Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 Zago e cols Atualização Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços Ressuscitação Cardiorrespiratória: Atualização, Controvérsias e Novos Avanços Alexandre C. Zago, Cristine E. Nunes, Viviane R. da Cunha, Euler Manenti, Luís Carlos Bodanese Porto Alegre, RS A parada cardiorrespiratória (PCR) constitui uma emergência médica em que o tempo decorrido entre o início do evento e a instauração das medidas de suportes básico e avançado, assim como o correto atendimento baseado em protocolos específicos para cada situação clínica, constituem fatores decisivos para o sucesso terapêutico. O atendimento da PCR não está restrito ao ambiente hospitalar devido ao fator de tempo acima citado, determinando a criação de novos conceitos, estratégias e estruturas, como o conceito de corrente de sobrevivência, os cursos de ressuscitação cardiorrespiratória (RCR) para profissionais que atuam em serviços de emergência móveis não constituídos por médicos e para leigos, o desfibrilador automático externo, o cardioversor-desfibrilador implantável, as unidades de tratamento intensivo móveis, entre outros. Novos conceitos, estratégias e estruturas motivados pelos recentes avanços também têm modificado o tratamento e melhorado os resultados em ambiente hospitalar, como o conceito de ressuscitação cerebral, a aplicação da corrente de sobrevivência, a criação de um algoritmo universal, doses de fármacos, novas técnicas – medida dos níveis expiratórios de dióxido de carbono e da pressão de perfusão coronariana, e novos fármacos em fase experimental. A RCR foi desenvolvida em modelo semelhante ao atual suporte básico de vida (SBV), em 1865, por um jovem oficial médico do exército americano - Charles Augustus Leale, mas as medidas de ressuscitação começaram a ser testadas desde os relatos da Bíblia. Desde então iniciaramse estudos para o aprimoramento dos métodos, tendo sido realizada uma conferência sobre RCR, em 1948, pelo Conselho Nacional de Pesquisa da Academia de Ciências dos Es- Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre Comissão de Ressuscitação Cardiorrespiratória - Cerebral Correspondência: Alexandre C. Zago - Rua Hilário Ribeiro, 144/201 - 90510-040 - Porto Alegre, RS Recebido para publicação em 16/4/98 Aceito em 14/10/98 tados Unidos da América. Conferências esporádicas para discussão de novas técnicas foram realizadas até 1961, quando a Associação Americana de Cardiologia (AHA) criou o Comitê de Ressuscitação Cardiorrespiratória que passou a coordenar pesquisas, programas de treinamento e tentativas de padronizar a RCR no mundo. Em 1973, a Academia de Ciências dos Estados Unidos realizou uma nova conferência em que foram determinados os primeiros padrões para o atendimento de PCR, dando origem aos protocolos, também conhecidos como guidelines 1,2. Este artigo tem como objetivos: promover a atualização quanto aos novos conceitos, mecanismos fisiológicos e medidas terapêuticas que envolvem a RCR; apontar e discutir importantes controvérsias, fundamentando-se nos estudos disponíveis e analisar os novos avanços documentados em estudos experimentais em humanos e animais. Como marco principal dos objetivos citados, tem-se o último protocolo (guideline) publicado pela AHA no JAMA3. Em 1992, a AHA e o Colégio Americano de Cardiologia (ACC) estabeleceram uma classificação das medidas terapêuticas conforme seu valor relativo, que sofreu discretas modificações pelo Comitê Internacional de Ressuscitação Cardiorrespiratória (ILCOR), criado em 1992 e composto por vários países, conforme discutido no decorrer deste artigo, com o objetivo de uniformizar as condutas de RCR no mundo 3,4. A nova classificação preconizada será usada no presente artigo para graduar a utilidade das medidas terapêuticas e está organizada conforme o que segue: classe I, definitivamente útil; classe IIa, provavelmente útil; classe IIb, possivelmente útil; classe III, inconclusivo, possivelmente prejudicial. O conceito de corrente de sobrevivência recentemente criado é definido como um conjunto de medidas sucessivas e fortemente inter-relacionadas que, uma vez implementadas, propiciam melhores resultados com a RCR. Os elos da corrente de sobrevivência consistem no reconhecimento precoce de PCR, instauração precoce do SBV, desfibrilação precoce quando indicada e implementação precoce do suporte avançado de vida (SAV). Inicialmente proposto para o atendimento de PCR em ambiente não-hospitalar, este conceito foi igualmente estendido para o ambiente hospitalar 5,6. No decorrer do artigo, a corrente de sobrevivência será discutida desmembradamente, ou seja, enfocando-se seus elos isolada e detalhadamente. 363 Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços Ressuscitaçãocardiorrespiratóriabásica A RCR básica ou SBV inicia-se com a constatação de inconsciência da vítima, por qualquer profissional da área da saúde em ambiente hospitalar ou socorrista em ambiente não-hospitalar, devidamente treinado para a execução das primeiras medidas do suporte de vida, que têm como objetivos o suprimento de oxigênio para o cérebro e o coração até a instituição do SAV e a reversão da arritmia cardíaca desencadeante da PCR com a realização de choques elétricos, quando indicado. A RCR básica engloba não somente as medidas de suporte cardiorrespiratório, pois se inicia com a determinação de inconsciência. Constatado inconsciência, segue-se cronologicamente a ativação do serviço de SAV; o posicionamento adequado da vítima; o conhecido ABC da RCR: A (airway free) - aquisição de via aérea pérvia, B (breathing) - determinação de apnéia e suporte ventilatório, e C (circulation) - determinação de ausência de pulso central e suporte circulatório 7; mais recentemente foram incluídos a desfibrilação (D) nos casos de fibrilação ventricular (FV) e taquicardia ventricular (TV) sem pulso, formando assim o ABCD do SBV 8. O destaque para a inclusão da desfibrilação no SBV e para a ativação do serviço de SAV (2º passo das medidas básicas de ressuscitação) consiste na observação de que 80 a 90% dos casos de PCR apresentam como ritmo cardíaco inicial a FV, cujo tratamento requer a desfibrilação imediata ou o mais precocemente possível. A desfibrilação precoce do SBV de vida pode ser realizada por meio de desfibrilador convencional, que necessita treinamento adequado para o reconhecimento das arritmias cardíacas, ou por desfibrilador automático externo, que possui a capacidade de reconhecer as arritmias cardíacas, permitindo sua utilização por socorristas com nível