Aspectos farmacológicos da insulinoterapia no Diabetes Mellitus

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Aspectos farmacológicos da insulinoterapia
no Diabetes Mellitus Tipo 1
Mariana de Oliveira Almeida*
Aline Lúcia Menezes Ferrão**
Márcio Gilberto Zangeronimo***
RESUMO
A diabetes mellitus é uma doença prevalente em todo o mundo e é caracterizada por um
conjunto de síndromes relacionadas à hiperglicemia. Possui diversas consequências
metabólicas e os principais sintomas são poliúria, polidipsia e perda de peso. Existem
vários tipos de diabetes como a tipo 1, tipo 2, gestacional e tipo MODY. A diabetes tipo 1 é
uma doença insulinopênica que acomete em geral crianças e jovens com menos de 30 anos
de idade e seu tratamento inclui a aplicação subcutânea de insulina. O objetivo desse
trabalho é realizar uma revisão de literatura com os principais pontos relacionados ao
diabetes tipo 1 e seu tratamento para melhor esclarecimento aos profissionais de saúde.
PALAVRAS-CHAVE: Diabetes mellitus; Insulina; Glicemia
ABSTRACT
Diabetes mellitus is a disease prevalent throughout the world and is characterized by a set
of syndromes related to hyperglycemia. It has several metabolic consequences and the main
symptoms are polyuria, polydipsia and weight loss. There are several types of diabetes as
type 1, type 2, and gestational type MODY. Type 1 diabetes is an insulinopenic disease that
affects generally children and young people under 30 years of age and their treatment
includes subcutaneous insulin. The aim of this study is to conduct a literature review with
the main points related to type 1 diabetes and its treatment to better explain to health
professionals.
KEYWORDS: Diabetes mellitus; Insulin; Glycemia
* Mestre em Ciências Farmacêuticas (UFMG)
Docente da Nova Faculdade, Contagem, MG, Brasil, [email protected]
** Pós-Graduada em Farmacologia (UFLA)
Bioquímica da Fundação Hospitalar de Minas Gerais, Brasil, [email protected]
*** Doutor em Zootecnia (UFLA)
Professor adjunto da UFLA, MG, Brasil, [email protected]
INTRODUÇÃO
O diabetes mellitus, também conhecida como diabetes melito ou intolerância a
carboidratos, é caracterizado por um conjunto de síndromes relacionadas à hiperglicemia,
na qual ocorrem alterações no metabolismo lipídico, de carboidratos e de proteínas. As
consequências metabólicas da hiperglicemia e da dislipidemia prolongadas incluem
aterosclerose acelerada, doença renal crônica e cegueira, entre outros efeitos. Os principais
sintomas que levam à descoberta da doença são compostos pela tríade poliúria, polidipsia e
perda de peso.
É uma doença crônica considerada um problema grave de saúde pública no Brasil e
no mundo devido sua alta incidência e prevalência. Em 2011, a prevalência na população
mundial foi de aproximadamente 8,3 %, que corresponde a 371 milhões de pessoas, e o
número de óbitos foi de 4,8 milhões. A International Diabetes Federation (IDF) estima que
em 2030 esse número suba para 9,9%, que corresponderá a 552 milhões de pessoas. Vale
destacar que em torno de 50% dos diabéticos não sabem que têm a doença, o que
impossibilita o tratamento e antecipa as complicações relacionadas à hiperglicemia. (IDF,
2012, p. 1).
Existem vários tipos de diabetes mellitus, e na maioria dos casos pode-se classificar
os pacientes como portadores da diabetes tipo 1 ou tipo 2. Existem também a diabetes
gestacional e outros tipos de diabetes que incluem principalmente o tipo MODY, ou
Maturity Onset Diabetes of the Young.
