GRUPO DE ALTO NÍVEL SOBRE OS RECURSOS PRÓPRIOS Síntese e Recomendações Mario Monti, Chairman Daniel Dăianu Clemens Fuest Kristalina Georgieva Ivailo Kalfin Alain Lamassoure Pierre Moscovici Ingrida Šimonytė Frans Timmermans Guy Verhofstadt Dezembro de 2016 Síntese Génese e missão do Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios (HLGOR) e primeiro relatório de avaliação O Grupo de Alto Nível sobre os Recursos Próprios foi instituído para analisar de que forma o lado das receitas do orçamento da UE pode tornar-se mais simples, transparente, equitativo e democraticamente responsável. O primeiro relatório de avaliação que o grupo apresentou no final de 2014 analisou de perto o atual sistema de recursos próprios, no que diz respeito aos seus aspetos positivos e às melhorias substanciais necessárias, em termos de receitas e de despesas. Foram desenvolvidos critérios para aferir os progressos realizados e foram formuladas perguntas para orientar uma análise mais aprofundada, ultrapassando a análise técnica normal das diferentes fontes de rendimento e abordando as implicações processuais e jurídicas e a interdependência política e institucional. No decurso das deliberações do HLGOR que tiveram lugar em 2015 e 2016, a urgência e a importância desta análise foram sublinhadas por múltiplas crises que serviram como sinal de alerta para a necessidade de uma cooperação muito mais estreita a nível da UE: a crise dos refugiados colocou em grande evidência as lacunas do espaço Schengen de livre circulação; os múltiplos atentados terroristas ocorridos em 2015 e 2016, principalmente em França, revelaram que se tinham tornado imperativas mais ações de cooperação para assegurar a segurança interna e externa dos Estados-Membros; e, não menos importante, os riscos existenciais associados às alterações climáticas globais lembram que a UE é uma comunidade de destino comum numa perspetiva de longo prazo e que, quando esta comunidade fala a uma só voz e se compromete relativamente a objetivos comuns, pode influenciar soluções mundiais. A UE deparou-se com grandes dificuldades em dar resposta a estes desafios e redirecionar a capacidade de ação da UE nos últimos anos, o que veio sublinhar a importância crucial dos recursos financeiros para a resolução de questões prementes a nível interno e externo. A introdução e a parte I do relatório explicam por que razão é essencial um orçamento da UE operacional. Apresentam as razões que justificam uma reforma substancial, em que as alterações no lado das receitas fazem parte integrante de uma maior reconfiguração do quadro financeiro plurianual (QFP). O relatório refere igualmente quais os aspetos do sistema atual que funcionam bem e devem ser mantidos. As características específicas do orçamento da UE, do QFP e do sistema de recursos próprios em comparação com os sistemas nacionais A observação de que o orçamento da UE é uma construção «sui generis» não constitui uma manobra de dissimulação da sua complexidade. No decurso dos debates do HLGOR, rapidamente se tornou evidente que grande parte das severas críticas, desconfiança e, por vezes, mesmo decisões incorretas resultam da premissa errada de que o orçamento da UE é «apenas» um 29.º orçamento «de Bruxelas». Esta ideia ignora o facto de as opções relativas ao orçamento da UE serem, em grande medida, assumidas num ótica de médio prazo. O orçamento da UE é essencialmente um orçamento de investimento com algumas funções de redistribuição entre os Estados-Membros. Serve principalmente para apoio das políticas e objetivos comuns da UE, subjacentes à aplicação do acervo comunitário numa base plurianual, e proporciona capital de constituição para investimentos de médio a longo prazo. A flexibilidade e a influência para intervenção em crises de curto prazo continuam a ser um ponto fraco que deve ser claramente abordado. O orçamento é demasiado pequeno para uma efetiva estabilização económica anticíclica e uma redistribuição substancial, que são pilares dos orçamentos nacionais, ou para o que a ciência económica exigiria de um orçamento «federal». Por último, o orçamento deve ser sempre adotado como um orçamento em situação de equilíbrio, o que condiciona o sistema de receitas. Devido a esta exigência, as receitas têm sempre de cobrir as despesas votadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho em cada ano (ex ante ao nível das dotações de pagamento). Isto significa que o orçamento