básico de treinamento, o que será discutido com detalhes no item “Perspectivas e Novos Avanços”. A desfibrilação deve ser efetuada somente nos casos de FV ou TV sem pulso com até três choques elétricos consecutivos de energia progressivamente maior, etapa em que se completa o SBV e se inicia o SAV 8. Em crianças ou adultos vítimas de traumatismo ou afogamento, em que a parada respiratória precede a cardíaca e a ventilação precoce é decisiva para o prognóstico do paciente, preconiza-se estabelecer as medidas básicas de RCR por 1min antes de solicitar o auxílio de suporte avançado. Dados recentes sugerem que a FV é um ritmo cardíaco raramente encontrado em indivíduos com idade <30 anos, portanto a mesma conduta descrita deveria ser empregada nessa faixa etária, na ausência de informações clínicas e circunstanciais 9. Na presença de mais de um socorrista, a discussão sobre a ativação do suporte avançado de vida resolve-se pela divisão de tarefas, pois enquanto um socorrista aciona o suporte avançado, o outro ou os outros dois iniciam o SBV. 364 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 O posicionamento da vítima deve ser realizado com muito cuidado nos casos de suspeita de lesão cervical. Caso haja dúvida, agir como se houvesse lesão cervical, ou seja, fixar a nuca e a região occipital do indivíduo com a mão espalmada durante sua mobilização, evitando-se assim a compressão medular e suas danosas conseqüências. O ABCD da RCR corretamente realizado é capaz de fornecer através da ventilação boca-a-boca ar com 16 a 17% de oxigênio, produzindo uma tensão alveolar de 80mmHg, considerado de qualidade adequada para a vítima, o que contradiz a concepção anterior de que o ar expirado pelo socorrista seria pobre em oxigênio. O AMBU (airway manual breathing unit), conectado a uma fonte de oxigênio com 10 a 15l/min, permite a obtenção de concentrações inspiradas de oxigênio de até 90%, quando acoplado à máscara facial e de até 100% quando acoplado ao tubo traqueal. A massagem cardíaca externa por compressão torácica, realizada segundo as orientações convencionais, produz pressão sangüínea arterial sistólica (PAS) de 60 a 80mmHg e diastólica (PAD) de 15 a 35mmHg; entretanto, a pressão sangüínea arterial carotídea média raramente ultrapassa 40mmHg. O débito cardíaco resultante das compressões torácicas externas situa-se entre um quarto a um terço do normal, porém estudos complementares são necessários para sua melhor avaliação 7,10. A compressão torácica externa com interposição de compressão abdominal evidenciou em estudos experimentais elevação da PAS e PAD na aorta, da pressão de perfusão coronariana (PPC) e do retorno venoso ao coração, com conseqüente aumento do débito cardíaco. Resultados de um estudo em suínos mostraram-se animadores 11, porém estudos em humanos foram inconclusivos, analisando-se o sucesso da RCR 12,13. A compressão torácica externa associada à ventilação simultânea tem como objetivo o aumento adicional da pressão intratorácica e, conseqüentemente, do fluxo sangüíneo carotídeo, quando comparada à compressão torácica externa isolada. Apesar de estudos experimentais em animais demonstrarem aumento do fluxo carotídeo com esta técnica, estudos clínicos evidenciaram resultados não satisfatórios 12-15. A necessidade do suporte ventilatório durante a fase inicial das medidas de RCR foi recentemente questionada por um estudo experimental em suínos, estimulado por estudos anteriores em animais. Resultados obtidos evidenciaram semelhança entre os grupos - suporte ventilatório + circulatório e suporte circulatório isolado iniciados após 2min de PCR - quanto à sobrevida em 24 e 48h e ao prognóstico neurológico 16. Entretanto, esses resultados não devem ser interpretados como definitivos, assim como não diminuem a importância do suporte ventilatório no contexto da ressuscitação cardiopulmonar, porém ressaltam a importância do restabelecimento do fluxo sangüíneo coronariano e do débito cardíaco através das medidas de suporte circulatório. Estudos complementares devem ser realizados para esclarecimento definitivo desta questão; contudo, os dados disponíveis, no momento, sugerem que é melhor a instauração Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 do suporte circulatório isolado do que a indiferença, seja pelo desconhecimento das medidas de SBV ou pela relutância do socorrista em realizar ventilação boca-a-boca, até a chegada do SAV. Golpe precordial O golpe no precórdio apresenta energia mecânica que é convertida em um estímulo estimado entre 1 a 10J 17, o que pode ser suficiente para a reversão de uma arritmia cardíaca, como a TV sem pulso em 11 a 25% dos casos e a FV em aproximadamente 2% 3,18. Contudo, o golpe precordial pode acelerar a TV ou convertê-la em FV, assistolia ou dissociação eletromecânica, piorando as condições clínicas do paciente 3,18. É considerado medida terapêutica classe I pelo ILCOR na parada cardíaca assistida com monitorização cardíaca nos casos de FV ou TV sem pulso e classe IIb na parada cardíaca não assistida. O AHA considera o golpe precordial uma técnica opcional na parada cardíaca assistida com desfibrilador disponível e classe IIb quando o desfibrilador não está imediatamente disponível 19. Desfibrilação A desfibrilação deve ser executada o mais precocemente possível na presença de FV ou TV sem pulso, pois essa medida terapêutica mostrou-se o tratamento mais eficaz para a reversão das arritmias citadas. Os níveis de energia preconizados estabelecem 200J para o 1º choque elétrico, 200 a 300J para o 2º choque e 360J para o 3º e subseqüentes choques elétricos terapêuticos. Caso a arritmia tenha sido revertida com um nível de energia inferior a 360J durante a seqüência de choques determinada, o reaparecimento da arritmia condiciona à aplicação da última carga de energia que ocasionou a reversão da mesma 3,5,19. Intubação traqueal A intubação traqueal é considerada medida terapêutica classe I pelo ILCOR e pelo AHA, porém deve-se ressaltar que sua execução deve seguir rigorosamente a ordem de acordo com o algoritmo determinado pela arritmia 3,19. Contraindica-se a priorização deste procedimento em detrimento do choque elétrico terapêutico nos casos de FV ou TV sem pulso, devido ao retardo da aplicação do choque elétrico e, conseqüentemente, a diminuição do grau de sucesso com o passar do tempo pela evolução da arritmia. Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços de via aérea pérvia, consideradas medidas primárias 3. Entretanto, apesar de assumir um papel secundário, a terapia medicamentosa é de suma importância para o sucesso do tratamento de pacientes em PCR. Há quatro vias de acesso para a infusão de medicamentos: venosa, traqueal, intracardíaca e intra-óssea. A via de acesso venoso constitui a primeira escolha e pode ser obtida pela cateterização de uma veia periférica ou central. A veia periférica deve ser preferencialmente localizada nos membros superiores e a medicação infundida em bolos com subseqüente injeção de 20ml de fluidos e elevação do membro correspondente, enquanto a veia central cateterizada pode ser a veia jugular interna ou subclávia e não requer a infusão de fluido adicional ou manobras posturais. A manutenção do acesso venoso deve ser realizada com a infusão de solução - soro fisiológico ou Ringer lactato -, promovendo-se fluxo não inferior a 10ml/min 20. Em situações de emergência, quando se torna imperativa a presença de acesso venoso, pode-se cateterizar uma veia periférica ou central sem as técnicas de assepsia recomendadas. Entretanto, com a estabilização do quadro clínico deve-se substituir esta via por outra, realizando-se nova punção com os devidos cuidados de assepsia 20. A via de acesso traqueal representa uma alternativa na impossibilidade de acesso venoso, sendo que a medicação deve ser administrada de 2 a 2,5 vezes a dose EV preconizada, diluída em 10ml de soro fisiológico ou água destilada. Recomenda-se o uso de cateter longo que ultrapasse a extremidade distal do tubo traqueal e a realização de insuflações pulmonares subseqüentes para transformar a solução em aerosol, facilitando sua absorção 3. A via de acesso intracardíaca é utilizada quase que exclusivamente em PCR com tórax aberto (cirurgia), na impossibilidade de acesso venoso, com o coração facilmente acessível sob visão direta 21,22. A via de acesso intra-óssea também constitui uma via alternativa, porém é restrita às crianças, preferencialmente até os seis anos de idade 3,20. Farmacologia Oxigênio - O oxigênio deve ser empregado o mais breve possível em todos os pacientes em PCR, com o uso da mais alta concentração, ou seja, preferencialmente 100% (classe I). Desse modo, aumenta-se a tensão arterial de oxigênio e, conseqüentemente, a saturação da hemoglobina, melhorando-se a oxigenação tecidual na presença de débito cardíaco 3. Vias de infusão medicamentosa O estabelecimento de uma via de acesso para a infusão de medicamentos - medida terapêutica classe I pelo ILCOR - e a administração desses constituem medidas secundárias 3,19. Assim sendo, devem ser executadas somente após o início das manobras básicas de ressuscitação, desfibrilação cardíaca quando indicada e a obtenção e manejo apropriado Fluidos - A infusão endovenosa de líquidos não é recomendada como rotina nas condutas de suporte cardíaco avançado de vida, pois pode reduzir o fluxo sangüíneo cerebral e coronariano por hemodiluição. Entretanto, nos casos de PCR com depleção de volume, deve-se realizar a infusão de fluidos - soluções cristalóides, colóides ou sangue - conforme a necessidade 3. 365 Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços Adrenalina ou epinefrina - Está indicada em todos os casos de PCR, sendo atualmente preconizada a dose de 1mg (média de 0,014mg/kg) EV a cada 3min (classe I) 3,19,23. O uso de altas doses (0,2mg/kg) não demonstrou benefícios com relação à dose convencional, avaliando-se o retorno da circulação espontânea e a sobrevida pós-ressuscitação 24-27; entretanto o uso de doses maiores (0,1mg/kg) pode ser aplicado nos casos não responsivos à dose convencional (classe IIb) 3. Um esquema alternativo consiste no uso de doses progressivas de adrenalina EV, iniciando-se com 1mg e aumentando-se a dose a cada 3min (1mg, 3mg, 5mg, etc.) até completar-se um total de 0,2mg/kg 3,23. Com o uso deste esquema terapêutico evita-se doses elevadas em pacientes que necessitam baixas doses e, por outro lado, empregam-se doses adequadas aos casos responsivos a doses elevadas. Recente estudo controlado com placebo evidenciou que a adrenalina nas doses convencionais e em altas doses não obteve benefícios com relação ao sucesso das medidas de RCR quando comparado ao placebo 28. Uma possível explicação seria o estímulo β-adrenérgico, através do aumento do consumo miocárdico de oxigênio, com conseqüente aumento da produção de lactato e diminuição da concentração de adenosina trifosfato (ATP) 29. Entretanto, estudos complementares devem ser realizados para o esclarecimento definitivo desta questão. Atropina - Preconizada nos casos de assistolia, atividade elétrica sem pulso e bradicardia sinusal sintomática (classe I), e bloqueio do nó atrioventricular, quando acompanhado de baixo débito ou arritmia ventricular (classe IIa). A dose inicial recomendada para assistolia e atividade elétrica sem pulso é de 1mg EV, que pode ser repetida a cada 3 a 5min na ausência de resposta inicial, enquanto na bradicardia sinusal sintomática preconiza-se a dose inicial de 0,5-1mg EV, que pode ser repetida a cada 3 a 5min, até completar-se a dose total de 3mg (0,04mg/kg), valor com o qual atinge-se o bloqueio vagal completo. Deve-se ressaltar o possível efeito parassimpaticomimético e depressor da freqüência cardíaca quando administrada em doses inferiores a 0,5mg, assim como a possibilidade de desencadear taquiarritmias e conseqüentemente aumentar a demanda miocárdica de oxigênio, quando usada na dose de bloqueio vagal completo, o que sugere restringir o uso dessa dose somente aos casos de assistolia 3. Lidocaína - Está indicada nos casos de FV e TV sem pulso resistentes ao tratamento com desfibrilação elétrica e administração de adrenalina (classe IIb). A dose inicial recomendada é de 1 a 1,5mg/kg em bolo, com doses adicionais, caso necessário, de 0,5 a 1,5mg/kg em bolo e administradas a cada 5 a 10min até completar-se um total de 3mg/kg. Na FV refratária preconiza-se a dose inicial de 1,5mg/kg em bolo, seguida de 1,5mg/kg em bolo em 3 a 5min, perfazendose 3mg/kg. Completada a dose máxima, doses adicionais de 0,5mg/kg em bolo podem ser administradas a cada 8 a 10min, o que deve ser respeitado, pois intervalos menores 366 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 determinam alto potencial de toxicidade. Após a reversão da parada cardíaca e o restabelecimento da circulação sangüínea espontânea, deve-se iniciar uma infusão contínua de 2 a 4mg/min preferentemente nos casos de FV refratária, devendo-se reduzir a dose pela metade em pacientes com baixo débito cardíaco, idade >70 anos e perda de função hepática, assim como diminuir a dose em qualquer paciente após completar-se 24h de