A aplicação subcutânea de insulina constitui a base do tratamento dos pacientes com
diabetes tipo 1, que acomete principalmente jovens com menos de 30 anos de idade. O
tratamento desses jovens busca principalmente proporcionar o crescimento e o
desenvolvimento normais, além de prevenir complicações agudas e crônicas causadas pela
doença. Existem hoje disponíveis no mercado vários tipos e marcas de insulinas para o
tratamento da diabetes tipo 1.
A indústria farmacêutica tem avançado imensamente nos últimos anos no
desenvolvimento de medicamentos e outros produtos utilizados no tratamento de pacientes
com doenças crônicas. No caso do diabete mellitus, os diversos tipos de insulina, os
modernos glicosímetros e suas tiras, as canetas para aplicação, e até mesmo as bombas de
infusão são considerados avanços que facilitam a adesão do paciente ao tratamento.
Com todo esse aparato farmacêutico, e diante de tantas opções medicamentosas
disponíveis no mercado, a escolha por um determinado tratamento pode se tornar mais
difícil para o profissional médico e o paciente acaba se tornando um alvo de testes até que a
melhor combinação seja escolhida.
É muito importante para os profissionais de saúde entender o que caracteriza a
doença e conhecer a fundo a gama de medicamentos disponíveis no mercado para
promover tratamento e orientações adequadas. Afinal, capacitar e dar suporte à pessoa
diabética para o autocontrole domiciliar é uma responsabilidade conferida aos profissionais
de saúde, que nem sempre se encontram adequadamente preparados ou disponíveis.
Esse trabalho busca, portanto, realizar uma revisão sobre os vários tipos de insulina
disponíveis no mercado e sobre o seu uso no tratamento de jovens e crianças com diabetes
tipo 1. Esse entendimento possibilita aos profissionais discernir melhor sobre qual
medicamento utilizar para cada paciente, promovendo uma individualização mais adequada
e uma maior adesão ao tratamento. Profissionais bem esclarecidos e orientados podem
fornecer aos pacientes uma melhor qualidade de vida e, com isso, evitar complicações
crônicas e consequentes gastos aos serviços de saúde no Brasil e em todo o mundo.
1 DIABETES MELLITUS TIPO 1
O diabetes mellitus tipo 1 é uma doença insulinopênica que teve sua caracterização
iniciada na década de 1950 pela observação de que os pâncreas de jovens com menos de 20
anos que possuíam a doença tinham de 40% a 50% menos insulina do que os dos
indivíduos normais. Em 1974, foram caracterizados os anticorpos anti-ilhotas pancreáticas.
Atualmente, o diabetes mellitus tipo 1 pode ser considerado o resultado de um processo
autoimune específico contra as células beta pancreáticas, mediado pelos linfócitos. Porém,
existem casos onde essa autoimunidade não é confirmada, o que levou a American Diabetes
Association Expert Committee a classificar a diabetes tipo 1 em tipo 1A, autoimune ou
imune mediado, e em tipo 1B, não autoimune ou idiopático. (DIB et al., 2008, p. 143-144;
PIRES & CHACRA, 2008, p . 271-272).
O desencadeamento da autoimunidade contra a célula beta é causado,
provavelmente, por agentes ambientais que atuam quando existe predisposição genética.
Uma vez ativadas, células imunes invadem as ilhotas, provocando efeitos deletérios que
levam a apoptose dessas células. Em geral, o desenvolvimento dessa autoimunidade e o
aparecimento da doença ocorrem de forma abrupta e podem levar à falência total ou quase
total das células beta pancreáticas. (PIROT et al., 2008, p. 157-158).
O diabetes mellitus do tipo 1 acomete principalmente crianças e jovens. Na
primeira infância, o diagnóstico torna-se mais complicado, pois nem sempre a tríade
poliúria, polidipsia e perda de peso é percebida pela família ou mesmo pelo médico.
