Semântica do emântica do emântica do Objeto

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Semântica do Objeto
Roland Barthes
trad. Lucio Grinover
ESDI 1, agosto de 1969
Desejo apresentar-lhes algumas reflexões em tôrno do objeto em nossa civilização, a
qual é definida comumente uma civili-zação técnica; e desejo enqua-drá-las em uma
pesquisa que é atualmente levada a cabo em vários países sob o nome semio-logia, ou
ciência dos signos.
A semiologia, em inglês “Semiotics", foi postulada há cerca de meio século pelo grande
linguista de Genebra, Ferdinand de Saussure, que previu que a linguística tornar-se-ia
nada mais do que um setor de uma ciência bem mais geral dos signos, que ele
denominou justamente semiologia. Ora, a tal projeto semiológico foi conferida de uns
anos para cá uma atualidade e uma força novas, em consequência do desenvolvimento
considerável de outras ciências e outras disciplinas adjacentes, e particularmente da
teoria da informação, da linguística estrutural, da lógica formal e de certas pesquisas
antropológicas, todas elas, que concorreram para colocar em primeiro plano a exigência
de uma disciplina semiológica que estude a maneira pela qual os homens dão sentido
às coisas.
Mas de que forma é conferido sentido às coisas que não se en- quadram nos sons?
Este, o campo da exploração atualmente aberto aos pesquisadores. Se tais estudos
ainda não deram passos decisivos, o fato é devido a numerosas razões: antes de mais
nada, nesse campo foram estudados apenas códigos extremamente rudimentares
destituidos de interesse sociológico, como por exemplo, o código de trânsito; em
segundõ lugar, tudo aquilo que tem sig-nificado no mundo está sempre impregnado,
mais ou menos de linguagem: jamais se verificam sistemas significa-tivos de objetos ao
estado puro;
a linguagem intervém sempre,
como "relais", principalmente nos
sistemas de imagens, como títulos, legendas, artigos; e, portanto não é exato afirmar
que a nossa seja uma civilização exclusivamente de imagem, Será pois, nesse quadro
geral, de pesquisa semiológica, que eu tentarei apresentar algumas reflexões rápidas e
sumárias sobre o modo em os objetos podem "significar" no mundo contemporâneo. É
preciso que eu confira um sentido bem forte ao termo "significar"; não se deve confundir
significar com comunicar: significar quer dizer que os objetos não transmitem apenas
informações, nesse caso, eles comunicariam, mas também constituem sistemas
estruturais de signos, vale dizer, essencialmente sistemas de diferenças, de oposições e
contrastes.
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Antes de mais nada, como definir os objetos (antes de verificar de que maneira podem
significar?). Os dicionários dão definições vagas do objeto: o objeto é aquilo que se
oferece à vista, aquilo que é pensado em relação ao sujeito pensante, em resumo, como
justamente na maioria dos dicionários, o objeto é alguma coisa, definição esta que nada
ensina, a não ser que se tente examinar quais as conotações da palavra "objeto". De
minha parte, veria dois grandes grupos de conotação: um primeiro grupo, constituído
pelo que chamaria de conotações existenciais. O objeto adquire mui rapidamente aos
nossos olhos a aparência ou a existência de uma coisa que é desumana e que se
obstina a existir um pouco contra o homem: nessa perspectiva, existem inúmeras
tratamentos literários do objeto.
Existe também, um segundo grupo de conotações, em que me apoiarei a seguir: as
conotações "tecnológicas". O objeto é definido como aquilo que é fabricado: é matéria
acabada, formada e normalizada, ou seja, submetida a normas de fabricação e de
qualidade; e nesse caso é definido principalmente como elemento de consumo: certa
ideia do objeto é reproduzida em milhões de exemplares: um telefone, um relógio, um
móvel, uma caneta; são realmente o que normalmente chamamos de objetos. O objeto
não mais foje na direção do infinitamente subjetivo, mas sim naquela do infinitamente
social. É desta última concepção do objeto, que desejo partir. Comummente definimos o
objeto como algo que serve para alguma coisa. O objeto é consequentemente à primeira
vista, completamente absorvido dentro de uma finalidade de uso, naquilo que
denominamos função, e por isso mesmo, existe esponta-neamente sentida por nós uma
forma de transitividade do objeto: o qual serve ao homem para agir sobre o mundo, para
nele existir ativo; é uma forma de mediador entre a ação e o homem.