da UE não pode ter um défice anual, não é financiado pela contração de empréstimos nos mercados financeiros e, por conseguinte, não cria dívida pública. A fim de equilibrar as necessidades em evolução do lado das despesas com os riscos do lado das receitas, a taxa de mobilização uniforme para uma contribuição residual e compensatória baseada no rendimento nacional bruto (RNB) é periodicamente adaptada a fim de cobrir as necessidades exatas. Este último ponto é fundamental para a compreensão das consequências de uma reforma dos recursos próprios, de acordo com as recomendações apresentadas pelo HLGOR. Receitas excecionais como as multas da concorrência ou direitos aduaneiros superiores ao previsto não conduzem a possibilidades adicionais de despesas, mas sim a uma redução das contribuições baseadas no RNB. O nível de dotações autorizadas anualmente, os limites máximos do QFP e o limite máximo de recursos próprios são salvaguardas vinculativas em matéria de disciplina orçamental. O presente relatório incide no que pode ser objeto de reforma no âmbito da atual estrutura institucional, tendo em conta o facto de as competências orçamentais continuarem a situar-se a nível nacional e a restrição geral de neutralidade orçamental, de modo a que a reforma prevista dos recursos próprios não crie uma maior carga fiscal para os cidadãos da UE. Conceitos e definições, valor acrescentado europeu, saldos líquidos O relatório clarifica questões conceptuais e conceitos essenciais, sobretudo para explicar as diferenças entre um «imposto europeu», recursos próprios (alguns mais «verdadeiros» do que outros) e outras fontes de receitas. Os tratados não conferem à UE competências para cobrar impostos, mas dotam a União de «recursos próprios» para atingir os seus objetivos (artigo 311.º do TFUE), respeitando simultaneamente as prerrogativas orçamentais dos Estados-Membros. Os recursos próprios da UE são infelizmente interpretados no quadro dos orçamentos nacionais de muitas maneiras. Este facto torna quase impossível a comparação entre Estados-Membros e tem como resultado um enviesamento conceptual em que os recursos próprios são, de facto, considerados uma transferência nacional ou uma rubrica 2 de «custos», e não um recurso «detido» pela UE. Um primeiro passo no sentido de mais transparência será, por conseguinte, reconhecer os recursos próprios pelo que são, e prever uma apresentação clara e uniforme das contribuições dos orçamentos nacionais para a UE. O relatório analisa ainda a forma como o conceito de valor acrescentado europeu - que pode ser definido como o valor adicional resultante de uma intervenção da UE face ao valor que teria sido criado apenas com base na ação do Estado-Membro - pode orientar as futuras decisões orçamentais quanto ao lado das despesas. Tendo em conta as mais recentes tendências e desenvolvimentos das políticas da UE, a análise leva-nos a concluir que o orçamento da UE não está tão desatualizado quanto possa parecer, tendo sofrido alterações consideráveis, mas ainda não está suficientemente focalizado nas tarefas que gerariam o maior valor acrescentado europeu. O que é chocante e insustentável é que, no que se refere aos dados de base que cada Estado-Membro utiliza para definir a sua posição nas negociações orçamentais: o seu saldo orçamental, o valor acrescentado europeu é completamente ignorado. Os saldos orçamentais são calculados mediante a simples dedução às suas contribuições nacionais do que é afetado a um Estado-Membro no lado das despesas. De acordo com este método, cada euro gasto num país é considerado um «custo» para todos os outros. Por conseguinte, ignora inteiramente qualquer valor acrescentado europeu decorrente das políticas da UE que beneficiam alguns ou todos os Estados-Membros. O cálculo do «benefício» que cada pais retira do orçamento da UE não é o que é condenável; trata-se de um exercício natural ou, pelo menos, inevitável. O que induz em erro e causa danos à UE e aos próprios Estados-Membros é que um indicador parcial e enviesado passa a ser a única medição da relação custos-benefícios. O relatório defende que deve ser procurada uma medição mais ampla do benefício coletivo das políticas da UE, das sinergias económicas, dos efeitos transfronteiras e dos resultados externos positivos. Tal não só será mais preciso, mas permitiria ultrapassar o dilema da «contrapartida justa» que transformou o orçamento da UE e, por extensão, a