O Suchi e o intestino dos japoneses

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O Suchi e o intestino dos japoneses
Comemos o que somos capazes de digerir ou digerimos o que temos o hábito de comer? Darwin apoiaria a
primeira metade da sentença, Lamarck a segunda. Lamarck acreditava que as características adquiridas por um
indivíduo eram transmitidas aos descendentes. Para ele a girafa tem pescoço longo porque durante gerações
esticou o pescoço tentando comer as folhas do alto das árvores. Darwin alterou a lógica do argumento. Propôs que
novas características surgem por acaso, independentemente do comportamento do animal, e são selecionadas
quando benéficas. As girafas que possuem um pescoço mais longo, por alcançarem facilmente o alimento no topo
das árvores, se alimentam melhor. Conseqüentemente deixam mais descendentes. O resultado deste processo de
seleção é que ao longo de gerações o tamanho do pescoço das girafas aumenta. Recentemente, quando um grupo
de cientistas concluiu que a população japonesa é capaz de digerir algas simplesmente porque esta planta faz parte
de sua dieta, muitos se assustaram imaginando que as idéias de Lamarck estavam de volta.
Tudo começou quando um grupo de cientistas tentava descobrir como a bactéria Zonbelia galactanivorans era
capaz de digerir um polímero de açúcar chamado porphyran. A Zonbelia vive na superfície de algas marinha ricas
neste polissacarídeo como por exemplo a alga Nori, utilizada na preparação do sushi. O resultado desta
investigação foi a descoberta da primeira enzima capaz de degradar o porphyran. A enzima recebeu o nome de
porphyranase e teve seu gene seqüenciado. De posse da seqüência de DNA os cientistas tentaram descobrir se
seqüências semelhantes já haviam sido detectadas em outros organismos. Para sua surpresa a única seqüência
parecida havia sido isolada de uma bactéria presente no intestino humano (Bacteróides plebeius). Quando os
cientistas foram investigar a origem desta amostra de Bacteróides plebeius, descobriram que ela havia sido isolada
no Japão. Intrigados resolveram investigar o intestino de pessoas de diversos países à procura de cepas de
Bacteróides plebeius contendo a enzima porphyranase. Descobriram que somente a população japonesa tinha em
seu intestino variedades de Bacteróides plebeius capazes de produzir porphyranase.
Mas como este gene, presente em um organismo marinho, chegou no intestino dos japoneses, e somente dos
japoneses? Os cientistas acreditam que a população japonesa, ao ingerir uma grande quantidade de algas todos os
dias (em media 14,2 gramas por dia por pessoa), ingere junto com as algas bactérias marinhas capazes de produzir
a enzima. A convivência, mesmo que por tempo limitado, entre as bactérias marinha e as bactérias intestinais
permitiu que os genes da porphyranase acabassem transferidos das bactérias marinhas para as bactérias presentes
no intestino da população japonesa. Ao longo dos anos estas cepas contendo porphyranase se espalharam na
população japonesa. A conclusão é que a população japonesa, ao ingerir algas, se tornou capazes de digerir este
alimento. Foi desta forma indireta que os japoneses adquiriram sua capacidade de digerir os polissacarídeos de
algas. Se não soubéssemos como este gene chegou ao intestino dos japoneses poderíamos imaginar que pelo
menos no Japão, Lamarck tinha razão.
Mais informações: Transfer of carbohydrate-active enzymes from marine bacteria to Japanese gut microbiota.
Nature vol. 464 pag. 908. 2010
Fernando Reinach ([email protected])
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