COMPETÊNCIAS RELACIONAIS NA FORMAÇÃO DE JOVENS MACUCH*, Regiane da Silva - PUCPR [email protected] Resumo Dentre as necessidades básicas do homem, ser amado, estimado, reconhecido, aceito e fazer parte de um grupo, são as essenciais. O ser humano é um ser relacional, existe e torna-se pessoa, à medida que se relaciona consigo mesmo e com os outros. Por ser o homem um ser relacional, toda interação humana baseia-se no estabelecimento de relações interpessoais. Este artigo tem por finalidade apresentar um estudo sobre competencias relacionais e a formação de jovens na escola secundária. O termo competências possui um caráter polissêmico, o que provoca e mobiliza diferentes encaminhamentos nos estudos que envolvem essa temática, por esse motivo, tem sido pesquisada em diferentes âmbitos nas ciências da educação, na psicologia, na sociologia e na antropologia. Discutir sobre competências relacionais como um dos elementos constituintes das relações humanas requer explicitar as idéias em torno do processo de hominização e humanização do homem, tendo nos conceitos de autonomia e de cidadania suas bases. Diante da quantidade de informações e da multiplicidade das relações que os jovens vivem hoje, permeados pela velocidade proporcionada pelos avanços tecnológicos em escala ascendente, as competências relacionais se tornam a base para a evolução social. Palavras-chave: Competências Relacionais; Jovens; Formação Cidadã; Socionomia; Sociodinâmica Introdução O ser humano é um ser relacional, existe e torna-se pessoa, à medida que se relaciona consigo mesmo e com os outros. Por ser relacional, toda interação humana baseia-se no estabelecimento de relações interpessoais. Fela Moscovici (1998, p. 34) diz que: Pessoas convivem e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto é, reagem às outras pessoas com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam e sentem atrações, antipatizam e sentem aversões, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afeto. Essas interferências ou reações, voluntárias ou involuntárias, intencionais ou não- * Professora-pesquisadora da Pontífica Universidade Católica do Paraná; Professora da Conttexto – Associação de Psicodrama do Paraná; Psicodramatista-didata-supervisora pela FEBRAP; Doutoranda na Faculdade de Psicologia e Ciencias da Educação da Universidade do Porto- Portugal sob orientação da Professora Doutora Natércia Pacheco; Bolseira do Programa de Bolsas de Alto Nível da União Européia para a América Latina, bolsa nº EO6D103414BR. 4084 intencionais, constituem o processo de interação humana, em que cada pessoa, na presença de outra, não fica indiferente a essa situação de presença estimuladora. Quando um indivíduo começa a participar de um grupo, há diferenças que englobam conhecimentos, opiniões, preconceitos, atitudes, experiências anteriores, gostos, crenças, valores e estilo comportamental, que trazem inevitáveis diferenças de percepção, opinião e sentimento em relação a cada situação compartilhada. Essas diferenças passam a constituir um repertório novo: o dessa pessoa nesse grupo. Em situações de grupo à medida que as atividades e as interações prosseguem, os sentimentos despertados podem ser diferentes dos esperados inicialmente e, então, inevitavelmente, os sentimentos influenciarão as interações e as próprias atividades. Sentimentos de atração provocarão aumento de interação e cooperação, repercutindo favoravelmente nas atividades. Sentimentos de rejeição tenderão a provocar diminuição das interações, afastamento e menor comunicação, repercutindo desfavoravelmente nas atividades. (ROCHA et al, 2003:307). Diante deste panorama, minha perspectiva epistemológica para o estudo dos fenômenos grupais dentro do doutoramento em Ciencias da Educação baseia-se na Socionômia de Jacob Levy Moreno (1972, 1974, 1989 e 1992), com ênfase na Sociodinâmica e na Sociometria dos Grupos. O referido estudo visa investigar a dinâmica relacional de um grupo de jovens numa escola secundária profissional, com o intuito de levantar elementos para a construção de uma proposta de desenvolvimento das competências relacionais, baseada na Sociodinâmica e na Sociometria. Esta pesquisa é motivada pelo interesse em compreender como as atitudes individuais e as coletivas podem ser otimizadas no desenvolvimento de competências relacionais em adolescentes. As perguntas às quais procuro responder são: como podemos otimizar-articular as atitudes individuais com as atitudes coletivas no desenvolvimento das competências relacionais?; Quais são os elementos essenciais para o desenvolvimento das competências relacionais, com base na Sociodinâmica e na Sociometria de Jacob Levy Moreno? Quais são os obstáculos no desenvolvimento das competências relacionais? Quais são os elementos potencializadores das competências relacionais? 