UE, num «jogo de soma zero» em vez do acordo mutuamente vantajoso que deve ser. Uma vez que este método foi introduzido para calcular a correção a favor do Reino Unido, a saída do Reino Unido da UE e a supressão dessa correção – bem como dos «abatimentos relativos à correção» — proporcionam uma oportunidade única para analisar a forma como medir os custos e benefícios reais da UE. A parte II analisa as bases para uma reforma global e as opções possíveis O grupo trabalhou de acordo com um conjunto de critérios para avaliar e comparar diferentes tipos de fontes de receitas. A maior parte deles são consensuais e de aplicação universal às receitas fiscais, tais como a eficiência, a suficiência e a estabilidade das fontes de receitas. Outros, como a equidade, são mais difíceis de compreender a nível da UE devido a uma outra diferença essencial para os orçamentos nacionais: no âmbito do atual sistema, os Estados-Membros são os únicos contribuintes para o orçamento da UE, e não os 510 milhões de cidadãos da UE que contribuem apenas indiretamente. Por esta razão e de um modo geral, os Estados-Membros apoiam firmemente o recurso próprio baseado no RNB, que é considerado o parâmetro de referência de partilha equitativa dos encargos. 3 No entanto, tal como é atualmente executado, juntamente com as correções e reduções concedidas a alguns Estados-Membros, resulta efetivamente num sistema «regressivo». Esta circunstância, considerada em relação à responsabilização democrática, é problemática. Olhando para o orçamento da UE do ponto de vista dos cidadãos contribuintes, ou dos consumidores do mercado único, isso conduziria a um conceito diferente de «equidade», conducente a novas formas de equivalência orçamental. Alguns critérios são mais específicos da UE, tais como o valor acrescentado europeu e a subsidiariedade, que exigem que as matérias coletáveis com maior mobilidade sejam objeto do nível mais alto de governação a nível europeu, dado a respetiva imposição a nível nacional estar a tornar-se cada vez menos eficiente devido ao receio de concorrência fiscal. Este imperativo de lógica orçamental é, no entanto, mais difícil de aplicar ao sistema de recursos próprios. Por último, o relatório defende firmemente a existência de novos recursos próprios que possam ajudar a realizar algumas políticas e os objetivos políticos da UE, em especial a sustentabilidade económica, social e ambiental. Alguns impostos ou taxas específicos para lutar contra as alterações climáticas ou fomentar a eficiência energética, por exemplo, há muito que foram reconhecidos a nível nacional como uma forma de promover as preferências políticas através da tributação. Poderia ser adotada uma abordagem similar caso fosse introduzido um imposto coordenado nos Estados-Membros, e algumas das suas receitas fossem atribuídas ao orçamento da UE. Participaria assim numa política da UE. Habituámo-nos a que o nível da UE exprima as opções políticas principalmente através de despesas e subsídios. Ao relacionar melhor os recursos próprios (ou outras receitas) com políticas comuns, esta tendência enviesante poderia ser retificada. O relatório confirma a conclusão anterior de que não há qualquer opção ideal única, apenas várias opções adequadas Paralelamente aos elementos do sistema atual que funcionam bem e devem ser mantidos, e aos que devem ser abandonados, o grupo examinou em pormenor várias novas eventuais fontes de receitas que foram igualmente identificadas pela maior parte dos analistas e académicos. Nesta base, uma reforma abrangente e viável do sistema de recursos próprios poderá basear-se numa combinação de novos recursos resultantes das políticas de produção, consumo e ambiente. Nesta fase, afigura-se mais construtivo apresentar um vasto leque de fontes de receitas com as qualidades requeridas em vez de criar uma resistência desnecessária a qualquer opção específica. - Eventuais novos recursos próprios relacionados com o mercado único e a coordenação orçamental dizem respeito a um recurso próprio IVA reformulado (em substituição do existente), um imposto da UE sobre o rendimento das sociedades e um imposto sobre as transações financeiras e outras atividades financeiras. Estes candidatos teriam a vantagem de contribuir para um melhor funcionamento do mercado único e, especialmente no caso do IVA e do imposto sobre o rendimento das sociedades, promover uma tributação mais justa e ajudar a combater a