Reconhecer os principais sintomas torna-se difícil, pois o aumento da diurese é mascarado
pelo uso de fraldas e a sede se manifesta por choro ou irritabilidade, que são sintomas
inespecíficos. Essas características retardam o diagnóstico, e fazem com que a criança
chegue para avaliação em estado avançado de descompensação, em diferentes estágios de
cetoacidose, com desidratação grave, acidose e/ou coma. Em crianças maiores, na idade
escolar, esses sintomas são mais facilmente percebidos. A perda de peso excessiva e as
constantes idas ao banheiro são observações que devem ser levadas em conta para a procura
de um médico que realizará melhor investigação. (CALLIARI & MONTE, 2008, p. 244246).
A incidência de diabetes mellitus tipo 1 está aumentando rapidamente nos últimos
tempos, principalmente em indivíduos mais jovens. Na população pediátrica, dados do
Western European DM Centers revelam aumento anual da incidência de diabetes tipo 1
entre 3% e 4%. No grupo que inclui crianças menores de 4 anos de idade, esse aumento foi
ainda maior, atingindo índices de 6,3%. Nas faixas etárias de 5 a 9 e 10 a 14 anos, as taxas
de incidência foram de 3,1% e 2,4% ao ano, respectivamente. (PIRES & CHACRA, 2008,
p. 276).
Após o diagnóstico, o tratamento inicia-se na maioria das vezes com a
administração de insulina subcutânea. Porém, outros fatores também são importantes para a
manutenção de um bom tratamento. Entre esses fatores tem-se a educação do paciente e da
sua família, a realização de um plano alimentar adequado que vise evitar tanto a
hiperglicemia quanto a hipoglicemia, a realização de exercícios físicos regulares e também
a monitorização correta nos níveis glicêmicos através de medidas por glicosímetros
próprios ou por exames laboratoriais. (DIB et al., 2008, p. 143-144).
De acordo com a American Diabetes Association (ADA), um tratamento ideal para
pacientes diabéticos prevê manutenção de níveis plasmáticos de glicose entre 90 e 130
mg/dL e níveis de hemoglobina glicada (HbA1C) menores que 7%. (SBD, 2002, p. 9).
Desde a descoberta da insulina, por Banting e Best em 1921, muitas mudanças
ocorreram em sua produção e no modo de utilização desse medicamento, revolucionando o
tratamento insulínico dos indivíduos com diabetes mellitus tipo 1. Avanços tecnológicos e
grandes estudos confirmam a importância da insulinoterapia, normalmente realizada por
múltiplas doses diárias. (GABBAY, 2008. p. 279-280).
Porém, mesmo com todos os avanços observados atualmente, a diabetes mellitus
ainda é uma doença que causa inúmeras mortes anualmente e um custo que gira em torno
de bilhões de dólares aos sistemas de saúde no mundo. Pode-se observar sempre uma
imensa dificuldade de adaptação ao tratamento da diabetes tipo 1, principalmente devido à
necessidade de múltiplas injeções diárias de insulina e às crises hipoglicêmicas, muito
comuns em pacientes em fase de adaptação.
2 INSULINA
A insulina é uma molécula proteica com massa molecular de aproximadamente
5.734 Dalton. É produzida pelas células beta das ilhotas pancreáticas a partir de um
precursor com 110 aminoácidos chamado de pré-pró-insulina que é clivado rapidamente
formando a pró-insulina (Fig. 1). Durante a conversão da pró-insulina em insulina, são
removidos quatro aminoácidos básicos e o conector remanescente conhecido como
Peptídeo C, gerando uma molécula com duas cadeias. A cadeia A é composta por 21
resíduos de aminoácidos enquanto a cadeia B é composta por 30 resíduos. (BRUNTON et
al., 2006, p. 1460).
Figura 1 - Estrutura da pró-insulina humana, a molécula precursora da insulina.
____________________________
Fonte: GENUTH, 2008, p.8.