4085 Proposição cientifica do problema Pensando o ser humano dentro de uma abordagem sistêmica, vemos um ser multidimensional, que a um só tempo é físico, biológico, psíquico, social, cultural e histórico. Edgar Morin (2000) nos diz que para conhecer o humano é preciso antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. Para ele, todo o desenvolvimento humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à espécie humana. Moreno (1972) propôs o estudo dos fenômenos grupais por meio da Socionomia (do latim socius= companheiro e do grego nomos= lei) buscando apreender e elucidar o fenômeno social “in vivo” tal qual ele se apresenta, por meio de métodos diretos e experimentais. Todos os processos de hominização e humanização do ser humano passam pelo desenvolvimento de competências relacionais. Ao propormos um estudo sobre competências relacionais, como um dos elementos constituintes das relações humanas vemos nos conceitos de autonomia e de cidadania as bases para a evolução social. O termo competências possui um caráter polissêmico que provoca e mobiliza diferentes encaminhamentos nos estudos que envolvem sua temática, por esse motivo, tem sido pesquisada em diferentes âmbitos nas ciências da educação, na psicologia, na sociologia e na antropologia. Competência ou competências? O termo competência, etimologicamente, é originário do latim compétentia e significa o que está para vir, o que está para se manifestar (HILLAU, 1994, p. 62). Em consulta a Enciclopédia livre Wikipedia (2006), encontramos que competência integra as diversas dimensões humanas quando se trata de desenvolver uma atividade. O conjunto de crenças e valores subjacentes, em tudo que realizamos, vai determinar um modo de ser, um modus operandis do indivíduo no mundo. É exatamente este modo de ser, justificado pelas crenças, que vai determinar o grau de motivação para realizar uma dada atividade. A competência se expressa, portanto, pelo modo singular, como uma habilidade é operacionalizada e aí os processos de auto-estima e de identificação do sujeito da ação determinam diferentes graus de competência. A Competência engloba os conhecimentos, as habilidades e o modo singular presentes na realização humana. Em nosso estudo, utilizamos o termo no plural, ou seja, competências. 4086 Porque competências relacionais e não inteligência relacional? Segundo Salovey e Mayer (1990) a Inteligência Emocional é “a habilidade de perceber emoções, de alcançar e gerar emoções para ajudar ao pensamento, de compreender emoções e de regular emoções para promover o crescimento emocional e intelectual”. Em seus estudos, os autores apresentam cinco domínios para a Inteligência Emocional: conhecer as próprias emoções, lidar com emoções, motivar-se, reconhecer emoções nos outros e lidar com os relacionamentos. Maria da Penha Nery (2003), num artigo intitulado - As inteligências emocional e relacional – nos diz que a inteligencia relacional apresenta nossas atitudes e comportamentos em relação ao outro e o outro em relação a nós. Ela está associada à percepção adequada mútua, produzindo a co-criação e o bem estar dos envolvidos. Para o desenvolvimento da inteligencias relacional é importante voltarmos o olhar para as ações, reações e formas relacionais. Algumas questões facilitam esse caminho: conseguimos nos imaginar no lugar do outro? Que ações são desencadeadas por nós e pelos outros, quando as necessidades são contrariadas? O que experimentamos quando vemos no outro o que não queremos ver em nós? Qual é nossa reação quando invejamos o sucesso do próximo? Quando um conflito não é resolvido, como expomos a agressividade? Há contenção, silêncio, exclusão, indiferença, violência, crítica severa? A inteligência está focada no indivíduo e as competências se constroem na relação indivíduo-outro-coletivo. As competências relacionais se expressam pela capacidade de o