a folha topográfica do IBGE (1974), bem como as represas
que estão rompidas. Porém, a voçoroca (1) não apresenta curso d’água em seu
interior. A nascente está localizada num pouco mais a montante da voçoroca (2); é
nela que se pode observar o curso d’água proveniente dessa nascente. A imagem
do Google Earth não mostra a “cicatriz” provocada pela voçoroca 2, pois a imagem é
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de 2014 e, como já referido, o processo ganhou forma em decorrência das fortes e
concentradas chuvas verificadas no verão do presente ano.
A exposição dessa realidade serve para esclarecer algumas mazelas que o
cotidiano do trabalho rural impõe, qual seja, a necessidade de otimizar os reduzidos
espaços de produção agropecuária, em detrimento do manejo que permita a
preservação dos solos e das águas.
Para Casseti (1991), esse quadro é resultado da exploração massiva dos
recursos naturais, próprio do sistema capitalista, que mercantiliza a natureza e as
relações do homem com ela. Já segundo Bertoni e Lombardi Neto (1999), a
degradação tem sido levada a cabo pelos agricultores, em virtude da necessidade
de obter o maior rendimento possível de suas propriedades, sobrevivendo de acordo
com as imposições socioeconômicas.
Isso ficou evidente quando foi solicitado ao proprietário rural que impedisse o
acesso do gado à área da voçoroca que apresenta curso d’água, que a cercasse
para que fosse realizado o plantio de mudas de espécies nativas para que, assim, o
processo erosivo se estabilizasse. O pedido não pôde ser atendido, pois o curso
d’água serve para a dessedentação dos animais, que são criados para a engorda e
posterior venda para frigoríficos da região.
Por isso, à medida que avança o trabalho com esse pequeno produtor rural,
outras possibilidades de enfrentar a problemática vêm sendo pensadas. Está sendo
realizado um trabalho conjunto entre o proprietário, a Coordenadoria de Assistência
Técnica Integral (CATI), a Secretaria de Agricultura do município de Regente Feijó e
a universidade, com o objetivo de elaborar um projeto de recuperação de área
degradada que permita a recuperação da cabeceira de drenagem desta área.
Esta parceria vai ao encontro do “diálogo de saberes” preconizado por Leff
(2002), que defende a articulação entre diferentes “matrizes de racionalidadeidentidade-sentido”, de onde emergiria o saber ambiental, “um saber identitário,
conformado por e arraigado em identidades coletivas que dão sentido a
racionalidades e práticas culturais diferenciadas.” (Ibid. p. 185). Os resultados dessa
parceria ainda são incipientes, mas com possibilidades de sucesso.
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5 – Considerações finais
As erosões e a consequente perda de solos agricultáveis expõe a gravidade
do problema em vastas regiões do planeta. Neste sentido, a Geografia possibilita a
análise dessa realidade, pois busca apreender as dinâmicas naturais e sociais que
estão materializadas no espaço geográfico, sendo as erosões antrópicas objetos de
estudo que possibilitam o estabelecimento de múltiplas relações têmporo-espaciais
que caracterizam a relação sociedade-natureza.
Nesse contexto, partir da concepção de que o sistema capitalista dita o ritmo
de transformação da natureza – marcado pela exploração massiva dos recursos
naturais para fazer mover as engrenagens da produção e do consumo desenfreado é fundamental para compreender a degradação dos ambientes.
Por isso, o presente trabalho partiu da análise de um fenômeno de
voçorocamento, localizado em uma pequena propriedade rural do noroeste do
município de Regente Feijó/SP, procurando relacioná-lo com a história de ocupação
da região e do município, e com as imposições socioeconômicas, principalmente dos
pequenos proprietários rurais, forçados a maximizar a produção em reduzidos
espaços, mesmo que em detrimento da proteção dos solos e das águas, recursos
imprescindíveis à sua sobrevivência.
Neste sentido, constatou-se que a voçoroca efetivou-se em decorrência de
práticas agropecuárias inadequadas. Ao longo das décadas, o plantio em áreas
declivosas desprovidas de terraços, as pastagens e o pisoteio constante do gado
sobre solos arenosos, conformaram o quadro de degradação ambiental: perda e
depauperamento do solo, assoreamento e contaminação dos cursos d’água da
propriedade e da bacia hidrográfica.
Fica patente que as dinâmicas socioambientais materializadas no espaço
geográfico trazem consigo uma série de variáveis causais e, também, de
consequências cujos efeitos podem tomar diferentes proporções, de acordo com a
magnitude dos fenômenos. Portanto, compreender, ao menos em parte, a
complexidade das relações que são estabelecidas à medida que o homem interage
com o meio em que vive, permite que o geógrafo aprimore seu método investigativo
e, assim, contribua com o avanço do conhecimento da ciência geográfica.
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6 – Referências
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