A insulina age se ligando a um receptor celular que é uma proteína
heterotetramérica com atividade quinase, composta por duas subunidades α e duas
subunidades β. Esse receptor atua como uma enzima alostérica na qual a subunidade α
inibe a atividade tirosina quinase da subunidade β. Uma vez ativado, o receptor de insulina
fosforila vários substratos protéicos em tirosina. Atualmente, dez substratos do receptor de
insulina já foram identificados. Essa sinalização promove a translocação de vesículas que
contêm transportadores para glicose. Essas vesículas aumentam a população de
transportadores na superfície da célula, favorecendo assim a regulação da entrada de
glicose. Entre esses transportadores, podemos citar o GLUT 4, que é o transportador
insulino-sensível que promove a captação de glicose nos tecidos adiposo e muscular
esquelético. O resultado final dessa ação é fundamental para a manutenção dos níveis
plasmáticos de glicose no organismo. (CARVALHEIRA et al., 2002, p. 421; GENUTH,
2008, p. 10-11).
No diabetes mellitus tipo 1, ocorre destruição das células beta pancreáticas. Esse
tipo de diabetes inclui casos decorrentes de doença autoimune e aqueles nos quais a causa
da destruição das células beta não é conhecida. Consequentemente, com a destruição das
células beta pancreáticas, a produção de insulina endógena cessa no organismo acometido
pela doença e se faz necessário uso de insulina exógena. (SBD, 2002, p. 13).
Desde sua descoberta e purificação no início do século XX até os dias atuais,
diversos tipos de insulina e análogos têm sido desenvolvidos para uma melhor adequação
ao tratamento por pacientes com diabetes mellitus tipo 1.
3 INSULINOTERAPIA
3.1. Fatores decisivos na escolha do tipo de insulina
Diferentes esquemas terapêuticos podem ser utilizados no tratamento de indivíduos
com diabetes tipo 1. Sabe-se hoje que o tratamento com insulina e as metas glicêmicas a
serem atingidas devem ser individualizadas, considerando a idade do paciente, histórico de
hipoglicemias, nível sócio-econômico, hábitos e estilo de vida, realização ou não de
atividades físicas, presença de comorbidades e/ou doenças cardiovasculares severas. A
escolha do médico dependerá de todos esses fatores individuais, mas acima disso, está
baseado em alguns padrões nacionais e internacionais instituídos por Sociedades ligadas ao
diabetes. (PIRES & CHACRA, 2008, p. 271-275).
Na prática, o tratamento com insulina deve incluir a reposição de insulina basal, que
evita a lipólise e a liberação hepática de glicose no período inter-digestivo, de insulina
prandial (chamada de bolus refeição) e doses complementares de insulina para corrigir as
hiperglicemias pré-prandiais e/ou inter-alimentares (chamada de bolus correção). A
insulinoterapia pode ser estabelecida com insulinas de ação longa (glargina e detemir), de
ação intermediária (NPH), de ação rápida (regular) e de ação ultrarrápida (aspart e lispro).
Todas as insulinas no Brasil têm a concentração U-100, definida como 100 unidades de
insulina por 1 mL. (BRUNTON et al., 2006, p. 1470).
3.2 Principais insulinas disponíveis no mercado
A insulina regular, também chamada de insulina humana, foi produzida a partir da
tecnologia de DNA recombinante, substituindo no mercado a insulina suína, utilizada até
meados da década de 70. Ela tem início de ação com 30 a 60 minutos após a aplicação, com
pico de ação de 2 a 3 horas e duração de 5 a 8 horas após a injeção. (BRUNTON et al.,
2006, p. 1471; SBD, 2011b, p.7).
Recentemente foram inseridos no mercado mais dois análogos de insulina de ação
ultrarrápida. A aspart e a lispro estão disponíveis para uso clínico e têm sua absorção três
vezes mais rápida que a insulina regular humana. A insulina lispro foi o primeiro análogo
de ação curta a estar disponível no mercado. Sua molécula é idêntica à molécula de insulina
humana, com exceção dos resíduos B28 e B29 que foram invertidos. Isso faz com que sua
estrutura monomérica seja dissociada quase que instantaneamente após aplicação. A
insulina aspart, com ação muito semelhante à insulina lispro, é formada pela substituição do
resíduo prolina por ácido aspártico na posição B28. O início de ação dessas insulinas
ocorre em cerca de 5 a 15 minutos após a injeção, com pico de entre 30 a 120 minutos e
duração de cerca de 3 a 5 horas. (BRUNTON et al., 2006, p. 1471).