infusão contínua ou então monitorizarse os níveis séricos desse fármaco 3. Procainamida - Está indicada no tratamento da TV recorrente e de complexos ventriculares prematuros, quando o uso de lidocaína está contra-indicado ou não apresentou resultados satisfatórios (classe IIb). A dose preconizada é de 20mg/min até que se obtenha supressão da arritmia, hipotensão arterial, alargamento do complexo QRS de 50% do tamanho original ou dose total de 17mg/kg. Na urgência, pode-se utilizar uma dose superior a 30mg/min até a dose total de 17mg/kg. A dose de manutenção é de 1 a 4mg/min, que deve ser reduzida na presença de insuficiência renal 3. Bretílio - Usado no tratamento da FV persistente ou recorrente sem resposta ao tratamento com desfibrilação, adrenalina e lidocaína; TV com pulso não controlada com lidocaína e procainamida; e TV com complexos alargados sem resposta a lidocaína e adenosina. Na FV recomenda-se o uso de 5mg/kg EV em bolo seguida de desfibrilação em 30 a 60s. Na ausência de resposta satisfatória, a dose pode ser aumentada para 10mg/kg e repetida a cada 5min, até se completar a dose máxima de 30 a 35mg/kg. Na TV recorrente utiliza-se uma dose de 5 a 10mg/kg diluída em 50ml SG 5% e aplicada em 8 a 10min, seguida por uma dose de manutenção de 1 a 2mg/min por infusão contínua 3. Cálcio - Embora consista em importante elemento na fisiologia cardiovascular, não foram demonstrados efeitos benéficos com o uso do cálcio nos estudos retrospectivos e prospectivos efetuados com pacientes em PCR. Assim sendo, preconiza-se a administração de sais de cálcio somente nos casos de hipercalemia, hipocalcemia e intoxicação por fármacos bloqueadores dos canais de cálcio (classe IIa) 3,30. O cálcio deve ser administrado em bolo de 2-4mg/kg da solução de cloreto de cálcio a 10% (1,36mEq Ca+2/100mg de sal/ml) ou 5 a 8ml de gluconato de cálcio a 10% (0,46mEq Ca+2/100mg de sal/ml), repetido em intervalos de 10min quando necessário 3,31. Bicarbonato de sódio - Foi rotineiramente incorporado às medidas farmacológicas para o tratamento da PCR, em 1962, devido aos benefícios sugeridos na época 32. Com os estudos clínicos e experimentais realizados posteriormente, foi evidenciada ausência de efeitos desejáveis e ocorrência de efeitos deletérios com o uso desta droga. Atualmente, sabe-se que o bicarbonato de sódio: 1) não altera os índices de sucesso da desfibrilação, restauração da circulação espontânea e sobrevida a curto prazo; 2) desvia a curva de saturação da oxi-hemoglobina, inibindo a liberação de oxigênio; 3) induz hiperosmolaridade e hipernatremia; 4) ocasiona acidose intracelular paradoxal, através da formação de Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 dióxido de carbono pelo desdobramento da molécula de NaHCO3, que é facilmente difundido para o interior das células miocárdicas e cerebrais, agravando o processo isquêmico existente; 5) inativa as catecolaminas administradas simultaneamente; 6) pode causar alcalose extracelular, o que possibilita o aparecimento de arritmias refratárias 3. Baseando-se nas considerações apresentadas, foram reavaliadas as indicações do bicarbonato de sódio, tendose atualmente restringido o seu uso às seguintes situações: hipercalemia (classe I); acidose metabólica preexistente e intoxicação por antidepressivos tricíclicos e fenobarbital (classe IIa); e RCR prolongada (classe IIb). Portanto, ao contrário do que acreditava-se anteriormente, não deve ser utilizado na acidose lática hipóxica (classe III), onde além de ineficaz pode ser prejudicial 3. Preconiza-se a dose inicial de 1mEq/kg, seguida de 0,5mEq/kg a cada 10min na ausência de gasometria 3; entretanto, quando gasometria disponível, calcula-se a dose utilizando-se a fórmula 33: défice HCO3 (mEq) = 0,6 x peso (kg) x (HCO3 desejado - medido) obs.: se HCO3 sérico medido for inferior a 10mEq/l deve-se usar a constante 0,7 ao invés de 0,6. Para se reduzir o risco de alcalose induzida pela administração de bicarbonato de sódio, deve-se evitar a correção completa do déficit de base. Contudo, alguns autores não aceitam a gasometria arterial isolada como representativa da perfusão tecidual na PCR, sugerindo avaliação mais adequada com a interpretação conjunta de gasometrias arterial e venosa mista, diferença arteriovenosa de PH e de pressão parcial de CO2, e capnografia 32,34-39. Como discutido, o bicarbonato de sódio permanece um fármaco de significativa importância no contexto da RCR-cerebral conforme suas indicações. Porém, deve-se ressaltar a importância da ventilação alveolar e circulação sangüínea, quando instaladas pronta e adequadamente, na normalização do equilíbrio ácido-básico, muitas vezes dispensando o uso de soluções alcalinas 3,32,34,35. Sulfato de magnésio - Está indicado nos casos de hipomagnesemia associada a TV ou FV refratária ou recorrente e de torsades de pointes (classe IIb). A dose recomendada é de 1 a 2g diluída em 100ml SG 5%, administrada em 1 a 2min 3. Marcapasso cardíaco O marcapasso cardíaco está indicado na presença de disfunção na formação ou condução do impulso elétrico, ocasionando bradicardia com repercussão hemodinâmica (PA sistólica <80mmHg, alteração de consciência, isquemia miocárdica e/ou edema pulmonar) ou taquiarritmias supraventriculares/ventriculares refratárias ao tratamento farmacológico ou cardioversão elétrica. A bradicardia com repercussão hemodinâmica pode se originar de bloqueios atrioventriculares de 2º e 3º graus, bradicardia induzida por Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços drogas (digoxina, β-bloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, procainamida), bradicardia idioventricular, bradicardia secundária a choque hipovolêmico refratária ao tratamento e fibrilação ou flutter atrial com alto grau de bloqueio atrioventricular 3. Este dispositivo não está indicado na FV ou TV, porém possui espaço no tratamento da assistolia (classe IIb) e atividade elétrica sem pulso, apesar de geralmente ineficaz. Isto se deve em virtude desses ritmos comumente serem desencadeados por hipoperfusão miocárdica prolongada, com conseqüente limitação da resposta miocárdica ao estímulo elétrico. Portanto, o marcapasso de emergência deve ser usado o mais precocemente possível nestes casos, quando indicado, para obtenção de resultados satisfatórios, visto sua íntima relação com o tempo de isquemia miocárdica 3. Conforme discutido, a principal indicação do marcapasso cardíaco de emergência compreende as arritmias potencialmente causadoras de PCR, atuando, assim, como importante medida profilática e modesta medida