Poder-sé-ia observar que inexiste objeto que não sirva para nada! Há certamente objetos
apresentados sob a forma de bibelô inútil, mas mesmo estes objetos, têm uma finalidade
estética. O paradoxo que quero assinalar é que estes esses objetos que têm sempre, em
princípio, uma função, uma utilidade, um uso, nós pensamos vivê-los como puros
instrumentos, enquanto na realidade veiculam outras coisas, e são eles próprios outra
coisa: veiculam sentido; em outros termos, o objetos servemefetivamente para alguma
coisa, mas também serve para comunicar informações: poderíamos resumir isto em
uma frase, dizendo que existe sempre um sentido que ultrapassa o uso do objeto.
Poderíamos imaginar, por exemplo, um objeto mais funcional que o telefone? Todavia, o
aspecto de um telefone tem sempre um sentido independente de sua função: um
aparelho branco transmite certa ideia de luxo ou de feminilidade; há aparelhos fora de
moda que transmitem a ideia de uma determinada época (l925); enfim, o telefone em si
mesmo é susceptível de fazer parte de um sistema de objetos-signos; da mesma
maneira, uma caneta tinteiro manifesta necessariamente certo sentido de riqueza, de
simplicidade, de fantasia, etc.; os pratos em que comemos todos os dias têm, êles
também um sentido e quando não têm, quando aparentam não, tê-lo, então acabam
precisamente por ter o sentido de não ter qualquer sentido.
Consequentemente, não há objeto que fuja do sentido. Quando se produz esta espécie
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de semanticização do objeto? Quando se inicia a significação do objeto? Responderia
que tal ocorre a partir do momento em que o próprio objeto é produzido e consumido
por uma sociedade de homens, do momento em que é fabricado, normalizado, os
exemplos históricos são numerosos. Por exemplo, sabemos que os soldados da antiga
República Romana jogavam às costas um cobertor contra a chuva, as intempêries, o
vento, etc., naquele momento, evidentemente, não existia a vestimenta como objeto, não
tinha nome, não tinha sentido; era reduzida a puro uso; mas, a partir do dia em que os
cobertores foram cortados, produzidos em série, fornecidos de forma standard, por isso
mesmo tiveram que ter um nome, e aquela vestimenta sem nome tornou-se a "penula"; e
naquele, momento esse vago "agasalho" tornou-se o veículo de sentido "militarismo".
Todos os objetos que fazem parte de uma sociedade têm um sentido; para encontrar
objetos destituidos de sentido, seria necessário imaginar objetos inteiramente
improvisados e, para dizer a verdade, não são encontrados.
Uma famosa página de C., Lévi-Strauss, no "Pense sauvage", relata que a "bricole", a
invenção do objeto por parte de um amador, é ela própria, pesquisa de imposição de
sentido ao objeto; para encon-trar objetos inteiramente im-provisados, teríamos que
chegar a estados de todos associais; pode-se imaginar, por exemplo, que um
vagabundo, improvisando calçados feitos com papel jornal tornar-se-a exatamente o
signo do vagabundo.
Em suma, a função de um objeto torna-se sempre, pelo menos o signo mesmo de tal
função; inexistem, em nossa, sociedade, objetos sem uma espécie de suplemento de
função, uma leve ênfase que faz com que os objetos, pelo menos, sempre signifiquem.
Por exemplo: por mais que eu necessite realmente telefonar, e que por isso possua um
aparelho telefonico sobre a escrivaninha, isto não impedirá que para certas pessoas que
me visitam e que não me conheçam perfeitamente,o telefone funcione como signo, o
signo do fato de eu ser uma pessoa que, por sua profissão, necessita manter contatos e
até este copo, que me servi porque realmente estava com sede, apesar de tudo não
poderá não ser o, próprio signo do conferençista.