A insulina NPH (neutral protamine Hagedorn) é uma insulina de ação intermediária
resultante de adição de protamina à insulina regular. Seu início de ação ocorre com 2 a 4
horas após a injeção, com um pico de 4 a 10 horas e pode durar de 10 a 18 horas. (SBD,
2011b, p.7).
A insulina glargina foi o primeiro análogo de insulina humana de ação lenta a ser
aprovado para uso clínico nos EUA e na Europa. Foi produzida a partir de duas alterações
na insulina humana (inserção de dois resíduos de arginina à extremidade C-terminal da
cadeia B e uma molécula de asparagina na posição A21 da cadeia A. Essa insulina não
apresenta pico de ação, o início da ação ocorre de 2 a 4 horas e pode durar até 20 a 24 horas
após a injeção. (BRUNTON et al., 2006, p. 1470; SBD, 2011b, p.7).
O análogo mais recentemente disponibilizado no mercado foi a insulina detemir,
produzida a partir da adição de um ácido graxo saturado ao grupo amino do resíduo lisina
na posição B29. Possui início de ação de 1 a 3 horas, com pico entre 6 e 8 horas e duração
de efeito entre 18 e 22 horas após a injeção.
Existem ainda várias preparações pré misturadas com insulina humana, contendo
um percentual fixo de dois diferentes tipos de insulina: 70% NPH/30% regular, 50% NPH/
50% regular, dentre outras. (BRUNTON et al., 2006, p. 1472).
A insulina inalável é mais uma alternativa eficaz e segura para a insulinoterapia em
adultos com diabetes. É a própria insulina humana, disponível na forma de pó para o uso de
maneira inalável. Entretanto, em outubro de 2007, a única preparação de insulina inalável
(Exubera®) que se tinha no mercado nacional foi retirada, pelo seu fornecedor, até onde se
sabe, por motivos econômicos. A farmacocinética e os picos de ação dos diferentes tipos de
insulina disponíveis no mercado podem ser exemplificados de acordo com a Fig. 2. (PIRES
& CHACRA, 2008, p. 271-275).
Figura 2 - Farmacocinética das insulinas disponíveis para uso clínico
____________________________
Fonte: Adaptado de PIRES & CHACRA, 2008, p. 274.
Conforme se pode observar, as insulinas aspart e lispro apresentam pico de ação
com menor tempo e por isso são consideradas insulinas de ação ultrarrápida. A insulina
inalável também possui tempo de ação curto. A insulina regular apresenta-se com pico de
ação em torno de duas horas a três horas. A insulina NPH pode ser considerada uma
insulina de tempo de ação intermediário, enquanto glargina e detemir são insulinas de ação
lenta, aproximando-se mais do nível de insulina basal no organismo não diabético.
3.3 Esquemas terapêuticos
As doses totais diárias de insulina preconizadas para a fase inicial após o
diagnóstico em crianças com diabetes mellitus tipo 1 são da ordem de 0,6 a 0,8 U/kg/dia.
Ocorre logo depois do início do tratamento uma redução dessas necessidades, chegando-se
a algo em torno de 0,4 U/kg/dia. Depois disso, há uma elevação progressiva, de forma que
no final do primeiro ou segundo anos se atinge o patamar, cerca de 1 U/kg/dia. Na
puberdade, a necessidade de insulina eleva-se mais, atingindo 1,2 a 1,5 U/kg/dia. (SBD,
2011a).
O tratamento classicamente divide-se em tratamento convencional ou intensivo. No
esquema convencional, utiliza-se uma a duas aplicações ao dia da insulina NPH associada
ou não à insulina regular ou ultrarrápida. Porém, o esquema terapêutico convencional não
mimetiza o padrão de secreção normal de insulina basal, podendo ocasionar episódios de
hipoglicemia no seu pico de ação e de hiperglicemia algumas horas após a sua
administração. (SBD, 2011a).