indivíduo se relacionar com o mundo ao seu redor, ou seja, expressam o jogo das interações sociais. Em se tratando de “competências relacionais”, mais do que nunca, elas se inserem no âmbito do inter, ou seja, não pertencem exclusivamente ao indivíduo, mas também, ao coletivo, visto que ninguém é competente relacionalmente sozinho e que a sociedade se organiza por meio de suas redes relacionais. O ser adolescente É oportuno também, tecermos algumas considerações sobre o sujeito com o qual estamos interagindo nesta pesquisa: o adolescente. Em recentes pesquisas sobre o sujeito na situação de adolescência consideram que a adolescência é uma construção histórica, como resultante da configuração cultural, social e econômica da modernidade (CALIL, 2003). Nesse sentido, os comportamentos considerados característicos dos adolescentes tais como os conflitos, a rebeldia, a indefinição de identidade e um sentimento de onipotência, não são 4087 universais, mas assumidos por eles e resultante dos processos históricos de socialização da modernidade ocidental. Consideramos, portanto, que por ser tomada como uma fase “transitória”, a análise das problemáticas emergentes neste período da adolescência são fundamentais para entendermos as possibilidades e os limites de uma formação que não esteja tão fortemente alicerçada em modelos pré-estabelecidos, indicando aspectos para a constituição de novas identidades, de novos sujeitos. A socionomia A Socionomia, criada por Jacob Levy Moreno (1992) nos fornece referencial sobre a importância em se compreender o sujeito em situação, por meio das suas relações com o mundo. A socionomia surgiu como algo mais que uma teoria sociológica, pois se propunha como uma revisão de antigas correntes e visava a transportar suas complexas elaborações teóricas para o nível da realidade vivida no cotidiano, perseguindo no presente e por meio de investigações diretas, o complexo estrutural dos intercâmbios e das interações humanas, tal como se realizava, se cristalizava ou se transformava na realidade concreta e como esta era vivida e produzida por cada sujeito humano. (NAFFAH NETO, 1979, p.120) Dentro da Socionomia Moreno (1992) explicita três perspectivas interdependentes, mas complementares, a Sociometria, a Sociodinâmica e a Sociatria para apreender o fenômeno social em suas dimensões básicas: a estrutura, a dinâmica e as transformações. A Sociometria é o ramo científico da Socionomia que objetiva estudar as normas e organização das redes sociais psicológicas quer seja de um pequeno, quer seja de um grande grupo. A Sociodinâmica é o ramo da Socionomia que se ocupa do funcionamento das relações entre os indivíduos, de como elas ocorrem e que modificações podem ser introduzidas nas relações de aprendizagem, seja na aquisição de conhecimentos ou no desempenho de papéis sociais nas diversas áreas. A Sociatria é o ramo científico da Socionomia que tem por objeto a terapêutica das relações. Nesta pesquisa, nos aprofundamos na Sociodinâmcia e na Sociometria pelo caráter educacional que o estudo exige. 4088 A Sociodinâmica A sociodinâmica tem por objeto o estudo, o diagnóstico e a intervenção nas relações sociais tendo em vista o vínculo entre os papéis sociais e seus respectivos complementares. Para Ortega y Gasset (s./d.), o homem é um núcleo individual somado às suas circunstâncias. “Eu sou eu, mais as minhas circunstancias”. Ou seja, qualquer um de nós é sempre o mesmo mas, se relaciona com o mundo em circunstâncias diferentes e, em cada circunstância, relaciona-se diferentemente. Aqui, enfocamos as relações de umas pessoas com as outras. Esse contato social dá-se numa relação dialógica através de papéis – papéis sociais, como, por exemplo: quando a circunstância social é a relação filial, essa relação acontece através dos papéis filho/mãe ou filho/pai; se a circunstância é a conjugal, os papéis são marido/esposa; na circunstância de aprendizagem, os papéis são aluno/professor , vice-versa e assim por diante. Essa constatação determina que, embora eu exista e seja o mesmo em qualquer circunstância, minhas relações manifestam-se diferentemente, de acordo com as exigências presentes naquele momento e através do papel social adequado. Em conseqüência, o que dá funcionalidade aos meus papéis sociais são os correspondentes complementares. Assim, o que me faz funcionar como