fraude ou a evasão fiscal, para além do financiamento do orçamento da UE. - Os candidatos relacionados com a União da Energia e as políticas de ambiente, ação climática ou transportes incluem um imposto sobre emissões de CO2, as receitas do regime europeu de comércio de licenças de emissão, um imposto sobre a eletricidade, 4 uma taxa sobre os combustíveis automóveis (ou impostos especiais sobre o consumo de combustíveis fósseis, em geral) e tributação indireta de bens importados produzidos em países terceiros com emissões elevadas. Estes candidatos também contribuiriam para um melhor funcionamento do mercado único se limitassem a proliferação de tais impostos de forma descoordenada, e criassem uma ligação entre o financiamento do orçamento da UE e as políticas da UE. Por último, os recursos próprios não são a única fonte possível de receitas para a UE. A categoria de outras receitas tem sido negligenciada em anteriores reflexões, mas poderá tornar-se um elemento complementar do conjunto do financiamento. Outras receitas decorrem diretamente do direito derivado da UE e poderão dizer respeito ao controlo das fronteiras, ao mercado único digital, à proteção do ambiente ou à eficiência energética (como os prémios sobre as emissões excedentárias para os veículos automóveis, já previstos). Alguns dos candidatos a novos recursos próprios mencionados anteriormente poderiam igualmente ser candidatos a «outras receitas», consoante a forma jurídica prevista e o eventual compromisso político. A parte III analisa as pistas práticas futuras, tais como a diferenciação, antes de apresentar possíveis elementos de uma reforma financeira europeia global, aplicáveis tanto ao lado das despesas como ao das receitas. Uma vez que as primeiras ideias de diferenciação foram desenvolvidas há mais de 20 anos, tornou-se uma solução geralmente aceite que as políticas prospetivas, que não estavam suficientemente amadurecidas para serem adotadas a nível da UE, pudessem ser adotadas pelos seus apoiantes. A diferenciação refere-se, geralmente, a uma política prosseguida por um grupo restrito de Estados-Membros que sejam capazes e estejam dispostos a avançar, no pressuposto de que outros Estados-Membros segui-los-ão posteriormente. Tal tem logicamente consequências a nível das receitas, quando já existe um certo grau de diferenciação para os países que recorrem a cláusulas de não participação, ou os países que beneficiam de um abatimento. Por conseguinte, o exame desta questão pelo HLGOR visou definir eventuais opções para o futuro. O HLGOR reconhece que um modo unificado, universal e coerente de financiar o orçamento deve continuar a ser a norma e que a fragmentação do orçamento da UE implica muitos riscos, nomeadamente no que diz respeito à responsabilização democrática e à eficácia. Quaisquer desvios devem, por conseguinte, continuar a ser a exceção, ser claramente justificados e comparados com o financiamento normal das políticas da UE, tal como estabelecido no Tratado, que parte do princípio de que todos os Estados-Membros participam, que a unidade e a universalidade do orçamento são preservadas e que as decisões são tomadas de acordo com o método comunitário e respeitando as características específicas do QFP e da Decisão Recursos Próprios. O relatório examina em seguida as circunstâncias em que a diferenciação poderia ser justificada. Os tratados proporcionam oportunidades para os pioneiros poderem realizar progressos através das disposições relativas à cooperação reforçada. Um exemplo é o imposto sobre as transações financeiras, que foi inicialmente rejeitado a nível da UE-28 e 5 que foi apresentado por um grupo de 10 Estados-Membros. A realização de progressos adicionais por parte de membros da área do euro poderia constituir um outro exemplo e o relatório identifica determinadas fontes de receitas que seriam relevantes neste contexto. Uma certa diferenciação poderia, por conseguinte, ser um elemento do futuro pacote global objeto de um compromisso. O relatório conclui, propondo as possíveis componentes de um pacote financeiro global europeu, aplicável tanto ao lado das despesas como ao das receitas: - - - reestruturar o QFP com maiores despesas em bens públicos comuns, centrado na obtenção de um maior valor acrescentado europeu e correspondente à natureza dos desafios; introduzir novos recursos próprios em paralelo com os recursos próprios tradicionais e o recurso próprio baseado