O esquema intensivo de tratamento com múltiplas aplicações ao dia pode ser obtido
através da aplicação da insulina NPH, duas a quatro vezes ao dia. Em geral, essas
aplicações ocorrem de três formas distintas: antes do desjejum e ao deitar, antes do
desjejum, almoço e ao deitar, e também antes do desjejum, almoço, jantar e ao deitar. Podese usar também a insulina glargina uma vez ao dia antes do desjejum ou almoço ou jantar
ou ao deitar. A insulina detemir também tem sido utilizada nesse esquema uma ou duas
vezes ao dia: antes do desjejum e/ou jantar e/ou ao deitar associada à insulina de ação
rápida administrada meia hora antes das principais refeições. Pode-se usar também as
insulinas de ação ultrarrápida (lispro, asparte ou glulisina) administrada antes das principais
refeições ou até mesmo logo após as refeições, em crianças pequenas que não ingerem a
quantidade total do carboidrato programada da dieta. (SBD, 2011a).
O tratamento intensivo com insulina constitui hoje a principal forma de tratamento
da diabetes mellitus tipo 1, aliado à terapia nutricional com contagem de carboidratos.
(SBD, 2011a).
3.4. Monitoramento dos efeitos terapêuticos
O primeiro ponto a ser abordado com o médico ao início do tratamento é a definição
das metas glicêmicas. Essas metas devem ser individualizadas, pois cada pessoa tem
características fisiológicas, estado de saúde e estilo de vida próprios. Para tanto, existem
orientações de várias Sociedades Científicas nacionais e internacionais, as quais os médicos
utilizam como ponto de partida.
A recomendação da American Diabetes Association é que pacientes com diabetes
mellitus apresentem antes das refeições uma média de glicose entre 90 e 130 mg/dL e que
após as refeições esse valor não ultrapasse os 180 mg/dL. Os valores para pacientes sem
diabetes não devem ultrapassar 100 mg/dL antes das refeições e 110 mg/dL após as
refeições. Esses valores de referência são para adultos.
Mulheres gestantes, crianças,
adolescentes, pacientes com outras doenças, idosos e pessoas com condições excepcionais
podem ter metas diferentes.
Além da medida de glicemia capilar que pode ser realizada através de glicosímetros
próprios, existem outros exames de sangue que ajudam na monitorização terapêutica da
diabetes mellitus. Entre esses, podemos citar a glicemia de jejum, a glicemia pós prandial
(em geral, duas horas após o almoço), a dosagem de hemoglobina glicada e a dosagem de
frutosamina. (COURI et al., 2008, p. 409-410)
A glicemia de jejum é um exame realizado geralmente no período da manhã, e o
padrão é que sejam feitas 8 horas de jejum. Os valores de referência padronizados pela
American Diabetes Association são de 70 a 99 mg/dL para indivíduos normais. Valores
entre 100 a 126 mg/dL são considerados valores de alerta, e acima desse valor pode-se
considerar outros exames confirmatórios para o diagnóstico de diabetes mellitus, como por
exemplo o teste de tolerância oral à glicose (TTGO). Esse teste deve ser realizado sempre
que houver glicemia de jejum alterada (entre 100 mg/dL e 125 mg/dL) e também em
portadores de fatores de risco. O TTGO é feito com coleta basal (glicemia de jejum) e 120
minutos após a ingestão de 75 g de glicose anidra diluída em 300 mL de água. Assim como
o TTGO, a glicemia pós prandial (GPP) é um exame que pode ajudar no diagnóstico e na
monitorização dos pacientes com diabetes. O exame consiste na dosagem da glicemia
obtida exatamente duas horas após o início do almoço, ou de uma refeição que o substitua.