terapêutica. Há dois tipos de marcapassos que podem ser utilizados nestes casos: transcutâneo e transvenoso. O marcapasso transcutâneo é de simples instalação, pois não necessita punção vascular, o que o torna conduta inicial nos casos que requerem tratamento imediato, assim como em pacientes que receberam ou se enquadram nos critérios de uso de trombolítico; porém recomenda-se utilização de analgesia com narcóticos ou sedação com benzodiazepínicos, devido ao desconforto decorrente da contração muscular ocasionada pelo mesmo. A colocação do marcapasso transvenoso requer a punção de uma veia central para se introduzir um eletrodo que deverá ser fixado no ápice do ventrículo direito. A escolha do tipo de marcapasso dependerá da situação, sendo que o marcapasso transcutâneo pode ser usado provisoriamente para a estabilização hemodinâmica até que o marcapasso transvenoso seja inserido 3, 22,40. Algoritmo universal - ILCOR Em 1992, a AHA publicou uma extensa, detalhada e atualizada revisão sobre RCR, compreendendo nove algoritmos de tratamento de situações de PCR e graves situações clínicas que poderiam levar à PCR. Nesse mesmo ano (1992) foi formado o ILCOR, composto pela AHA, o European Resuscitation Council (ERC), o Heart and Stroke Foundation of Canada (HSFC), o Australian Resuscitation Council (ARC), o Resuscitation Councils of Southern Africa (RCSA) e o recente Council of Latin America for Resuscitation (CLAR), com a finalidade de padronizar e difundir o conhecimento científico em RCR 4. Em 1997, o ILCOR publicou um algoritmo universal para orientar o tratamento das situações de PCR (fig. 1) 19. Este algoritmo tem como aspecto positivo marcante a simplicidade, que proporciona a fácil compreensão, o pronto seguimento e a praticidade no manuseio. Por outro lado, apresenta como aspecto negativo principal a superficialidade, que impede o seu uso isolado para o tratamento de uma 367 Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 Parada Cardiorrespiratória algoritmo SBV se apropriado ! golpe precordial se apropriado ! conectar monitor/desfibrilador ! # avaliar ritmo " ! checar pulso % TV/FV ! Desfibrilar 3X se necessário ! RCR 1 min. " $ % Durante RCR Se não estabelecido: – checar posição e contato dos eletrodos/pás – tentar/verificar: tubo traqueal acesso venoso – epinefrina a cada 3 min. – corrigir causas reversíveis – considerar: tamponantes antiarrítmicos atropina/marcapasso Não TV/FV ! ! RCR $ mais do que 3 min. # Causas potencialmente reversíveis: – hipóxia – hipovolemia – hiper/hipocalemia e distúrbios metabólicos – hipotermia – pneumotórax hipertensivo – tamponantes – distúrbios tóxicos/terapêuticos – obstrução tromboembólica/mecânica SBV : Suporte Básico de Vida; TV : Taquicardia Ventricular; FV : Fibrilação Ventricular; RCR : Ressuscitação Cardiorespiratória. Fig. 1 – Algoritmo universal para tratamento de situações de parada cardiorrespiratória. 368 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 PCR, por não apresentar dose das medicações e rotas terapêuticas alternativas para o aumento das chances de sucesso das medidas de suporte básico e avançado. Outro ponto negativo é a discordância entre os membros do ILCOR quanto à eficácia e indicação do golpe precordial. Considerando-se os aspectos positivos e negativos do algoritmo simplificado, sua utilização justifica-se na orientação da equipe de RCR quanto aos passos a seguir, aliada à experiência do médico-líder da equipe de ressuscitação e a eventual fonte alternativa de consulta. Ressuscitaçãocerebral O cérebro é o órgão do corpo humano mais sensível à diminuição ou ausência do aporte de oxigênio, pois utiliza metabolismo exclusivamente aeróbico para obtenção de energia e não possui capacidade de armazenar glicose e oxigênio, havendo depleção do seu conteúdo de oxigênio e glicose em aproximadamente 5min de metabolismo, com subseqüente lesão e morte neuronal 41,42. Assim sendo, atualmente passou-se a dar maior enfoque ao sistema nervoso central no contexto da RCR, surgindo então o conceito de ressuscitação cerebral, que corresponde às medidas iniciadas após o restabelecimento da circulação espontânea, com o objetivo de reverter ou minimizar a lesão cerebral anóxico-isquêmica, diretamente relacionada a incapacidade funcional e mau prognóstico pós-PCR 41,42. A lesão neurológica é determinada pela isquemia tecidual durante a ausência de circulação sangüínea e pode ser prolongada por horas ou dias após o restabelecimento da circulação espontânea pela denominada síndrome cerebral pós-ressuscitação, que ocorre após 10 a 20min de ausência de fluxo sangüíneo cerebral espontâneo em condições de normotermia. Esta síndrome compreende quatro componentes: 1) falência de perfusão cerebral, com diminuição do aporte de O2 para o cérebro; 2) reoxigenação cerebral, que determina lesão pela ativação de uma cascata de eventos químicos, ou seja, influxo intracelular de cálcio, acidose lática tecidual e aumento da concentração de ácidos graxos livres, radicais livres e aminoácidos excitatórios como glutamato e aspartato, tendo sido documentada in vitro e em órgãos extra-cerebrais, porém ainda não comprovada no cérebro in vivo; 3) anormalidades extra-cerebrais, ou seja, hipertermia, hipoxemia, hipercapnia, distúrbios do metabolismo ácido-básico, insuficiência renal e hepática, e translocação bacteriana da parede intestinal comprometida por isquemia; e 4) anormalidades sangüíneas secundárias a estase, como agregados de leucócitos polimorfonucleares e macrófagos que podem liberar radicais livres, lesar o endotélio vascular e obstruir capilares sangüíneos ocasionando microinfartos 41-44. Baseando-se na viabilidade neuronal pós-ressuscitação, ou seja, na possibilidade de se reverter o processo de lesão neurológica que se prolonga após o restabelecimento da circulação sangüínea cerebral espontânea e nos mecanismos fisiopatológicos da lesão neuronal pós-ressus- Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços citação, foram estabelecidas medidas terapêuticas que constituem a ressuscitação cerebral, apresentadas a seguir. Cardiovascular - Aumentar a pressão de perfusão com o uso de adrenalina durante as manobras de RCR o mais precocemente possível, sendo o uso de altas doses de adrenalina durante a PCR potencialmente benéfico para a perfusão cerebral. Induzir hipertensão na fase de reperfusão cerebral espontânea - PAS entre 150-200mmHg - durante 1 a 5min 45-49, o que pode ocorrer secundariamente ao uso de adrenalina durante a RCR ou diretamente com a administração de noradrenalina com o restabelecimento