no RNB, que cumpririam os critérios clássicos de suficiência e estabilidade e os aspetos verticais e horizontais dos requisitos de «equidade», realizando também objetivos políticos; explorar outras fontes de receitas provenientes de políticas e programas da UE, inscritas como receitas simples no orçamento da UE, em vez de recursos próprios; executar reformas processuais mínimas; incluir elementos de diferenciação, como a cooperação reforçada, se estritamente justificada. As próximas negociações sobre o próximo QFP terão lugar num contexto específico: o ceticismo sem precedentes sobre a UE (e, pela primeira vez, a perspetiva de um dos seus Estados-Membros sair); um desfasamento crescente entre os principais domínios de intervenção da UE e as expectativas dos seus cidadãos; e a necessidade de adoção de medidas nos novos domínios que não constituíram as prioridades da UE até à data. Embora a maioria destes desafios, à primeira vista, pareçam dizer respeito ao lado das despesas do orçamento da UE, ou seja, os domínios que poderiam ser objeto de regulamentação em vez de programas de despesas, a longa negligência do modo como a UE é financiada também explica por que razão é tão difícil, atualmente, fazer face aos desafios que enfrentamos. Alguns argumentam que o forte apoio à manutenção da situação atual relativamente à estrutura de financiamento da UE — em particular, dos Estados-Membros — não é senão uma consequência inevitável de políticas de despesas desadequadas. Outros afirmam o contrário — que a inadequação das políticas pode ser explicada por um sistema de financiamento enraizado. Chegou o momento de resolver este dilema. A reforma das receitas orçamentais não é um fim em si mesmo, nem uma panaceia para todos os problemas orçamentais. Deve ser encarada como um alicerce dos esforços em curso para restabelecer a confiança e a legitimidade da ação da UE, tornando o sistema de recursos próprios da UE mais simples, mais transparente e mais equitativo e democraticamente responsável. 6 Recomendações Em conformidade com o seu mandato, o HLGOR apresenta seguidamente as suas recomendações aos presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia. As recomendações partem do seu primeiro relatório de avaliação, do estudo externo encomendado, bem como dos debates com os parlamentos nacionais realizados aquando da conferência sobre o financiamento futuro da União Europeia de 7 e 8 de setembro de 2016. 1) É necessária uma reforma do orçamento da UE relativamente ao lado das receitas, que deve ser realizada em conjunto com uma reforma do lado das despesas para fazer face às atuais novas prioridades. A eficácia do orçamento geral da UE depende da capacidade — e da perceção que o público tem da mesma — para executar as prioridades da UE e para ajudar a resolver os desafios que os nossos cidadãos enfrentam nas suas vidas, quer sejam económicos, de segurança, geopolíticos, sociais ou culturais. Este esforço não é apoiado pelo atual sistema de financiamento, que tem vindo a tornar-se progressivamente um sistema de contribuições nacionais em que o orçamento da UE é visto como um jogo de soma nula entre «contribuintes líquidos» e «beneficiários líquidos». Além disso, um tal sistema poderia criar um rácio insustentável entre pagamentos e autorizações que teria de ser acompanhado de perto. Um sistema reformulado de recursos próprios deverá contribuir para alcançar os nossos objetivos políticos e, ao mesmo tempo, cumprir a sua missão de financiar o orçamento da UE de forma apropriada, e facilitar a adoção do orçamento. Os cidadãos da UE devem beneficiar de um orçamento que responda diretamente a estes desafios sempre que a ação a nível da UE seja necessária. Os preparativos para o próximo quadro financeiro plurianual (QFP) estão prestes a começar. Terão lugar num contexto específico, o que poderá ajudar a superar os obstáculos tradicionais ao processo de reformas encontrados do lado das receitas. O próximo QFP irá proporcionar a oportunidade de reavaliar a forma como o orçamento da UE pode apoiar os Estados-Membros e os cidadãos europeus de forma mais eficaz e eficiente, devendo ser tirado máximo partido desta oportunidade. Tal deverá incluir uma reflexão sobre o lado das receitas, e a dimensão e a composição das despesas, a fim de realizar os objetivos e cumprir as exigências do orçamento da UE. 2) Os princípios a seguir apresentados devem orientar o processo de reformas: Valor acrescentado europeu: Numa altura de escassez de recursos públicos, mas de crescentes necessidades financeiras, o orçamento da UE deve centrar-se nos domínios com o maior «valor acrescentado europeu», em bens públicos europeus para os quais a ação a nível da UE é não só importante, mas indispensável, ou em que as possibilidades de financiamento nacional são insuficientes para alcançar os nossos objetivos europeus. A Comissão deve demonstrar através de exemplos concretos, que uma utilização específica 7 e seletiva de um orçamento central pode dar origem a economias de escala, ganhos de eficiência e a melhor abordar assuntos externos. Subsidiariedade: As alterações na composição dos recursos próprios da UE devem respeitar as competências das autoridades nacionais para tomar decisões em relação às mesmas; do lado das despesas, qualquer reforma deve incluir um teste de subsidiariedade para determinar o nível a que as despesas devem ser mais eficazmente executadas: subnacional, nacional ou europeu. Neutralidade orçamental: A dimensão do orçamento é, em primeiro lugar, determinada pelo limite máximo dos recursos próprios e, em segundo lugar, pelo QFP, isto é, pelo lado das despesas. A estrutura do financiamento da UE não tem, enquanto tal, impacto sobre o volume do orçamento da UE. Por conseguinte, a introdução de novos recursos próprios ou de outros tipos de receitas, sendo todos os outros fatores constantes, resultaria numa redução das contribuições baseadas no RNB, e, deste modo, poderia criar alguma margem de manobra para os orçamentos nacionais ou as políticas orçamentais nacionais. Carga fiscal global: A introdução de novos recursos próprios não visa aumentar a carga fiscal para os contribuintes da UE. Pelo contrário, uma redução das contribuições nacionais, combinada com despesas da UE melhor adaptadas a políticas com maior valor acrescentado, como a segurança das fronteiras externas ou a defesa, tem igualmente por objetivo melhorar a governação europeia e gerar poupanças para os orçamentos dos Estados-Membros. Sinergias: Tendo em conta os condicionalismos orçamentais da UE e a pressão sobre as despesas públicas em geral, a maior parte dos objetivos europeus deve ser realizada com base na complementaridade entre os níveis europeu e nacional. Deve ser dada maior atenção às sinergias entre o orçamento da UE e o financiamento nacional para domínios com um elevado valor acrescentado europeu ou em que as possibilidades de financiamento nacional são insuficientes para a realização de bens públicos europeus. Esta abordagem é essencial para restabelecer a legitimidade da UE e das despesas públicas em geral. Unicidade do orçamento: A unicidade do orçamento da UE deve ser explicada e conservada, e os orçamentos «satélites» devem limitar-se a casos estritamente justificados e sujeitos a um controlo parlamentar adequado. O orçamento da UE e o seu financiamento devem ser mais transparentes e compreensíveis para os cidadãos, a fim de que os benefícios da UE, e não apenas os seus custos, sejam mais visíveis. Tal aumentaria a responsabilização geral do orçamento da UE. Os recursos próprios não só deveriam ser utilizados para financiar o orçamento da UE de forma suficiente, estável e equitativa. Deveriam igualmente ser concebidos para apoiar as políticas da UE nos principais domínios de competência da UE: o reforço do mercado único, a proteção do ambiente e a luta contra as alterações climáticas, a União da Energia e a redução da heterogeneidade fiscal no mercado único. Não só seria uma reforma assente nestes princípios orientadores perfeitamente justificada, mas teria também a vantagem de: fornecer uma ligação visível às políticas e prioridades da UE; 8 melhorar a coerência orçamental global a nível nacional e da UE; e promover um sistema de financiamento sustentável. 3) Alguns elementos do atual sistema funcionam bem, são simples, equitativos, eficientes, e devem ser mantidos: - O princípio do equilíbrio do orçamento da UE, que é importante para assegurar a disciplina orçamental, juntamente com o limite máximo dos recursos próprios e o quadro financeiro plurianual (QFP). - Os recursos próprios tradicionais (direitos aduaneiros), que constituem uma referência das genuínas receitas da UE e cujo processo de recolha é satisfatório. - Um recurso próprio baseado no RNB, se utilizado como recurso compensatório e verdadeiramente residual. 