esposa é o marido; o que me faz funcionar como professora é o aluno e vice-versa. A Sociometria A Sociometria, definida por Moreno (1974, p. 39) como a “ciência da medida do relacionamento humano e o que constitui sua originalidade é o fato de que a medida (metrum) aparece somente como um meio técnico bem delimitado para alcançar melhor as relações qualitativas com o socius. Naffah Neto (1979 , p. 24). Na Sociometria, o socius recebe uma importância maior que o metrum. A Sociometria tem por objeto o estudo das redes sociais subjacentes. Nos grupos sociais, sejam grandes ou pequenos, há dois níveis quanto às relações: o primeiro é o nível aparente e observável; o segundo é o nível subjacente, psicológico. A sociometria torna cientificamente detectável as redes relacionais que se formam por meio de um método específico para esse fim. Para Silva Junior (1997) é do segundo nível que se ocupa a Sociometria, pois ela entende que o conteúdo emocional que preside as redes psicológicas é o que determina os fenômenos relacionais das redes sociais. Moreno considera que os procedimentos sociométricos possibilitam reconhecer a estrutura relacional básica dos grupos, sendo que uma das modalidades do método 4089 sociométrico consiste em revelar essa estrutura social subjacente, por meio do registro dos movimentos no espaço relacional. Para estudar os fenômenos grupais, Moreno (1972, p. 83-91) propõe como método de investigação o teste sociométrico, a fim de levantar as estruturas sociais entre os membros de um grupo. São utilizados conceitos como “escolha” e “rejeição”. O teste sociométrico consiste em pedir ao sujeito que escolha, no grupo ao qual pertence ou ao qual poderia pertencer, os indivíduos que quer ter como companheiros. Todos os membros do grupo fazem suas eleições, obtendo-se com ele “... uma perspectiva de conjunto das estruturas do grupo tal como aparecem aos olhos de seus membros...” A avaliação sociométrica, mais conhecida,o “teste sociométrico” visa estudar as redes psicológicas reais dos grupos. Conforme a Sociometria explica, as relações em um grupo têm dois níveis, um aparente, manifesto, observável e outro subjacente, psicológico, não observável. É esse nível subjcente, psicológico que determina o comportamento dos grupos e dos indivíduos nos respectivos grupos. Como as redes relacionais psicológicas se estabelecem por atração e rejeição (ou seja um fator qualitativo, emocional) o teste sociométrico possibilita que se detecte essa rede, convertendo o qualitativo em quantitativo e permitindo visualizar tanto a situação individual de cada elemento do grupo, como as relações positivas, as relações negativas, os pontos de conflito e muitos outros eventos sociométricos. Essa conversão dá-se por meio da aplicação de dois questionários: no primeiro pergunta-se a cada componente do grupo quem ele escolhe, que ele recusa e quem lhe é indiferente para realizar uma tarefa, ou um jogo ou uma prática de convivência (ao que se denomina critério); no segundo, é perguntado a cada elemento quem ele percebe que o escolheu, quem ele percebe que o recusou ou quem lhe lançou um sinal indiferente para realizar o mesmo critério escolhido (tarefa, lazer ou convivência). Esses dados (indicações objetivas e indicações perceptuais) são analisados para posterior utilização de otimização das competênciais relacionais dos grupos e de seus participantes. O Projeto Socionômico Todo o projeto socionômico de Moreno sustenta-se em três referenciais teóricos básicos: a teoria da espontaneidade-criatividade, a teoria do fator tele e a teoria de papéis, conforme cita Garrido Martin (1984, p 119) “dois eixos polarizam a teoria de Moreno relativa à pessoa humana: a espontaneidade em sua dimensão individual e o fator tele em sua projeção social. Ambas se conjugam no eu tangível, o que fundamenta sua teoria do papel”. 