Como qualquer signo, o objeto encontra-se no centro de duas coordenadas, de duas
definições. A primeira coordenada ê o que eu chamaria de coordenada simbólica:
qualquer objeto, pode-se dizer, tem uma profun- didade metafórica, remete a um
significado; o objeto tem sempre pelo menos um significado. Eis uma série de imagens
extraidas da publicidade. Aqui está uma lâmpada, e imediatamente compreendemos
que isto significa noite, ou mais exatamente o que é noturno; em uma publicidade
francesa de macarrão italiano, as três cores, branco, vermelho e verde, funcionam
evidentemente como signo de uma certa italianidade; eis a primeira coordenada, a
simbólica, constituida pelo fato de que qualquer objeto é pelo menos, o significante de
um significado. A segunda coordenada é aquilo que eu chamaria de coordenada de
classificação, ou taxinômica (a taxinomia é a ciência das classificações); não vivemos
sem ter em nós, mais ou menos concientemente uma certa classificação dos objetos,
imposta ou sugerida pela nossa sociedade. Tais classificações de objetos são muito
importantes nas grandes empresas ou nas grandes indústrias, quando, se trata, de saber
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como classificar todas as peças, ou todos os parafusos de uma máquina, sendo necessário, portanto, adotar critérios de classificação; existe outra ordem de fatos, onde
classificar os objetos tem grande importância, e se trata de uma ordem extremamente
comum, a grande loja: nela também existe uma certa ideia de classificação dos objetos,
e tal ideia, bem entendido, não é graciosa, comporta certa responsabilidade. Outro
exemplo é fornecido pelas enciclopédias: uma enciclopédia que não siga a ordem
alfabética para classificar as pálavras é necessário adotar uma classificação dos objetos.
Posto, pois, que o objeto é sempre um signo, definido por duas coordenadas, uma
profunda, simbolica e outra em extensão de classificação, quero ora falar brevemente no
sistema semântico dos objetos propriamente dito, serão observações de perspectiva,
pois que uma pesquisa séria, ainda não foi feita.
Existe, com efeito, um notável obstáculo para o estudo, do sentido dos objetos, que eu
chamaria o obstáculo da evidência: se temos que, estudar o sentido dos objetos, temos
que tentar uma espécie de afastamento para objetivar o objeto, estruturar seu te um meio
que qualquer semântico do objeto, pode usar, consistindo em recorrer a uma ordem de
representações onde o objeto seja fornecido ao homem de maneira ao mesmo tempo
espetacular, enfatizante e intencional, que é a publicidade, o cinema e até o teatro.
Para os objetos tratados pelo teatro, lembrarei as indicações preciosas de uma extrema
riqueza de inteligência, que se encontram nos comentários de Brecht a certas direçoes
suas; o comentário mais célebre concerne à direção de "Mãe Coragem", onde Brecht
explica perfeitamente o tratamento longo e complicado que é necessário imprimir a
certos objetos cenográficos, para fazer com que, sinifiquem um determinado conceito:
pois que a lei do teatro é que não basta que o objeto representado seja real, mas
também, que seu sentido seja, de certa forma, afastado da realidade: não basta
apresentar ao público um casaco realmente usado para fazer-lhe significar o consumo,
é necessário que você, diretor invente os signos dos gastos. Se, pois, se recorresse a
esta espécie de "corpus" bastante artificial, mas preciosíssima, como o teatro, o cinema e
a publicidade, poder significado; para tanto,exisse-iam então isolar, no objeto
representado, significantes e significados. Os significantes do objeto são naturalmente
unidades materiais, como todos os significantes de qualquer sistema de signos, vale
dizer cores, formas atributos, acessórios. Indicarei aqui duas situações principais do
significante, em ordem de complexidade crescente: antes de mais nada um estado
simbólico: é o que ocorre, como já disse, quando um significante, ou seja, um objeto,
remete a um único significado: é o caso dos grandes símbolos antropológicos, como por
exemplo, a cruz, ou a meia lua, é provável que a humanidade disponha aqui de uma
espécie de reserva acabada de grandes objetos simbólicos, uma reserva antropológica,
ou ao menos em amplíssima, medida histórica que depende, portanto de uma forma de
ciência ou, de qualquer maneira, de disciplina que poderíamos definir a "Simbólica"; ela
foi em geral muito bem estudada pelas sociedades passadas, através das obras de arte
que empregavam. Mas nós, realmente a estudamos ou pretendemos estudá-las em
nossa sociedade atual? Teríamos que nos perguntar o que resta desses grandes símbolos em uma sociedade técnica como a nossa: desapareceram, transformaram-se,
estão escondidos? São perguntas que poderíamos nos colocar.
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Penso, por exemplo, na publicidade que às vezes se vê nas estradas francesas. É a
publicidade de uma marca de caminhão, e é um exemplo bastante interessante, porque
o publicitário que concebeu o cartaz fez má publicidade, justamente por não pensar o
problema em termos de signos; querendo indicar a longa duração dos caminhões,
representou a palma da mão atravessada por uma espécie de cruz, que para ele
indicava a linha de vida do caminhão; mas estou certo de que,em função das próprias
regras da simbólica, a cruz sobre a mão é entendida como símbolo de morte: até na
ordem trivial da publicidade, seria necessário procurar a organização destas antiquíssima
simbólica.