da circulação espontânea. Níveis tensionais aumentados nesta fase seriam necessários para suplantar o fenômeno de no-reflow - ausência de perfusão cerebral multifocal e transitória 50,51 - e o aumento da pressão intracraniana, que oferece resistência importante ao fluxo sangüíneo. Entretanto, a hipertensão severa induzida não deve ser prolongada, devido à isquemia miocárdica secundária e à piora do edema vasogênico cerebral 52,53. Elevar a cabeceira a um ângulo de 30º para facilitar a drenagem venosa cerebral, diminuindo a pressão intracraniana, geralmente elevada até 20 a 30min após o retorno da circulação espontânea. Visto que a pressão de perfusão cerebral equivale à diferença entre a pressão arterial média sistêmica e a pressão intracraniana, o uso da combinação hipertensão transitória e cabeceira a 30º está justificado e proporciona melhores resultados 3,22,41,45. Após o período de hipertensão transitória, recomenda-se a normotensão ou leve hipertensão, o que pode ser viabilizado com a infusão de fluidos isoladamente ou em associação com dopamina, dobutamina ou outros fármacos. Monitorização hemodinâmica quando possível com cateter de Swan-Ganz está indicada para o manejo hemodinâmico adequado. Pulmonar - O suporte respiratório pode variar da utilização de oxigênio por cateter nasal até ventilação mecânica com pressão positiva intermitente, dependendo do nível de consciência e dos parâmetros da gasometria. Nos casos de coma pós-PCR, a ventilação mecânica controlada por pelo menos 12h mostra-se desejável para a prevenção de insuficiência cardiorrespiratória, além de fornecer oxigênio durante o período de maior extração de oxigênio cerebral, ou seja, entre 2 e 12h após a reperfusão cerebral espontânea 41. Deve-se evitar ou utilizar a menor quantidade de pressão expiratória final positiva (PEEP) possível, a fim de minimizar-se o aumento da pressão intratorácica, que ocasiona diminuição do retorno venoso ao coração. Hidroeletrolítico - Avaliar volemia, diurese e eletrólitos almejando-se osmolaridade sérica de 280 a 330mOsm/l e níveis normais de eletrólitos, com correção dos distúrbios eletrolíticos e reposição de fluidos quando necessário 41. Deve ser evitado o uso de infusões de dextrose (classe III) pelo risco potencial de aumentar a produção de ácido lático que promove lesão celular 3. 369 Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços Hematológico - Manter os níveis de hematócrito entre 30 a 35%41. Metabólico - Corrigir hipo e hiperglicemia, a fim de obter-se níveis séricos entre 100 a 200mg/dl 41. Manter normotermia e controlar convulsões com fenobarbital, fenitoína ou diazepam, pois hipertermia e convulsões aumentam o consumo de oxigênio pelo cérebro. Mesmo hipertermia leve deve ser corrigida. Estudos experimentais em animais evidenciaram benefícios com hipotermia leve (34ºC) que, além de exercer efeito protetor cerebral, não induz arritmia como ocorre na hipotermia moderada (30ºC), porém estudos clínicos conclusivos em humanos não são disponíveis 41. Bloqueadores dos canais de cálcio (nimodipina e lidoflazina), barbitúricos, corticosteróides e anti-radicais livres estão em estudo, porém os resultados obtidos até o momento não demonstram benefícios concretos que justifiquem seu uso na ressuscitação cerebral 41,42. Quanto ao prognóstico neurológico, estudos clínicos evidenciaram prognóstico desfavorável com raros casos de recuperação neurológica sem incapacidade funcional após três dias de coma. Os resultados foram piores após sete dias de coma, grupo em que não foi constatado nenhum caso de recuperação neurológica sem incapacidade funcional. Analisando-se pacientes em coma por 30 dias, foram obtidos resultados desanimadores, pois não há registro de recuperação da consciência 54,55. Estes fatores prognósticos de recuperação neurológica somente reforçam a importância do manejo adequado do paciente em PCR e a adoção de medidas de ressuscitação cerebral, a fim de se evitar ou minimizar-se a lesão neuronal, propiciando melhores resultados neurológicos. Aspectoséticos-identificaçãodeeventofinale suspensão das medidas de suporte de vida As medidas de suporte básico e avançado de vida têm como finalidade a reversão da morte prematura com o restabelecimento das funções vitais e das funções de relação interpessoal e com o meio ambiente, o que não significa prolongar o sofrimento de pacientes com doença crônica em estágio terminal. A PCR pode ser subdividida em potencialmente reversível e não reversível. Na primeira situação trata-se de um evento que uma vez revertido devolve ao paciente as condições para retornar à sua vida normal caso não haja seqüelas neurológicas ou retomar as atividades com graus variáveis de adaptação, dependendo das lesões neurológicas decorrentes. A segunda situação corresponde ao evento final ou morte propriamente dita, situação em que o estabelecimento das medidas de suporte de vida não permite a reversão do colapso cardiopulmonar ou possibilita sucesso temporário, pois em curto período de tempo ocorrerá nova PCR determinada por doença de base não mais passível de ser tratada ou controlada, que invariavelmente levará o paciente ao óbito. Nesta situação, a reversão de uma PCR não significa uma 370 Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 vida salva, mas sim dar continuidade ao sofrimento; portanto, não se justifica o emprego da RCR em pacientes com doenças crônicas em estágio terminal 56. A determinação do momento apropriado para a suspensão das medidas de RCR, na ausência de reversão da arritmia desencadeante do colapso cardiopulmonar, constitui uma difícil decisão clínica, entretanto essa decisão pode ser inevitável 57. Visando o auxílio a esta decisão e baseando-se em estudos clínicos realizados, foram determinados quatro critérios que permitem a suspensão das medidas de suporte de vida quando integralmente preenchidos: 1) PCR em adultos não associada a trauma, hipotermia, intoxicação medicamentosa ou drogas e etiologia não respiratória; 2) SAV com duração >25min; 3) ausência de restabelecimento da circulação espontânea, ou seja, freqüência cardíaca >60bpm por pelo menos 5min; e 4) exclusão de FV/TV sem pulso refratária ou recorrente ou de atividade neurológica (respiração espontânea, abertura ocular ou resposta motora) 58. Perspectivas e novos avanços Técnicas - Níveis expiratórios de dióxido de carbono (CO2) constituem uma medida indireta do débito cardíaco durante a RCR. Estudos realizados demonstraram sua relevante importância como fator prognóstico em pacientes em PCR com atividade