4090 Espontaneidade é a capacidade de responder adequadamente a um estímulo novo ou a faculdade de responder de maneira nova e adequada a um velho estímulo. Segundo Menegazzo (1995, p. 65) a criatividade é “disponibilidade do ser humano para o ato criador, assim considerando qualquer ato que acarrete uma transformação integradora, no sentido do crescimento e da maturação, naquele que o realiza e também no meio que o rodeia” . Moreno (1978, p. 160) relaciona o conceito de espontaneidade ao de criatividade. A criatividade é indissociável da espontaneidade. Assim, produção de criatividade tende a plasmar no indivíduo novos modos de ser, de desempenhar papéis e de se vincular. O fator t [tele] diz respeito ao vínculo que se estabelece nas relações interpessoais e à qualidade desse vínculo. É o fator que sedimenta o vínculo entre duas pessoas. A tele para Moreno (1972) tem um aspecto conativo e outro cognitivo. O aspecto conativo se relaciona com o desenvolvimento do telencéfalo e a maturação dos sentidos visual e auditivo, os quais possibilitarão a discriminação de tempo e de espaço no ser humano. A má formação desse aspecto terá como conseqüência a falta de controle para as experiências sensíveis, fazendo com que a tele seja distorcida quanto à organização de tempo e de espaço da realidade própria e do outro. Essa distorção pode levar a mudanças bruscas de manifestação emocional, levando a relações equivocadas ou transferenciais. O aspecto cognitivo da tele se relaciona com o desenvolvimento do sentimento de contato com outras pessoas, evoluindo para a possibilidade da relação a distância. Com o término da mielinização do sistema límbico e o desenvolvimento da capacidade perceptual as possibilidades de escolhas e de rejeições passam a ser bem claras, formando-se uma zona de confusão emocional entre o que o outro comunica verbalmente e suas atitudes. Aí se produzem as relações conflitantes de caráter incongruente, de oposição de sentimentos, de duplo vínculo. Tele é a percepção global da realidade circundante. Vários estudos ainda se realizam acerca de tele: como fator intrapsíquico que proporciona um potencial télico para o indivíduo manter contatos e vínculos télicos e como fator relacional que determina a qualidade do vínculo entre duas pessoas. Para Bustos (1979, p. 17) tele implica em um conceito existencial e totalizador, intelectivo, afetivo, biológico e social. Ao abandonar o acaso em nossa infância começa a seleção. Buscamos sociometricamente aqueles que complementem positivamente nossos objetivos, rechaçamos outros ou permanecemos indiferentes à terceiros. Quando se dá o encontro, existe a certeza e não são necessárias verbalizações de confirmação. Para o referido 4091 autor, tele é um fenômeno da interação. Este fenômeno inclui a percepção, a transferência e a empatia; supõe a mutualidade e a complementaridade; implica em coesão. Almeida (1988) correlaciona os postulados do método fenomenológico identificando nos processos de intuição, intencionalidade e intersubjetividade o fator tele. Danúzio Carneiro ( s./d., p.) diferencia tele de transferência por três grandes aspectos: Primeiro. O tele está ancorado em mecanismos vinculados à realidade, sendo por isso o fator que permite uma relação humana verdadeira, autêntica. A transferência se baseia num processo fantasioso, o que resulta numa relação humana falsa, inautêntica. Desse modo, pode-se ainda dizer que, de acordo com a concepção existencialista de Martin Buber, o tele seria o protótipo da relação Eu-Tu, enquanto a transferência seria da relação Eu-Isso. Segundo. O tele está ligado a fatores que dão estabilidade intra e inter psíquica. A transferência, como conseqüência de um mecanismo intrapsíquico instável, resulta em instabilidade interpessoal. Tudo isso, como diz Moreno, faz com que o tele seja o fator de agregação, e a transferência o de desagregação grupal. Terceiro. O tele, que inclui a empatia e a simpatia, é o elemento saudável que aproxima e une os seres humanos. A transferência perturba, tornando patológicas as relações desses mesmos seres humanos. Papel vem do termo inglês role, originado de uma palavra derivada do latim, rotula. Nos séculos XVI e XVII, as “falas” das personagens teatrais eram lidas em ‘rolos’ ou fascículos de papel. A fonte inspiradora da teoria dos papéis de Moreno veio do teatro. O termo "papel" em psicodrama não tem originalmente conotações psicológicas ou sociológicas. Moreno define o papel como sendo “a menor unidade observável de conduta”, colocando este conceito como ponto de partida para o estudo do ser humano. Rubini (1995, p. 217) diz que: A teoria psicodramática dos papéis leva o conceito de papel a todas as dimensões da existência humana, desde o nascimento e ao longo de toda a vida do indivíduo, enquanto experiência pessoal e modalidade de participação social. Situa-se