Outro caso de relação simples, estamos ainda na relação simbólica entre um objeto e
um significado é o caso de todas as relações deslocadas; com isso, entendo que um
objeto percebido em seu conjunto, não significa senão mediante de um de seus
atributos. Temos muitos exemplos: uma laranja, se bem que represente, da inteira,
significa apenasa qualidade de suculento e de refrescante; é o refrescante que é
representado pela representação do objeto, e não o objeto inteiro: há pois, um
deslocação do signo. Quando se representa uma cerveja, não é essencial-mente a
cerveja que constitui a mensagem, é o fato de estar gelada: aqui também ocorre
deslocação. E o que se poderia chamar de deslocação, não mais metonímia, vale dizer
por desuse do sentido. Esta espécie de significações metonímicas são extremamente
frequentes no mundo dos objetos: trata-se por certo de mecanismo muito importante,
porque o elemento significante é ao mesmo tempo perceptível - recebemo-lo de modo
perfeitamente claro mas contudo de alguma maneira afundado, naturalizado naquilo que
se poderia chamar o existir do objeto. Chega-se assim a uma espécie de definição
paradoxal do objeto: uma laranja é, nessa maneira enfatizante própria da publicidade, o
refrescante mais a laranja; a laranja está sempre aí como objeto natural, para sustentar
uma de suas qualidades, que se torna seu signo.
Após a relação puramente simbólica, é preciso examinar todos os, significados anexos a
conjuntos de objetos, a pluralidades organizadas de objetos: são os casos em que o
sentido não nasce de um objeto, mas de um grupo inteligível de objetos: o sentido fica
de algum modo estendido. Ê preciso resguardar-se aqui de comparar o objeto à palavra, em linguística, e o conjunto de objetos à frase: seria um confronto inexato, por que o
objeto isolado já é uma frase, O problema das palavras frases já foi bem esclaredico
pêlos linguistas: quando, no cinema, vemos uma pistola, esta não é o equivalente da palavra com relação a um conjunto maior; a pistola já é em si mesma uma frase,
evidentemente muito simples, cujo equivalente linguístico seria: eis uma pistola.
Em outros termos, o objeto no mundo em que vivemos, jamais está no estado de
elemento de uma nomenclatura. As agregações significativas de objetos são
numerosas, principalmente na publicidade. Mostrei o homem que lê à noite. Há nessa
imagem quatro ou cinco objetos significativos, que concorrem para transmitir um sentido
global único, o de distensão e repouso: o abatjour, o conforto do pulover de lã grossa, a
poltrona de couro, o jornal: o jornal não é livro, não é tão sério, é distraçao; tudo isso
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significa que a noite é possível tomar tranquilamente um cafezinho, sem enervar-se.
Esses agregados de objetos são sintomas, vale dizer fragmentos compostos de signos.
A sintaxe dos objetos, é evidentemente uma sintaxe extremamente elementar, guando se
juntam objetos, não é possível atribuir-lhes coordenações complexas como as da linguagem humana. Na realidade os objetos quer os da imagem, quer os reais em um quarto,
ou em uma rua, estão ligados por uma única forma de conexão, a parataxe: ou seja, a
justaposição pura e simples dos elementos. Esta espécie de parataxe dos objetos na
vida è frequentíssima: é a regra a que se submetem, por exemplo, todos os móveis de
um quarto.
Quais os significados desses sistemas de objetos, quais as informações transmitidas
pelos objetos? Não se pode dar uma resposta ambígua, porque os significados dos
objetos dependem em ampla medida não de quem emite a mensagem, mas de quem a
recebe, ou seja do leitor do objeto. Com efeito, o objeto é polisêmico, vale dizer, oferece
sé facilmente a numerosas leituras de sentido: diante de um objeto há quase sempre
várias leituras possíveis, e não só pela substituição do leitor, como também pela
mutação interna do mesmo leitor. Em outras palavras, cada homem possui, por assim
dizer, diversos léxicos, diversas câmaras de leitura, segundo número das ciências, dos
níveis culturais de que dispõe.