4) Opções mais adequadas para a introdução de novos recursos próprios. O HLGOR procedeu a uma análise aprofundada das opções possíveis no contexto da proposta de uma melhor combinação de receitas com todas as qualidades necessárias de um sistema de recursos próprios eficiente, estável, transparente e justo. O grupo determinou que uma reforma abrangente e viável do sistema de recursos próprios poderia basear-se numa combinação de novos recursos resultantes das políticas de produção, consumo e ambiente. As melhores opções para o estabelecimento de uma ligação com os objetivos da UE e o valor acrescentado dizem respeito ao seguinte: A. O mercado único e a coordenação orçamental: Um recurso próprio IVA reformulado (em substituição do existente), um recurso próprio baseado no imposto sobre o rendimento das sociedades e um imposto sobre as transações financeiras ou outras atividades financeiras teriam a vantagem de melhorar o funcionamento do mercado único. Além disso, sobretudo no caso da reforma do imposto sobre o rendimento das sociedades da UE e do IVA, promoveriam uma tributação mais justa e contribuiriam para a luta contra a fraude e a evasão fiscal — o IVA é o único imposto já contemplado pelo direito da UE. B. União da Energia/ambiente/alterações climáticas/políticas de transportes: O imposto sobre emissões de CO2, a inclusão do regime europeu de comércio de licenças de emissão, um imposto sobre a eletricidade, uma taxa sobre os combustíveis automóveis (impostos sobre os combustíveis fósseis/impostos especiais de consumo), ou a tributação indireta dos produtos importados produzidos em países terceiros com emissões elevadas. Poderiam ser introduzidos novos recursos próprios no contexto do novo quadro financeiro plurianual. Poderiam ser introduzidos gradualmente ou com certas condições prévias, como uma harmonização suficiente da matéria coletável ou uma transição equitativa para o novo sistema. 9 O HLGOR considera que o objetivo da futura reforma deve consistir em financiar a maioria das despesas da UE através de recursos próprios genuínos1. 5) Exame de outras eventuais receitas relacionadas com as políticas da UE. As receitas não provenientes de recursos próprios podem também financiar o orçamento e devem ser analisadas. Por exemplo, as receitas de vendas em leilão ou outras receitas provenientes de políticas da UE, como o controlo das fronteiras, o mercado único digital, a proteção do ambiente e a eficiência energética (prémios sobre as emissões excedentárias para os veículos automóveis), ou resultantes de competências da UE, devem, em princípio, reverter para o orçamento da UE, sob o controlo do Parlamento Europeu e do Conselho. Uma vez que essas receitas estão diretamente relacionadas com as políticas da UE, são visíveis e simples. A sua utilização terá de ser decidida caso a caso. Poderiam ser utilizadas para financiar o orçamento geral, limitando-se a reduzir as contribuições nacionais ou criar uma reserva no lado das despesas, ou ser afetas a um objetivo específico. 6) Definição de um conceito mais abrangente e preciso de «custos», «benefícios» e «saldos líquidos». A atual perceção do orçamento da UE como um jogo de soma zero não reflete a dimensão do valor acrescentado europeu das políticas da UE, e tende a favorecer as despesas objeto de préafetação por parte dos Estados-Membros em detrimento das políticas da UE atuais ou futuras com um claro valor acrescentado europeu, como, por exemplo, a segurança interna e externa, a luta contra as alterações climáticas, a investigação e a defesa. Naturalmente, não tem em conta os benefícios, não mensuráveis, como a participação no maior mercado único ou a pertença a uma das maiores potências no âmbito do comércio mundial e das negociações sobre a ação climática. O grupo recomenda que este problema seja abordado de dois modos. O primeiro consiste em introduzir fontes de receitas alternativas, que não sejam consideradas contribuições nacionais, mas sim recursos diretamente relacionados com a dimensão europeia. O segundo consiste em proceder a uma análise crítica do método atual de cálculo dos saldos líquidos, introduzido para calcular a correção a favor do Reino Unido, e desenvolver outros indicadores ou instrumentos para além do cálculo atual dos saldos líquidos que permita uma avaliação mais completa dos custos e benefícios das intervenções orçamentais da UE. Essa metodologia e/ou indicadores adicionais têm de refletir melhor os benefícios