no conjunto da teoria moreniana que sempre se refere ao homem em situação, imerso no social, buscando transformá-lo através da ação. O conceito de papel, que pressupõe interrelação e ação, é central nesse conjunto articulado de teorias, imprescindível, sobretudo, para a compreensão da teoria e prática do psicodrama. Moreno (1989) distingue três tipos de papéis, a saber: os psicossomáticos são os papéis que estão relacionados às funções fisiológicas do indivíduo; os psicodramáticos são os papéis que correspondem à dimensão psicológica do indivíduo e vão constituir seu mundo da fantasia; e os sociais que dizem respeito à realidade e que guardam relação com a cultura, ou seja, são os papéis que o indivíduo aprende durante seu processo evolutivo, e, que possuem sempre um complementar. Os papéis passam por um processo de desenvolvimento que abrange três etapas distintas, a tomada de papel (role-taking) que consiste na imitação de um papel, a partir de 4092 modelos; o jogo de papel (role-playing)é a exploração simbólica da representação; e a criação do papel (role-creating) consiste no desempenho espontâneo e criativo de um papel. Elementos do trabalho de campo Moreno propôs estudar e tratar o homem sem tirá-lo de seu meio social, propõe o estudo das microssociedades. [...] Chama a atenção para a dinâmica dos pequenos grupos, que reunidos, constituem as grandes massas [...] (FONSECA FILHO, 1989, p. 9) Para Moreno (1974, p. 33) o “qualitativo” e o “quantitativo”, sempre que possível, devem ser tratados como uma unidade. Esta pesquisa de caráter qualitativo, está associada a uma investigação experimental, baseada na metodologia sociopsicodramática e estuda a dinâmica relacional dos jovens alunos de uma escola do ensino secundário profissionalizante na cidade do Porto, Portugal. A pesquisa está na fase de recolha de dados e o acompanhamento ocorre desde o momento em que os jovens se inscreveram para o processo seletivo de admissão aos cursos ofertados pela escola. Considerações acerca do estudo Para Paulo Freire (1996) não podemos encarar a educação a não ser como um quefazer humano. Que-fazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens, uns com os outros. Para ele, a "posição fundamental", do homem como ser no mundo e com o mundo, é a mesma de Gabriel Marcel (1973, p.149), a do “ser-em-situação”. Um ser articulado no tempo e no espaço, que sua consciência intencionada capta e transcende. Diante dos fenômenos grupais, a educação vista também como um fenômeno humano e, portanto relacional, nos remete a uma definição de ser humano e de sujeito no e com o mundo. Assim, a condição humana deveria ser o objeto essencial de todo o processo educacional. Compete à educação desenvolver a capacidade de construção e de adaptação à mudança, buscando sempre as duas vertentes constitutivas básicas do ser humano: a individualidade e a socialização. E, ao educador cabe compreender o fenômeno grupal, para que possa dar conta de sua especificidade enquanto profissional das ciências humanas e sociais. Dada a quantidade de informações e a multiplicidade das relações que os adolescentes vivem hoje, permeados pela velocidade proporcionada pelos avanços tecnológicos em escala ascendente, as competências relacionais se tornam a base para a evolução social. 4093 Portanto, como perspectiva futura, este estudo visa organizar uma proposta de desenvolvimento de competências relacionais no âmbito da formação de cidadania. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Wilson Castelo. Formas do Encontro: psicoterapia aberta. São Paulo: Agora, 1998. BUSTOS, Dalmiro. O teste sociométrico: fundamentos, técnica e aplicações. São Paulo: Brasiliense, 1979. CALIL, Maria Isabel. De menino de rua a adolescente: análise sócio-histórica de um processo de ressignificação do sujeito. In: OZELLA, Sergio (Org). Adolescências construídas: a visão da psicología sócio-histórica. São Paulo: Cortez, 2003. CARNEIRO, Danuzio (s/d). Grupo: esquema estrutural e dinâmica grupal. 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Agradecimentos Programa Alßan de bolsas de estudo de alto nível destinado à América Latina – União Européia Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade do Porto - Portugal Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Brasil Conttexto—Associação de Psicodrama do Paraná – Brasil