elétrica cardíaca sem pulso arterial palpável 59-62. Resultados obtidos evidenciaram que níveis expiratórios de CO2 <10mmHg mensurados 20min após o início do SAV estão associados a mau prognóstico imediato, ou seja, ao insucesso das medidas de RCR em pacientes com atividade elétrica cardíaca sem pulso arterial palpável 59,63-65. Entretanto, não houve associação entre os níveis expiratórios de CO2 mensurados antes do início do SAV com prognóstico imediato, assim como não houve relação entre os níveis expiratórios de CO2 e a sobrevida após o sucesso da RCR 9. Outra função importante dos níveis expiratórios de CO2 seria a de documentar a eficácia das medidas de RCR, através da medida indireta do débito cardíaco proporcionado pelas condutas terapêuticas efetuadas. A PPC constitui o gradiente de pressão entre a pressão aórtica e a pressão atrial direita durante a fase de diástole no ciclo cardíaco normal ou a fase de relaxamento na RCR. Estudos experimentais em animais e humanos demonstraram sua capacidade de atuar como fator prognóstico em pacientes vítimas de PCR, especialmente após decurso prolongado de tempo, situação em que são disponíveis dados relativos a humanos 66-71. Resultados obtidos em um estudo evidenciaram que PPC inicial <0mmHg e PPC máxima obtida <15mmHg estão associadas a ausência de retorno de circulação espontânea, enquanto PPC máxima obtida >15mmHg e 25mmHg está associada a 57% e 79% de recuperação da circulação espontânea, respectivamente 66. Outra função igualmente importante da medida da PPC seria a monitorização em tempo real, que permitiria decisões terapêuticas fundamentadas em dados obtidos do paciente, ao invés de decisões relacionadas a protocolos de ritmos cardíacos, como ocorre atualmente. Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 Drogas - A vasopressina ou hormônio anti-diurético (HAD) é um hormônio produzido pela porção posterior da hipófise (neuro-hipófise) e liberado na circulação sangüínea em condições de hiperosmolaridade sérica ou depleção de volume extracelular. Entretanto, estudos experimentais em animais evidenciaram potente efeito de vasoconstrição mesmo na presença de hipóxia e acidose, superior e mais duradouro que o da adrenalina, o que confere a vasopressina melhora da perfusão miocárdica quando comparada a adrenalina 72-74. Outra característica importante é que a vasopressina não aumenta o consumo miocárdico de oxigênio (MVO2) e, conseqüentemente, não aumenta a produção de lactato durante a PCR, ao contrário da adrenalina 72. Resultados obtidos em um estudo em humanos demonstraram maior eficiência da vasopressina na dose inicial de 40U em bolo que a adrenalina na dose convencional (protocolo preconizado pelo AHA) na restauração da circulação espontânea em pacientes com FV na presença de hipoxemia e acidose severas 72. A angiotensina II é um fármaco nãoadrenérgico com potente ação vasopressora que atua através dos receptores de angiotensina. Estudos experimentais em animais demonstraram sua eficácia em aumentar a PPC, o fluxo sangüíneo miocárdico e a taxa de oferta de oxigênio ao miocárdio (MDO2) durante a RCR, entretanto também houve aumento do consumo de oxigênio (MVO2). Com o retorno da circulação espontânea, o fluxo sangüíneo miocárdico e as taxas de oferta e consumo de oxigênio (MDO2 e MVO2) permaneceram aumentadas com relação aos parâmetros fisiológicos (pré-indução de PCR). Porém, a PPC, que havia apresentado melhora com a angiotensina II durante a RCR, mostrou significativa queda quando comparada com os parâmetros fisiológicos 75,76. A endotelina-1 é um peptídeo secretado pelas células endoteliais que tem potente efeito vasoconstritor in vivo e in vitro, com potência 10 vezes superior a da angiotensina II e 1000 vezes a da noradrenalina, atuando via não adrenérgica através do aumento da concentração de cálcio nas células musculares lisas da parede vascular 77-79. Também apresenta atividades cronotrópica e inotrópica positivas em modelos de coração in vitro 80-82. Resultados obtidos em um estudo em cães mostraram aumento significativo na PPC com o uso de endotelina-1 associada a dose convencional de adrenalina, o que não foi evidenciado com o uso de endotelina-1 e adrenalina na dose convencional usados isoladamente 77. Entretanto, estudos complementares em animais analisando-se diferentes modelos experimentais e variáveis clínicas adicionais são necessários para justificar a realização de estudos clínicos em humanos. O carbicarb® é uma solução tamponante que consiste na associação de bicarbonato de sódio e carbonato de dissódio na concentração 1:1, portanto possui menos bicarbonato, promovendo menor formação de CO2 que o bicarbonato de sódio, o que torna o carbicarb® um tamponante mais efetivo, conforme resultados de estudos experimentais 32, 83-85. Equipamentos - O desfibrilador automático externo vem assumindo importância progressivamente maior com a Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços inclusão da desfibrilação precoce na RCR básica, pois devido a simplicidade, acurácia e segurança que o uso desse equipamento oferece, possibilita-se seu manuseio por parte de socorristas com treinamento limitado 86, aumentando-se significativamente o número de pessoas aptas a realizar a desfibrilação, o que eleva as chances da desfibrilação precoce com seus relevantes benefícios, como já discutido neste artigo. Este equipamento é conectado ao paciente por meio de duas pás adesivas - uma na borda external superior direita e a outra sobre o ápice do coração -, responsáveis pela captação e transmissão do ritmo cardíaco do paciente ao aparelho e pela descarga do choque elétrico. O desfibrilador completamente automático requer somente a colocação das pás adesivas e pressão sobre o botão de acionamento do aparelho. Se o ritmo cardíaco presente é FV ou TV, o aparelho automaticamente carrega e aplica o choque elétrico 87. No desfibrilador semi-automático ou choque consultivo o socorrista aperta o botão “analisar” para análise do ritmo cardíaco e o botão “choque” para aplicação do choque elétrico. Teoricamente, o desfibrilador semi-automático seria mais seguro que o completamente automático pelo choque ser efetuado no momento em que o socorrista determina, entretanto a experiência clínica sugere que ambos são igualmente seguros 88. O desfibrilador automático externo deve ser colocado próximo a orelha esquerda do paciente em posição supina, devido a facilidade de acesso aos controles e de colocação das pás adesivas, além de permitir a um segundo socorrista a realização de RCR básica simultânea 