coletivos das despesas da UE, bem como os custos e benefícios por Estado-Membro. Estes custos e benefícios incluem os fluxos financeiros desencadeados por intervenções orçamentais da UE nos EstadosMembros, como, por exemplo, os investimentos ligados aos instrumentos financeiros da UE, ou por outras formas de assistência financeira da UE. Tal porá em evidência que um ganho para um 1 Um membro do grupo considera que, no atual quadro institucional da UE, a supressão do recurso próprio baseado no IVA e a simplificação do sistema de abatimentos nacionais iriam melhorar consideravelmente o sistema de financiamento à luz dos critérios pertinentes, ao passo que a justificação da inclusão de novos recursos próprios é muito mais ténue. 10 Estado-Membro não é necessariamente um custo para os demais. Deve ser encomendado um estudo para o efeito. 7) Correções e abatimentos A saída do Reino Unido da UE implica a supressão do mecanismo de correção a favor do Reino Unido, bem como dos «abatimentos relativos à correção». Isto, por sua vez, torna supérflua muita da justificação do atual recurso próprio estatístico baseado no IVA. Em geral, qualquer mecanismo de correção do lado das receitas deve ser suprimido. O equilíbrio entre recursos próprios deve assegurar que não se tenha de recorrer a qualquer mecanismo de correção. Em caso de encargos excessivos causados por um ou outro recurso próprio a um EstadoMembro, poderiam ser minorados através de uma compensação específica limitada no tempo e em montante, e de preferência calculada em termos de montantes fixos. Essa abordagem tornaria o sistema de recursos próprios mais simples e mais justo. 8) Análise da coerência vertical do orçamento da UE e dos orçamentos nacionais no âmbito do Semestre Europeu. Recomenda-se que a ligação entre o orçamento da UE e o quadro global de governação da política orçamental seja reforçada, a fim de criar sinergias e minimizar a carga fiscal, sempre que possível. Do lado das despesas, a coerência das despesas do orçamento da UE e dos orçamentos nacional seria um ponto fundamental de qualquer reforma, tendo em conta vários princípios — a necessidade de despesas situadas ao nível adequado (da UE ou nacionais), a identificação de objetivos comuns para o orçamento da UE e os orçamentos nacionais e a qualidade das finanças públicas (despesas favoráveis ao crescimento). Do lado das receitas, melhores canais de informação devem ser abertos em relação aos procedimentos orçamentais nacionais, ao processo orçamental europeu e ao Semestre Europeu, de modo a que as contribuições nacionais para o orçamento da UE sejam claramente compreendidas e antecipadas, e os objetivos comuns melhor alinhados. Uma apresentação orçamental e contabilística comparável dos recursos próprios nos orçamentos nacionais constituiria um primeiro passo nessa direção e iria facilitar o controlo parlamentar. 9) Inclusão de um certo grau de diferenciação («geometria variável»). Os princípios orçamentais fundamentais de unicidade e universalidade das receitas deverão continuar a ser o «ponto de partida» de qualquer esforço de reforma e não ser comprometidos. Apenas nos casos em que alguns Estados-Membros pretendam avançar em certos domínios de integração da UE é que a diferenciação do ponto de vista das receitas poderia ser uma solução viável, nomeadamente: — para o desenvolvimento futuro da área do euro. A afetação de tais fontes de receitas a rubricas de despesas específicas seria também mais fácil de justificar neste contexto. Alguns 11 candidatos examinados pelo grupo poderão ser adequados para a área do euro, como o imposto sobre as transações financeiras, eventuais contribuições do setor bancário ou o rendimento de senhoriagem proveniente do Banco Central Europeu. — para as políticas do âmbito da cooperação reforçada quando existir uma coligação de precursores (novas políticas, como a defesa). O HLGOR considera que estas recomendações são compatíveis com os atuais tratados europeus e poderiam ser postas em prática no âmbito do próximo QFP. Se o relatório abordar algumas ideias prospetivas, que apenas poderão ser concretizadas através de uma reforma dos tratados, esse facto será claramente indicado. Em todo o caso, deve ser tido em conta que a alteração da Decisão Recursos Próprios exige o acordo unânime dos Estados-Membros, após consulta ao Parlamento Europeu e a ratificação efetuada de acordo com os procedimentos nacionais. 12