Todos os degraus do saber, da cultura e da situação são possíveis diante de um objeto
ou de um conjunto de objetos. Pode-se até imaginar que diante deles ocorra uma leitura
propriamente individual, pela qual alcançamos o objeto e seu aspecto, o que
poderíamos chamar de nossa própria psique: sabemos que o objeto pode solicitar em
nós, leituras no nível psicanalítico. Isto não invalida a natureza sistemática, codificada do
objeto. Sabemos que mesmo ao se descer no mais profundo do indivíduo, não se foge,
contudo do sentido. Quando o teste de Rorschach é proposto a milhares de indivíduos,
chega-se a uma tipologia bem restrita de respostas: quanto mais se acredita descer
dentro da reação individual, mais se encontram sentidos de algum modo simples e
codificados: qualquer que seja o nível em que os colocamos, constatamos nessa
operação de leitura do objeto, que o sentido sempre atravessa de lado a lado o homem
e o próprio objeto. Existem objetos sem sentido, ou seja casos limite? Creio que não,
Um objeto não significante, no momento em que é recebido por uma sociedade e não
vejo como poderia não sêlo funciona pelo menos como signo do insignificante, significase enquanto insignificante. Ê um caso que pode ser observado no cinema: existem
diretores cuja arte consiste inteiramente no sugerir, pêlos próprios motivos da tese,
objetos insignificantes e toda a sua tarefa consiste em tornar o insignificante significativo;
o próprio objeto descomunal não está fora de sentido, é preciso procurá-lo: existem
objetos diante dos quais nos perguntamos: o que é isso? Trata-se de uma forma
levemente traumatizante, mas esta inquietação, afinal não perdura, e os objetos nos
fornecem, eles próprios uma certa resposta e, por isso mesmo certa satisfação.
Em linhas gerais, em nossa sociedade não existem objetos que não acabem por
fornecer um sentido e reintegrar aquele grande código dos objetos dentro do qual
vivemos. Realizamos uma espécie de decomposição ideal do objeto. Inicialmente
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(sendo tudo isso puramente operativo) constatamos que o objeto se nos apresenta
sempre como útil, funcional: não é senão um uso, o mediador entre o homem e o
mundo; o telefone serve para telefonar, a laranja para alimentar. A seguir, vimos que na
realidade a função serve sempre como suporte de um sentido. O telefone indica uma
certa maneira de atividade no mundo, a laranja significa a vitamina, o suco vitaminado.
Ora, sabemos que o sentido é um processo, não de ação, mas sim de equivalências:
em outras palavras, o sentido não tem valor transitivo, é de certa forma inerte, imóvel;
pode-se dizer, portanto que no objeto há uma forma de luta entre a atividade de sua
função e a inatividade de sua significação. O sentido inativo do objeto torna-o
intransitivo, confere-lhe um lugar fixo naquilo que se poderia chamar de quadro vivente
do imaginário humano. Esses dois tempos, no meu entender, não bastam para explicar
o percurso do objeto: e de meu lado, acrescentaria outro: o momento em que se produz
uma espécie de movimento retrógrado que réconduz o objeto ao signo, à função; de
modo, porém bastante particular.
Com efeito, os objetos não nos dão o sentido que explicitamente declaram. Quando
lemos um sinal de trânsito, recebemos uma mensagem perfeitamente clara; esta
mensagem não joga com a não mensagem, oferece-se realmente como mensagem. Da
mesma forma, quando lemos letras impressas temos consciência de perceber uma
mensagem. Pelo contrário, o objeto que nos sugere um sentido continua permanecendo
aos nossos olhos como objeto funcional: o objeto parece sempre funcional, desde que
o lemos como signo. Acreditamos que uma capa impermeável sirva para proteger da
chuva ainda que leiamos como signo de uma situação atmosférica. Esta última
transformação do signo em função utopística, irreal (a moda pode propor capas que
não protejam absolutamente da chuva) é ao que me parece, um grande fato ideológico,
principalmente na nossa sociedade.
O sentido é sempre um fato de cultura, um produto da cultura: ora, na nossa sociedade,
este fato de cultura é continuamente naturalizado, reconvertido em natureza pela
palavra, que nos faz acreditar em uma situação puramente transitiva do objeto.
Acreditamos viver em um mundo prático, de usos, funções, de total subjugação do
objeto, mas na realidade também estamos, mediante os objetos, em um mundo do
sentido, das razões do álibi: a função faz com que o sentido nasça, dito que seja
exatamente esta conservação da cultura e pseudo-natureza o que pode definir a
ideologia de nossa sociedade.
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