87. A principal diferença entre o desfibrilador automático e o convencional é que o automático analisa e interpreta automaticamente o ritmo cardíaco, dispensando conhecimentos de eletrocardiografia de seu operador. Este equipamento possui fundamental aplicabilidade em serviços de emergência móveis não constituídos por médicos, devido a facilidade de treinamento e manutenção, rapidez de operação e viabilidade de custos. Outros locais de aplicação apropriada são consultórios médicos, clínicas odontológicas, salas de procedimentos de cirurgiões bucomaxilofacial ou em qualquer lugar onde há risco aumentado de PCR súbita. Ambientes de acesso dificultado também são candidatos potenciais, como aeronaves de transporte de passageiros, navios de transporte de passageiros de longo percurso e locais com grande concentração de pessoas 86. O cardioversor-desfibrilador implantável é um pequeno dispositivo com seis componentes básicos - uma bateria, um amplificador sensorial, um circuito de controle (microprocessador), um circuito carregador de alta voltagem, um capacitor de depósito de energia de desfibrilação e um circuito interruptor de alta voltagem -, capaz de identificar arritmias potencialmente perigosas e realizar desfibrilação ou cardioversão automaticamente 89. As indicações para uso deste dispositivo foram estabelecidas pelo consenso entre o ACC, a AHA e a Sociedade Norte-Americana de Marcapasso e Eletrofisiologia em 371 Zago e cols Ressuscitação cardiopulmonar. Controvérsias e novos avanços 1991, conforme classes terapêuticas: classe I ou aceitável: sobrevivência após parada cardíaca; FV ou TV em pacientes cujo teste eletrofisiológico ou monitorização por Holter não podem ser usados como preditivos de eficácia terapêutica; FV ou TV recorrentes apesar do tratamento medicamentoso norteado por teste eletrofisiológico ou monitorização por Holter; FV ou TV nos pacientes em que os fármacos não são tolerados ou são inapropriados; e FV ou TV persistentemente induzível apesar do tratamento medicamentoso apropriado ou ablação; classe II ou arbitrário - síncope de causa indefinida em pacientes com FV ou TV sustentada induzível em teste eletrofisiológico; classe III ou geralmente não justificado - FV ou TV de causa reversível (isquemia aguda, infarto agudo do miocárdio (IAM) recente, distúrbios tóxicos ou metabólicos); síncope recorrente de causa indefinida e arritmia não induzível; FV ou TV incessante; FV secundária a síndrome de Wolf-ParkinsonWhite; e contra-indicações médicas, cirúrgicas ou psiquiátricas coexistentes 89. Após os estudos CAST e MADIT, as indicações até então restritas a prevenção secundária, foram expandidas para uso em prevenção primária de parada cardíaca em pacientes com história de IAM associada a fração de ejeção ventricular esquerda ≤35%, episódio documentado de TV não sustentada e/ou taquiarritmias induzíveis em teste eletrofisiológico 90,91. Os dispositivos atuais vêm sendo programados com energia pré-definida de desfibrilação entre 18 e 25J, porém ainda não há consenso quanto ao critério de determinação do valor da energia pré-definida de desfibrilação baseandose no limiar de desfibrilação, ou seja, a menor energia aplicada necessária para a reversão da arritmia cardíaca. Entretanto, dados recentes sugerem que a severidade da disfunção ventricular esquerda e o uso de alguns agentes antiarrítmicos podem aumentar o limiar de desfibrilação a valores inaceitáveis 92. Quanto à eficácia, o estudo CASH realizado em indivíduos sobreviventes de parada cardíaca súbita demonstrou que o cardioversor-desfibrilador implantável é superior a propafenona, avaliando-se mortalidade total em um ano e está associado a diminuição significativa da mortalidade total em dois anos, quando comparado a amiodarona e metoprolol, não havendo diferença relevante entre esses dois fármacos (mortalidade total em dois anos: 12,1% e Arq Bras Cardiol volume 72, (nº 3), 1999 19,6%, respectivamente, com p=0,047) 93. O estudo CIDS comparou o cardioversor-desfibrilador implantável com a amiodarona em pacientes sobreviventes de parada cardíaca ou FV/TV sustentada sintomática e evidenciou modesta, porém não significativa, redução da mortalidade total em quatro anos no grupo cardioversor-desfibrilador implantável (mortalidade total: 27% e 33%, respectivamente, com p = 0,07); porém deve-se observar que a mortalidade em 30 dias foi superior nos dispositivos implantados com toracotomia comparados aos transvenosos (3,3% e 0,36%, respectivamente) 94. Considerações importantes sobre o cardioversordesfibrilador implantável devem ser salientadas. O socorrista em contato com a vítima no momento da descarga de energia pode sentir o choque, no entanto esse não oferece riscos. Os eletrodos do dispositivo geralmente cobrem uma porção da superfície do epicárdio, o que pode reduzir a corrente transcardíaca do choque transtorácico; portanto, se não houver sucesso com a desfibrilação com 360J, deve-se mudar a posição dos eletrodos das pás do desfibrilador externo para ântero-posterior e repetir o choque. Esta mudança de posição dos eletrodos poderia aumentar a corrente transcardíaca e, conseqüentemente, facilitar a desfibrilação 87. Cursos de aprendizado e sistematização do atendimento de parada cardiorrespiratória A padronização de condutas sistematizadas em RCRcerebral visa oferecer aos pacientes o atendimento mais completo desenvolvido pelo AHA baseado em tecnologia de ponta e medicina baseada em evidências, proporcionando os melhores resultados possíveis na atualidade. Deste modo, ressalta-se a importância dos cursos de aprendizado e sistematização do atendimento de PCR desenvolvidos pelo AHA, ou seja, cursos de SBV (Basic Life Support BLS), SAV em Cardiologia (Advanced Cardiology Life Support - ACLS) e Suporte Avançado de Vida em Pediatria (Pediatric Advanced Life Support - PALS). Agradecimentos Ao Dr. Ari Timerman por sua importante contribuição. Referências 1. 2. 3. 4. Standards for cardiopulmonary resuscitation (CPR) and emergency cardiac care (ECC). JAMA 1974; 227: 833-68. Bianchi e Silva CH, Mallmann Neto C. Reanimação Cardiorrespiratória Básica. In: Vieira SRR (coord.). Porto Alegre: Manual de Emergências Médicas: Editora. da Universidade/UFRGS, 1995: 15-43. Adult Advanced Cardiac Life Support. JAMA 1992; 268: 2199-241. Cummins RO, Chamberlain DA. Advisory Statements of the International L Committee on Resuscitation. Circulation 1997; 95: 2172-3. 372 5. 6. 7. 8. 9. Kloeck WK, Cummins RO, Chamberlain D, et al. Early Defibrillation. 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