Esse exame também é indicado sempre que houver glicemia de jejum alterada e em
pacientes que sejam portadores de fatores de risco, incluindo gestantes(SUMITA &
ANDRIOLO, 2008, p. 173; SBD, 2011a).
A hemoglobina glicada é um termo que define um grupo de substâncias formadas
pela reação entre a hemoglobina A e um açúcar. Nesse grupo pode-se destacar como mais
importante a fração A1c, na qual o açúcar ligado à hemoglobina é a glicose. Como a
membrana da hemácia é altamente permeável, a hemoglobina presente em seu interior fica
exposta praticamente à mesma concentração da glicose plasmática. A glicação ocorrerá em
maior ou menor grau, conforme a glicemia. Como a quantidade de glicose ligada à
hemoglobina é diretamente proporcional à concentração média de glicose no sangue, e
como as hemácias têm meia vida de aproximadamente 120 dias, a medida da quantidade de
glicose ligada à hemoglobina pode fornecer uma avaliação do controle glicêmico médio no
período de 60 a 90 dias que antecedem a coleta de sangue para o exame. Os valores de
referência variam entre métodos, mas estão geralmente entre 4 e 6% para indivíduos
normais e abaixo de 7% para pacientes diabéticos. (SUMITA & ANDRIOLO, 2008, p.
170).
Atualmente, a hemoglobina glicada é o exame mais importante no controle do DM
tipos 1 e 2 e na avaliação de risco das complicações crônicas. No adulto, níveis de A1C
acima de 7% estão associados a risco progressivamente maior de complicações crônicas. A
meta a ser atingida para o efetivo controle do diabetes é abaixo de 7% tanto no adulto como
no jovem. (SUMITA & ANDRIOLO, 2008, p. 170).
A frutosamina, também conhecida como albumina glicosilada, é uma proteína
glicada constituída principalmente de albumina, que reflete o controle glicêmico em 1 a 2
semanas anteriores, já que a meia-vida da albumina é de 14 a 20 dias. Apesar de ser um
período menor do que o da hemoglobina glicada, esse tempo pode ser considerado
suficiente para que ela seja adotada como controle. A dosagem de frutosamina é feita pela
técnica laboratorial de redução do composto NitroBlue Tetrazolium (NBT), que é simples,
barata e pode ser facilmente automatizada Nessa técnica, a frutosamina presente no soro é
convertida à forma enólica sob condições alcalinas. Esse composto enólico reduz o NTB a
um complexo púrpura. A diferença entre as absorbâncias em 540 nm da amostra antes e
após a adição do NTB é proporcional à concentração de frutosamina. (GROSS et al, 2008,
p. 144; SUMITA & ANDRIOLO, 2008, p. 172).
Além destes exames que devem acontecer pelo menos duas vezes ao ano em
pacientes diabéticos, alguns médicos costumam rastrear periodicamente o aparecimento de
complicações crônicas, solicitando com frequência exames que avaliam a função renal
(como dosagem de proteínúria e clearence de creatinina), para diagnosticar precocemente o
aparecimento de nefropatia diabética e encaminhando o paciente a consultas
oftalmológicas, para prevenção de neuropatia diabética. (SUMITA & ANDRIOLO, 2008,
p. 170).
3.5. Principais fatores que contribuem para falhas no tratamento
O tratamento adequado dos jovens com diabetes tem como principal objetivo
promover condições para o crescimento e desenvolvimento normais e prevenir
complicações agudas e crônicas da doença. Para isso, é necessária uma assistência
coordenada por uma equipe multidisciplinar. Entre os profissionais envolvidos nesse
programa de educação pode-se incluir farmacêutico, psicólogo, nutricionista, educador
físico, oftalmologista, nefrologista, além do próprio médico endocrinologista. Esses
profissionais devem ter como foco principal educação, plano alimentar, exercícios,
administração de insulina, monitoração do tratamento, seguimento e prevenção das
complicações crônicas. (ATALA, 2008, p. 215).
Entre os principais pontos para adequação ao tratamento tem-se a prática de
exercícios regulares, mudança no hábito alimentar, boa adaptação psicossocial, adequação
ao esquema posológico da medicação, automonitorização adequada da glicemia capilar e
capacidade do indivíduo corrigir corretamente os eventos de hipo e hiperglicemias. Todos
esses fatores, quando não estão sendo executados de forma correta e sincronizada, podem
levar a falhas no tratamento. (LEITE, 2008, p. 234-235).
Esses fatores são extremamente complicados quando se trata de crianças até a
primeira infância. É necessário um esquema educacional intenso com pais e familiares. Em
adultos pode ocorrer depressão, com incidência que varia entre 25 e 70% dos casos,
causando desmotivação e resistência ao tratamento. A restrição dietética é outro fator
complicado, levando-se em consideração a necessidade rigorosa de mudanças de hábitos e
os altos custos de produtos dietéticos. (LEITE, 2008, p. 240).
Sabe-se que a terapêutica medicamentosa recomendada para o diabetes mellitus é de
certa forma segura, não apresentando usualmente maiores efeitos colaterais. A partir disso,
pode-se inferir que as falhas no tratamento estão normalmente associadas à educação
incorreta dos pacientes pelos profissionais de saúde e pela resistência psicossocial de pais e
pacientes em aderir a todos os fatores não medicamentosos associados a um tratamento
eficaz. (ASSUNÇÃO et al., 2002, p. 209-210).
3.6 Novas alternativas terapêuticas
Atualmente, novas abordagens terapêuticas incluem o transplante de pâncreas e a
terapia gênica e celular, envolvendo o transplante de células tronco.
O transplante de pâncreas é uma alternativa que vem sendo utilizada e muito
estudada nos últimos anos. Até o ano de 2006, aproximadamente 23 mil transplantes foram
realizados no mundo, sendo que no Brasil foram realizados 800. Os benefícios do
transplante do pâncreas são a melhora da qualidade de vida, a prevenção da recorrência da
nefropatia diabética, a parada de uso da insulina exógena e da monitoração glicêmica, além
da liberdade dietética. Além do transplante de pâncreas, têm sido realizados diversos
estudos com células tronco após a descoberta de que o pâncreas tem sim uma capacidade
regenerativa que pode ser explorada nesse sentido. Porém, ainda há muito o que ser
estudado e existem diversas questões éticas envolvidas no tratamento com células tronco
que devem ser muito bem esclarecidas. Os benefícios seriam semelhantes aos benefícios
adquiridos com o transplante de pâncreas. (SA, 2008, p.356-357).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento do diabete tipo 1 evoluiu consideravelmente nos últimos anos. Antes
de 1922, um paciente diagnosticado com diabete melittus tipo 1 tinha uma estimativa de
vida que não ultrapassava dois anos. Com a descoberta da insulina, a doença deixou de ser
fatal e passou a ser crônica, e as complicações começaram a ser observadas a partir de
décadas após o diagnóstico. Porém, ainda hoje o tratamento convencional do diabete
melittus tipo 1 com insulina retarda, mas não evita, as complicações crônicas da doença.
Além disso, o controle rigoroso e repetido da glicemia ao longo do dia (insulinoterapia
intensiva), além de difícil de ser realizado, associa-se a episódios frequentes de
hipoglicemia. Diante disso, espera-se que novas alternativas terapêuticas sejam
rapidamente descobertas, assim como a cura propriamente dita, para que essa patologia
deixe de afetar tão negativamente os pacientes diagnosticados e os sistemas de saúde no
Brasil e no mundo.
ESCLARECIMENTOS
O presente artigo é publicação parcial da monografia de Aline Lúcia Menezes
Ferrão para obtenção do título de Pós-Graduação Lato Sensu em Farmacologia da
Universidade Federal de Lavras. O trabalho foi realizado no ano de 2013, sob a orientação
do Professor Doutor Márcio Gilberto Zangeronimo.
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